domingo, 16 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25645: Timor-Leste, passado e presente (6): O tenente Manuel de Jesus Pires (1885-1944), herói em Timor, desertor e traidor no seu país ?

 




Nome: Manuel de Jesus Pires
Naturalidade: concelho do Porto
Idade: 20 anos
Posto à data da 1ª matrícula: 2º sargento
Ano da 1ª matrícula: 1915
Curso em que se matriculou: Infantaria
Nº de ordem no Corpo de Alunos: 61
Nº de ordem na classificação final dos alunos que concluíram o curso: 1/18
Cota de mérito final: 128
Escola que frequentou: Escola de Guerra
Registo: 
Nº do livro: 27
Nº de folhas: 413
Processos:
Nº do maço: 166
Nº do processo: 6511
Escolas Preparatórias Superiores: Universidade do Port
o



Cor ar ref, António Carlos Morais da Silva 
 
1. Este é o registo do tenente Manuel de Jesus Pires que consta no tombo da Escola de Guerra, enquanto aluno inscrito no curso de infantaria, em 1915. Tinha então 20 anos, tendo nascido em 1885, na cidade do Porto. Foi o primeiro aluno do seu curso.  

Estes elementos foram-nos gentilmente fornecidos, a nosso pedido,  pelo nosso grão-tabanqueiro Morais Silva (cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor de investigação operacional na AM, durante cerca de 2 décadas; no CTIG, foi  instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972; fez parte do Grupo L34, na Op Viragem Histórica, no 25 de Abril de 1974). 

Não se sabe ainda, com exatidão, as circunstâncias da morte do então tenente Pires, em Timor, durante a II Guerra Mundial (*). Sabe-se, isso, sim que foi um dos heróis da resistência luso-timorense durante a  ocupação japonesa do território, em articulação com os australianos e holandeses, tendo salvo bastantes vidas humanas, de portugueses europeus e timorenses. 

Terá morrido, no cativeiro, às mãos dos japoneses, c. 1944. 

O actor Marco Delgado no papel de Tenente Pires,
na série "Abandonados" (realização de Francisco
Manso, produção RTP, 2022). Imagem: cortesia de RTP e 
Time Out (20 de dezembro de 2022)


2. O seu diário de guerra chegou a Portugal, salvo por Carlos Cal Brandão, um advogado português deportado em Timor desde 1931, e seu companheiro de resistência.

Foi com base nesse diário (e outras fontes arquivísticas) , que o historiador António Monteiro Cardoso (1950-2016) escreveu o livro "Timor na 2.ª Guerra Mundial — O Diário do Tenente Pires" (Lisboa: Centro de Estudos de História Contemporânea, ISCTE, 2007), livro que por sua vez inspirou o realizador da série televisiva "Abandonados", Francisco  Manso (também autor do filme "O Cônsul de Bordéus", 2011). (A série "Abandonados", em 7 episódios, passou na RTP entre 21 de dezembro de 2022 e 15 de fevereiro de 2023, podendo ser vista ou revista, aqui, na RTP Play).

O tenente Pires começou a escrever um  diário, a partir do natal de 1942, em plena fuga pelo interior de Timor, e depois na Austrália, terminando antes de ele desembarcar de novo em Timor, a partir de um submarino americano, com uma missão arriscada, em meados de 1943. O comando que ele chefiava, regressou a Timor para lançar uma operação de guerrilha, a Op Lagarto (de 1 de julho a 29 de setembro de 1943). Acabou por ser ferido e capturado pelos japoneses (juntamente com um sargento australiano e vários timorenses.

Mas há um outro militar português, o tenente António Oliveira Liberato, e outros portugueses, civis e militares, que se empenharam na resistência aos japoneses, contrariando as orientações de Lisboa. Tudo indica que, no caso do tenente Manuel de Jesus Pires, se fosse vivo e regressasse à Pátria, seria julgado por traição e deserção. 

2 comentários:

Anónimo disse...

Morais Silva (by email)
16 junho 2024, 16:52

Viva!

No tombo das Escolas (1790 - 1940, Academia de Fortificação, Escola do Exército, Escola de Guerra, Escola Militar) só existem quatro António de Oliveira… mas nenhum é Liberato:

António de Oliveira Brandão,
António de Oliveira Cascaes,
António de Oliveira Mateus,
António de Oliveira Viehgas

Encontrei um jornal de Nisa (1965) com entrevista ao Cap Liberato que esteve em Timor ligado à PSP.

Não encontro documentação que o ligue à Escola de Guerra.

Ab

MS

Tabanca Grande Luís Graça disse...


Luís Graça (by email)
17 junho 2024 12:46


Obrigado, caro coronel... Já descobri algo mais... Este António Oliveira Liberato foi soldado no CEP, em França, em 1917...

https://ahm-exercito.defesa.gov.pt/details?id=226479

Deve ter seguido depois a carreira militar. O "Correio de Niza" diz que, quando se reformou em 1965, era capitão de infantaria do QR (quadro de reserva ?), comandante da PSP de Portalegre. E era o censor do distrito...

https://www.cm-nisa.pt/site_biblioteca/jornaislocais/correionisa/ano1_2serie/n3.pdf

Vasculhando no sótão, encontrei um exemplar da Visão - História, nº 8, abril de 2010, dedicado a Portugal e à II Guerra Mundial... E lá vêm quatro páginas dedicadas a Timor ("Amor em tempos de guerra")...

O Liberato era então tenente, viúvo, com um filho adolescente...Tinha chegado nos anos 30...e estava na Companhia de Caçadores Indígenas, comandada pelo capitão Freire da Costa. Era a única força militar (200 homens, praças indígenas, mal equipados...), existente no território, além da Polícia de Fronteira.

Depois de preso e torturado, o Liberato conseguiu sobreviver num campo de concentração, juntamente com a Cacilda, outra sobrevivente, e que será depois a sua segunda mulher. O casal regressou a Lisboa, a 15 de fevereiro de 1946.

O Liberato deve-se ter reconciliado com o regime: além de comandante da PSP, e o homem do lápis azul no distrito, era da Legião Portuguesa, e esteve preso em Portalegre, a seguir ao 25A.... Enfim, malhas que o império teceu...

https://avozportalegrense.blogspot.com/2010/06/capitao-liberato.html


Um abração, Luís

PS - Julgo que o capitão Freire da Costa foi dos portugueses que não sobreviveu em Timor.. Havia cerca de 90 deportados (entre eles o advogado Carlos Cal Brandão, que salvou o diário do tenente Manuel de Jesus Pires, 1885-1944), 59 militares, 30 funcionários administrativos, uma dezena de colonos e meia dúzia de empregados da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho... Salazar lidou com a invasão japonesa com um atroz cinismo, como se nada se tivesse passado... Mas não reagiu da mesma maneira à invasão "pacífica" dos australianos e holandeses...