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terça-feira, 1 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26973: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (5): em 30 de junho de 1975, vindo de Bissau, eu fazia a reportagem das primeiras eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular (Carlos Filipe Gonçalves)







Cabo Verde > Ilha do Sal > Aeroporto > 28 de junho de 1975 > Há 50 anos eu fazia a reportagem das eleições em Cabo Verde,  em 30 de junho de 1975. Na foto a chegada da equipa da comunicação social da Guiné-Bissau à Ilha do Sal, no sábado 28 de junho de 1975. Da esquerda para direita: 

  • Flora Gomes e Sana Nahada (operadores-câmara filmar); 
  • António Óscar Barbosa (Cancan) (#)  e Carlos F. Gonçalves (jornalistas);
  • Agostinho (fotógrafo).

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves 2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
.




O Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense,  CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)".

 


1. Postagem publicada na página do Facebook de  Carlos Filipe Gonçalves | segunda, 30 de junho de 2025, 12: 32, bem como na página da Tabanca Grande:



Eis um extrato do meu livro sobre a Rádio Barlavento, no qual descrevo esse dia e a reportagem no dia da eleições (*):

(...) Em junho de 1975 fui indicado para integrar a equipa de reportagem da Rádio Difusão Nacional da Guiné (RDN) que se deslocou a Cabo Verde para cobertura das festividades da Proclamação da Independência. (##)

Viajei integrado na equipa de reportagem que acompanhou a delegação da Guiné que era chefiada pelo comandante Nino. À chegada ao Sal, a malta da rádio,  jornal e cinema foram para a Praia. Fui indicado para ir primeiro a S. Vicente, para cobrir as eleições para a Assembleia Nacional Popular que decorreram na segunda-feira,  30 de junho. Pouco depois de chegar a Mindelo, fui às instalações da rádio, agora Rádio Voz de S. Vicente, nas instalações do Grémio e da antiga Rádio Barlavento.

(….) Na segunda-feira 30 de junho de 1975 faço a reportagem das eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular. Depois de uma volta pelos bairros, onde vi filas enormes de votantes, acabo por entrar na assembleia de voto da Escola Nova. Fui recenseado na hora, inscrito na lista eleitoral, recebi um boletim de voto e votei! 

Escrevo à pressa uma crónica dos acontecimentos que presenciei. Tento depois um contacto com Bissau, para enviar as notícias, mas isso torna-se uma tarefa impossível. Não há facilidades nos CTT, aliás todo o mundo aqui fica espantado com o meu pedido! Enviar reportagem? Isso é uma novidade, perguntam logo, como se faz? Lá expliquei, mas, a nega continuou. 

Quem paga, podia ser o problema, mas não me dizem... Alguém, querendo ajudar, sugeriu e levou-me a um radioamador! Todo solícito e sentindo-se importante, ele disponibiliza-se logo, leva-me ao seu «estúdio» e vai-me dizendo, que ele tem um amigo radioamador em Bissau. Fiquei surpreso! Através da aparelhagem, chama, chama, enunciando o indicativo e siglas próprias… Mas não obtém resposta! Passei lá mais de uma hora… Nada! Desisti.

Na terça-feira, à tarde apanhei o voo para a Praia, onde vou encontrar os colegas da rádio de Bissau, Cancan e Zeca Martins e a malta do cinema que está encarregue de filmar todos os acontecimentos. A missão agora é a reportagem do dia 5 de Julho, no próximo sábado. (…) (**)

_____________

Notas do autor (CFG):

(#) António Óscar Barbosa, conhecido jornalista, passou pelo Emissor Regional da Emissora Nacional em Bissau, Rádio Libertação e Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau. Foi assessor para a comunicação de Luís Cabral e Nino Vieira. Na política, a partir dos anos 1990, desempenhou cargos ministeriais.


(##) O
PAIGC sempre teve,  desde Conacri, uma equipa de operadores de câmara, fotógrafos e operadores de som, que registava todos os acontecimentos. Faziam agora parte dos órgãos de comunicação social.

______________

Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 28 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26964: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (4): Cemitério Central do Mindelo: Talhão dos combatentes portugueses (Nelson Herbert / Luís Graça) - II (e útima) Parte

(**) A 19 de Dezembro de 1974 foi assinado um acordo entre o PAIGC e Portugal, instaurando-se um governo de transição em Cabo Verde. Este mesmo Governo preparou as eleições para uma Assembleia Nacional Popular, realizadas em 30 de junho, e  que em 5 de julho de 1975 proclamou a independência.

Cite-se uma peça recente da agência Inforpress (excertos, com a devida vénia):


(...) Cidade da Praia, 21 Mai (Inforpress) - Os primeiros deputados cabo-verdianos reuniram-se em sessão plenária em 04 de Julho de 1975, véspera da Independência Nacional, no salão da Câmara Municipal da Praia, para constituírem a primeira Assembleia Nacional Popular (ANP), com Isaura Gomes única deputada.

A acta da primeira sessão legislativa da primeira legislatura, consultada pela Inforpress, revela que os 56 deputados eleitos por todos os círculos eleitorais do país reuniram-se pelas 16:30 nos Paços do Concelho da Praia.

Nas listas únicas constavam nomes de dois sacerdotes (...).

A Comissão Eleitoral de então, presidida pelo jurista Raul Querido Varela, funcionou no edifício do Palácio da Justiça.(...)

Foi esta Comissão que, a 03 de Julho de 1975, procedeu ao apuramento geral do resultado das eleições dos deputados à Assembleia Nacional de Cabo Verde.

Este apuramento aconteceu nos termos do disposto nos artigos 102 a 105 da lei eleitoral de Cabo Verde, aprovada pelo decreto-lei 203/A 75, de 15 de Abril de 1975, do Governo provisório da República Portuguesa. (...)

O falecido Abílio Duarte, que a 05 de Julho proclamou a independência de Cabo Verde, no Estádio da Várzea, foi o primeiro presidente do parlamento cabo-verdiano. (...)

Após a instalação da mesa definitiva, Abílio Duarte declarara aberta a primeira sessão da Assembleia Nacional Popular.

De seguida, convidou os deputados a porem-se de pé, procedendo-se à leitura do texto de juramento colectivo, por uma questão de economia e tempo.

“Juro por minha honra dedicar a minha inteligência e energias ao serviço do Povo de Cabo Verde, cumprindo com fidelidade total os deveres da alta função de Deputado à Assembleia Nacional Popular”, foi assim que os eleitos de então juraram para servirem o país.

Feito o juramento, segundo consta da acta, a sessão foi suspensa por uns instantes e, de seguida, o presidente convidou os jornalistas a abandonarem a sala de sessão. (...)

Nessa mesma sessão, além do texto da proclamação da República de Cabo Verde, foi aprovada, por unanimidade, a Lei da Organização Política do Estado (LOPE), e foi, ainda, adoptada a lei que atribui a Amílcar Cabral o título de Fundador da Nacionalidade.

De acordo com o documento de 42 páginas dactilografadas, na época, a eleição do Presidente da República e do primeiro-ministro foi por aclamação.

“Povo de Cabo Verde, hoje, 05 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde proclama solenemente a República de Cabo Verde como Nação Independente e Soberana (...)”, lê-se no texto apresentado pelo presidente da ANP.

Abílio Duarte concluiu a leitura do texto de proclamação da independência dizendo que “a República de Cabo Verde lança um apelo a todos os Estados independentes, organizações e organismos internacionais, para que reconheçam de jure como Estado soberano, de harmonia com o Direito e a prática internacionais”.

Foi ainda nesta sessão legislativa que Aristides Pereira fora eleito primeiro Presidente da República de Cabo Verde e Pedro Pires como primeiro-ministro.

Em 1975, houve quem considerasse que Cabo Verde era um país “inviável” e com a independência ia desaparecer do mapa.

No livro do jornalista José Vicente Lopes “Aristides Pereira: Minha vida, nossa história”, o primeiro Presidente de Cabo Verde relata episódios sobre a situação financeira herdada da então potência colonial.

“Portugal deixou-nos praticamente com uma mão à frente e outra atrás (…), porque também estava com sérios problemas de sobrevivência devido ao caos financeiro e económico que nele se instalou com o 25 de Abril”, disse Aristides Pereira, para quem o que mais os governantes de então temiam era a seca.

Mas, segundo ele, graças à campanha de sensibilização feita junto de alguns países africanos e de Portugal, conseguiram colmatar as carências que havia para arrancar.

Para assinalar o 50º aniversário da independência nacional, a Assembleia Nacional vai reunir-se no dia 05 de julho, em sessão solene, sob a presidência de Austelino Correia, com um parlamento constituído por três partidos políticos: o Movimento para a Democracia (MpD, poder), o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e a União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), ambos da oposição. LC/AA.


(Revisão / fixação de texto: LG)

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Guiné 61/74: P26766: Efemérides (454): O fim da guerra do Vietname foi há 50 anos ("Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975)

 












Recortes de imprensa, "Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975, 2ª ed., pp. 1 e 20.

Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso |  Pasta: 06822.172.27196 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18752 | Ano: 55 | Data: Quarta, 30 de Abril de 1975 | Directores: Director: António Ruella Ramos; Director Adjunto: José Cardoso Pires | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa  


1. Há 50 anos a agência Reuters e o Diário de Lisboa, de 30/4/1975, noticiavam o fim da guerra do Vietname.  Uma guerra com 3 décadas, que foi um pesadelo para todos: os vietnamitas e os outros p0vos da Indochina, os franceses, os americanos... (e demais povos e todo o mundo, já que não foi  uma mera guerra regional, desenrolou-se em pleno clima de "guerra fria"...).

Foi também uma guerra que esteve no nosso "imaginário"... Mais do que isso: também sobrou para nós... Os mísseis terra-ar Strela, por exemplo, já tinham sido testados no Vietname... bem como a passagem da guerrilha à guerra convencional (no caso, port exemplo,  da Guerra dos 3 G: Guidaje, Guileje, Gadamael)...

E havia até quem, mal ou bem, na nossa geração, comparasse a guerra da Guiné com a do Vietname... É evidente que foram duas realidades incomparáveis: pelos meios bélicos empregues, em homens e armas, pela extensão do território, pela violência, pelo nº de baixas, etc.; as nossas guerras foram de "baixa intensidade". Os militares norte-americanos tiveram cerca de 58 mil mortos, e perto de 300 mil feridos. As perdas entre os vietnamitas, civis e militares, do Norte e do Sul são impossíveis de calcular (há estimativas que apontam para 2 a 4 milhões).

Em 30 de abril de 1975 estávamos no rescaldo das eleições, realizadas uns dias antes (em 25 de abril) para a Assembleia Constituinte.  As primeiras eleições livres!... Tinha havido o 11 de março e depois a fúria das nacionalizações...Mas já antes o 28 de setembro de 1974, que alguns historiadores apontam como o  início do PREC (Processo Revolucionário Em Curso). 

O "verão quente de 1975", já estava em banho maria... E em Angola, a 6 meses da independência,  já havia crescentes sinais da brutal guerra civil que se iria desencadear depois do 11 de novembro de 1975 e  prolongar durante anos e anos até 2002 (com escassos períodos de paz podre pelo meio). 

Os últimos militares portugueses em Angola regressaram a 10/11/1975, na véspera da "dipanda". A sangria de quadros foi brutal... Um amigo meu, angolano, médico, disse-me que nesse dia, histórico, o número de médicos que restavam no território era der 26...

Cinquenta anos depois perguntamo-nos, ingenuamente: porquê ? para quê ? como foi possível ?  A guerrra do Vietname, a guerra da Guiné, a guerra de Angola... A(s) guerra(s)... 

_________________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 26 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26732: Efemérides (453): Lourinhã, 25 de abril de 2025: cerimónia de homenagem aos combatentes da guerra do ulltramar / guerra colonial

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26212: (Ex)citações (431): Ainda o caso do nosso saudoso António da Silva Baptista (1950-2016), o "morto-vivo": nas vésperas do "verão quente de 1975" era herói da literatura de cordel nas feiras e romarias do Norte



Fotogranma de vídeo da RTP Arquivos  > Programa: Memórias da Revolução: Soldado António Silva Baptista (passou na RTP, em 2 de junho de 2015; duração: 1'13''). Foto: LG (2024)
 

1. Em junho de 1975, nas vésperas do "verão quente de 1975", nas feiras e romarias do Norte,  o nosso querido António da Silva Baptista (1950-2016), o "soldado morto-vivo", era herói da literatura de cordel... 

Em junho de 1975, nas romarias, a sua história, ao lado de outros dramalhões,  era vendida em folha de jornal. de grande formato, com o título "Dor, Lágrimas e Alegria", ao preço de 5 escudos (o equivalente, a preços de hoje, a 1 euro; no vídeo, que é de 2015, a 69 cêntimos)...Com direito a lágrimas de dor e alegria,  à mistura com  a música de acordeão...

Sabemos como foi o princípio,  meio e fim (*)... Menos de um ano depois, em junho de 1975 ele já era uma lenda: feito prisioneiro do PAIGC em 17 de abril de 1972, e trocada a sua identidade com outro canarada (o António Ferreira, 1950-1972,  que esse, sim, foi efetivamente umas das vítimas mortais da brutal emboscada do Quirafo), só foi libertado em setembro de 1974  (por troca de prisioneiros entre as NT eo PAIGC)... 

Em junho de 1975 a sua história, memso mitificada, já era conmhecida e os cantadores ambulantes de feiras e romarias já ganhavam uns cobres com ela, narrando o seu drama: prisioneiro, incomiunicável,  sem ninguém saber que  estava vivo, fez parte das partilhas do que sobrou da Guiné... Entretant0o, já tinha  sido enterrado em 1972 (por troca de identidade com o António Ferreira) ...Voltaria à sua terra, Moreira da Maia, para espanto dos vivos, e iria visitar a sua própria campa em 18 de setembro de 1974. 

Eu próprio me emocionei,. quando há dias descubri este vídeo da RTP (**)...que merece ser partilhado com os nossos leitores.

2. Sinopse e ficha técnica do vídeo (que pode ser visto acima, no sitío da RTP > Arquivos, e conteúdo está sujeito a licenciamento razão por que não o podemos pôr aqui diretamente):

Programa de caráter histórico que assinala as comemorações dos 40 anos do Processo Revolucionário em Curso (PREC), que ocorreu entre 11 de março e 25 de novembro de 1975, com destaque para a história de António Silva Baptista, o soldado "morto-vivo", dado como morto na Guiné em abril de 1972, quando na verdade tinha sido feito prisioneiro pelo PAIGC.

Ficha técnica:

Nome do Programa: Memórias da Revolução: Soldado António Silva Baptista

Nome da série: Memórias da Revolução

Locais: Lisboa

Temas: História, Política

Canal: RTP 1

Data: 2015-06-23

Duração: 00:01:13

Menções de responsabilidade:

Autoria: Instituto de História Contemporânea e RTP - Série promovida pelo Instituto de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL em parceria com diversas instituições.

Tipo de conteúdo: Programa

Cor: Cor

Som: Stereo

Relação do aspeto: 16:9 PAL


_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15899: Recortes de imprensa (79): Uma "histórica" entrevista dada, em 18/9/1974, pelo António da Silva Batista (1950-2016) ao extinto "Comércio do Porto", quando regressou ao "mundo dos vivos" (Mário Miguéis da Silva, ex-fur mil rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72; vive hoje em Esposende)

(**) Último poste da série > 12 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 – P26146: (Ex)citações (430): Habitações palacianas de Gabu (José Saúde)

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25812: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte III: mortos em Angola




Quadro 1 - Lista d0s mortos de Fafe no TO de Angola (1961/1975) (pp.  44/45)






SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal- In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.



1. Estamos qa reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor),   excertos do  extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva.  Esta III parte é dedicada a Angola.


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal   Excertos ]  - Parte III (pp. 44-57)

por  Jaime Silva



(...) 2.1 Quadro-referência com a identificação dos nomes dos militares de Fafe mortos em cada uma das três Províncias Ultramarinas

A. ANGOLA > QUADRO 1 – Lista dos mortos de Fafe em Angola (vd. acima)


(...) Ao analisarmos o quadro acima,  com a identificação dos militares de Fafe tombados em Angola, podemos verificar que em Angola morreram dezasseis militares,  naturais de Fafe, Como causas da morte e usando a terminologia do Arquivo Geral do Exército, sabemos que tombaram por:

  • “Ferimento em combate com armadilha”, um;
  • “Ferimento em combate com mina anticarro”, um;
  • “Ferimentos em combate”, três;
  • “Combate”, dois;
  • “Acidente de viação”, três;
  • “Acidente – afogamento”, dois;
  • “Acidente com arma de fogo”, dois;
  • “Acidente por outros motivos”, um;
  • “Doença”, um.


Resumindo: 7 em combate; acidente, 8; doença, 1,

Quanto ao posto e especialidade, podemos verificar:

  • em primeiro lugar, que doze eram soldados, tendo as seguintes especialidades: Atiradores, três; Apontador de Morteiro, um; Caçador Especial, um; Radiotelegrafista, um; PM – Polícia Militar, um; Condutor auto, um; Reconhecimento e Informações, um;
  • existem três sem anotação da sua especialidade e, destes, um é de uma Companhia de Caçadores (CCAÇ) e dois de Companhias de Artilharia (CART);
  • em segundo lugar, três tinham o posto de 1.º cabo (um maqueiro e dois atiradores) e, em terceiro, um era oficial miliciano com a patente de alferes.

Dois militares ficaram sepultados em Angola nos cemitérios locais: 

  • soldado atirador Artur de Sousa, natural de Ardegão, pertencente ao BCAÇ 92 e à CCAÇ  94, falecido em 3 junho de 1961 em consequência de acidente com arma de fogo, ficando sepultado no adro da Igreja de Sanza Pombo (Norte);
  • e o soldado atirador Alberto Moniz Nogueira, do BCAÇ 1863 e da CCAÇ 1450, natural de Arões S. Romão, falecido em 16 de dezembro de 1966, em consequência de acidente de viação no destacamento de Messibi (Leste) e está sepultado no cemitério do Luso.

O primeiro militar de Fafe a tombar em Angola e, também, na Guerra Colonial foi o soldado atirador Artur de Sousa, natural de Ardegão. A última vítima da guerra em Angola e, também, o último a morrer na Guerra Colonial  (...)  foi o 1.º Cabo José Pereira Dias, natural de Armil, onde está sepultado. (op cit., pp. 46/47).


  • 1.º Cabo João Pedro Alexandre,  nº mec. 12804373 (op cit., pp. 47-52)


(...) A morte ocorre já depois de se ter dado a Revolução de Abril em 1974. Foi incorporado nas fileiras das Forças Armadas em 6 de maio de 1974 (...)  e é nomeado em agosto para servir no Ultramar com destino à ComAgr  6001, vindo a embarcar em Lisboa a 11 de dezembro de 1974 e a desembarcar em Luanda a 12 do mesmo mês. 

Uma vez em Angola, é destacado para prestar serviço no Comando de Agrupamento  6001/74, em Cabinda, onde veio a falecer a 27 de setembro de 1975, em consequência de acidente de viação.

Do seu processo individual, que consultei no Arquivo do Exército por deferência do seu irmão, que agradeço, transcrevo a participação do acidente feita pelo 1.º cabo João Pedro Alexandre n.º 12804373 e assinada por este e pelo 1.º cabo João Pedrosa Alexandre:


Comando Territorial de Cabinda

Exmo Senhor Comandante Militar

Participo a V. Exa que hoje pelas 12h00, quando seguia na viatura “UNIMOG” N.º MG-27-89 conduzida pelo soldado condutor Auto N.º 03225674 António Gonçalves Capelas, do CMD. AGR. 6001/74, e após a viatura ter desfeito uma curva pouco acentuada, à saída da cidade de Cabinda, guinou em direção à berma da estrada do lado direito, não conseguindo o condutor trazê-la ao sentido de origem apesar de todos os esforços que fez para isso. Em consequência da posição em que ficou a viatura, isto é, com as rodas do lado direito a um nível mais baixo do que as do lado esquerdo os caixotes e os ocupantes que seguiam na carroceria caíram da viatura tendo um dos caixotes atingido gravemente o 1.º cabo NM 026905774 José Pereira Dias do CMD AGR N.º 6001/74. Verificaram-se ainda ferimentos ligeiros nos seguintes militares:

1.º  Cabo NM 12804373 João Pedrosa Alexandre

1.º Cabo NM 14105574 António Fernandes Santos Silva
Soldado NM14105574 António Gonçalves da Silva

Todos deste CMD AGR N.º 6001/74. A viatura não sofreu danos materiais.

São testemunhas: - 1.ºCabo NM 14105574 António Fernandes Santos Silva e o Soldado NM14105574 António Gonçalves da Silva.

Quartel em Cabinda, 27 de Setembro de 1975.
(pág. 48)


Ainda do seu processo individual e referente ao acidente, transcrevo da “Informação n.º 17 / 77”, emanada do Quartel-general da RM (Região Militar) de Lisboa em 20 de janeiro de 1977, assinada pelo Chefe de Serviço de Justiça  ten cor Alfredo Marques de Abreu, o seguinte:

(...) No ponto - 02. Da análise do processo verifica-se que:

a) No acidente contraiu as lesões descritas das quais resultou a morte no mesmo dia.

b) O acidente ocorreu sem culpabilidade do sinistrado.

Ponto - 03. Em face dos elementos existentes no processo é este SJ (serviço de justiça) do parecer que:

a) O acidente deve ser considerado resultante do exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho
.  (pág. 48).

“A certidão de Narrativa Completa de Registo de Óbito”,  passada pela Conservatória do Registo Civil de Cabinda,  da Província de Angola,  regista que faleceu no Hospital Regional de Cabinda de "traumatismo toráxico".

  • Onde está o Costa ? (op. cit., pp. 49-52)

Militares casados antes de serem incorporados no serviço militar, existe um na relação dos mortos em Angola. Trata-se do soldado António Matos Costa, que pertenceu à CCAÇ 1783, sediada no destacamento de Magina e integrada no BCAÇ 1930, do qual também fazia parte o fafense furriel António Amável Marinho Mota, da Companhia  1782, destacada no Luvo.

Tenho em meu poder três documentos escritos e o testemunho do Furriel Mota que identificam as causas da morte do Costa, e um deles contradiz os outros quanto às causas da morte:

O primeiro, com a relação dos militares de Fafe tombados em Angola e cedido pelo Arquivo Geral do Exército, diz que o António Matos Costa é filho de Bento Jorge da Costa e Isaura de Matos, natural da freguesia de Vila Cova, casado com Florentina Pereira Rodrigues e pai de uma menina. 

Foi soldado com a especialidade de atirador a quem foi atribuído o Número Mecanográfico 2469367, pertenceu à CCAÇ 1783, integrada no BCAÇ 1930, sendo a Unidade Mobilizadora o RI 2 (Abrantes), que faleceu a 1 de junho de 1968 em Magina e cujas causas da morte são ferimentos em combate (armadilha). Está sepultado no cemitério de Queimadela.

O segundo documento está arquivado na Delegação de Fafe da APGV e foi-me cedida cópia, para este efeito, pelo seu presidente Manuel Ribeiro. Trata-se do “Processo de Trasladação” onde refere que a “Causa da Morte” foi por Acidente com arma de fogo. 

O documento atesta, ainda, que o Governo do Distrito do Zaire, com sede em S. Salvador e através do Alvará n.º22/G/968, datado de 17 de junho de 1968, declara: 

“Hei por bem autorizar a trasladação solicitada pelo Comando de Setor F para se proceder à Trasladação de São Salvador para um cemitério da Metrópole, do corpo de que foi sodado António Matos Costa, cuja urna se encontra em São Salvador. O Encarregado do Governo, Manuel Dias Peão." (op. cit, pág. 49)

O terceiro documento é um livro extraordinário escrito pelo Capelão do Batalhão, Padre Manuel Leal Fernandes, intitulado: Angola - As Brumas do Mato. Foi publicado em 1977 pela Livraria Telos Editora e foi-me oferecido pelo meu amigo António Mota, então furriel e camarada de Batalhão do António Costa. Descreve os momentos mais marcantes e dramáticos do BCAÇ 1930 durante a sua comissão entre 29 de novembro de 1967 e 27 de janeiro de 1970.

Durante a minha comissão vi, conheci e testemunhei no Norte e Leste de Angola os sacrifícios, as dificuldades de sobrevivência a que foram sujeitos muitos dos meus camaradas das Companhias do Exército destacados em locais recônditos, longe de tudo e onde, por vezes, foram sujeitos ao extremo da falta de apoio militar vendo, por isso, morrer os seus camaradas por falta de apoio aéreo para evacuar os feridos, como aconteceu com o meu primo Arsénio no Norte, e de mantimentos, passando fome.

O Padre Manuel Leal Fernandes, através dos depoimentos dos seus camaradas, transcorrido já mais de quarto de século sobre os acontecimentos vividos, retrata com uma grande seriedade e grandeza, que deve ser enaltecida, os momentos mais marcantes de sobrevivência de um grupo de homens que viveram durante dois anos em destacamentos construídos e situados no meio do mato e onde nada existia. No meio do nada, como escreve. É um excelente livro de apoio pedagógico para a disciplina de História nas escolas e para aqueles que querem saber a verdade dos factos.

O fafense António Costa fez parte do grupo da Companhia que não regressou vivo. Nas páginas 171 a 177, o autor dedica um capítulo ao António Costa, intitulado: Onde está o Costa, e no qual descreve a circunstância da sua morte.

Considero-o um documento histórico muito importante, porque, para além de nos dar a conhecer as circunstâncias da tragédia da morte do António Costa, permite-nos, também, ficar a saber e compreender o modo como se defendiam os aquartelamentos dos ataques do inimigo e como se colocava o sistema de minas no terreno.

Por isso, com esse objetivo e com a devida vénia, tomo a liberdade de transcrever e sintetizar algumas partes do seu texto:

Pelas 4 da manhã de 1 de junho de 1968, tinham rebentado duas armadilhas, habitualmente dispostas lá em cima, no morro, para defesa periférica do aquartelamento. O Comandante da companhia destaca o furriel de minas e armadilhas Aníbal Martins de Matos para ir lá acima ver o que se passou. O local ficava a uns 200-300 metros e o furriel Matos faz-se acompanhar da secção do furriel Figueira que estava de baixa, constituída por dez homens e da qual fazia parte o Costa. 

Chegados ao local o furriel lentamente, com redobrada cautela começa a inspeção das armadilhas. Faltava-me ver ainda duas, continua o furriel Matos – e dou com o Costa junto do meu ombro esquerdo. O furriel retirou-o do local e colocou-o a uma distância de segurança fora da zona armadilhada, continuando a inspeção. Voltei atrás, à penúltima armadilha. Eu tinha-as colocado de sete em sete passos. Como estavam numa zona lateral, nunca havia o perigo de eu tropeçar nelas. Elas estavam colocadas no meu lado direito e mesmo que eu desse um passo mais alargado não havia problema. Ao fim de sete passos, mais ou menos centímetros, lá estaria uma. Tinha visto já a penúltima armadilha e ia ao encontro da última, teria eu dado os dois primeiros passos e de repente há um rebentamento, uma explosão. (…) 

Com o impacto da explosão da armadilha o furriel Matos fica caído enfiado no capim. O Paiva levou uns estilhaços e o 1.º cabo Melo apanhou com uns estilhaços nas pernas e na cara. Quando recuperei a mente – continuou o furriel Matos (…) gritei para que ninguém se mexesse. Tive medo que entrassem pela zona perigosa e houvesse mais problemas (…). 

Onde está o Costa? (…) Caído no chão, todo esfacelado, barriga aberta, intestinos saídos, encharcado em sangue, o Costa esvai-se. Era a luta entre a vida e a morte (…). A avaliar pela posição em que ficou – deve-se ter inclinado sobre ela, e ao roçar de leve no capim ou no arame de tropeçar, tão sensível, acionou involuntariamente a sua explosão. (...)

Pela minha experiência pessoal, não resisto em destacar um comentário do furriel Matos, responsável e comandante do grupo, abalado pela morte do Costa, quando afirmou: 

"Cheguei ao ponto de começar a dizer que sou eu que o tinha matado. É que as armadilhas tinham sido feitas por mim, eu sou que as tinha montado e nelas morria um camarada me”. (…) De maneira nenhuma, Matos – dizia-lhe o Cap. Vilas Boas. Nem pense nisso. Você não matou ninguém. Tudo isto acontece no cumprimento da nossa missão."

Só quem sentiu a responsabilidade de comandar homens num teatro de guerra, sendo responsável pela vida dos que comanda, também seus amigos, perceberá a angústia do furriel Matos. Eu compreendo-o muito bem. Nos Montes Mil e Vinte, não muito longe do local onde o Costa tombou, também vivi um momento semelhante com a morte de um soldado do meu pelotão numa operação precedida do lançamento de bombas de napalm pelos aviões da Força Aérea. Com toda a honestidade o digo, ainda hoje revejo o assalto ao acampamento, os tiros, o local, e interrogo-me sobre o que poderia ter mudado para evitar a morte do meu camarada!...

Finalmente, o testemunho do furriel Mota do mesmo Batalhão e que deu a recruta e a especialidade ao Costa, na Metrópole. Apesar de não pertencer à mesma Companhia em Angola, diz que se encontrava frequentemente com o Costa no cruzamento das picadas do Lucuso, local onde a coluna de viaturas das três Companhias que constituíam o Batalhão se encontrava às quartas-feiras para, em conjunto, seguirem para a sede do Batalhão em S. Salvador, a cerca de noventa quilómetros, a fim de recolherem e transportar os mantimentos frescos chegados de Luanda no avião Nord Atlas. Tinham-se encontrado dias antes do acidente nesse local e, por ironia do destino, é na coluna que o furriel Mota apanha boleia para Luanda para vir de férias ao “Puto” que é transportada a urna com os restos mortais do conterrâneo e amigo António Costa.

Perguntei ao António Mota se sabia a razão da contradição entre os documentos quanto às causas da morte do António Costa.

Disse que esse procedimento era normal e que o faziam por causa das famílias. Segundo ele, na altura da guerra era mais fácil para a família aceitar um acidente provocado por negligência do que morrer com uma mina e ficar todo esfacelado. Disse-lhe que não concordava, se bem que nunca tenha vivido durante a minha comissão uma situação idêntica.

Realçou que a guerra do seu batalhão não se comparou a nenhuma outra. Foi a guerra deles. Lembrou que, quando chegaram à entrada do aquartelamento, se depararam com uma placa que dizia: nunca dês o último cigarro. Nunca bebas o último gole de água. Nem nunca gastes a última bala. Os irmãos não se escolhem. Os amigos sim. A partir daqui começa a guerra.


  • Alferes mil Venâncio Marinho da Cruz (pp.52-57)


O Venâncio Marinho da Cruz  (...)  foi o primeiro oficial miliciano fafense a morrer na guerra. Consultei em Lisboa, no Arquivo Geral do Exército, o seu processo individual por deferência da família, que agradeço. 

Apesar de não ter nascido em Fafe, o alferes Cruz quando foi incorporado nas fileiras das Forças Armadas já morava com a família em Seidões, onde está sepultado, e o seu nome consta, também, no Monumento aos Combatentes da Guerra Colonial, em Fafe. 

Nasceu em 25 de janeiro de 1941, na freguesia de Rego, concelho de Celorico de Basto. Frequentou o Seminário Conciliar de Braga. A 4 de maio de 1965 é incorporado na EPI (Escola Prática de Infantaria em Mafra), onde termina o 1.º Ciclo do COM (Curso de Oficiais Milicianos) a 5 de agosto e, aí, jura Bandeira a 4 de agosto. 

A 8 de agosto é colocado na EPC (Escola Prática de Cavalaria) para frequentar o 2.º Ciclo do COM na especialidade de Atirador de Cavalaria, terminado a 30 de outubro. A 1 de novembro de 1965 é transferido para o RC3 (Estremoz) e promovido ao Posto de Asp. Of. Mil. de CAV. 

 No seu processo consta que a 9 de fevereiro de 1966 pelas 14h30 "caiu durante o tempo de instrução no RC 7 (Lisboa), batendo com a cabeça no solo, tendo ficado inconsciente, sendo transferido para o Hospital Militar de Lisboa. São testemunhas os 1.º cabo mil 6953364 Regala e Leal n.º 7939664". Assina a participação o tenente cav João Nunes e Sena.

No RC3, a sua Unidade Mobilizadora, é nomeado para servir no Ultramar nos termos da alínea c) do Art.º 3.º do Dec. Lei 42.937 de 22.4 1960, embarcando em Lisboa com destino à Região Militar de Angola no navio Niassa a 15 de abril de 1966, data em que é promovido a Alferes, e desembarca em Luanda a 26 do mesmo mês.

Em 5 de maio pelas 06h00, marchou em coluna auto do Centro Militar do Grafanil em Luanda para o estacionamento do BART  753, tendo feito a sua apresentação naquele local no mesmo dia pelas 11h00. Em 15.4.66 é colocado no RC 3”.

Em março de 1968 faz parte da CCAV 1537 pertencente ao BCAV  1883/RC 3, e na noite de 27 para 28 de março sofre, durante uma operação de combate, uma violenta emboscada, vindo a falecer em consequência dos ferimentos em combate.

Em todas as operações militares realizadas e após o regresso do mato, o comandante do grupo de combate tinha que fazer e entregar ao superior hierárquico um relatório circunstanciado das movimentações e ocorrências durante a operação.

Com a intenção de informar e dar a conhecer como funcionava a máquina administrativa militar durante a guerra nestas circunstâncias, transcrevo uma síntese do Relatório da Operação de Combate em que veio a falecer o Alf. Cruz, juntamente com o furriel mil cav  José Martins Cavaco e o soldado Manuel Caetano Nunes.

“Relatório Imediato da Acção N.º 1/68”

O relatório, datado às 15h00 de 30 de março de 1968, é assinado pelo Comandante da Companhia de Cavalaria 1537,  pertencente ao Batalhão de Cavalaria  1883, Capitão Graduado de Cavalaria João Manuel da Fonseca Nunes e Sena, estacionado no Luacano (Zona Militar Leste – Luso), do qual fazia parte o Destacamento de Lago Dilolo, sendo seu Comandante o alf Venâncio.

O Relatório “Imediato da Acção nº 1/68” é organizado ao longo de seis pontos:

1. Local e grupo data /hora em que teve lugar a acção

Lago Dilolo, 27 março 1968, com início às 21.00 horas.

2. Descrição da ação (síntese)


Em 27 de março de 1968 pelas 18.00 horas apareceu no Estacionamento da NT (nossas tropas) no Lago Dilolo um nativo, que informou o Comandante do Destacamento, Snr. Alf Mil, Cruz, que um grupo IN (inimigo / turras) tinha estado na “Embala” do Soba (chefe nativo da sanzala /aldeamento nativo) NHACHICULO, dizendo que iria nessa noite atacar o Estacionamento matando todos os soldados. 

Em face das declarações do nativo” o Alf Cruz organiza uma patrulha de 13 elementos e desloca-se na única viatura que tinha, um UNIMOG UN3, pelas 19.00 horas, com o objetivo de averiguar a informação. Chegado ao local indicado pelo nativo, que ficava a cerca de 3 Km do Estacionamento na Picada Dilolo – Luacano, faz uma batida nas imediações, não encontra ninguém, dando, por esse facto, ordem para regressar, pelas 20.30 horas. (…)

Quando regressava a patrulha e a cerca de 300 metros da Escola Lago Dilolo, no mesmo local onde em Abril de 1967 o IN já tinha feito uma emboscada às nossas tropas, o IN estimado entre 15 a 20 elementos desencadeou uma forte emboscada atirando uma granada de mão defensiva que rebentou à frente da viatura UN3 e imediatamente abrindo fogo com as armas automáticas, lançando granadas incendiárias que lançaram fogo à viatura cujo depósito de gasolina explodiu.

Logo nos primeiros tiros foram alvejados diversos elementos das NT, tendo o Furriel Martins Cavaco, sido atingido mortalmente e calcinado pelas chamas uma vez que foi o único que ficou dentro da viatura.

Neste momento o Alf Cruz, ao organizar NT para resistir ao IN dentro do capim, verifica que o Furriel está inanimado e a ser devorado pelas chamas em cima da viatura e volta para junto da viatura tentando puxá-lo para fora da viatura, ao mesmo tempo que o IN lança uma granada de mão incendiária para a picada tendo com o clarão detetado o Alferes, atingindo-o de imediato com 3 tiros no tórax. O Alferes ainda consegue dar ordens aos seus homens para tomarem conta das armas dos Soldados feridos, arrastando-se mortalmente ferido e sangrando abundantemente para o capim.

O IN continuou a flagelar as nossas tropas com armas automáticas e granadas, não retirando a algumas delas as cavilhas de segurança, aproveitando-se da claridade das chamas da viatura incendiada.

Como resultado imediato da emboscada, tinham ficado ilesos somente 3 soldados da Patrulha. É então que o Soldado Condutor Auto N.º 2491/65, António Nunes Soares, toma iniciativa com grande coragem e sangue frio de retirar da “Zona de morte” cinco dos seus camaradas gravemente feridos, recuperando as respetivas armas automáticas, e arrastá-los às costas para o meio do capim, salvando-os, assim, da morte certa. Vendo, ainda, que um IN tentava assaltar a viatura e capturar a arma do Furriel que ardia em chamas em cima da viatura, o Soldado Nunes corre para a viatura e tentou fazer fogo com a sua arma que se lhe encravou (…), carregou para cima do IN e com uma cronhada na cabeça do bandoleiro (turra) atirou com ele para o capim e recuperou a arma que o mesmo já segurava.

Quando chegou junto dos seus camaradas, Soldados 2714/65, Helder Martins e 692 /65 António José Brito Fadista, disse a este último que fosse a corta mato pedir socorro ao Estacionamento. Os dois soldados, Soares e Martins transportaram os feridos para uma mata próxima até que chegaram os reforços (9 homens) sob o comando do 1.º Cabo n.º 2649 /65, João António, continuando o IN a flagelar as nossas tropas.

Os quatro feridos mais graves foram transportados com a ajuda dos camaradas e dois soldados foram dados como desaparecidos. Estes, os soldados 2669/65 Manuel Gomes Pires e 2674 /65, Cândido de Sousa Mata Rosa que se encontravam feridos, arrastaram-se para o capim, tendo chegado pelos seus próprios meios às 6.00 horas do dia 28 ao Estacionamento, pelo que não foram encontrados no local e durante aquele tempo foram dados como desaparecidos.

É o 1.º Cabo auxiliar de Enfermeiro n.º 2723/65 Constantino António Teixeira que trata dos feridos, ao mesmo tempo que o IN continuava a flagelar o Estacionamento (00.00 horas, 00.45horas e 02.00 horas do dia 28 março de 1968.

Pelas 11.30 horas do dia 28 é evacuado por HELI para o Luacano o ferido que se encontrava em piores condições, o soldado 2646/65, Manuel Caetano Nunes, que, atingido por dois tiros, sangrava abundantemente, tendo vindo a falecer durante a evacuação Heli.


O relatório resume este ponto do seguinte modo:

MORTOS:

– Alferes Venâncio Cruz, Furriel José Cavaco e Soldado Manuel Nunes.

FERIDOS GRAVEMENTE:

– 1.º Cabo n.º 2640/65 Manuel Paulo Gomes da Silva, Soldado 2683/65 Manuel Francisco Mourão Gaspar, Soldado 2703/65 Fernando Pereira de Carvalho e Sodado 2709/65 Helder de Sousa Cristóvão.

FERIDOS:

Soldado 2669 Manuel Gomes Pires e Soldado 2674/65 Cândido de Sousa Mata Rosa.

3. Apoio aéreo

Em 28 de março às 09.00 horas começaram a ser feitas evacuações de Héli de Lago Dilolo – Luacano e com dois DO-27 de Luacano para o Luso.

4. Transmissões

O destacamento da NT do Dilolo esteve em contínua ligação com a CCAV  1537 na rede AM NA /GRC – 9, muito embora fosse difícil a ligação devido às más condições atmosféricas.

5. Resumo dos resultados


a) Causadas pelo In:

- Mortos ………………. 3 (1 Oficial, 1 Sargento e 1 Praça)

- Feridos graves……….4

- Feridos ligeiros ……. 2

Destruída pelo fogo a Viatura UNIMOG UN3 – MX-O1-55

- Carbonizada a Espingarda Mauser n.º 9961

b) Obtidas pelas NT:

- Mortos prováveis …. 2

- Feridos não controlados. … Alguns

- Gr. M. Def. F-1 …......2 e outra destruída.

- Invólucros …..........127


6 . Conclusões, ensinamentos, diversos

a. Conclusões e ensinamentos

A emboscada sofrida pelas NT no mesmo local que em abril de 1967 as NT foram emboscadas, revela que o IN (MPLA) regressou, como vinha desde há muito referido por este Comando, à Zona do Dilolo moralizado e fortemente armado e com um efetivo bastante considerável (…).


b. Diversos

Citações


O relatório realça a ação em combate dos principais intervenientes na operação:

Alferes Venâncio Cruz, a quem será atribuída uma Cruz de Guerra, a título póstumo, o 1.º cabo auxiliar de enfermeiro Constantino António Teixeira, 1.º  cabo João António, os soldados António Nunes Soares e os soldados Helder Martins e António José Brito Fadista.

A todos é realçado o exemplo da sua coragem: 

(…) "Deu um exemplo frisante de valentia, sangue frio, qualidades de comando e desprezo pelo perigo debaixo do fogo do IN que mereceu a geral estima e admiração dos seus camaradas presentes que contribuiu para o prestígio do Exército."

Transcrevo, também, o louvor atribuído ao Alferes Cruz, publicado na O.S. (ordem de serviço) N. 226 do RC3:

Nesta ação, comandando uma patrulha de pequeno efetivo e tendo a maioria dos seus homens sido atingidos aos primeiros tiros, deu rapidamente as ordens para a reação e vendo que em cima da viatura que os transportava, e que estava incendiada jazia um seu subordinado que começava a ser devorado pelas chamas, voltou para junto daquela e, não só, indiferente ao fogo nutrido do inimigo, tentou puxar o corpo, quando descoberto no meio da picada e iluminado pelo clarão de uma granada incendiária foi mortalmente atingido por uma rajada do inimigo. 

Logo que se sentiu ferido, o Alferes Cruz incitou os seus homens para o combate, recomendou-lhes que cuidassem das armas dos seus camaradas feridos e, sangrando abundantemente, arrastou-se para o capim onde veio a falecer. A admirável valentia deste oficial e o excelso altruísmo e rara abnegação que o levaram, conscientemente a sacrificar a vida por um seu subordinado, são paradigma das mais acrisoladas virtudes militares, causam o comovido orgulho dos seus camaradas de armas, contribuem para a Glória do Exército que devotamente serviu e honraram a Pátria. Morto em combate em 27.3.1968.

Louvado por despacho de 6 maio de 1968 de Sua Ex.ª o General Comandante da RMA, por proposta do Exmo comandante da ZILESTE “pela maneira brilhante esforçada e aguerrida como comandou a sua equipa.

Condecorado com a medalha de Prata de Valor Militar com Palma, a título póstumo nos termos do Art. 7.º, com referência ao primeiro do Art.51.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de maio de 1946, pelas suas extraordinárias qualidades de coragem, abnegação e camaradagem demonstradas
(Fim do relatório) (op. cit. 53-57).

Como nota, gostaria de salientar que o soldado Joaquim Augusto Alves, sepultado no cemitério de Antime, não consta desta lista em virtude de ser natural do concelho de Cabeceiras de Basto, apesar de já estar a morar em Antime com os seus pais na altura da sua incorporação militar.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos:  LG)



Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. Seixal, Lourinhã, 1946): (i)  foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii)  tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii)  viveu em Angola até 1974; (iv)  licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v)  professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de cultura e desporto; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte;  (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 86 referências no nosso blogue.

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sábado, 3 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25804: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte II: c. 1500 mobilizados, 41 mortos


SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal- In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


1. Na "Intodução", Artur Ferreira Coimbra (n. 1956), escreveu:

"A Guerra Colonial foi um período fortemente traumatizante para toda uma geração de portugueses, que viveram, recriaram e pensaram o último meio século da vida colectiva deste país.

"Não esqueçamos que mais de um milhão de jovens com idade em redor dos 20 anos, impreparados, mal armados, deficientemente treinados, deslocados abruptamente das suas aldeias, vilas e cidades, passaram, em comissões com uma média de duração de 24 meses, pelas colónias de Angola, Guiné e Moçambique, sobretudo,  onde a espada da guerra foi mais acesa e o troar das metralhadoras mais acentuado. Com aquelas condições, o mínimo que se pode afirmar é que os nossos soldados deslocados para África foram autênticos heróis.

"Daquele número global, mais de 10 mil jovens tombaram, impunemente, na frente de combate ou em acidentes diversos, cerca de 120.000 foram feridos, mais de 20 mil ficaram estropiados ou deficientes para a vida e estima-se que cerca de 140.000 ficaram a sofrer de 'Stress Pós Traumático de Guerra', cujas consequências funestas nunca mais os abandonaram. (...)

"Do concelho de Fafe (...), foram coagidos a participar nos três teatros operacionais mais de 1500 jovens (...)"  (pp. 9/10)




Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): (i)  foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii)  tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii)  viveu em Angola até 1974; (iv)  licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v)  professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de cultura e desporto; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte;  (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.



2. Estamos qa reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor),   excertos do  extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, na parte sobretudo que diz respeito a: ((i) introdução e contextualização (pp. 25-39); (ii)  mortos do concelho de Fafe, e nomeadamente no TO da Guiné, incluindo alguns testemunhos recolhidos pelo autor  (pp. 39-84).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal   Excertos ]  - Parte II (pp. 39-43)

por  Jaime Silva


(...) 6. A participação e enquadramento dos militares de Fafe durante a Guerra – Questões concretas a levantar

É já neste contexto (*) que os jovens de Fafe, como todos os jovens do seu país, foram também obrigados a contribuir para o esforço da guerra. Como a partir de 1961, início da guerra em Angola, nem todos foram mobilizados para África e nem todos tiveram uma especialidade de combate, será forçoso, por isso, colocar e tentar esclarecer um conjunto de questões, se queremos conhecer e perceber melhor qual o tipo de participação, enquadramento e grau de dificuldade na atuação de cada fafense durante os dois anos ou mais de comissão num dos três teatros de operações em África.

As questões que me parecem pertinentes levantar, pelas razões aduzidas, têm como referência a minha experiência pessoal no terreno de operações de um dos teatros de guerra, Angola (Norte e Leste), durante uma comissão que durou cerca de trinta meses, sempre operacional e durante a qual, em quase todas as operações de combate em que participei e comandei, houve tiros, confronto, guerrilheiros mortos ou feridos ou armas capturadas. 

Em consequência dos confrontos, um soldado do meu Pelotão foi morto na sequência de um assalto a um acampamento do MPLA nos Montes Mil e Vinte, outro ficou sem uma perna, devido ao rebentamento de uma mina (eu e mais dois soldados passámos pelo mesmo sítio e não pisámos a mina!) e um sargento ficou ferido na sequência do rebentamento de uma armadilha, todos no Norte de Angola.

Será com esta preocupação que tentarei, por isso, enumerar e encontrar a resposta a um conjunto de questões que me parecem mais pertinentes para compreender o envolvimento dos militares de Fafe, no contexto da sua atuação no âmbito das Forças Armadas, durante a sua Comissão de Serviço no Ultramar. Concretamente:

1. Quantos fafenses foram chamados às inspeções militares (às sortes) entre janeiro de 1961 e dezembro de 1974?

2. Quantos ficaram “aptos para todo o serviço militar” ou “livres de todo o serviço militar”, na sequência da “Inspeção Sanitária”, por doença crónica ou “grande cunha”?

3. Quantos cumpriram o serviço militar na Metrópole ou nas Ilhas?

4. Quantos decidiram “dar o salto” para o estrangeiro, para fugirem à Guerra, antes de irem às inspeções, após serem “apurados para todo o serviço militar”, ou depois de saberem que tinham sido mobilizados para o Ultramar?

5. Quantos fafenses foram mobilizados e cumpriram uma Comissão de Serviço militar em África?

Destes, dos que foram mobilizados para África, qual o seu envolvimento pessoal na orgânica e dinâmica das ações levadas a cabo pelas Unidades Militares onde estavam destacados, concretamente:

I. Quantos prestaram serviço em cada um dos três ramos das Forças Armadas: Exército, Marinha ou Força Aérea?

II. Quantos fizeram parte do Quadro Permanente (oriundos da Academia Militar) ou, sendo milicianos, optaram por fazer carreira nas fileiras das Forças Armadas?


III. Quantos pertenceram às tropas especiais (paraquedistas, fuzileiros, comandos ou rangers) e, destes, quantos tomaram a iniciativa de se oferecer para estas com o objetivo de não serem mobilizados para a Guiné ou outra razão?

IV. Quantos se casaram antes de “assentar praça” na expetativa de não serem mobilizados para o Ultramar, já eram casados e tinham filhos quando partiram para África ou casaram, depois, “por procuração”?

V. Quem optou por emigrar para Angola ou Moçambique para, mais tarde, ser incorporado localmente nas fileiras das Forças Armadas e, assim, não ser mobilizado para a Guiné ou poder vir a ter uma especialidade diferente da de “atirador”?

VI. Quantos participaram em operações de combate, tiveram de apontar ao “inimigo” e atirar primeiro para não morrer, ou foram vítimas das emboscadas e viram os seus colegas de pelotão ficarem feridos, amputados ou mortos?

VII. Quantos viveram o drama de verem um seu camarada morrer, transportaram às costas um camarada morto, ferido ou estropiado, ou deram sangue no local para o salvar, na sequência de uma emboscada ou rebentamento de mina?

VIII. Algum matou, por represália, algum guerrilheiro ou cortou-lhe alguma parte do corpo com a faca de mato ou teve que tomar a iniciativa de dar o “tiro de misericórdia” a algum guerrilheiro ou elemento da população que ficaram às portas da morte e sem hipóteses de sobrevivência em consequência do resultado dos combates?

IX. Na sequência das emboscadas ou assaltos aos acampamentos, quem capturou guerrilheiros, material de guerra ou documentos políticos dos Movimentos Independentista Africanos?

X. Quantos tiveram a sorte de nunca participar numa operação de combate, nunca saíram das cidades ou, pelo menos, das sedes de Companhia ou Batalhão, ou puderam participar numa atividade civil paralela, como praticar desporto federado, ou exercer a sua profissão, etc.?

XI. Quantos tiveram a possibilidade económica de vir de férias ao “Puto” ver a família?

XII. Quantas mulheres fafenses acompanharam os maridos durante a comissão, viveram em cidades ou em zonas de combate?

XIII. Quem comandou ou fez parte dos Grupos Especiais de tropa africana apoiados e organizados pelas Forças Armadas Portuguesas, como os GE ou Flechas[1] em Angola, Comandos africanos na Guiné ou de paraquedistas em Moçambique, entre outros?

XIV. No seu relacionamento com a população nativa, quem deixou por lá os chamados “filhos do vento” ou assumiu, perfilhando-os e trazendo-os consigo para a Metrópole?

XV. Desertou algum para combater ao lado do “Inimigo”?

XVI. Algum foi feito prisioneiro de guerra pelas tropas dos movimentos independentistas?

XVII. Quantos ficaram sepultados em África?

XVIII. Quantos pertenceram a Companhias que tiveram de se cotizar para pagar ao Estado a trasladação do corpo dos camaradas que morreram?

XIX. Há algum militar fafense desaparecido em combate?

XX. Quantos foram louvados, condecorados ou apanharam “porradas” (sanção disciplinar)?

XXI. Quantos ficaram a sofrer de Stress Pós-Traumático de Guerra ou adquiriram outras doenças crónicas (paludismo, hepatite, etc.)?

XXII. Quantos ficaram feridos em combate, devido a minas, rebentamento de armadilhas ou acidentes e ainda têm estilhaços de granadas ou minas no corpo?

XXIII. Quantos morreram em consequência dos combates, do rebentamento de minas ou armadilhas, de acidente ou doença?


Enfim, um mundo de vivências e circunstâncias que, a conhecê-las, permitir-nos-ão dar um pequeno passo, mas decisivo, na construção da História da participação dos jovens militares de Fafe na Guerra Colonial.


7. História da participação dos militares de Fafe durante a Guerra - O estado atual da informação


A História da participação dos Militares de Fafe durante a Guerra Colonial ainda está por fazer. A pouca informação disponível sobre este tema ainda não está organizada e sistematizada e encontra-se no processo individual de cada um, depositado no Arquivo Geral do Exército, da Força Aérea ou da Marinha, e só poderá ser consultada pelos próprios, os familiares ou alguém com autorização da família, de acordo com o Dec. Lei n.º 46/2007 de 24 de agosto, ou, ainda, na documentação dispersa em poder dos próprios combatentes ou familiares.

Apesar de se estar no início da sistematização da informação, já podemos responder com segurança ou encontrar caminhos para prosseguir a investigação a algumas das questões levantadas durante a minha intervenção, nomeadamente:


1. Quantos fafenses foram chamados às inspeções militares (“às sortes”) entre janeiro de 1961 e dezembro de 1974?


Não sabemos. Será possível sabê-lo, no entanto, consultando os Editais Municipais com as listas dos “mancebos” que eram chamados “às sortes”, existentes no Arquivo da Câmara Municipal de Fafe.


2. Quantos militares de Fafe morreram em consequência dos combates, do rebentamento de minas ou armadilhas, de acidente ou doença?


Durante a Guerra Colonial, tombaram em África quarenta e um militares de Fafe.

Este número está de acordo com a lista que me foi enviada pelo Arquivo Geral do Exército e da pesquisa efetuada no concelho por mim e pelos dirigentes da Direção da Delegação de Fafe da APVG (Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra). Sabemos quem, onde, quando e as circunstâncias que causaram a sua morte e onde estão sepultados.

Apresentamos um quadro detalhado por cada Província Ultramarina: Angola, Guiné e Moçambique (...), realçando, a partir de cada um deles, alguns elementos mais relevantes, de acordo com o conhecimento mais circunstanciado que fomos obtendo através das diferentes fontes históricas mencionadas.

Numa primeira análise geral feita aos três quadros, podemos verificar que em relação aos que tombaram em África (n=41): 

(i) todos os mortos pertenceram à Arma do Exército, não havendo, ainda, conhecimento de ocorrência que tivesse provocado a morte ou ferimento grave nas fileiras da Força Aérea ou Marinha; 

(ii) a primeira morte na Guerra ocorre no dia 3 de julho de 1961, três meses após os massacres no Norte de Angola e foi o soldado atirador Artur de Sousa, natural da freguesia de Ardegão, e que ficou sepultado em Sanza Pombo; 

(iii) o último a tombar na Guerra Colonial foi o 1.º Cabo José Pereira Dias no dia 27 de setembro de 1975, em Cabinda, Angola; natural de Armil, onde está sepultado;

(iv) seis militares eram casados (Angola, 1; Moçambique, 4 e Guiné, 1); 

(v) em relação ao posto, desapareceu em combate um Furriel em Moçambique, morreram dois Alferes milicianos (1 en Angola outro em Moçambique), vinte e oito soldados e dez 1.ºs cabos; 

(vi) quanto às causas de morte: 

  • três por acidente de viação (em Angola);
  • quatro por acidente por afogamento (2 em Angola, 1 na Guiné e outro em Moçambique);
  • quatro por acidente com arma de fogo ;2 em Angola, 1 na Guiné e outro em Moçambique);
  • um acidente  outras causas, sendo o total de acidentes de 12 (Angola:  8; Guiné: 2; Moçambique: 2);
  • vinte e três em combate (7 em Angola, 7 na Guiné, 9 em Moçambique), sendo 4 em minas e armadilhas (2 em Angola, 1 na Guiné e outro em Moçambique); 
  • quatro por doença (2 na Guiné, 1 em Angola, e 1 em Moçambique);
  •  e, finalmente, dois, em Moçambique, por causas desconhecidas (incluindo um desaparecido em combate).


(vii) Após a Revolução de 25 de Abril de 1974 e já depois do final da Guerra, ainda morreram cinco fafenses em África: quatro em Moçambique (Agostinho Carvalho, Francisco Carvalho, Manuel Carneiro e Norberto Salgado) e um em Angola, o último, José Dias, em 27 de setembro de 1975.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos:  LG)
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Nota do autor:

[1] Forças especiais criadas pela PIDE em Angola.

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O livro supracitado resultou do "Curso Livre de História Local: O Concelho de Fafe e a guerra colonial (1961-1974)", organizado pelo Núcleo de Artes e Letras de Fafe, com o apoio de diversas entidades, entre elas a Câmara Municipal de Fafe e o Museu da Guerra Colonial, com sede em  V. N. Famalicão, e cujo programa na devida divulgámos no nosso blogue, na série "Agenda Cultural". Decorreu entre 21 de outubro e 24 de novembro de 2013.

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 30 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25792: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte I: Maçaricos, periquitos, checas...