sábado, 9 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19484: Os nossos seres, saberes e lazeres (307): Viagem à Holanda acima das águas (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
Conheci este museu vai para 40 anos, nunca me saiu da recordação, é uma arquitetura Arte Déco de primeiríssima água, aqui se albergam obras essenciais de uma corrente artística que foi das mais empolgantes da arte mundial, por todo o século XX, De Stijl, rompeu com os cânones de uma arquitetura separada das artes plásticas ou do design de interiores ou das artes do mobiliário.
Com esta nova corrente, tudo se conjuga. Movimento que deixou escola, e sentimo-lo bem quando vemos obras de mobiliário concebidas por génios da arquitetura como Siza Vieira ou Souto Moura.
Era um dos mais desejados passeios nesta viagem pela Holanda. E o anseio foi satisfeito, com uma tal intensidade que apetece regressar já, a esse admirável mundo novo de uma inovação que percorreu todo o século XX.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (11)

Beja Santos

É a despedida de Amesterdão, e o viandante guarda outra nota de humor de Bill Bryson, aquele que é considerado o autor de livros de viagens mais lido em todo o mundo, tem a ver com os holandeses e Amesterdão, diz que eles são parecidos com os ingleses no modo como estacionam os carros, no modo como colocam os contentores de lixo na rua e no modo como encostam as bicicletas contra a árvore ou o corrimão mais próximo. “Em Amesterdão limitam-se a abandonar os carros juntos do canal, muitas vezes à beira de caírem à água”. É uma cidade que tem uma grande história de tolerância, que prima pela arte de viver, o escritor português Rentes de Carvalho viveu em Amesterdão quatro anos e deixou relatos de profunda simpatia pela cidade, elogiando o poder de por ela vagabundear por ser calorosa e hospitalar. “Ao contrário de muitas outras metrópoles, Amesterdão parece ter conservado este sentimento de intimidade e segurança que são próprios das pequenas aglomerações. Talvez porque as ruas não são monumentais, talvez por causa dos seus canais sinuosos, talvez também por causa da sucessão incessante da água e da terra. Seja como for, a cidade tem qualquer coisa de atractivo, mesmo no coração do inverno, podemos ver os interiores das casas”. É essa a imagem que o viandante pretende guardar, talvez com aquela nesga de amargura de ter visto pouco, seria desejável permanecer mais tempo. Fica para a próxima, e sem mais comentários.



Um grande filósofo, Spinoza, com descendência portuguesa. Levou uma vida atribulada. Foi racionalista, o seu génio andou a par de Descartes e Leibniz. Fez imensas críticas ao texto bíblico, mesmo na cidade da tolerância, suscitou azedumes e repúdios. Tem nome consagrado na filosofia ocidental.



É a última fotografia de Amesterdão, a poucos metros do Rijks apanha-se o autocarro para Alphen. Amanhã é o dia para receber companhia do artista plástico do século XX que o viandante mais estima, Piet Mondrian, por isso se vai viajar até Haia.


Há uma forte razão sentimental para esta peregrinação, impossível descurá-la. Preparava-se o viandante para fazer programas televisivos, isto em 1978, e pediu à RTP para ir a Haia, à sede da Organização Internacional das Associações de Consumidores, buscar material. Assim aconteceu, viajou sábado de Lisboa até aqui, ao tempo era uma boa modalidade de fazer um brevíssimo roteiro turístico. E começou por aqui, domingo bem cedo, no Gemeentemuseum, a arquitetura é excecional, data de 1935, é um assombroso monumento da Arte Déco holandesa, a luz natural jorra por inúmeras janelas, não há escadas como aquelas, na elegância das linhas, o que atraiu o viandante foi Piet Mondrian, que continua a ser o patrono da casa, mas a coleção permanente é magnífica, aqui se encontram génios como Egon Schiele, Claude Monet ou Francis Bacon, tem cerâmica e moda do melhor, estava escrito: um dia inesquecível, como aconteceu.




Falar de Mondrian e deste portentoso edifício remete-nos para um dos mais importantes movimentos artísticos que emergiram no século XX: De Stijl, que incluía nomes como Piet Mondrian, Bart van der Leck, Gerrit Rietveld e Theo van Doesburg, juntaram-se à volta da publicação De Stijl, tinham o conceito de arte total, era uma abordagem de associação e aproximação de diferentes elementos como a arquitetura, as artes plásticas, o design e o mobiliário, introduziram uma rotura com o passado, embora estes artistas soubessem da existência do pensamento de um arquiteto de nome H. P. Berlage que já no fim do século XIX aspirava à conjugação de disciplinas para gerar uma nova dinâmica no modo de habitar e de viver. O resultado foi uma explosão artística que só viria a ser posta em causa quando os exércitos alemães irromperam nos Países Baixos, em abril de 1940.





Não falemos agora deste prodigioso De Stijl nem de Mondrian e companheiros, fica para a próxima, saboreie-se as artes decorativas, pormenores belíssimos de outras eras, encham-se os pulmões, De Stijl é uma manifestação em estado puro da pintura, a cor, a linha, a forma, tudo vai aparecer depurado mas confortável, o academismo e o classicismo iriam entrar em banho-maria. Virá mais tarde a contestação com os realismos totalitários e depois o neorrealismo, por um lado, e o abstracionismo e o não-figurativismo, por outra via. Mas isso é outra história.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19464: Os nossos seres, saberes e lazeres (306): Viagem à Holanda acima das águas (10) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19483: Histórias com mu(o)ral ao fundo (1): "Não vamos incomodar o senhor Lino por causa de um preto" (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, Zemba e Ponte do Zádi, 1972/74)






Angola, província do Uíge.Era quase duas meses o tamanho da Guiné. 




Cortesia de Wikipédia.


Histórias com mu(o)ral ao fundo (1) > "Não vamos incomodar o senhor Lino por causa de um preto"


por Fernando de Sousa Ribeiro 
 

[Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Esta história é verdadeira, os nomes é que são fictícios. Não nos compete julgar ninguém, muito menos os nossos camaradas de armas, aqui cabe-nos apenas o papel de contar histórias, de preferência com mu(o)ral ao fundo. A revisão e fixação de texto, bem como o título da história e a escolha do nome da série é da responsabilidade do editor LG. Esta é, aiás, a primeira história da série. Esperemos que outros autores apareçam.

O Fernando de Sousa Ribeiro foi alf mil da CCAÇ 3535 (Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74; é licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; vive no Porto; está reformado; é membro da nossa Tabanca Grande desde 11/11/2018, sentando à nossa sombra do nosso poilão nº lugar nº 780.]



Muitos dos camaradas do meu batalhão, talvez não soubessem ao certo onde é que ficavam a Ponte do Zádi e o Béu [, em Angola, na província do Uíge, no extremo norte, fazendo fronteira com a norte e a leste com  República Democrática do Congo]. É natural, pois nunca lá devem ter ido. Pois bem. O Béu ficava a algumas dezenas de quilómetros a leste de Maquela e era onde estava a sede da CCAÇ 3537. A estrada (de terra, claro) que ligava Maquela do Zombo ao Béu passava pela Ponte do Zádi, que era a sede da minha CCAÇ 3535. A Ponte do Zádi, portanto, ficava entre Maquela e o Béu.


O alf mil Fernando de Sousa Ribeiro
O comandante da minha companhia gostava de ir todos os sábados à noite a Maquela [, sede da CCAÇ 3536, da CCS e do comando do batalhão] divertir-se um pouco. Quem ficava a "tomar conta" do quartel era, por isso, um alferes. Várias vezes fui eu mesmo. 

E vem a propósito contar aqui um episódio ocorrido num desses sábados à noite no Zádi...

Num dos tais sábados à noite, parou à porta da messe de oficiais do Zádi um jipe, onde vinha sozinho o capitão Alvim, que também tinha ido a Maquela. Achei estranho que ele viesse sozinho, sem escolta. Mais estranho achei o estado em que ele se encontrava quando saiu do jipe. Completamente alterado e embriagado, como eu nunca o tinha visto antes, o Alvim avançou cambaleante e dirigiu-se-me, atropelando as palavras umas nas outras:

- Ó Ribeiro, deixe-me entrar para descansar um bocado... Filhos da puta! Estou completamente fora de mim... Que grandes filhos da puta! Não estou em condições de continuar a viagem até ao Béu... Eu devia mas era desertar! Preciso urgentemente de descansar... Mas que filhos da puta!

Fiquei completamente parvo com o estado em que o capitão Alvim se encontrava e com as palavras aparentemente desconchavadas que dizia. O Alvim, que era um homem sempre tão sereno, tão imperturbável, naquele estado... O que teria acontecido? 


Convidei-o a entrar na messe e a sentar-se. Servi-lhe já não sei o quê, disse-lhe para se descontrair e, quando ele ficou um pouco mais calmo, perguntei-lhe o que foi que aconteceu. O Alvim contou-me então o que tinha presenciado em Maquela.

Vou tentar reproduzir de forma clara e ordenada o que ele  me contou de forma confusa.

Já era de noite, quando alguém entrou na messe de oficiais de Maquela para chamar o médico. Disse que tinha dado entrada no hospital da vila um homem muito ferido, que precisava de ser visto urgentemente. O alf mil médico  Branco levantou-se e seguiu para o hospital. Quando entrou e viu o ferido, disse em voz baixa:

- Chicotadas...

O homem tinha as costas todas retalhadas, em carne viva! O Branco perguntou em seguida, em voz mais alta, o que tinha acontecido. Responderam-lhe que o homem era um trabalhador de uma fazenda do Lino, que estava a cortar uma árvore lá na fazenda e que a árvore lhe caiu em cima. Comentou o Branco:

- A cortar uma árvore à noite?... Ainda por cima num sábado?! Além do mais, uma árvore não faz ferimentos assim, como estes! O que este homem foi, foi chicoteado!

E acrescentou:

- Este homem precisa de ser evacuado imediatamente para Luanda. Eu não tenho meios aqui para tratar feridos com esta gravidade. Ele tem de ser evacuado imediatamente, senão morre-me nas mãos. Assim como está, ele não chega vivo até amanhã de manhã!

O comandante do nosso batalhão, quando foi informado da necessidade de evacuar para Luanda um ferido civil muito grave, porque tinha sido chicoteado quase até à morte, ficou muito preocupado. Comentou:

- Como é que vamos conseguir a evacuação de um homem para Luanda a esta hora? Aqui em Maquela não há aviões e, mesmo se houvesse, o piloto recusar-se-ia a voar de noite até Luanda. E com razão. Um voo noturno é muito arriscado.

Como era imperioso evacuar o homem, o comandante resolveu entrar em contacto com uma companhia de táxis aéreos que havia em São Salvador, a qual tinha pelo menos um avião permanentemente na pista. Esperava levar uma nega, como de facto levou.

- Ó senhor coronel - disseram-lhe de São Salvador. - Nós não temos condições para fazer voos noturnos até Luanda. Os nossos aviões não têm meios para fazer esses voos. O senhor coronel não leve a mal, mas não é por falta de vontade nossa. É mesmo impossível voar de noite até Luanda. Acredite. Só a Força Aérea é que pode fazer voos desses. Mais ninguém.

O coronel Figueiredo agradeceu, desligou e comentou:

- Ora, ora, a Força Aérea... A Força Aérea só evacua militares, não evacua civis! E agora, o que vamos fazer?

Como não havia mais nenhuma alternativa, o comandante resolveu entrar em contacto com o Aeródromo Base do Negage, da Força Aérea, esperando receber uma firme resposta negativa.

- Daqui fala o coronel Figueiredo,  do Exército, comandante do Batalhão de Caçadores que está em Maquela do Zombo - identificou-se através do rádio. - Preciso de falar pessoalmente com o comandante da base ou quem o substitua, com a máxima urgência.

Responderam-lhe do Negage:

- O comandante da base não está. Como é sábado à noite, ele encontra-se ausente...
- Não interessa! Chame o oficial mais graduado que estiver aí a comandar a base neste momento! É muito urgente! - insistiu o Figueiredo.

Quando o substituto do comandante da base chegou ao rádio, o coronel contou-lhe que havia em Maquela um civil gravemente ferido, que precisava de ser evacuado com a máxima urgência para Luanda. A resposta foi a que ele esperava:


- O senhor sabe muito bem que nós não evacuamos civis, só militares - disse o aviador. - Além disso, não temos aviões capazes de fazer um tal voo até Luanda, a não ser aviões grandes, como os Nord-Atlas, que são aviões de transporte de tropas. Ora nós não vamos mobilizar um Nord-Atlas de propósito, só para transportar uma pessoa!
- Mas é um caso excecional, urgentíssimo! - insistiu o comandante do batalhão.

- Lamento muito, mas não podemos. O senhor sabe muito bem isso.

O coronel Figueiredo teve então uma ideia.

- Ouça lá! - chamou, antes que o outro desligasse o rádio. - Não está nas funções da Força Aérea a prestação de assistência às populações?

- Está, claro que está - respondeu o aviador. - Isso cai no âmbito da "psico"...

- Então pronto! - exclamou o coronel. - O homem é negro, é da população local... Pode ser evacuado!

- O senhor é terrível! Não desiste!

- Não desisto, não - respondeu o Figueiredo. 


- Está um homem a morrer e eu não vou desistir enquanto ele não for evacuado.

- Está bem, pronto, a gente evacua o homem e não se fala mais nisso, acabou! - cedeu finalmente o outro. - Mas é a primeira e última vez! Que não se volte a repetir!

- Espero que não, espero que não...

- Então fica assim: nós vamos entrar imediatamente em contacto com o nosso pessoal que está no aeródromo de manobra aí em Maquela, para que faça a iluminação da pista, e vamos já mandar um Nord-Atlas para aí.

O trabalhador ferido acabou finalmente por ser evacuado para Luanda, num avião Nord-Atlas.

De volta ao centro da vila, o comandante afirmou que o incidente ocorrido com o trabalhador tinha sido tão grave, que ia participar o caso à polícia, para que investigasse o que aconteceu. Um civil branco, que estava presente e que o ouviu, opôs-se firmemente à ideia, dizendo:

- Não vamos agora incomodar o senhor Lino por causa de um preto...

Perante a oposição manifestada pelo civil, o comandante desistiu da participação à polícia. O capitão Alvim disse-me que provavelmente tinha sido porque o Figueiredo temia ser prejudicado na sua carreira militar. O Lino era o homem mais rico de Maquela e podia ter conhecimentos suficientemente influentes, que pudessem prejudicá-lo junto das altas chefias militares em Luanda.

O capitão Alvim, por seu lado, que tinha asssistido a todos estes acontecimentos pessoalmente, sentiu-se profundamente revoltado com o sucedido e começou a emborcar whiskies atrás de whiskies. A dado momento levantou-se desvairado, entrou no seu jipe e arrancou sozinho a caminho do Béu, sem esperar pela escolta que o tinha acompanhado. Durante todo o tempo, dizia sem parar:

- Filhos da puta! Grandes filhos da puta! Quase mataram um homem à chicotada! E é para defender estes filhos da puta que eu estou aqui! Eu devia mas era desertar! "Não vamos incomodar o senhor Lino por causa de um preto", diz o gajo... Um preto é um homem, porra! Mas que grandes filhos da puta!

Era isto mesmo o que ele dizia quando chegou à Ponte do Zádi e foi isto mesmo o que ele repetiu, inúmeras vezes, enquanto me contou o sucedido.


Fernando de Sousa Ribeiro

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19482: Ser solidário (222): O nosso camarada Luís Mourato Oliveira parte dia 2 de março para Bissau, para fazer voluntariado durante 3 meses, através da organização sem fins lucrativos "ParaOnde"... E qualquer ajuda humanitária adicional pode ser encaminhada para (e seguir por conta de) a loja "Paris em Lisboa", no Chiado


Excerto do sítio da organização sem fins lucrativos ParaOnde, fundada em novembro de 2014.


"Uma experiência de voluntariado poderá realmente transformar a tua vida e, por consequência, muitas outras.

"Encaramos a nossa missão como uma cadeia de boas ações e queremos que te juntes a ela. Trabalhamos para promover a consciencialização, a transformação social e a entreajuda, de forma a ativar e consolidar a empatia e a valorização da diversidade. Que tal fazeres voluntariado em conjunto com pessoas de todo o Mundo para reconstruir casas no Nepal? Ou aproveitares os teus conhecimentos para dares apoio escolar a crianças e jovens de contextos sociais vulneráveis em Lisboa?

"O mundo, fora de Portugal ou ao lado de casa, não é só aquilo que conheces e há muito para explorar, tanto para conhecer e muito para dar. Entra neste movimento, ficamos felizes de te ter a bordo."



1. Mensagem do Luis Mourato Oliveiranosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último  comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): 

Data: sexta, 25/01, 16:32



Assunto: Voluntariado na Guiné Bissau


Caro Luís,

Na sequência da nossa conversação de hoje, venho tentar dar mais alguma informação sobre a missão de voluntariado em que participarei a partir de 2 de Março próximo e durante três meses. (*)

A organização que me vai enviar designa-se ParaOnde e podes conhecê-la melhor no FaceBook. É gente muito jovem,  cheia de iniciativa,  e já conheço dois elementos que estarão durante parte do período da minha missão, podiam ser minhas netas, mas acho giro.

A missão é numa escola num bairro com grandes problemas e muita pobreza em Bissau e, sendo as minhas competências na área do ensino limitadas, vou ser aproveitado na motricidade e desporto dado ter sido jogador e treinador de andebol com formação obtida na Federação Portuguesa de Andebol.

Aproveito para levar para a organização, para que seja disponibilizada aos beneficiários desta algumas coisas. Um amigo meu com uma loja muito prestigiada em Lisboa, "Paris em Lisboa", não faz saldos e vai oferecer produtos da loja que se encarregará de expedir para a Guiné.

A estes vou juntar algum material desportivo que espero obter da Associação de Andebol de Lisboa com quem já falei na pessoa de presidente e, caso a nossa gente queira de algum modo contribuir, como calculas, estou de braços abertos.

Na formação que tive na organização ParaOnde, foi-me transmitida alguma desconfiança nas remessas, pois para além de ser um problema no desalfandegar, há riscos de exigirem "refresco" ou mesmo de cobrarem taxas. O que te pedia era informação que alguns nossos camaradas devem ter nestes processos, pois sei que regularmente fazem ofertas para lá, nomeadamente a "Tabanca de Matosinhos".

O coordenador em Bissau da missão é Humbongo Braima Sambu, que talvez seja conhecido por alguns de nós e está no FB podendo também no futuro ser contactado pela nossa malta. (**)
Fico a aguardar as tuas notícias e disponível para qualquer dúvida que seja levantada

Um abraço e bom fim de semana


Luís Oliveira




Lisboa > Chiado > Loja "Paris em Lisboa" (Foto da página do Facebook) (com a devida vénia...)


2. Nova mensagem do Luís Mourato Oliveira:

Data: quarta, 6/02/2019 à(s) 13:27

Assunto: Voluntariado em Bissau

 Olá,  Luis


Só agora te dou notícias porque também até hoje estive a aguardar informação do coordenador da escola em Bissau, mas nada de estranhar dado o país e cultura que bem conheces.

Como te disse há dias, vou partir dia 2 de Março e regresso no final de Maio, a organização que me vai enviar é ParaOnde.org e poderás conhecê-la melhor no FaceBook e a escola onde que irei trabalhar na área da motricidade e desporto é a Escola Particular Humberto Braima Sambu em Bissau- Bairro Pack 1. (**)

Qualquer informação ou remessa para esta instituição deve ser dirigida para:

Escola Particular Humberto Braima Sambú
A/C Mamadu Djassi C.P. 200
Bissau
Guiné Bissau




Guiné-Bissau > Bissau > Escola Privada Humberto Braima Sambu > 21 de novembro de 2018 > Alunos e alunos com o novo uniforme... A Escola foi fundada em maio de 1992  (Foto da págima do Facebook, com a devida vénia...)

Tenho estado a tentar arranjar alguma coisa que seja útil para aquela pobre gente e um amigo meu proprietário da loja "Paris em Lisboa", no Chiado e que nunca faz saldos, já me prometeu enviar texteis (Turcos, atoalhados, lençois etc.) e encarrega-se de todo o expediente inclusivamente do transitário e transporte. 

Caso alguns camaradas (a Tabanca de Matosinhos costuma ter algumas iniciativas, tal como a ONGD "Ajuda Amiga") queiram aproveitar a boa vontade do meu amigo Zé Carlos e tenham algo com que colaborar, poderiam juntar o material a expedir na loja e seguia tudo por conta da "Paris em Lisboa" que por sinal tem meios para o fazer.

Por hoje já vai alguma informação e fico a aguardar tuas noticias e alguma questão que queiras colocar.

Um abraço

Luís
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19389: Ser solidário (221): A "ONGD - Afectos com Letras" precisa de material para tratamento de queimaduras para dar resposta a uma solicitação do Hospital Simão Mendes de Bissau

(**) Vd.poste de  3 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13568: Ser solidário (163): Escola Humberto Braima Sambu, precisa de ajuda

Guiné 61/74 - P19481: Notas de leitura (1148): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (72) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
A franqueza, por vezes brutal, o completo desassombro, o rigor dos números e das propostas, deixam-nos estupefactos. Estes apontamentos que Castro Fernandes, figura lídima do Estado Novo, envia à governação do BNU em 1957, não poderá deixar insensíveis os estudiosos da História da Guiné.
Castro Fernandes não mascara as situações de conflito, os enredos e as intrigas, o que pensa sobre o funcionalismo e os comerciantes, o que há de bom e de mau na exploração dos recursos económicos. Salta à vista que está muitíssimo bem documentado e veremos que quando refletir sobre os problemas que interessam diretamente ao BNU, tem soluções na manga. Não se conhece, ao tempo, documento mais importante sobre o que era a Guiné e os remédios para a desenvolver, numa perspetiva colonial.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (72)

Beja Santos

Os apontamentos elaborados pelo Administrador António Júlio de Castro Fernandes depois da sua viagem à Guiné, que ocorreu entre março e abril de 1957, trazem uma outra iluminação sobre conceitos coloniais, instituições, pessoas, potencialidades económicas e até o sistema financeiro. É, não vale a pena iludir, um relevantíssimo documento que abre também caminho a sabermos mais sobre as propriedades do BNU na Guiné e o que era esperado por este Banco quanto à Sociedade Comercial Ultramarina.

Falou largamente sobre o contencioso do Perfeito Apostólico com o novo Governador, Álvaro da Silva Tavares, não descurando a observação de que, fruto da intensa islamização, não era o mais acertado recorrer às escolas das missões, mas sim às escolas laicas para incrementar a alfabetização.
E esboça um retrato do atual Governador:
“Foi Delegado do Procurador da República na Guiné durante quatro anos, Juiz no Bié e em Luanda, Procurador da República junto da Relação de Goa, Secretário-geral do Estado da Índia. É um homem novo, de 42 anos, bastante culto, com uma boa leitura, e manifestamente inteligente. Conhece a Guiné e os seus problemas. É muito trabalhador. Pareceu-me, apenas, hesitante ao passar do pensamento à acção – tem talvez o defeito de examinar as soluções por todos os lados de forma que encontra sempre razões para ter receio de as adoptar…
Não é fácil a sua tarefa: actua num meio extremamente complicado, não tem colaboradores, tem de se mover numa orgânica que, a meu ver, não corresponde hoje às necessidades das Províncias Ultramarinas”.

Tenho para mim que alguns dos parágrafos mais elucidativos sobre a vida colonial guineense saíram do punho de Castro Fernandes quando ele fala do meio social. Recorda que a população civilizada da Guiné é constituída por 1500 metropolitanos, 1700 cabo-verdianos, 4000 guineenses e uns 500 libaneses, núcleo de cidadãos concentrados nas cidades e vilas.
São todos ou comerciantes ou funcionários:
“Os comerciantes são, acima de tudo, traficantes – o indígena é, dizem, a principal riqueza da Guiné. O comércio tem por missão explorar esta riqueza. De resto, o indígena já o sabe e tanto que o Balanta diz para o branco ‘furta me ma piquinino’.
Os funcionários são, de uma forma geral, do pior que há. Só vão para a Guiné ou os castigados ou os que não têm classificação para serem colocados noutra Província ou como ponto de passagem para outro lado. Como nível cultural, não vão além do Reader’s Digest, como nível social está pouco acima, se está, do possidonismo da pequena burguesia das nossas vilórias. Claro que há excepções e que talvez eu exagere um pouco a caricatura – assim, fiquei espantado ao saber que os discos de música clássica se esgotavam logo que eram postos à venda; encontrei algumas pessoas com certo interesse e até com boas maneiras, mesmo no Interior.

A intriga é, além do consumo do whiskey por parte dos homens e da canasta por parte das senhoras, o entretenimento favorito dos cidadãos e cidadãs de Bissau. Serve de pretexto desde os negócios sentimentais até ao corte dos vestidos.
A vida – apesar de os ordenados dos funcionários serem pequenos – é contudo agradável no aspecto da comunidade. Um Chefe de Posto, que é evidentemente pessoa modesta, geralmente de extracção social modestíssima, vive confortavelmente: tem uma boa casa, a geleira repleta de boas coisas (com conservas de frutas, sumos, fiambres, etc.), sipaios para todos os serviços de casa, etc. Os Chefes de Circunscrição são principezinhos. Tanto uns como outros são presenteados largamente – quer pelos indígenas, quer pelos comerciantes – e conseguem fazer economias que geralmente estoiram durante as licenças graciosas passadas em Lisboa.

Em Bissau vive-se bem. Como as exigências não vão muito além da boa mesa, têm-na farta. E todos têm automóvel. E bons aparelhos de telefonia com gira-discos moderníssimos. E fatos de bons tecidos. E vestidos janotas. E perfumes e águas-de-colónia. E casas agradáveis… embora de péssimo gosto.
De resto, sem este mínimo de conforto, a vida seria impossível – dada a hostilidade do clima.
Este quadro, apenas esboçado, dá ideia das dificuldades de encontrar pessoas capazes de levarem a cabo uma obra de grande envergadura.
Os vícios inerentes a um meio como este não podem facilitar uma acção que pretenda sanear a vida económica e política da Província, criando maior riqueza ou preservando a que existe.
Salvo o devido respeito – que é muito – pelos que conhecem profundamente os problemas ultramarinos, afigura-se-me que o principal drama da Guiné (como de Cabo Verde), no aspecto da categoria dos funcionários técnicos, reside principalmente na existência dos dois quadros, o metropolitano e o ultramarino.

Examinemos, por exemplo, os serviços da agricultura. Do Instituto Superior de Agronomia sai todos os anos uma fornada de agrónomos. Todos procuram ingressar nos quadros do Ministério da Economia, onde são colocados como agrónomos de terceira classe com ordenado modesto de entrada, mas onde lhes é possível exercer outras actividades ligadas à profissão. Vão para o Ministério do Ultramar, normalmente, os que ou não tiveram possibilidade de ficar por lá ou os que têm necessidade, logo de entrada, de um ordenado maior. Destes, os que podem vão para Angola ou Moçambique, os outros, pobres deles, vão parar com os ossos à Guiné ou a Cabo Verde. E, então, sucede que o Director dos Serviços Agrícolas, por exemplo, da Guiné ou não tem categoria para o lugar, porque é fraco profissionalmente, ou porque não teve a prática necessária para desempenhar eficazmente tal cargo.
A meu ver, a Guiné, como Cabo Verde, como provavelmente São Tomé (limito-me às Províncias do meu pelouro) só terão resolvido o seu problema de pessoal técnico quando os funcionários, todos do mesmo quadro, forem destacados em comissão durante um certo período (refiro-me, já se vê, ao pessoal dirigente). No estado actual das coisas, não me admira que o Engenheiro-Agrónomo Director dos Serviços Agrícolas da Guiné vá pedir ao Agrónomo-Chefe de Ziguinchor que lhe dite um relatório sobre a mancarra…
Quanto aos quadros – a sua exiguidade é perfeitamente lancinante. Basta dizer que à Repartição dos Serviços de Agricultura e Veterinária está consignada, no orçamento deste ano, a verba de 2 mil contos”.

E desloca a sua análise para outro estrato social, os comerciantes:
“Os comerciantes, à parte os quatro grandes – de que me ocuparei na devida altura – ou são libaneses ou gente sem nível e sem preparação.
Não existe um comércio diferenciado, constituído por indivíduos com iniciativa, recursos, capacidade.
Na Guiné desagua o aventureiro ou o desiludido. Sujeitos que para ali foram tentar a vida e que se limitam, com maior ou menor êxito, a explorar o indígena, comprando-lhe os produtos que vendem aos grandes, e vendendo-lhes o que podem. Mais pormenorizadamente me ocuparei adiante da forma como o comércio é exercido. Neste capítulo, limito-me a denunciar o baixo nível social desta classe”. E conclui: 
“De modo que, o meio social da Guiné Portuguesa é constituído pelo funcionalismo – de uma forma geral mau, embora se devam apontar algumas excepções (e honrosíssimas), sobretudo no pessoal das missões encarregadas da execução do Plano de Fomento, no quadro clínico da Missão do Sono, na Missão Geoidrográfica, etc. – e pelo comércio cujo nível já se denunciou. O restante são empregados onde predominam os cabo-verdianos”.

Seguir-se-á um apanhado detalhado sobre recursos económicos. Logo o amendoim ou a mancarra. Constitui o principal produto de exportação da Guiné, a produção é da ordem das 35 mil toneladas e a exportação de sementes de amendoim para a Metrópole em 1952, foi também de 35 mil toneladas. A produção tem vindo a aumentar de ano para ano, tendo passado para o dobro desde 1926/30 a 1946/50. A Guiné Portuguesa é o quarto exportador do continente africano e o principal abastecedor da Metrópole. A cultura da mancarra é feita inteiramente pelos indígenas em regime de rotação. A área de maior produção coincide com a circunscrição de Farim e parte norte de Bafatá a Gabu. O aumento da produção não deve fazer-se à custa do actual equilíbrio do meio natural, isto é, o aumento da produção pelo incremento da destruição vegetal e pelo encurtamento dos pousios conduzirá à senegalização dos solos. Este aumento, que pode crescer consideravelmente, tem de ser feito pela progressiva melhoria das sementes, pela sua distribuição ao indígena, pela armazenagem do produto, pela adaptação de técnicas culturais mais perfeitas.

O amendoim é quase todo embarcado para o exterior por descascar. A casca representa em peso 25% da semente. Só a Casa Gouveia possui um descasque no Ilhéu do Rei. A Sociedade Comercial Ultramarina é a única que possui uma instalação para produzir óleo de amendoim. Esta situação da exportação da mancarra em casca é hoje única em toda a África. A exportação da ginguba (mancarra descascada) teria como vantagens óbvias uma considerável economia no transporte, uma melhor selecção do produto, mão-de-obra que ficava na Província. Tem sido preconizado que o indígena fosse obrigado a apresentar ao comércio o produto sem casca, ou que o descasque se efectuasse em pequenas máquinas instaladas nos centros de compra mais afastados dos pontos de exportação.
O problema da selecção de sementes e da construção de celeiros para o seu armazenamento começa agora a ser encarado.
O comércio da mancarra obedece aos princípios em que assenta todo o comércio da Guiné: exploração do indígena, corrupção de funcionários, concorrência desenfreada.

Existem na Guiné quatro grandes casas exportadoras – Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina, Barbosas, Nosoco – logo seguidas por Aly Suleiman, que é um pequeno exportador e, ao mesmo tempo, vendedor à Casa Gouveia, além de mais umas seis firmas. As grandes firmas operam, essencialmente, por duas formas: através das suas operações ou lojas estabelecidas no interior, pela compra do produto aos intermediários, pequenos comerciantes independentes espalhados pela Província. A compra ao indígena faz-se por dois processos: ou vão directamente às tabancas ou o indígena vem às lojas vender o produto (na generalidade, os pequenos e médios comerciantes queixam-se da faculdade que a todos é concedida de comprarem a mancarra nas tabancas; argumentam que se o indígena fosse obrigado a vender a mancarra nas lojas, compraria panos, contas, etc. e que, assim, recebem o dinheiro e, pago o imposto, gastam o resto em aguardente; além de que tal prática facilita a concorrência”.

O relator refere os preços de compra ao indígena em várias localidades da Guiné e observa igualmente que o negócio consiste sobretudo em cada um assegurar-se da maior quantidade possível de produto.

E esta análise de recursos económicos irá continuar com o coconote, arroz, produtos têxteis, e muito mais.

(Continua)

Imagem de uma Festa da Luta Felupe (Eran-ai), tirada em Sucujaque, em 8 e 9 de Abril de 2012, enquanto em Bissau decorria o golpe de Estado. 
Fotografia cedida por Lúcia Bayan, investigadora do povo Felupe, a quem agradecemos a gentileza.

Aeroporto de Bissalanca, anos 1950

Imagem de uma guineense, retirada de um postal à venda no eBay.
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Notas do editor

Poste anterior de1 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19459: Notas de leitura (1146): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (71) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19469: Notas de leitura (1147): Viagens de Luís de Cadamosto e de Pedro de Sintra (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19480: Parabéns a você (1572): Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2893 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19472: Parabéns a você (1571): Ana Duarte, Amiga Grã-Tabanqueira; Fernando Franco, ex-1.º Cabo Caixeiro do PINT 9288 (Guiné, 1973/74); Hugo Moura Ferreira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1621 e CCAÇ 6 (Guiné, 1966/68) e José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19479: Agenda Cultural (672): "Amores pós-coloniais", pelo grupo de teatro Hotel Europa... De 7 a 24 de fevereiro de 2019, no Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa


Cartaz do espetáculo "Amores pós-coloniais", Teatro D, Maria, de 7 a 24 de fevereiro de 2019 (Reproduzido com a devida vénia...)



1. Teatro: "Amores pós-coloniais"
Companhia: Hotel Europa
Data: de 7 fevereiro a 24 fevereiro 2019
Horário: qua: 19h30; qui: 21h30; sex: 21h30; sáb: 19h30; dom: 16h30
Local: Teatro Nacional D. Maria II

Praça Dom Pedro IV
Telef 213 250 800
http://www.teatro-dmaria.pt


Sinopse:

(...) Amores Pós-Coloniais inicia um novo capítulo de investigação na companhia Hotel Europa, estendendo o ciclo de investigação do colonialismo ao tema do amor.

“Este espetáculo de teatro documental pretende refletir sobre o amor enquanto espaço político e utópico, discutindo o que significava amar no espaço colonial e pós-colonial.

Este trabalho irá utilizar como metodologia um cruzamento entre a pesquisa de arquivo e a recolha de testemunhos reais. Pretendemos retratar com este espetáculo as políticas do amor no espaço colonial e perceber como a violência do colonialismo condicionava as relações amorosas. 


Iremos recolher testemunhos com antigos soldados Portugueses que tiverem filhos com mulheres África no tempo da guerra, mulheres de origem Portuguesa que se apaixonaram por homens negros pertencentes aos movimentos de Libertação, e também as relações que saíram da relação entre os países Africanos e os países da Europa de Leste. Este trabalho irá também entrevistar os filhos que saíram dessas relações, tentando fazer o escrutínio do que era o amor durante o período Colonial e Pós-Colonial.” (...) 

Sessão com interpretação em Língua Gestual Portuguesa a 24 de fevereiro.

Ficha técnica:

Hotel Europa. André Amálio, criação; Tereza Havlíčková, cocriação e movimento; André Amálio, Júlio Mesquita, Laurinda Chiungue, Pedro Salvador, Romi Anauel e Tereza Havlíčková, interpretação.

Preço: 11 €  (ver descontos)

Fonte: Agenda Cultural de Lisboa, fevereiro de 2019



Capa da Agenda Cultural de Lisboa, fevereiro de 2019, e reprodução da p. 40, com o anúnico da peça de teatro "Amores Pós-Colonais"


2. Nota do editor Luís Graça:

O sítio "Agenda Cultural de Lisboa", propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, Pelouro da Cultura, Divisão de Promoção e Comunicação Cultural, utilizou indevidamente, duarnte alguns dias ou algumas horas, uma imagem do nosso blogue, da autoria do nosso camarada Virgílio Teixeira, sem qualquer referências à fonte e aos créditos fotográficos. Escusado será lembrar que uma das 10 regras de ouro do nosso blogue  é justamente o "respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor".


Depois de apresentado o devido protesto, o Virgílio Teixeira, que foi alertado por nós e que ficou deveras incomodado, recebeu a seguinte mensagem da produtora do espetáculo "Amores Pós-Coloniais", Joana Santos, com pedido de desculpas:


Data: Mon, 4 Feb 2019 12:35:05 +0000
De: Hotel Europa
Assunto: Uso da imagem: pedido de desculpa
Para: Virgílio Teixeira

Boa tarde caro Virgílio Teixeira,

O meu nome é Joana Santos e sou a produtora do espectáculo Amores Pós-Coloniais da companhia de teatro Hotel Europa, com a autoria de André Amálio & Tereza Havlíčková, que vai estar em cena no Teatro Nacional D. Maria II.

Escrevo pois foi-nos comunicado que é o senhor que está representado na fotografia que chegou a ser usada para a divulgação do espectáculo.

Em nome da companhia Hotel Europa queremos pedir desculpa pela utilização da fotografia neste contexto sem a sua autorização.

A imagem foi usada durante muito pouco tempo pois como não tínhamos informação sobre autoria e créditos decidimos deixar de a usar e substituí-la. O departamento de comunicação do Teatro divulgou muito pouco a imagem e já tinha feito um pedido para que fosse substituída mas vai agora reforçar por pedido nosso. Já identificámos os sítios na internet que têm de substituir e o pedido já foi feito. Na agenda impressa essa alteração já não pode ser feita.

Mais uma vez, pedimos imensa desculpa pelo incómodo desta situação, não foi de todo intencional da nossa parte.

Muito obrigada pela atenção.
Com os melhores cumprimentos
Joana Santos (...)

André Amálio & Tereza Havlíčková (...)
Hotel Europa
Performance.Theatre.Dance

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Nota do editor

Guiné 61/74 - P19478: (In)citações (126): o facto de ter havido alguém, como o Ramiro Elias da Silva, a ter a ideia de um convívio do batalhão em Angola, por volta de 1980, à semelhança dos que fazemos em Portugal, é altamente significativo do espírito que animou os seus militares, o que muito me orgulha (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, Zemba e Ponte de Zadi, 1972/74)




Angola > Dembos > Zemba > CCAÇ 3535 / BCAÇ 3830 (1972/74 ) > O aquartelamento de Zemba


Angola > Maquela do Zombo  > Ponte de Zádi > CCAÇ 3535 / BCAÇ 3830 (1972/74 ) > O aquartelamento de Ponte de Zádi


Fotos (e legendas): © Jorge Madureira (2014) [,ex-fur mil mec, CCAÇ 3535, Zemba e Ponte de Zádi, 1972/74]. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (com a devida vénia...)


Comentário do nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74), com data de 2 do corrente (*):




1. Quem ler isto poderá perguntar-se como é que eu sei o que se passou com os angolanos da companhia (pelo menos com os que eram do Huambo) depois do fim da comissão. 

Eu explico. Aí por volta de 1986 ou 1987, apareceu num convívio do meu batalhão, cá em Portugal, um angolano que tinha sido do meu pelotão: o Ramiro Elias da Silva. Embora fosse natural de Benguela, o Ramiro casou-se com uma rapariga do Huambo (antiga Nova Lisboa) e foi viver para lá. 

Em 1984, a situação militar no Huambo estava a tornar-se insuportável. A cidade estava em poder da UNITA, mas sofria cada vez mais com os bombardeamentos da artilharia do MPLA, até que toda a população da cidade fugiu. O Ramiro fugiu também. A cidade do Huambo tornou-se uma cidade-fantasma, à mercê dos encarniçados combates entre a UNITA e o MPLA, com sul-africanos e cubanos à mistura. Em 1986, o Ramiro veio para Portugal, e logo a seguir compareceu a alguns convívios do batalhão.

Tudo o que eu sei sobre o que aconteceu aos meus antigos companheiros angolanos depois do fim da comissão, portanto, devo-o ao Ramiro. Foi ele que me contou o que se passou entre o Domingos Jonas e o Mário Sessendje. Contou-me ainda que, por volta de 1980, houve uma tentativa de organizar em Luanda um convívio entre os angolanos do batalhão. Este convívio não se pôde realizar, porque a guerra estava no seu apogeu, o paradeiro de muitos camaradas tinha-se perdido, as comunicações por terra estavam completamente cortadas (as deslocações entre as cidades apenas se faziam por avião, o que era caríssimo), em Luanda praticamente não havia restaurantes e os géneros alimentícios estavam fortemente racionados. 

Mas o facto de ter havido alguém que tenha tido a ideia de um convívio do batalhão em Angola, à semelhança dos que fazemos em Portugal, é altamente significativo do espírito que animou os seus militares, o que muito me orgulha.

Após ter participado em alguns convívios do batalhão cá em Portugal, o Ramiro Elias da Silva deixou de comparecer. Provavelmente terá regressado a Angola. Se ainda estiver vivo (espero que esteja), desejo-lhe as maiores felicidades, que bem merece.


2. A minha companhia, CCAÇ 3535, esteve em Zemba, na região dos Dembos (um ano), e em Ponte do Rio Zádi, muito perto da fronteira norte de Angola (o outro ano). 

Na dependência da companhia do Zádi havia dois destacamentos, ambos situados a cerca de duzentos metros da linha de fronteira, chamados Banza Sosso e Malele. A palavra Zádi (em quicongo Nzadi) significa "rio" e não faz muito sentido, por isso, falar em Ponte do Rio Zádi, porque isso significaria falar em "Ponte do Rio Rio"... Nós chamávamos ao quartel "Ponte do Zádi" ou apenas "Zádi". O Zádi era único rio digno desse nome existente em toda a região de Maquela do Zombo, com crocodilos e tudo.

O comandante do meu batalhão, BCAÇ 3880, era Armando Duarte de Azevedo (**), que teve o posto de tenente-coronel durante o primeiro ano de comissão (em Zemba, portanto), mas foi promovido a coronel no início do segundo ano. Mesmo quando já tinha a patente de coronel, ele manteve-se no comando do batalhão até ao fim.

Um abraço,

Fernando de Sousa Ribeiro

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(**)  Passou pela Guiné, esteve a comandar o BCAÇ 2845:

(...) "O BCAÇ 2845 foi mobilizado pelo GACA 2. Partiu para a Guiné em 1/5/1868 e regressou a 3/4/1970. Esteve em Teixeira Pinto e teve três comandantes: Ten Cor Inf José Martiniano Moreno Gonçalves; Ten Cor Inf Aristides Américo de Araújo Pinheiro (...) ; e Ten Cor Inf Armando Duarte de Azevedo." (...) 

Guiné 61/74 - P19477: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (5): 3 - Os Pelotões de Artilharia que estiveram em Gadamael (Continuação)




 1. Continuação da publicação do trabalho sobre os Pelotões Independentes que estacionaram em Gadamael, da autoria do nosso camarada Manuel Vaz (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67).








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Nota do editor

Poste anterior de 24 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19432: Pelotões Independentes em Gadamael: A Memória (Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798) (4): 3 - Os Pelotões de Artilharia que estiveram em Gadamael (Continuação)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19476: Recortes de imprensa (101): o desastre do Cheche, no rio Corubal, ocorrido na manhã de 6/2/1969 (Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1969, p. 1)






Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1969, p. 1




Citação:
(1969), "Diário de Lisboa", nº 16573, Ano 48, Sábado, 8 de Fevereiro de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7148 (2019-2-6)



Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06597.135.23237 | Título: Diário de Lisboa | Número: 16573 | Ano: 48 | Data: Sábado, 8 de Fevereiro de 1969 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Edição: 2ª edição | Observações: Inclui supl. "Diário de Lisboa Magazine". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa.

(Com a devida vénia...)


1. A notícia chegou tarde às redações dos jornais. O "Diário de Lisboa", que se publicava à tarde,  deu-a em título de caixa alta só na 2ª edição, dia 8 de fevereiro de 1969,  que era um sábado. Fez ainda uma 3ª edição. (*)

De qualquer modo, o jornal limitava-se a transcrecever a notícia dada pela agência oficiosa L [Lusitânia], com proveniência de Bissau e com data de 8 de fevereiro... As autoridades da província (leia-se: o general Spínola) levaram dois dias a recolher e a tratar a informação...

Omite-se, por certo intencionalmente, por razões de segurança militar, os seguintes elementos factuais:

(i) o "acidente" ocorreu na manhã de 5ª feira, dia 6 de fevereiro de 1969;

(ii) no  final da Op Mabecos Bravios, ou na seja, na sequência da retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche..

Os jovens de hoje não sabem o que era isso, mas  os jornais (o "Diário de Lisboa" e os outros) eram "visados pela censura": havia uns senhores todo poderosos, em geral militares, coronéis do exército ou equivalentes,  que tinham um "lápis azul", e que passavam a pente fino, previamente (ou seja, antes da publicação), todas as notícias que saiam na imprensa escrita. 

A grande maioria dos portugueses na época, e nomeadamente os da nossa geração, nascera já no Estado Novo, o regime de Salazar (e depois Caetano),  pelo que não sabia o que era a  liberdade de imprensa, escrita e falada...

O título de caixa alta,  "Desastre na Guiné", da responsabilidade do editor do jornal, era suscetível de causar alarme e consternação, nomeadamente entre as famílias dos militares que estavam então no TO da Guiné: 47 mortos (militares, em rigor 46 militares e 1 civil guineense) era o balanço do "trágico acidente".

Eu estva em Castelo Branco, no BC 6, a dar instrução militra, como 1º cabo miliciano, e em véspera de ser mobilizado. A  notícia deste desastre mexeu comigo... A notícia da minha mobilização chega a 27 desse mês...Na noite seguinte, às 3h41 ocorre o violento sismo de magnitude 8 na escala de Richter (, o maior depois de 1755), com epicentro no mar, a sudoeste do cabo de S. Vicente, na planície da Ferradura, se fez sentir em Portugal, Espanha e Marrocos. Eu nessa noite dormia o "sono dos justos"..

Mas, voltando à notícia da agência Lusitânia:  houve logo a preocupação, pelo menos, por parte do "governo da província da Guiné", de dar o núnero exato de mortos e desaparecidos (não se faz a distinção, fala-se em "vítimas") e listar os seus nomes

O balanço era, de facto, trágico: na lista das 47 vítimas, por afogamento (, parte das quais nunca chegarão a ser encontradas), constavam: 

(i) 2 furriéis milicianos; 

(ii) 7 primeiros cabos; 

e (iii) 38 soldados (na realidade, um dos nomes era de um civil). 

Mas os termos da notícia eram lacónicos, secos, quase telegráficos, como  de resto era habitual nos comunicados oficiais ou oficiosos em assuntos "melindrosos" como este:

"Na passagem do rio Corubal, na estrada para Nova Lamego, afundou-se a jangada que transportava uma força militar, havendo a lamentar, em consequência deste acidente, a morte, por afogamento, de 47 militares".

E a notícia ficou por ali: não se voltou a falar do "trágico acidente", nas edições seguintes, nem muito menos o jornal se podia dar ao uso de, por sua conta e risco, mandar à Guiné uma equipa de reportagem para aprofundar o assunto... Voltou-se à rotina da atualidade nacional e internacional, e os nossos valorosos camaradas que estavam na Guiné lá continuaram a "aguentar o barco" por mais cinco anos...

Para não dar azo, entretanto,  a perigosas  especulações, o ministro do Exércitofoi nomeou (e mandou de imediato para o CTIG) o cor cav Fernando Cavaleiro, um militar prestigiado,  o "herói da ilha do Como" (1964), infelizmente já falecido,  a fim de instruir localmente o processo de averiguações. Não sabemos quanto tempo levou a instrução do processo, mas temos um resumo das conclusões preliminares do cor cav Fernando Cavaleiro, publicado no jornal "Província de Angola", em data desconhecida, conforme recorte que nos foi enviado pelo nosso camarada José Teixeira, e que já aqui publicámos em poste de 25 de julho de 2015 (**).

Cinquenta anos depois, ainda não tivemos acesso ao relatório original (, nem sabemos se existe cópia no Arquivo Histórico-Militar), mas tudo indica que há nele erros factuais graves, permitindo ytirar conclusões enviesadas que acabam por escmotear, ignorar ou branquear a responsabilidade do 2º comandante da operação, que ultrapassou o oficial de segurança, o alf mil Diniz. 

Hoje sabemos que, na última e trágica viagem, em vez de 2 pelotões, a jangada levou o dobro, contrariamente as regras estabelecidas pelo alf mil Diniz... Mas este era o "elo mais fraco" da cadeia hierárquica e acabou por ser ele o "bode expiatório" de toda esta história que ainda continua mal contada...

2. Hoje comemoram-se os 50 anos deste trágico evento... E muita água ainda há-de ainda passar sob as pontes do rio Corubal até que se saiba a verdade ou toda a verdade sobre esta tragédia que ensombrou o primeiro ano do consulado do Spínola. 

Ainda está por realizar o prometido encontro do nosso editor Luís Graça com o ex-alf mil José Luís Dumas Diniz (, da CART 2338), responsável pela segurança da jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche, aquando da retirada de Madina do Boé. Uma peça fundamental neste feliz encontro foi (e vai ser) o ex-alf mil trms, Fernando Calado, da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande, e meu contemporâneo da Guiné (estivemos juntos, em Bambadinca, entre julho de 1969 e maio de 1970). Foi o Fernando Calado que me pôs em contacto com o José Luís Dumas Diniz.Dificuldades de agenda, de parte a parte, ainda não nos permitiram fazer o encontro a três.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19447: Recortes de inprensa (100): para a história da luta dos deficientes das Forças Armadas: a manifestação em Lisboa, de 20 de setembro de 1975 (Diário de Lisboa, 22/9/1975)

Guiné 61/74 - P19475: Historiografia da presença portuguesa em África (149): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Há razões seguras para dar muita atenção a este documento elaborado pelo médico Damasceno Isaac da Costa. Estamos no início da Província Autónoma da Guiné, está aqui um retrato fiel da presença portuguesa, a descrição das viagens entre Bissau e Geba não são propriamente uma novidade mas não conta a pirataria praticada, aliás o Governador Oliveira Muzanty teve que pedir a Lisboa uma operação como nunca até então se realizara para liquidar rebeliões, neste caso a do régulo Infali Soncó, que também impedia a circulação do Geba, nos moldes em que Damasceno Isaac Costa descreve neste seu precioso relatório.
E vamos conhecer os grandes problemas de saúde e de higiene do território.

Um abraço do
Mário


Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (1)

Beja Santos

Este relatório consta dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa e foi oferecido pelo seu filho Pedro Isaac da Costa ao antigo Administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, autor de um conjunto apreciável de documentos, muitos deles de leitura indispensável para conhecer a vida administrativa da Guiné, sobretudo entre as décadas de 1930 e 1950.

Este relatório, como se verifica pelo seu fecho, foi copiado pelo filho do autor. E diz-se que é de estranhar que tendo sido escrito em 1884 se refere a factos de 1888. É um documento minucioso, começa pela descrição do Conselho de Bissau, com sede em Bissau e compreendendo a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá e S. Belchior. Situa a ilha de Bissau e diz que o rio Impernal a separa do território ocupado pelos Balantas. A ilha, diz o médico, era constituída por gentes de dez tribos, e os régulos ou chefes tinham as denominações, entre outras, de Antim ou Intim, Bandim, Amura, Prábis, Safim, Torre, Biombo e Quixete. Faz uma história dos régulos, refere-se à importância que teve a Companhia de Grão-Pará e Maranhão que obteve licença do rei de Intim para a construção da fortaleza. A povoação, no final do século XVII, tinha duzentas cubatas e cinco casas cobertas a telhas, habitadas por negociantes portugueses e comissários das casas inglesas da Gâmbia e franceses da Goreia e também pelos grumetes; havia também uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição e um hospício para missionários.

Falando do itinerário de Bissau a Geba, escreve o médico:

“Durante a estação de inverno, durante esses meses em que as chuvas são constantes e torrenciais, as águas transbordando os vastos pântanos e superfícies pantanosas situadas em diferentes pontas na proximidade do rio, formam regatos que vão desaguar no mesmo rio, o qual, por sua vez, não tarda a transbordar em muito pouco tempo, em consequência da sua estreiteza e pouca profundidade. 

Nesse período de tempo, a água correndo constantemente e com violência para desaguar no oceano faz desaparecer o fenómeno de praia-mar. É devido à ‘mantuana’ que as embarcações que navegam de Bissau a Geba gastam muitas vezes 30 a 40 dias, pois que é necessário arrastá-las contra a corrente das águas com auxílio de cordas amarradas às árvores que orlam as margens do rio.

Um outro fenómeno que dificulta a navegação tornando-a perigosa especialmente na ocasião da lua cheia, é conhecido no país com a denominação de macaréu. É imponente e majestoso este fenómeno. Quando começa a praia-mar, ouvem-se ao longe grandes rugidos, semelhantes aos de uma tempestade, mas de curta duração. De súbito, vê-se encapelarem-se as vagas umas após as outras, as quais impetuosas levam diante de si tudo quanto se opõe ao seu curso vertiginoso. Este fenómeno só se vê nos rios Geba e Corubal.

Os Beafadas que outrora ocupavam as margens do rio Geba fechavam a navegação deste quando lhes parecesse, especialmente em ocasiões de guerra que travavam com os Fulas e exigiam avultadas indemnizações às embarcações que com grandes dispêndios e importantes carregamentos transitavam no rio. Em 1847, o governador de Cabo Verde ordenou que se suprimisse a verba vexatória que a título de presentes era abonada a esses piratas e desde essa época poucas vezes se repetiram casos de semelhante natureza.

Para levarem a efeito esses actos de pirataria, os Beafadas amarravam uma corda na árvore de uma margem que passando pela superfície da água ia terminar regularmente noutra árvore na margem oposta. Os extremos da corda traziam duas campainhas que anunciavam a chegada de qualquer embarcação. Os Fulas-Pretos atacavam esses piratas e acabaram os saques”.

É um documento não só de leitura aliciante como é um registo das condições de vida na colónia nos finais do século XIX.

(Continua)


Carta da Guiné, século XVIII, por amável deferência da Sociedade de Geografia de Lisboa.


Câmara Municipal de Bolama, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19457: Historiografia da presença portuguesa em África (147): O padrão, no Gabu, comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné (1446-1946)