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sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26317: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (34): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte IV




Fotos nº 1A e 1 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  " (...) Depois de 7/8 meses a vermos o céu sempre igual e a atmosfera amarelada com as poeiras vindas do deserto, os primeiros pingos grossos de chuva eram celebrados com grande alívio por nós e contagiante alegria pela criançada que aproveitavam as poças de água para se refrescarem, brincarem e encharcarem os adultos incautos"…





Foto nº 2A, 2B e 2   > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "(...) . Mesmo em cenário de guerra havia disposição para 'jogatanas' de futebol. Este campo foi construído durante período que vivi em Fulacunda. Havia ainda um outro campo térreo, que na época das chuvas ficava impraticável para futebol."... (Na foto 2B, o Jorge Pinto, é o do meio, o quarto a contar da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda)






Foto nº 3A  e 3 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Soldados construindo a capela cristã.... Claro, não podia faltar o "bioxene" aos carpinteiros, a trabalhar ao sol...



Foto nº 4 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  O alf mil Jorge Pinto lendo a revista norte-americana "Time" (talvez esquecida por algum "velhinho" que tenha por ali passado: a revista é de  10 de maio de 1971).


Foto nº 5 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  Capa da revista "Tine, edição de MAY 10, 1971: "How to cope with Japan's business | Sony's Akio Morita"-|  (Como lidar com os negócios do Japão | Akio Morita da Sony. )
 
Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagemcomplementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. O Jorge Pinto [ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Turquel, Alcobaça; professor do ensino secundário, reformado; membro da Tabanca Grande desde 17/4/2012, com 6 dezenas de referências no blogue ] tem o melhor álbum fotográfico sobre Fulacunda, região de Quínara, chão biafada. Pela qualidade técnica e estética bem como pelo interesse documental dos "slides" que tirou. 

Estamos a republicar, depois de reeditadas,algumas das suas melhores fotos (*).

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 21 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26296: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (33): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte III

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26234: Timor Leste: passado e presente (28): O concelho de Sardoal homenageou, em 15/9/1946, um dos seus filhos, Augusto Leal de Matos e Silva (1905-1944), chefe de posto administrativo de Laga, um dos heróis da resistència aos japoneses, morto da prisão de Díli



Timor > Álbum Fontoura > c. 1936-1940 > Foto 16994 > O farol de Díli. O início da sua construção data de 1889, durante o governo de Rafael Jácome Lopes de Andrade [1888-1890]. Obras de reconstrução e melhoramento em 1932 e 1948-49, após a ocupação japonesa.

Foto do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo coma Wikimefdia Commons. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024)








Fonte: O Sardoal - Boletim de Informação e Cultura da Câmara Municipal de Sardoal, bimestral, nº 53, ano 9, julho - agosto de 2008, pág. 27 (Trata-se das reprodução de um artigo do "Diário de Notícias", de 15 de setembro de 1946.)


1. Os 28 louvores (contados por nós), atribuídos formalmente, pelo Governador de Timor, Manuel de Abreu Ferreira de Carvalho, cap inf,  natural do Porto, aquando da cessação das suas funções (*), com datas de 10 de outubro  e 21 de novembro de 1945, contemplam as seguintes categorias de "portugueses, europeus e assimilados, que na colónia se mantiveram durante todo o período da ocupação do aeu território por forças estrangeiras" (sic):


Mais tarde, já em junho de 1947, no relatório que fez para o Governo sobre os "acontecimentos de Timor" (relatório que saiu em livro, publicada pela Imprensa Naciomal - Casa da Moeda, para logo ser retirado do mercdao),  o antigo Governador alargou a lista dos portugueses e inclui uma mão cheia de timorenses, vivos e mortos, merecedores do reconhecimento da Pátria portuguesa: são mais de 60 os liurais, chefes de suco, "moradores" (milícias), e outros "indígenas"  (sic) expressamente citados.

Cremos que o critério do governador cessante foi "político", ou seja, só foram contemplados por louvores aqueles que "se mantiveram em absoluta obediência às ordens do governo da colónia durante o período da ocupação  da colónia por  forças estrangeiras" (sic)... Uma exigência patética e absurda por parte de um governador que, com a longa e brutal ocupação japonesa (que em se compara com a holandesa e australiana),  ficou praticamente incomunicável e manietado,  sem poder mandar em coisa nenhuma, de fevereiro de 1942 a setembro de 1945... 

De entre alguns dos heróis (portugueses e timorenses) que resistiram à ocupação nipónica, estão sem sombra de dúvida o chefe de posto de Laga, Augusto Leal de Matos e  Silva, o chefe de posto de José Plínio dos Santos Tinoco e o tenente Manuel de Jesus Pires, administrador de Baucau. Os três morreram na prisão, às mãos dos japoneses, em 1944, mas tinham cometido o erro de se  aliarem aos australianos, o que era imperdoável aos olhos de Salazar...

Tod0s deveriam ter sido louvados por atos heróicos... Recorde-se em 3 de agosto de 1943 ajudaram a embarcar, em duas vedetas australianas, perto da "alfândega" de Barique, um grupo de foragidos portugueses e timorenses (com destaque para mulheres e crianças). Mas em Timor ficou um grupo de voluntários, em missão, de observação, de que faziam parte os seguintes portugueses: 

  • Tenente Manuel de Jesus Pires (Porto, 1895-Díli,1944);
  • Chefe de posto Augusto Leal de Matos e Silva;
  • Chefe de posto  José  [Plínio dos Santos] Tinoco;   
  • Enfermeiro Serafim  [Joaquim] Pinto;   
  • Radiotelegrafista Patrício Luz;
  • Cabo de infantaria João Vieira. 
Todos eles morreram na prisão japonesa de Díli [em 1944] , com exceção do Patrício Luz que se escondeu entre timorenses,  amigos da sua família.

Augusto Leal de Matos e Silva (1905-1944)apesar de tudo, ainda foi homenageado pela Càmara Municipal da sua terra, Sardoal,  dois anos e tal depois da sua morte. Era de uma família com prestígio na terra, filho de um conhecido republicano (logo do "reviralho") e grande benemérito local. (**)

Citando Carlos Vieira da Rocha (in " Timor: ocupação japonesa durante a Segunda Guerra Mundial, 2ª ed rev e aum, Lisboa: Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 1996,  pág. 131), "se para alguns é discutível a utilidade da resistência portuguesa, a verdade é que o tenente Manuel de Jesus Pires e os seus companheiros estavam imbuídos do mais puro patriotismo, levando ao sacrifício da própria vida".

O próprio Carlos Vieira da Rocha refere o caso do Governador que, no regresso a Portugal, em 8 de dezembro  de 1945,  foi "vítima da maldade e incompreensão dos homens" (pág. 173). Tendo-se levantado dúvidas sobre o seu "patriótico comportamento", acabaria por ser ilibado pelo Conselho do Pacífico, criado para apreciar os acontecimentos ocorridos em Timor, e que de faziam parte um general, um almirante e um juiz conselheiro...

O antigo deportado político Carlos Cal Brandão, no seu livro de memórias ("Funo: Guerra em Timor", 3ª ed., Lisboa, P&R - Perspetivas e Realidades,  s/d, originalmente publicado em 1946) faz o retrato humano e profissional destes três resistentes, que com ele colaboraram e lutaram (pp. 21-25): Manuel de Jesus Pires (combatente da Flandres, que terá ido para Timor logo em 1919, tendo passado à situação de licença ilimitada, para abraçar a carreira de administrador colonial, figura muito popular na colónia), Matos e Silva (jovem de espírito irrequieto e aventura, com talento para a música, a pintura e o desenho), e José Tinoco (filho de um conhecido funcionário colonial, que havia nascido na Guiné, mas que passara  a sua mocidade, em Vilar Real, na terra dos pais).

PS - Alguns Portugueses Mortos na Prisão (n=8)

1 — José  Plínio dos Santos Tinoco. Chefe de posto administrativo. Na cadeia de Díli, a 8 de abril de 1944. (#) 

2 — Manuel de Jesus Pires, Tenente de infantaria e administrador de circunscrição. Na cadeia de Díli, em data ignorada de 1944. 

3 — Cipriano Vieira. Cabo de infantaria. Idem. 

4 — João Vieira. Cabo de infantaria. Idem. 

5 — Serafim Joaquim Pinto. Enfermeiro. Na cadeia de Díli antes de 29 de abril de 1944. 

6 — Augusto Leal de Matos e Silva. Chefe de posto administrativo. Na cadeia de Díli, possivelmente em 9 de maio de 1944. 

7 — Artur do Canto Resende. Engenheiro-geógrafo. Em Kalabai, na ilha holandesa de Alor, a 23 de Fevereiro de 1945. (##)

8 — João Jorge Duarte. Gerente da filial do Banco Nacional  Ultramarino de Díli. Em Kalabai, Alor, a 25 de março de 1945.

(#) Não confundir com Fernando Plínio dos Santos Tinoco, que foi encarregado da circunscrição de Oecusse,  de dezembro de 1941 a setembro de 1945, e louvado pelo Governador; terá nascido em 1914, filho de Adelino Tinoco; o José seria seu filho; o Fernando em 1946 será nomeado administrador, e em 1963 cônsul, em Kupang).

(##) Agraciado, a título póstumo, em 1952, com o grau de oficial da Ordem Militar da Torre e Espada.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 22 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26068: Timor Leste: Passado e presente (26): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo V: a situação sanitária em 1945: "valeu-nos a fé em Deus e a confiança nos governos da Colónia e da Nação"

domingo, 3 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26111: Notas de leitura (1740): "Poemas de Han Shan" (China, séc. VIII), organização, tradução e apresentação de António Graça de Abreu, no Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, 26/9/2024

 


1.  Para aqueles que não puderam estar presentes na sessão de apresentação do livro "Poemas de Han Shan", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, no passado dia 26 de setembro, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) (*),  o nosso amigo e camarada disponiblizou-nos os "slides" que elaborou para a ocasião.  

Perdemos a sua conversa ao vivo, mas temos ao menos o privilégio de poder aceder ao essencial daquilo que ele quis transmitir ao público sobre o lendário poeta e monge ligado ao Budismo chan (ou zen, como é conhecido no Japão), Han Shan, do séc. VIII (em chinês, quer dizer "Montanha Fria"),


Já agora esclarecemos os nossos leitores sobre o que é o CCCM e a sua missão:

(i) tem por missão produzir, promover e divulgar conhecimento sobre Macau enquanto plataforma entre Portugal e a República Popular da China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(ii) é, também, um espaço dedicado ao estudo e ensino da língua, cultura e história chinesas, e um centro de investigação científica e de formação contínua e avançada sobre as relações entre Portugal e a China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(iii) dotado de autonomia administrativa e património próprio, é um instituto público integrado na administração indireta do Estado e sob tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O António Graça de Abreu não precisa de apresentações. Honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande desde 5/2/2007, e tem 354 referências no nosso blogue.


Templo de Han Shan, Suzhou, China (Suzhou é uma cidade a oeste de Xangai, no delta do rio Yangtzé, famosa pelos seus cnais,, pontes e jardins clássicos, classificados pela UNESCO com o património  material da humanidadfe em 1997 e 2000).


O António Graça de Abru no templo de Han Shan


Templo de Han Shan


A ponte de Fenqiao (séc. VIII), Suzhou


Famoso poema do poeta ZhangJi (766?-830?), "À noite, ancorando em Fengqiao"...





O poeta 寒 山 Han Shan (700?-780?)


Han Shan e Shi De no Japão, ou seja, Kan Zane Jitttoku. 
O budismo Chan ou Zen que só chega ao Japão em 1191.


Matsuo Bashô (1644-1694), o grande mestre dos haikus japoneses, adorava Han Shan









No meu prefácio aos poemas de Li Bai (1990) tentei explicar,  de forma exaustiva,  os processos que por norma utilizo na tradução e reinvenção de um poema chinês em língua portuguesa. 

Referi também, em detalhe, muitas das características da língua chinesa, talvez a mais depurada de todas as falas e escritas existentes debaixo do céu. 

Os anos passam e um continuado contacto com os grandes poetas da China confirma, convence-me de que, se já é muito difícil traduzir poesia em qualquer língua, no que ao chinês diz respeito a tarefa é impossível. E porque é impossível, as traduções avançam. Trata-se de caminhar pela impossibilidade, é necessário transformar o impossível em possível.

Ao traduzir poesia chinesa sei que trabalho na sombra, iluminado sobretudo pelo silêncio da sombra.

Camilo Pessanha, no prefácio à sua tradução das oito elegias chinesas, escrevia por volta de 1910, referindo uma expressão de Herbert Giles, um dos primeiros tradutores de poesia chinesa para língua inglesa, que escreveu “a chinese poem is at best a hard nut to crack”,  que Pessanha traduziu como “toda a composição poética chinesa é para o tradutor uma noz de casca dura”.

Trata-se de caminhar pela impossibilidade e de transformar o impossível em possível. O resultado é sempre um poema em língua portuguesa que procura ser fiel ao significado dos caracteres e à sensibilidade do poeta chinês, tão próximo do verso original quanto o rigor exige mas reinventado numa outra língua. 

É já um outro poema, quase sempre distante da estrutura poética do chinês porque o poema passa a ser português. Falamos de traduções, do comboio de caracteres que precisamos de identificar, de versões possíveis, da natureza do trabalho do tradutor, enfim, de questões fundamentais amplamente analisadas e debatidas nos estudos e cursos de tradução um pouco por todo o mundo.

Gil de Carvalho, um dos raríssimos críticos portugueses que, com alguns laivos de conhecimento da língua chinesa, se referiu às minhas traduções, considerou “ a vocação missionária e estética de Graça de Abreu” e o “querer fazer poesia sua através do poema ou do poeta chinês”.

Em carta pessoal, Eugénio de Andrade escrevia-me em novembro de 1993: 

Num parecer sobre as minha traduções, que guardo comigo, escrevia Óscar Lopes, em 28 de Janeiro de 1993:

 “Conheço a obra de tradução do Chinês para Português da autoria de António Graça de Abreu, nomeadamente Poemas de Li Bai e Poemas de Bai Juyi, publicados ambos com excelentes introduções históricas e literárias. 

"Não leio directamente textos chineses, mas tive a oportunidade de, num seminário do Curso de Mestrado da Universidade do Minho, apresentar o primeiro deste livros à discussão de duas alunas chinesas (Drªs. Wang Ting e Sun Lin) com boa preparação cultural, quer sinológica, quer ocidental e verifiquei que o tradutor conseguiu equivalências extremamente difíceis de encontrar e de condensar, de um poeta clássico oriental do século VIII.”

Até há poucos anos, o poeta Han Shan era completamente desconhecido em Portugal, o que de resto acontecia com quase todos os grandes poetas chineses. 

Isto apesar de Macau e de uma continuada presença portuguesa de quatrocentos e cinquenta anos nas terras da China. Mas, mesmo na cidade do Nome de Deus na China, a poesia chinesa também já desceu do grande Império do Meio, a norte, atravessou as Portas do Cerco e entrou mui de leve na sensibilidade de alguns dos seus melhores habitantes lusitanos.

Existe o caso singular de Camilo Pessanha que em Macau traduziu, deu forma a poemas a que chamou “oito elegias chinesas”,  oriundas de um álbum de poetas menores da dinastia Mingque, e que  o autor da Clepsidra nos diz ter comprado “pelo preço vil de duas patacas numa casa de prego” .

É pena o genial Pessanha não ter descoberto os grandes poetas da China, Li Bai, DuFu, Wang Wei, Han Shan. Somos o que somos e, apesar de Macau, a Sinologia portuguesa, o estudo sério e rigoroso das coisas do mundo chinês, também o depurar das sensibilidades com o Império do Meio por horizonte, quase não consegue crescer.

Em 1997, o PenClub Português nas suas pequenas “Folhas Soltas” publicou Nove Poemas de Han Shan, a minha primeira tentativa de tradução da poesia do mestre da Montanha Fria.

Em 2003, Ana Hatherly que tão bem conhece o ofício do poeta, companheira de entusiasmantes conversas sobre poesia chinesa e de jantares do PenClub, deu ao prelo as suas originais versões poéticas elaboradas a partir das traduções francesas de Jacques Pimpaneau com o título "O Vagabundo do Dharma, 25 Poemas de Han Shan".

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas –chamemos-lhe outra vez assim –, do budismo chan m ou zen, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo. O poeta da Montanha Fria « nous révèle cette esprit de la Chine qui dort aussi en notre tête et attend, telle la Belle au Bois Dormant, qu’un prince comme Han Shan vienne l’y éveiller»,  disse Jacques Pimpaneau .[ Tradução do francês parea português: "revela-nos esse espírito da China que também dorme nas nossas cabeças, à espera, como a Bela Adormecida, que um príncipe como Han Shan venha despertá-lo". (LG)]




Flores no templo de Han Shan, Suzhou, minha foto 2011




"Slides" (incluindo texto): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição, revisão / fixação de texto, links: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

22 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25968: Agenda cultural (860): Convite para o lançamento do livro "Poemas de Han San", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, dia 26 de Setembro de 2024, pelas 18h30, no Auditório CCCM, Rua Guerra Junqueira, 30 - Lisboa

17 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26054: Agenda cultural (862): Lançamento do livro Poemas de Han Shan (edição bilingue, seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu): 19 de outubro, sábado, 17h00 | Casa do Comum, Bairro Alto, Lisboa

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26090: Timor Leste: Passado e presente (27): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Anexo VI: um herói esquecido e injustiçado, o tenente António PIres

O actor Marco Delgado no papel de Tenente Pires, na série "Abandonados" (realização de FranciscomManso, produção RTP, 2022). Imagem: cortesia de RTP e
 


1. No livro de José dos Santos Carvalho, que temos vindo a seguir (*), reproduzindo excertos e notas de leitura, há uma adenda, no final (pp. 195/204), que merece também destaque: nela o autor reproduz  informações complementares de dois sobreviventes, tal como ele, da tragédia que foi a ocupação japonesa de Timor  (fevereiro de 1942 / setembro de 1945). 

A adenda foi escrita em dezembro de 1970, quando o livro já estava no prelo. Por um feliz acaso encontrou em Lisboa Joaquim Luís Carrapito, antigo deportado, padeiro   (em Díli e depois em Baucau). Este, por sua vez, apresentou-lhe um segundo sobrevivente, César de Castro, também ele antigo deportado, serralheiro, a viver na Cova da Piedade, Almada. 

Na adenda tomamos conhecimentos de factos novos, ocorridos durante a ocupação nipónica. Mas, mais importante do que a revelação das circunstâncias e pormenores de mais uma série de crimes bárbaros, importa sublinhar o papel do tenente Manuel António Pires, um verdadeiro herói que arriscou a sua vida  para salvar compatriotas seus (e em especial mulheres e crianças, talvez cerca de uma centena, repatriados para a Austrália) e que foi um grande patriota (acabaria por morrer em 1944 na prisão,  às mãos dos japoneses).  
 
2. Sobre esse doloroso período (fevereiro de 1942 / setembro de 1945) (em que morreram 90 portugueses e c. 40 mil timorenses), o médico José dos Santos Carvalho publicou, 30 anos depois, um livro de memórias, "Vida e morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (imagem da capa, a seguir) . 



Capa do livro de José dos Santos
Carvalho:"Vida e Morte em
Timor Durante a Segunda
Guerra Mundial",
Lisboa: Livraria Portugal,
1972, 208 pp. , il


 
 O livro (disponível em formato digital na Internet Archive) e o autor merecem ser aqui lembrados. Recorde-se que a obra foi digitalizada e carregada, em 2010, no Archive.org, por um sobrinho do autor ("Fernando in Lisbon"). Na dedicatória lê-se: "Ao Fernando, com um abraço, muito amigo, do tio, José. Lisboa, 2/v/72" (**)
 
Recorde-se, entretanto, que dos 28 louvores atribuídos formalmente, pelo Governador aquando da cessação das suas funções, com datas de 10 de outubro e 21 de novembro de 1945, apenas se contempla um profissional de saúde (o médico de 2ª classe José dos Santos Carvalho). Os restantes são militares (oficiais, sargentos e praças) (n=10), pessoal da administração (chefes de posto e outros) (n=10), deportados (=6), além de 1 missionário e o diretor da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho...

Há um silêncio incómodo em relação à figura do tenente Manuel de Jesus Pires, administrador de Bacau.

Mais tarde, já em junho de 1947, no relatório que fez para o Governo sobre os "acontecimentos de Timor", o antigo Governador (alvo de suspeições de "colaboracionismo", de que acabou por ser ilibado)  alargou a lista dos portugueses e inclui uma mão cheia de timorenses, vivos e mortos, merecedores do reconhecimento da Pátria portuguesa: são mais de 60 os liurais, chefes de suco, "moradores" (milícias), e outros "indígenas" expressamente citados. 

Mais uma vez o tenente Manuel de Jesus Pires aparece como "persona non grata" aos olhos do regime de então, sendo completamente esquecido (para não dizer banido).  O Governador que esteve a desgraça de estar em Timor neste período trágico da sua (e nossa) história, não lhe terá perdoado a sua colaboração com os Aliados (australianos e americanos), desrespeitando assim a orientação superior (de Salazar) que era de manter, a todo o custo, a estrita neutralidade...face aos invasores estrangeiros do território (os australianos e depois os japoneses).

Mas este português (tal como outros que optaram por resistir aos japoneses, como o deportado político, o dr. Carlos Cal-Brandão) merece, oportunamente, um poste sobre a sua história. (Sobre ele, de resto, já aqui falámos no blogue em vários postes desta série e dissemos que, se ele fosse vivo, em 1945, no regresso a Portugal, seria seguramente preso e condenado por deserção e traição.)

 Recorde-se apenas, "en passant", que a sua história inspirou uma recente série televisisa, cujo guião teve por base o livro Timor na II Guerra Mundial: o diário do Tenente Pires (editado pelo ISCTE,  da autoria do historiador António Monteiro Cardosoentretanto falecido em 2016).


(...) "Portugal tem um novo herói. Chama-se Manuel de Jesus Pires, mas podemos tratá-lo como Tenente Pires. Foi ele o administrador da Vila de Baucau durante a invasão de Timor pelos japoneses, em 1942, e liderou a resistência ao invasor, tendo salvado quase uma centena de vidas numa altura em que o regime do Estado Novo abandonou portugueses à sua sorte. A sua história é agora uma série de ficção da RTP com o título 'Abandonados' " (....)
 

Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.)


Anexo VI:  Adenda: o papel do tenente Pires (pp. 195-204) (Excertos)

 


(...) Estando já no prelo o presente livro, um acaso providencial fez-me deparar numa das ruas de Lisboa com o sr. Joaquim Luís Carraquico que eu conhecera em Díli exercendo a profissão de industrial de padaria.

A sua amabilidade permitiu-me obter o esclarecimento de circunstâncias de acontecimentos de que eu tinha imperfeita noção e a notícia de outras que eu desconhecia e que é forçoso transmitir ao leitor para sua mais completa elucidação.

No dia 14 de novembro de 1942 encontrava-se o sr. Carraquico em Baucau onde residia após a evacuação de Díli ordenada pelo Governador.

Constando-lhe o assassinato de europeus em Manatuto por uma coluna [negra], que se dirigia a Baucau, afastou-se desta vila e seguiu para o interior na direcção de Quelicai.

Reuniram-se os foragidos de Baucau, e outras terras, cerca de 300 europeus e timorenses, nas faldas do monte Mate-Bían, no suco de Lai-Súru-Lau, sendo naturalmente guiados pelo tenente Pires e dedicadamente auxiliados por timorenses que lhes traziam alimentos e permanentemente os informavam dos movimentos dos japoneses.

Assim, chegou ao seu conhecimento que, após o assassinato do administrador de Manatuto [dr. João Mendes de Almeida, em 13 de novembro de 1942],e do secretário [Augusto Pereira] Padinha, haviam os japoneses passado em Vemasse, a caminho de Baucau, e, aquando ou depois da sua passagem, se tinha dado o assassinato do deportado sr. António Dias que vivia numa casa que possuía à beira da estrada de Manatuto a Baucau, num suco de Vemasse.

No dia seguinte ao da chegada dos japoneses a Baucau, uma coluna atingira Lautém onde então foram assassinados [em 17 de novembro de 1942] o administrador Manuel [Arroio E.] de Barros e a esposa [Maria das Dores de Barros], e dois deportados, os srs. António Teixeira e Mário Gonçalves [no dia seguinte].

O grupo de foragidos, de que faziam parte muitas mulheres e crianças, estava sob a permanente ameaça das colunas negras e, por isso, o tenente Pires contactando com um oficial australiano que se encontrava então por aqueles lados [1], conseguiu a sua evacuação para a Austrália num destroyer que veio ancorar na praia da Aliambata na noite de 18 de dezembro [de 1942].

Pressurosamente se apresentaram no local do embarque todos os foragidos, porém só foram autorizados a embarcar os constantes duma lista elaborada pelo tenente Pires, entre os quais todas as mulheres e crianças.

O sargento Martins, de metralhadora em punho, impediu, então a salvação de muitos dos homens, os quais teriam de ficar em Timor "para manter a soberania portuguesa naquela área e para auxiliarem as forças australianas que haveriam de vir a desembarcar na ilha".

Assim, o sr. Carraquico, o dr. [José Aníbal Torres] Correia Teles [médico] , o condutor de obras públicas, [Orlando] Vale do Rio Paiva, e vários outros, assistiram à partida das suas famílias e eles ficaram para ali, abandonados, fracionados em pequenos grupos para evitar as colunas negras que os perseguiam, mas amigável e caridosamente ajudados pelos timorenses da região.

Em breve os foragidos se sentiram cercados pelos japoneses que se instalaram em Ossú, Viqueque, Báguia e Quelicai, lançando colunas negras pelo interior.

Impôs-se-lhes, assim, a retirada para a zona litoral de Luca e Barique onde ainda não dominavam os nipónicos e havia locais propícios à ancoragem de embarcações que os viessem salvar, transportando-os para a Austrália.

Como a tropa japonesa patrulhasse incessantemente a estrada de Viqueque a Ossú, os foragidos só conseguiram atravessá-la divididos em pequenos grupos, altas horas da noite e guiados por dedicados amigos timorenses.

O grupo a que pertencia o sr. Carraquico foi acampar em Nátar-Bora, na região de Luca, e outros grupos ficaram por ali perto. Dois missionários [Padre António Manuel Serra e padre Júlio Augusto Ferreira], o secretário 
[de circunscrição José Luís] Howell de Mendonça e o chefe de posto Eugénio de Oliveira, juntaram-se ao deportado sr. Américo de Sousa [surrador, de profissão] e foram acolher-se à protecção de um chefe de um suco [2] ao qual pertencia a companheira do sr. Sousa e que também vinha com eles.

Em Nátar-Bora, o dr. Correia Teles que estava muito doente e extremamente debilitado, afastou-se momentaneamente dos seus companheiros e suicidou-se descalçando a bota alta e premindo o gatilho da caçadeira que trazia, com o dedo grande do pé, depois de ter apoiado os canos da espingarda contra o maxilar inferior.

Em janeiro de 1943 receberam os foragidos uma comunicação do dr. Cal Brandão (que se encontrava com militares australianos para os lados de Fátu-Berliu) , de que no dia 9 viria um navio à praia de Quirás, junto à foz da ribeira Sáhe, ao sul da povoação da Soibada, para evacuar para a Austrália os australianos e, também, os portugueses que por ali andavam.

Assim, na tarde do dia aprazado encontraram-se em Kirás algumas dezenas de portugueses com o dr. Cal Brandão e a tropa australiana comandada pelo major [Bernard] Callinan. Pelo dr. Cal Brandão foi então referido que o comandante australiano havia proibido o embarque ao aspirante [administrativo José] Armelim Mendonça, assim, como a toda a sua família, não lhes permitindo, sequer, a deslocação a Kirás! [3]

Por grande infelicidade, as duas primeiras baleeiras que chegaram à praia e eram as destinadas ao transporte dos portugueses, voltaram-se devido ao mar bravo, pelo que somente puderam embarcar muito poucos, juntamente com os militares australianos.

Lembra-se o sr. Carraquico de terem conseguido embarcar:

  • a esposa e filhas do tenente reformado Sequeira;
  • os cabos Rente chefe do posto do Remexio] e Robalo;
  • os enfermeiros Alfredo Borges e Marcelo Nunes;
  • o aspirante administrativo Artur Oliveira;
  • e os deportados Arsénio José Filipe, José Maria e Rodrigo Rodrigues.

Ficou em Timor uma secção australiana (16 militares), que, segundo o dr. Cal Brandão, se foi esconder nas montanhas de Fátu-Berliu com a incumbência de observar o movimento das tropas inimigas e dar informação pela TSF para a Austrália.

A situação dos portugueses foragidos era agora mais que nunca desesperada, pois as colunas negras continuamente os perseguiam. Forçados a esconder-se nos matagais pantanosos da planície de Barique onde os mosquitos que transmitem o paludismo constituem legião mortífera, estavam condenados a privarem-se de alimentos provenientes de plantas cultivadas pois esta zona é completamente despovoada devido aos timorenses evitarem nela residir por ser doentia.

Seguiram-se tempos dos mais desgraçados e miseráveis para aqueles infelizes que, minados pela fome e doença e sugados pelos mosquitos erravam pela floresta do litoral de Barique, colhendo frutos e raízes silvestres e apanhando a furto uma espiga em horta de há muito abandonada e, sempre, sob o terror das colunas negras que tanto os incomodavam.

Fracionados em pequenos grupos para mais facilmente poderem subsistir viam, pouco a pouco, cair em mortos de inanição ou de doença ou apanhados pelas colunas negras vários companheiros.

O enfermeiro Alcino Madeira, um seu irmão e o cunhado, tenente reformado Sequeira, resolveram afastar-se da costa sul e procurar abrigo entre timorenses seus amigos na terra da família Madeira, a Ermera. Puseram-se a caminho, mas todos cairam assassinados, não se sabendo, porém, onde nem como.

Também o cabo Acácio de Oliveira, o deportado sr. Severino Faria Coelho, o deportado sr. Manuel Simões Miranda e um enteado deste último, garoto de cerca de oito anos, se afastaram do grupo em que andavam para procurarem comida. Apanhados por uma coluna negra, todos foram assassinados com exceção do sr. Miranda que conseguiu escapar-se na ocasião mas que sucumbiu, depois, à fome.

O enfermeiro Fernando [José Maria] Senanes, ferido numa perna por uma bala disparada por uma coluna negra atacante, foi apanhado e assassinado à catana, sendo-lhe decepadas as mãos para se exporem como troféu no alto de uma azagaia! [na região de Luca, antes de 28 de fevereiro de 1943].

O velho sr. Delfim, que era nos tempos de paz o encarregado das oficinas dos Serviços de Obras Públicas em Díli, já não podia andar e, por isso ficara numa povoação timorense, ao cuidado de um chefe de suco, onde durante algum tempo foi muito bem tratado. Morreu intoxicado, porém, por lhe terem dado numa refeição mandioca brava, talvez no intuito de se apoderarem das patacas mexicanas que ele guardava numa faixa que lhe envolvia o abdómen e cujo volume se distinguia perfeitamente sob a camisa.

Em meados de fevereiro veio um submarino americano à praia da «alfândega» de Barique
 [4]  para evacuar para a Austrália todos os militares dessa nacionalidade e os timorenses de Ossuroa que os tinham auxiliado.

Neste mesmo navio embarcou também o tenente Pires; que só o fez depois de muito lho pedirem os seus companheiros e com o fim de instar na Austrália por socorro urgente aos portugueses.

Conta o dr. Cal Brandão que os australianos deixaram aos portugueses de Timor dois aparelhos transmissores e recetores de TSF e uma cifra para que pudessem continuar a comunicar com a estação de Port Darwin ficando a cargo do sargento-telegrafista da Armada, Luís de Sousa, adido à Missão Geográfica, no tempo de paz.

No grupo a que pertencia o sr. Carraquico andavam o cabo reformado Alexandre [B. Gomes] (por alcunha o «cabo Macau») e o enfermeiro Manuel Turquel dos Santos, os quais sofriam de enormes úlceras, nas pernas, instaladas em ferimentos devidos aos espinhos do mato que lhes rasgaram a carne durante as precipitadas correrias.

Num dado dia, foi o grupo atacado por uma coluna negra chefiada por japoneses e todos se puseram em fuga, sendo forçados a atravessarem uma ribeira de águas quase paradas mas funda. 

Passado o perigo e reunido de novo o grupo deram pela falta daqueles dois companheiros. Timorenses amigos lhes vieram depois comunicar terem encontrado os dois cadáveres boiando na ribeira. Deduziram que o afogamento teria sido motivado pela debilidade dos membros inferiores que não permitiu o aguentarem-se de pé nem a nado.

Deste mesmo grupo fazia também parte o soldado Mendes [ou António Mendes, cabo de infantaria ?] que andava transtornado mentalmente, parece que por ter explodido uma bomba muito perto de si. Veio a morrer, de fome e paludismo, pouco depois.

O sr. [Orlando] Vale do Rio Paiva, condutor de obras públicas, foi atingido por uma intoxicação geral que se manifestava por bolhas que se rompiam e ulceravam e em breve faleceu. 

O sr. Soares que no tempo de paz estava empregado na plantação do sr. Sebastião da Costa, no posto da Hera, fazia parte de um grupo de foragidos que foi atacado por uma coluna negra. Enervado, em vez de fugir, enfrentou a turba, de pistola em punho. Lançaram, então, contra ele uma granada de mão que o vitimou.

O Pe. Francisco Madeira andava num grupo de que fazia parte, além de outros, o deportado sr. Jacinto Estreia, e recebeu de um amigo timorense o presente de um cacho de bananas num momento em que se encontrava com desesperada fome. A abundante e não habitual refeição provocou-lhe, porém, uma indigestão que o vitimou.

Lembra-se, ainda, o sr. Carraquico de três portugueses europeus que morreram à fome, «só com pele e osso», na costa sul. Foram eles, o sr. Venceslau Pereira (escrivão do tribunal de Díli) , o deportado sr. Mário Vitorino Enguiça e outro deportado conhecido pelo apelido de «Silvinha» , o qual nos seus últimos tempos ficou cego devido às privações.

Em princípios de julho 
[de 1943] o tenente Pires voltou da Austrália num submarino americano dando a notícia de que em breve viria um navio evacuar os portugueses foragidos. Pela TSF combinaram estes com os autralianos que o local do embarque fosse a já referida «alfândega» de Barique [4] e o dia escolhido, o de 3 de agosto.

Com efeito, pelas 5 horas da tarde desse dia 
[3 de agosto de 1943] , ancoraram duas «vedetas» australianas onde embarcaram as seguintes pessoas de que o sr. Carraquico se recorda:

(i) Deportados: 

  • dr. Carlos Cal Brandão, 
  • Joaquim Carraquico, 
  • Jacinto Estrela,
  • Domingos Paiva,
  •  Paulo Soares, 
  • Hilário Gonçalves, 
  • Álvaro Damas, 
  • Francisco Horta, 
  • José Luís de Abreu, 
  • Bernardino Dias, 
  • Hermenegildo Granadeiro, 
  • António Pereira (e esposa), 
  • Pedro de Jesus (e família), 
  • Francisco Albuquerque (e esposa)

(ii) Sargentos: 

  • Lourenço Martins, 
  •  José Arranhado, 
  •  Luís de Sousa

(iii) Cabos: 

  • José Pires (chefe do posto de Lacluta) e família, 
  • Ilídio dos Santos
  •  José Rebelo

(iv) Outros: 

  • Eduardo Gamboa (Chefe de posto), 
  • António Sebastião da Costa, 
  • Henrique Pereira, 
  • Fernando Pereira, 
  • Joaquim Campos (Funcionário das Obras Públicas), 
  • Abel Cidrais (Funcionário das Obras Públicas),
  • 0 Sr. Sousa (natural da Índia Portuguesa),
  • duas filhas do falecido sr. Manuel Simões Miranda,
  • dois chineses,
  • vários timorenses dos dois sexos

Em Timor ficou um grupo de voluntários, em missão, de observação, de que faziam parte os seguintes portugueses: 

  • Tenente Manuel de Jeus Pires, 
  • Chefe de posto Augusto Leal de Matos e Silva  [natural de Sardoal e homenageado pela sua terra em 1946],
  • Chefe de posto  José  [Plínio dos Santos] Tinoco   [morto na cadeia de Díli, em 8 de abril de 1944] 
  • Enfermeiro Serafim  [Joaquim] Pinto  [morto na cadeia de Díli, antes  de 29 de abril de 1944] 
  • Radiotelegrafista Patrício Luz ,
  • Soldado  [ou cabo de infantaria ?]  João Vieira. 

Julga-se que todos eles morreram na prisão japonesa   [em 1944]  com exceção do sr. Patrício Luz que se escondeu entre timorenses amigos da sua família. 

Dos portugueses que conseguiram passar para a Austrália, aí faleceram os seguintes: 

  • Coronel Jorge Castilho  [5],
  • Sargento Gastão Ornelas de Vasconcelos,
  • Joaquim Campos,
  • António Sebastião da Costa,
  • Sr. Cachaço (empregado do sr. Sebastião da Costa),
  • Sr. Santos (olheiro das Obras Públicas),
  • Um menino timorense.

Teve o sr. Carraquico conhecimento de alguns pormenores de assassinatos de portugueses, os quais amavelmente me referiu. Pelo cabo Rente, que era o chefe do posto do Remexio, soube dos assassinatos dos deportados srs. Ramos Graça e Fernando Martins.

O cadáver do primeiro foi encontrado retalhado à catana japonesa de tal modo que estava irreconhecível. Os japoneses haviam-no abandonado numa ravina não longe da casa em que o sr. Ramos Graça habitava.

Quanto ao sr. Fernando Martins (que era coxo por ter um joelho anquilosado e com a perna fletida) , havia-se juntado a uma guerrilha australiana que actuava na área do Remexio. Passando o grupo por um acampamento japonês instalado num local situado entre o Remexio e Díli, notaram que as sentinelas estavam a dormir, o que aproveitaram para se aproximarem e lançarem uma granada de mão para o meio do acampamento.

Então, os japoneses perseguiram-nos e alcançaram o sr. Martins ao qual prenderam com uma corda pelo pescoço a um cavalo e assim o arrastaram até Díli e o abandonaram na praia, onde o sargento Vicente, chefe da polícia, somente pôde reconhecer o cadáver pelo aleijão do joelho.

Soube também o sr. Carraquico como foi assassinado o alferes reformado Alípio Ferreira que vivia em Cribas com a sua esposa timorense, um filho adulto e uma filha muito gentil e elegante. Quando por sua casa passou a coluna do tenente Ramalho que havia combatido os rebeldes de Maubisse, o alferes Ferreira, profundo amigo dos timorenses, pediu ao comandante que lhe deixasse ficar à sua protecção um rapazinho timorense que ele tinha recolhido por já não ter pai nem mãe.

Após o assassinato de europeus em Manatuto, o alferes Ferreira refugiou-se numa palhota bem escondida no mato, protegido pelo sigilo dos seus amigos timorenses. Porém, era necessário sair dela e ir a uma certa distância para trazer a água essencial para a vida da família e disso era encarregado o garotito de Maubisse.

Ora, num dado dia, deu-se a fatal coincidência de este ter encontrado no seu caminho uma coluna negra em que vinham timorenses da sua terra, que logo o reconheceram. Inocentemente, indicou-lhes o abrigo do seu protetor que logo foi assassinado juntamente com o filho [Alberto Ferreira], escapando incólumes a esposa e a filha.

Sobre os assassinatos de portugueses na circunscrição de Lautém após a chegada de japoneses, referiu-me o sr. Carraquico ter-Ihe constado, dias depois, que em Lautém haviam sido mortos o administrador Manuel [Arroio E. ]de Barros e a esposa [Maria das Dores de Barros] e os deportados Mário Gonçalves e António Teixeira e, em Iliómar, o chefe do posto, cabo [João ] Brás e o deportado Raul Dias Monteiro.

Acrescentou, então, que eu poderia ser devidamente esclarecido sobre esses bárbaros acontecimentos pelo sr. César de Castro [serralheiro ] que eu conhecera deportado em Timor e agora reside na Cova da Piedade. Com a melhor vontade se prontificou o sr. Castro a rememorar a tragédia de que foi figurante e da qual é o único europeu sobrevivente.

Aproveitando as qualidades do sr. César de Castro, hábil serralheiro, o Estado havia-o contratado 
[6 ] para exercer as funções de encarregado da fábrica de serração de madeira instalada em Loré (na área do posto de Iliómar e na costa sul) , junto à principal e mais rica floresta de Timor . Raras vezes ele se poderia deslocar a Lautém pois que, além do percurso a cavalo demorar cerca de dois dias, ele era o único responsável por todos os serviços da fábrica, competindo-lhe a direcção, administração, contabilidade, etc.

Porém, em novembro de 1942, apresentou-se em Loré o deportado sr. José Filipe, recomendado pelo administrador Barros para trabalhar junto do sr. Castro, o que permitiu a este deixá-lo a vigiar os trabalhos na fábrica e seguir para Lautem para apresentar contas ao administrador, receber os salários, etc, e tratar de assuntos da sua vida particular.

Chegado à vila na manhã do dia 15 foi instalar-se em casa do deportado Luís Maria Félix que exercia as funções de olheiro da circunscrição. Por este seu amigo foi então informado de que não havia comunicações telefónicas para oeste de Lautem, nada se sabendo pois do que se passava no resto de Timor [7].

Apresentou-se, em seguida, na secretaria da circunscrição tendo-o o administrador convidado para almoçar em sua casa, o que não pôde aceitar por estar comprometido a ir tomar a refeição com um comerciante chinês, juntamente com o sr. Luís Félix.

À tarde, quando os dois amigos conversavam na varanda da residência do sr. Félix, ouviram um tiro, sendo em breve informados por timorenses que passavam espavoridos que os japoneses haviam chegado e morto a tiro o sr. Mário Gonçalves [deportado] . Imediatamente a família do sr. Félix (companheira timorense e dois filhos) se pôs em fuga para os arredores e logo apareceram militares japoneses que se instalaram na casa, destinando um quarto para os dois europeus e dando-lhes ordem de não se afastarem do local.

Assim se passaram oito dias em que eles se mantiveram isolados, eles próprios cozinhando a sua comida. Passado este tempo, os japoneses avisaram-nos que seguiriam para Baucau no dia seguinte.

Assim, o sr. Félix conseguiu disso avisar a família que logo voltou do mato e com os europeus foi metida numa camioneta. Em Baucau embarcaram numa lancha de desembarque que os levou a Díli.

Seguiram depois para a zona de concentração de Liquiçá onde o sr. Félix veio a morrer de beribéri [em 10 de junho de 1945] e o sr. Castro se manteve até ao fim da guerra.

Segundo timorenses contaram à companheira do sr. Félix, o deportado Mário Gonçalves havia, por acaso, saído a cavalo para os arredores da vila quando a tropa japonesa que chegava o encontrou. Mandaram-no desmontar e meteram-no numa camioneta, levando-o para Lautém onde o encerraram na casa de um comerciante chinês. Tendo ele pedido licença para ir tomar banho à praia, esta foi-lhe concedida, o que não obstou ser abatido a tiro no trajeto!

Das circunstâncias em que se deram as mortes do administrador Barros e da esposa e do deportado António Teixeira [8] nada soube o sr. Castro, nem na ocasião nem depois.

Segundo na época dos acontecimentos constou ao sr. Carraquico, o administrador foi assassinado após a chegada dos japoneses à vila, seguindo-se-lhe na mesma sorte a sua esposa, mas por ela o ter insistentemente requerido aos algozes de seu marido, pois queria morrer com ele.

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, título: LG)

___________


Notas do autor (complementadas pelo editor):

(1) Segundo o dr. Cal Brandão (Funo, Porto, 1946,  p. 115), tratava-se do capitão Brothers, inglês, chefe de um grupo da Inteligência Militar Australiana, que se havia instalado junto da habitação do liurai D. Paulo, de Ossuroa, na área do posto administrativo de Ossú.

(2) Segundo um louvor conferido pelo Governador, tratava-se do chefe do suco de Umuai de Baixo, área do posto de Viqueque, Miguel da Costa Soares. 
 ["Conservou  escondidos em sua casa, com grave risco de vida, os padres Serra e Ferreira, o secretário Mendonça e o aspirante  Eigénio de Oliveira durante dois meses, mostrabdo-se sempre leal e dedicado português. Tendo-lhe sido  confiado dinheiro (180  libras) pelo secretário Mendonça, no fim da guerra entregiu  integralmente a quantia que havia recebido"... Fonte:   antigo Governador Ferreira de Carvalho, "Relatório dos Acontecimentos de Timor", Lisboa,  junho de 1947] 

(3) O aspirante administrativo José Armelim Mendonça prestava serviço na sede da circunscrição de Manatuto. Deve ter-se refugiado com a sua família no interior dessa circunscrição, depois, segundo conta o dr. Cal Brandão, apresentou-se aos australianos na área de Fátu-Berliu, pedindo ajuda económica.

(4) O local era assim designado pelos timorenses por ai existirem uns barracões onde aguardavam transporte para Dili, os géneros que embarcações lá vinham carregar.

(5)  O coronel da aeronáutica Jorge de Castilho, descendente de António Feliciano de Castilho, foi o ilustre capitão encarregado da navegação aérea no hidroavião «Argus» comandado por Sarmento de Beires. Colaborador e íntimo amigo do almirante Gago Coutinho, era uma personagem de excepcional valor, brilhando sempre pela sua cultura e agudez do seu espírito.

(6) Em1927 chegaram a Timor 80 deportados, acusados de pertencerem a uma organização "bombista", a "Legião Vermelha", muitos deles operários e artesãos. O governador Teófilo Duarte (1928-1929) aproveitou, habilmente, as suas competências profissionais e deu-lhes emprego na ilha. Havia ainda um pequeno grupo de presos, oriundos de Macau. Estes deportados eram chamados "socais", para os distinguir dos "políticos", como dr.Carlos Cal-Brandão, envolvidos em ações contra a Ditadura Militar,em 1931. Ao todo deveriam ser quase uma centena, os deportados em Timor. (LG).

(7) A linha telefónica havia sido cortada pelos japoneses em Baucau, após a sua chegada à vila. Porém os de Lautém estavam longe de imaginar o que sucedera.

(8) O sr. António Teixeira, natural da Ilha da Madeira, exercia em Lautém atividades de pesca. Era geralmente conhecido pelo «António Ilhéu».



Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia). Assinalado a vermelho a posição relativa de Maubara e Liquiçá, a oeste de Díli, onde se situava a eufemisticamente chamada zona de proteção,  , imposta aos portugueses pelo exército nipónico (finais de 1942 - setembro de 1945)

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