quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19475: Historiografia da presença portuguesa em África (149): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Há razões seguras para dar muita atenção a este documento elaborado pelo médico Damasceno Isaac da Costa. Estamos no início da Província Autónoma da Guiné, está aqui um retrato fiel da presença portuguesa, a descrição das viagens entre Bissau e Geba não são propriamente uma novidade mas não conta a pirataria praticada, aliás o Governador Oliveira Muzanty teve que pedir a Lisboa uma operação como nunca até então se realizara para liquidar rebeliões, neste caso a do régulo Infali Soncó, que também impedia a circulação do Geba, nos moldes em que Damasceno Isaac Costa descreve neste seu precioso relatório.
E vamos conhecer os grandes problemas de saúde e de higiene do território.

Um abraço do
Mário


Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (1)

Beja Santos

Este relatório consta dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa e foi oferecido pelo seu filho Pedro Isaac da Costa ao antigo Administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, autor de um conjunto apreciável de documentos, muitos deles de leitura indispensável para conhecer a vida administrativa da Guiné, sobretudo entre as décadas de 1930 e 1950.

Este relatório, como se verifica pelo seu fecho, foi copiado pelo filho do autor. E diz-se que é de estranhar que tendo sido escrito em 1884 se refere a factos de 1888. É um documento minucioso, começa pela descrição do Conselho de Bissau, com sede em Bissau e compreendendo a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá e S. Belchior. Situa a ilha de Bissau e diz que o rio Impernal a separa do território ocupado pelos Balantas. A ilha, diz o médico, era constituída por gentes de dez tribos, e os régulos ou chefes tinham as denominações, entre outras, de Antim ou Intim, Bandim, Amura, Prábis, Safim, Torre, Biombo e Quixete. Faz uma história dos régulos, refere-se à importância que teve a Companhia de Grão-Pará e Maranhão que obteve licença do rei de Intim para a construção da fortaleza. A povoação, no final do século XVII, tinha duzentas cubatas e cinco casas cobertas a telhas, habitadas por negociantes portugueses e comissários das casas inglesas da Gâmbia e franceses da Goreia e também pelos grumetes; havia também uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição e um hospício para missionários.

Falando do itinerário de Bissau a Geba, escreve o médico:

“Durante a estação de inverno, durante esses meses em que as chuvas são constantes e torrenciais, as águas transbordando os vastos pântanos e superfícies pantanosas situadas em diferentes pontas na proximidade do rio, formam regatos que vão desaguar no mesmo rio, o qual, por sua vez, não tarda a transbordar em muito pouco tempo, em consequência da sua estreiteza e pouca profundidade. 

Nesse período de tempo, a água correndo constantemente e com violência para desaguar no oceano faz desaparecer o fenómeno de praia-mar. É devido à ‘mantuana’ que as embarcações que navegam de Bissau a Geba gastam muitas vezes 30 a 40 dias, pois que é necessário arrastá-las contra a corrente das águas com auxílio de cordas amarradas às árvores que orlam as margens do rio.

Um outro fenómeno que dificulta a navegação tornando-a perigosa especialmente na ocasião da lua cheia, é conhecido no país com a denominação de macaréu. É imponente e majestoso este fenómeno. Quando começa a praia-mar, ouvem-se ao longe grandes rugidos, semelhantes aos de uma tempestade, mas de curta duração. De súbito, vê-se encapelarem-se as vagas umas após as outras, as quais impetuosas levam diante de si tudo quanto se opõe ao seu curso vertiginoso. Este fenómeno só se vê nos rios Geba e Corubal.

Os Beafadas que outrora ocupavam as margens do rio Geba fechavam a navegação deste quando lhes parecesse, especialmente em ocasiões de guerra que travavam com os Fulas e exigiam avultadas indemnizações às embarcações que com grandes dispêndios e importantes carregamentos transitavam no rio. Em 1847, o governador de Cabo Verde ordenou que se suprimisse a verba vexatória que a título de presentes era abonada a esses piratas e desde essa época poucas vezes se repetiram casos de semelhante natureza.

Para levarem a efeito esses actos de pirataria, os Beafadas amarravam uma corda na árvore de uma margem que passando pela superfície da água ia terminar regularmente noutra árvore na margem oposta. Os extremos da corda traziam duas campainhas que anunciavam a chegada de qualquer embarcação. Os Fulas-Pretos atacavam esses piratas e acabaram os saques”.

É um documento não só de leitura aliciante como é um registo das condições de vida na colónia nos finais do século XIX.

(Continua)


Carta da Guiné, século XVIII, por amável deferência da Sociedade de Geografia de Lisboa.


Câmara Municipal de Bolama, fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19457: Historiografia da presença portuguesa em África (147): O padrão, no Gabu, comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné (1446-1946)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mário, os teus "reservados" da Sociedade de Geografia são uma "caixinha de surpresas", e contêm informação deliciosa e preciosa... Esse médico, pelo apelido Isaac da Costa, devia ser de origem hebraica...Enfim, talvez um cristão novo... Vou estar atento ao resto do teu texto, tanto mais que estamos perante alguém que representava a autoridade sanitária...Abraço, Luís