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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25448: Notas de leitura (1685): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (22) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Chegámos ao término do ensaio da responsabilidade do nosso confrade José Matos e Matthew M. Hurley, eles passam em revista as principais situações que ocorreram em 1972 na Guiné. De tanto apelo, Spínola conseguiu armamento e equipamento para a Zona Aérea, mas o sistema defensivo antiaéreo, que tanto o preocupava, não conheceu remodelação. Como observam os autores, Spínola desesperava por retirar iniciativa às forças do PAIGC, por apresentação de uma proposta do major Moura Calheiros, responsável paraquedista, aceitou pôr em marcha a mais movimentada operação depois da Operação Tridente, a Grande Empresa, que os autores aqui apresentam. Provavelmente através dos serviços de informação, o comandante chefe sabia que algo estava em preparação quanto a novos meios do PAIGC, na sua declaração de Ano Novo Amílcar Cabral, sem o dizer explicitamente, refere que vão aparecer novas armas que poderão acelerar a liquidação do colonialismo. Vivia-se, pois, um compasso de espera, Spínola não tinha ilusões de que não iria receber novos e comparativos meios de Lisboa. Resta aguardar o terceiro volume sobre a Zona Aérea da Guiné em 1973 e 1974.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (22)


Mário Beja Santos
Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Contracapa do segundo volume

Índice
Abreviaturas

Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Com o presente texto, conclui-se a súmula do livro de José Matos e Matthew M. Hurley, seguramente que o terceiro volume será dedicado ao inquietante período entre 1973 e 1974. Ao longo de 1972, o Comandante-Chefe foi apelando à aquisição de armamento não só para a Força Aérea como para o sistema defensivo, era notório que nos países ocidentais se fazia obstrução de tais compras. A propaganda do PAIGC alardeava grandes perdas em aeronaves da FAP. Concretamente, falavam que tinham destruído entre 1969 e 1972 dez aviões de asa fixa e oito helicópteros, incluindo seis aeronaves alegadamente destruídas em pistas de aterragem (ver anexo III). O registo documental da FAP e a falta de provas apresentadas pelos guerrilheiros revelam que a Zona Aérea não perdeu uma única aeronave por ação inimiga desde que o Fiat que o Tenente-Coronel Costa Gomes pilotava foi atingido, em 1968. Perderam-se aeronaves em acidentes: dois T-6, dois DO-27 e também dois Alouette III caíram na Guiné, daí resultando 14 mortos (incluindo os seis pilotos). Tais acidentes aumentara o número de aviões e helicópteros da FAP perdidos na Guiné desde 1962 para 23, embora três, no máximo, tenham sido destruídos por fogo hostil.

Apesar de todo este seu furor propagandístico, o PAIGC reconhecia que não tinha uma defesa antiaérea eficaz. Amílcar Cabral viajou para a União Soviética em junho de 1962 à procura de melhores armas defensivas. Os seus esforços acabaram por ser recompensados, mas nesse intervalo de tempo a Zona Aérea conseguia gerir a sua guerra contra o PAIGC sem encontrar sérios obstáculos. Durante 1972, as aeronaves da FAP tiveram um total de 10.643 surtidas em todas as áreas de missão, número que representa uma redução de 6% em relação ao ano anterior. O número de ataque e surtidas de apoio de fogo ultrapassou os 3 mil durante 1972, o que representa menos 15% relativamente a 1971, mas um esforço maior comparativamente a 1969 ou 1970. Os Alouette III transportaram na Zona Aérea mais de 6 mil soldados durante 75 operações helitransportadas, em 1972, comparativamente a 58 missões semelhantes e 1971 e 41 em 1970.

Esta defensiva de operações da Zona Aérea teve a sua ênfase no Sul da Guiné, em parte devido à propaganda do PAIGC alegando ter aqui um elevado número de “áreas libertadas”, especialmente na Península do Cantanhez. Spínola sentia que era imperativo demonstrar que as forças militares poderiam exercer um completo domínio no Cantanhez, dado o facto do fracasso inegável do poder afirmar em qualquer outro lugar do Sul da Guiné. No final do ano, esta sua exigência culminou com a Operação Grande Empresa, foi a mais ambiciosa operação ofensiva desde a Operação Tridente, em fevereiro-março de 1964.

Frustrado nas suas tentativas em ludibriar o PAIGC, neutralizar a República da Guiné ou negociar um acordo através do Senegal, Spínola procurou então o local que lhe desse um sucesso militar capaz de poder recuperar um poder de iniciativa face ao PAIGC. Foi-lhe oferecida a oportunidade pelo Major Moura Calheiros, Comandante das Operações e Informações do BCP 12, que identificou a base mais importante do PAIGC nas chamadas “áreas libertadas” do Cantanhez. Com a sua proposta da Operação Grande Empresa, Calheiros deu a Spínola uma oportunidade para destruir um grande complexo de guerrilha, recuperar a Península e a população sob controlo inimigo, através de obras civis, medidas psicológicas e reordenamentos; foram designadas duas companhias de paraquedistas e um destacamento de fuzileiros para o assalto inicial, competia a essas forças especiais ocupar as aldeias de Caboxanque, Cadique e Cafine, na margem sul do rio Cumbijã, enfrentando e destruindo as forças guerrilheiras que tentassem sobrepor-se. Uma vez alcançados esses objetivos, uma força composta por tropas de cavalaria e infantaria, apoiada por pelotões de artilharia chegariam por lanchas ao local e estabeleceriam uma rede de guarnições na Península, desenvolvendo rapidamente obras de construção e reordenamento.

Em 11 de dezembro, um dia antes do ataque, sete Noratlas transportaram 191 paraquedistas da Base Aérea 12 para a sua plataforma avançada, a Base em Cufar. Na manhã seguinte, seis Fiat levaram a efeito um bom bombardeamento preparatório às posições do PAIGC, enquanto dez Alouette III que transportavam 50 paraquedistas os largaram em zonas previamente escolhidas. Uma forte resistência obrigou a trazer mais 50 paraquedistas, mas no final do dia as forças portuguesas esmagaram a resistência e ocuparam as aldeias de Caboxanque, Cadique e Cafine.

Começou então o processo, que se previa de longa duração, de pôr em prática de atrair e reintegrar populações civis, isto enquanto se procurava capturar ou aniquilar as forças importantes do PAIGC. O contingente das tropas do Exército construiu novas aldeias, estradas, cercas para guardar animais, fabricaram-se postos médicos, encetaram-se conversações com as autoridades tradicionais para procurar suprir as necessidades imediatas. Este conjunto de iniciativas teve algum sucesso, já que a maioria dos habitantes do Cantanhez revelou tolerância com os esforços portugueses, e muitos deles ajudaram a uma quase erradicação da liderança regional e das infraestruturas do PAIGC.

Ao longo dos noves meses da Operação Grande Empresa, a FAP forneceu reconhecimento contínuo, transporte aéreo, evacuação dos sinistrados e apoio de fogo às unidades de superfície participantes; mas, ato contínuo, as forças especiais de Spínola foram obrigadas e responder a questões mais urgentes que surgiram noutros locais. Os paraquedistas e algumas unidades do Exército foram transferidas em meados do verão, a posição das forças de superfície no Cantanhez iria ficar enfraquecida. Contudo, no final de 1972, as forças portuguesas podiam estar satisfeitas, tinham reocupado o Cantanhez, mas Spínola manteve-se pessimista, conforme relatou no início de 1973 devido ao aumento crescente da atividade e potencial do inimigo, anunciou que era de prever um agravamento militar da situação, perspetivou uma súbita deterioração, provavelmente na forma de destruição convencional em grande escala. Spínola avisou os seus superiores que se avançava para um novo patamar da guerra e temia que Portugal tivesse dificuldade em prevalecer.

Os líderes do PAIGC, por outro lado, começaram 1973 numa atmosfera de otimismo, o PAIGC recebera uma delegação da ONU através das suas zonas ditas libertadas e anunciou publicamente a sua intenção de declarar unilateralmente a independência, nos próximos tempos. Na sua comunicação de Ano Novo, Amílcar Cabral também elogiou as “grandes derrotas e perdas muito importantes” infligidas às forças portuguesas durante 1972. Mas admitiu que o inimigo tinha mais aviões e helicópteros fornecidos pelos aliados na NATO e tinha intensificado os bombardeamentos e ataques contra as regiões libertadas.

“Só a aviação permitiu a Portugal criar situações difíceis para nós.” Nessa mesma alocução Cabral instava as forças do PAIGC a desferir golpes mais duros contra o inimigo colonialista e prometia armas e outros meios de guerra ainda mais poderosos, alertando que o PAIGC iria utilizar de forma mais eficaz os meios existentes e a chegar, suscetíveis de ferir golpes decisivos nos colonialistas.

Para os militares da Força Aérea na Guiné, estas palavras seriam proféticas.

Operações portuguesas helitransportadas em 1972 (por Matthew M. Hurley, baseado em documentação portuguesa)
Área de atividades no decurso da Operação Grande Empresa (Matthew M. Hurley)

Anexo I – Aeronaves atribuídas à Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné

Anexo II – Surtidas na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné
Surtidas por tipo de aeronave, 1968-1972
Surtidas por categoria de missão, 1968-1972

Anexo III – Perdas da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné e Reivindicações Propagandísticas do PAIGC, 1962-1972
Perdas confirmadas pela FAP, 1962-1972
Números indicando o lugar dos acontecimentos descritos no quadro acima (mapa elaborado por Matthew M. Hurley)
Reivindicações propagandísticas do PAIGC comparadas com as perdas apresentadas pela FAP
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Nota do editor:

Vd. posts anteriores de:


9 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25153: Notas de leitura (1665): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (11) (Mário Beja Santos)

16 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25176: Notas de leitura (1667): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (12) (Mário Beja Santos)

23 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25204: Notas de leitura (1669): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (13) (Mário Beja Santos)

1 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25229: Notas de leitura (1671): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (14) (Mário Beja Santos)

9 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25254: Notas de leitura (1674): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (15) (Mário Beja Santos)

15 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25276: Notas de leitura (1676): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16) (Mário Beja Santos)

22 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25296: Notas de leitura (1677): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17) (Mário Beja Santos)

29 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25316: Notas de leitura (1679): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18) (Mário Beja Santos)

5 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25342: Notas de leitura (1680): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19) (Mário Beja Santos)

12 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25377: Notas de leitura (1682): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (20) (Mário Beja Santos)
e
19 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25411: Notas de leitura (1684): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (21) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 22 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25296: Notas de leitura (1677): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Os autores procedem a uma análise do desempenho da Força Aérea na Guiné, nomeadamente no período de 1968 a 1971, o sistema de defesa antiaérea do PAIGC estava praticamente fora de combate, Spínola gostava tanto das operações conjuntas e o papel dos helicópteros tornava-se crucial, designadamente para o transporte das tropas especiais e evacuação de feridos; por outro lado, Spínola e o comando da Zona Aérea adaptaram o sistema instituído ao tempo de Schulz para as zonas de intervenção exclusiva, os bombardeamentos continuaram. Era incontestável que a capacidade agressiva dependia do apoio aéreo, em praticamente todas as situações. É esse o relato que aqui se condensa, houvera escalada da guerra, mas a supremacia aérea estava do lado português.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.




Capítulo 4: “A pedra angular”

Nos dois textos mais recentes, procurou-se dar conta dos problemas postos pelas defesas antiaéreas ao serviço do PAIGC e dos receios fundados, por parte do General Spínola, de intrusões aéreas oriundas dos países vizinhos e hostis. No fundo, problemas vindos do passado e que pareciam ganhar um novo realce o recurso de armas mais sofisticadas por parte da guerrilha.

Vimos como desde 1965 se procurou aniquilar a capacidade de defesa antiaérea, neutralizavam-se armas de defesa e os seus operadores, a Zona Aérea reivindicava ter destruído mais de 50 canhões antiaéreos ou tê-los seriamente danificado. Quando parecia que se tinha reduzido a quantidade de fogo antiaéreo reacendiam-se incidentes e, por exemplo, foram reportados 110 em 1966, não desapareceram completamente, mas, por exemplo, foram reportados 9 em 1971, número que subiu para 23 no ano seguinte. Como igualmente se referiu, a Operação Pérola Azul (julho de 1970) foi demolidora, o PAIGC adotou a estratégia de abrigar o seu armamento antiaéreo para lá da fronteira da República da Guiné.

A desmotivação afetou o PAIGC, havia comprovadas deficiências nesta batalha da defesa aérea, apesar de continuar a renovar-se o armamento eficaz e haver o apoio de peritos estrangeiros. Em 1971, Amílcar Cabral não escondeu as suas críticas pela falta de coragem para disparar contra os aviões. Recorde-se que a Força Aérea na Guiné entre 1965 e 1972 perdeu apenas uma aeronave devido a fogo hostil. Em 28 de julho de 1968, o Comandante do GO 1201, o Tenente-coronel Francisco da Costa Gomes, voava num Fiat para fazer reconhecimento fotográfico a norte de Guileje. Ao tentar localizar e fotografar posições antiaéreas ao longo da fronteira, o Fiat foi atingido por fogo de uma arma de 12,7 mm, supostamente a partir de território da República da Guiné. Os projéteis atingiram o depósito de combustível, incendiando o motor e a cauda, o comandante foi forçado a ejetar-se. O seu avião caiu a cerca de 4 km da fronteira, perto do quartel português de Gandembel. Depois de escapar às patrulhas dos guerrilheiros e aos perigos de campos minados, Costa Gomes conseguiu chegar ao quartel aonde um soldado que estava no turno em vigilância questionou aquela figura abatida e desconhecida, num fato de voo sujo, e pareceu-lhe velho demais para ser piloto. Tudo acabou em bem, o Tenente-coronel Costa Gomes voltou a Bissalanca sem mais incidentes.

Importa salientar que todo o esforço para aniquilar ou neutralizar o sistema antiaéreo do PAIGC constituiu uma pequena fração na atividade global da Força Aérea na Guiné. Desde que Spínola assumiu o comando, em 20 de maio de 1968, até final de 1972, os aviadores portugueses realizaram cerca de 12.408 missões de ataque, apoio de fogo e reconhecimento armado na Guiné, das quais apenas 67 (cerca de meio por cento) foram especificamente vocacionados para operações de aniquilamento dos referidos sistemas de defesa antiaérea. No entanto, este número de surtidas desmente a importância da luta da defesa aérea para ambos os lados do conflito.

O PAIGC tinha apostado muito na capacidade de conquistar e manter “áreas libertadas”, mas a validade das suas reivindicações diminuía com cada aeronave da Força Aérea que sobrevoava as ditas áreas libertadas sem serem molestadas. Em termos de tentar pôr a respeito a luta armada, confiava-se cada vez mais no poder aéreo para justificar que qualquer força militar podia chegar a qualquer ponto do território. Tudo conjugado, em meados de 1970 e uma inequívoca supremacia aérea, que obrigou o PAIGC a procurar uma resposta que pusesse em causa tal supremacia.


Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

“Tínhamos, por um lado, 40 mil militares no terreno, que suportavam múltiplas dificuldades, o isolamento, o desconforto, o perigo constante… Por outro lado, 50 ou 60 pilotos, um máximo de 70. Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra.” – General Lemos Ferreira, Comandante da BA 12, 1971-1974.

Enquanto a batalha pela supremacia aérea se intensificava, a guerra terrestre expandia-se, em abrangência e intensidade. Em 1968, o PAIGC reivindicava o controlo de dois terços do território da Guiné, citava mesmo a decisão de Spínola é abandonar uma série de guarnições isoladas, as operações também se iam tornando mais letais: embora o total do número de ataque contra as forças portuguesas tivesse diminuído quase um terço entre 1969 e 1970, causaram cerca de 45% mais vítimas.

De acordo com o General Venâncio Deslandes, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, a eficácia de combate do PAIGC refletia quatro desenvolvimentos complementares: reforço material, tanto qualitativo como quantitativo; reforço de mão de obra, incluindo o uso de especialistas estrangeiros; reorganização militar que melhorou o controlo tático e a flexibilidade; avanço no sistema de informações, planeamento e de liderança tática.

Estas melhorias refletiam o esforço contínuo do PAIGC de transformar o seu braço armado numa “estrutura militar convencional”. Confrontados com a necessidade de contrariar um movimento militar e sociopolítico devido às iniciativas de Spínola, bem como a entrada no terreno cada vez mais de armas pesadas, o PAIGC “remodelou completamente a sua estrutura durante 1970-1971. Deixou de se falar em guerrilha, substituindo essas unidades por Forças Armadas Locais, uma designação para falar de forças regulares”. O Exército Popular foi também dividido em unidades distribuídos regionalmente, compostas por dois ou mais bi-grupos, com secções anexas, conforme as necessidades. A análise de Venâncio Deslandes resumia assim a situação: “Têm infantaria, artilharia e foguetes, ganharam maleabilidade para conduzir o esforço de guerra de acordo com a estratégia decidida ao mais alto nível.”

Segundo o serviço de informações, avaliava-se a força global do Exército Popular num pessoal de 4800 sediados na Guiné e 1200 nos países vizinhos, divididos em 73 bi-grupos de artilharia e dois grupos dos Comandos. Para contrariar este poder militar do PAIGC, Spínola, tal como Schulz, voltou-se cada vez mais para os recursos da Força Aérea. Em 1969, a Zona Aérea montou apenas uma operação de ataque pré-planeada (ver apêndice VI): este número cresceu para 22 no ano seguinte e 45 em 1971. Essas operações envolveram quase 3000 operações de ataque, na sua maioria realizadas por Fiat ou T-6, responsáveis por um terço de todas as missões de ataque e apoio aéreo registados de 1969 a 1971. Sem surpresa, os ataques aéreos pré-planeados centraram-se em áreas de maior atividade do PAIGC, tanto no Sul como nos setores ocidentais onde a guerrilha estava mais ativa. Muitas das outras surtidas e ataque de apoio de fogo tinham a ver com a guerra de helicópteros. De 1968 até finais de 1971, a Zona Aérea levou a efeito quase 160 operações com helicópteros, tanto no Este como no Sul, mobilizando milhares de soldados em mais de 3000 saltos. Praticamente todas estas operações foram apoiadas por aeronaves de asa fixa e rotativa que realizaram reconhecimento, bombardeamento preparatório, apoio de fogo, comando e controlo e evacuação de feridos. Em 1971, os ataques combinados ar-terrestres tinham assumido um papel fulcral na estratégia de Spínola, como observou um jornalista, dizendo que “os Alouettes raramente estavam parados, não se passa um dia sem que os meios aéreos estejam a funcionar.” Estas operações conjuntas representaram mais de 40 mil incursões durante os primeiros três anos e meio do comando de Spínola (julho de 1968 a dezembro de 1971 – ver anexo II), atingindo um pico total anual de 11320 em 1971. As aeronaves com mais tarefas, no inventário da Base Aérea 12 durante este período, foram o DO-27 e o Alouette III, indicativo dos vários tipos de missões e demonstrativo da centralidade da logística aérea tanto para o esforço de guerra como para os seus programas de apoio civil.

Atividade do sistema de defesa antiaérea do PAIGC entre 1968 e 1972 (Matthew M. Hurley, com base em documentos oficiais portugueses)
O Fiat n.º 5411 poucos dias antes de ter sido abatido perto da fronteira da República da Guiné (Coleção José Nico)
Detalhe do Fiat n.º 5411 abatido pelo PAIGC (Casa Comum/Fundação Mário Soares)
Destroços do avião Fiat n.º 5411 a 4 km da fronteira da República da Guiné (Arquivo da Defesa Nacional)
Posições do sistema antiaéreo do PAIGC a cerca de 200 metros da fronteira com a Guiné Portuguesa, aquando no abate do Fiat nº5411 (Arquivo da Defesa Nacional)
Estrutura militar do PAIGC em 1971

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 15 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25276: Notas de leitura (1676): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25129: Notas de leitura (1663): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (10) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Chegou a hora de fazer um balanço ao conjunto de operações da Força Aérea com o intuito de aniquilar os sistemas antiaéreos em poder do PAIGC. Numa reunião de comandos efetuada em abril de 1968, porventura em hora de despedida do general Arnaldo Schulz da Guiné, dava-se como provado que reduzira substancialmente o poder antiaéreo do PAIGC, e compulsaram-se dados de 1965 até àquela data. É notório que o PAIGC não tinha hipóteses de contrariar a supremacia aérea, naquelas circunstâncias, precisou de uma arma maleável e letal, como os mísseis terra-ar que entraram em ação em 1973. Fica para a história o que estes aviadores escreveram quanto à bravura dos artilheiros do PAIGC naqueles três pontos cruciais no Sul da Guiné e, igualmente, fica comprovado que durante a governação de Schulz se usaram de todos os meios possíveis e oferecidos àquele teatro de operações para contrariar a combatividade e mesmo o destemor de quem lutava pela sua independência.Vamos agora ver a vida operacional da Força Aérea no tempo do governador Spínola. 

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (10)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 3: “Eram eles ou nós”


Os autores têm evidenciado as alterações operadas quer nos equipamentos e armamentos da Força Aérea quer nas respostas encontradas pelo PAIGC para procurar intimidar a supremacia dos ares, graças a sistemas defensivos de origem soviética. As principais inovações do lado português deveram-se à chegada do Fiat e do Alouette III e deste com o helicanhão. Na região Sul, no Cantanhez e no Quitafine, o PAIGC pôs-se em confronto com a aviação portuguesa, e daí termos enunciado um conjunto de operações que visavam destroçar totalmente tais equipamentos.

Do lado da Força Aérea, considerava-se que o material bélico não era adequado para operações no Quitafine. O General Nico recordou que tal material não era muito eficaz naquele terreno instável, a força explosiva dissipava-se no terreno macio e arenoso. “Mesmo quando os impactos ocorreram relativamente perto deles, logo que a poeira assentava e passava a dor de ouvidos, os guerrilheiros continuavam a atirar.”, observou o general. Felizmente para os aviadores portugueses, as mesmas características do solo que silenciavam os efeitos das suas bombas também realçavam as posições dos canhões dos sistemas de defesa antiaérea. “Os revestimentos destes sistemas em terra brilhavam intensamente sob o sol fortíssimo da Guiné e tornavam a localização do alvo muito mais fácil”, continuou o General Nico. O Tenente-coronel Costa Gomes rebate tal opinião alegando que “com os alvos a dispararem contra nós, a probabilidade de colocar uma bomba em tal pequeno círculo era muito estreita.” Apesar destes prós e contras, a Zona Aérea respondeu com uma outra série de operações contra os sistemas de defesa antiaérea no Sul da Guiné, no início de 1968.

Os aviadores portugueses inauguraram o novo ano com a Operação Faísca, um ataque de dois dias a posições antiaéreas identificadas em Dameol e Banir, na Península do Quitafine, lançaram 5400 kg de bombas em dois locais em 19 surtidas, destruindo uma ZPU de 14,5 mm em Banir e uma DShK de 12,7 mm em Dameol. Os aviadores portugueses, no regresso destas surtidas, reportaram que os outros locais estavam “possivelmente destruídos, tendo sido completamente abandonados pelo inimigo”. Durante todo o mês de janeiro de 1968, os Fiat também retaliaram contra o fogo antiaéreo. Fizeram-se relatórios mencionando que se tinham destruído pelo menos mais quatro armas do sistema de defesa antiaéreo.

No entanto, estes sucessos não conseguiram afastar a ameaça da atividade antiaérea. Em fevereiro, a Zona Aérea levou a efeito uma outra campanha no Quitafine, três operações batizadas de Operação Martelada I, II e III. A primeira fase da operação procurava responder a um ataque aéreo perto da localidade de Quitafine, Calaque Manjaco, que ocorreu em 9 de fevereiro. Perto das 13 horas, quatro Fiat partiram de Bissalanca, cada um carregando quatro bombas de 50 kg e duas bombas de 200 kg, e atacaram posições em Cassebeche e Calaque Manjaco, fazendo explodir aqueles locais com 24 bombas em menos de 30 segundos; uma segunda onda aconteceu às 16 horas, e encontrou as posições do PAIGC abandonadas; os Fiat baseados em Bissalanca fizeram um total de 10 surtidas para a Operação Martelada I, lançando 4800 kg de bombas e destruindo duas das posições de defesa antiaérea na Península do Quitafine; dois dias depois, a Zona Aérea lançou a Operação Martelada II, em resposta ao fogo da metralhadora pesada dirigida contra os Fiat quando estes sobrevoavam Cassebeche; nove surtidas de Fiat atingiram no local uma DShK de 12,7 mm com oito bombas de 50 kg, seis bombas de 200 kg e oito embalagens de napalm, alegadamente destruíram uma posição de bateria antiaérea e forçaram à evacuação de outras duas. No final do dia fez-se um reconhecimento a estes locais, e não houve resposta do PAIGC. Os resultados satisfatórios das Operações Martelada coincidiram com a melhoria da disponibilidade de munições, o que induziu o comando da Zona Aérea e o GO 1201 a planear futuros ataques com ondas de quatro a cinco Fiat largando cargas máximas em tempos muitíssimo rápidos. Era tal a violência destes ataques que os guerrilheiros antiaéreos se sentiam obrigados a abandonar as posições, mas não havia a certeza de que eles e as suas armas tinham sobrevivido a tal ataque inicial.

O perigo que decorria dos aviões baseados em Bissalanca tornou-se um alvo tentador ao PAIGC, o que levou a que tivesse feito um ataque sem precedentes contra a instalação, durou 6 minutos, começou às 23h30 de 18 de fevereiro de 1968, foram 10 tiros de morteiro e usaram-se granadas de propulsão, foi tudo disparado de fora do perímetro de segurança, registaram-se dois mortos e doze feridos em milícias acampados na base, mas não teve qualquer impacto nos aviões e causou apenas danos materiais “insignificantes”. Com efeito, na manhã seguinte, de Bissalanca partiram 30 surtidas para operações que estavam a decorrer, incluindo uma missão aérea de cariz empresarial. No entanto, o PAIGC bem tentou fazer propaganda da operação, dizendo que tinha sido um grande sucesso, reivindicou a destruição de dois aviões, três hangares e a torre de controlo. O líder do PAIGC condecorou os 13 guerrilheiros que tinham participado na operação com a “Estrela Negra do Partido”. Pondo de parte a verborreia da propaganda, ficou claro que o PAIGC adquirira capacidade de infiltrar militantes fortemente armados em Bissau e arredores, atacar e retirar-se sem ser intercetado.

E ficou a pairar no ar a possibilidade do PAIGC “bombardear campos de aviação, realizar emboscadas e atacar aviões à medida que estes descolavam”, era o que já constava numa diretiva do partido de 1965. Na verdade, o PAIGC já tinha reivindicado, de uma forma totalmente irrealista, mais de 20 ataques contra pistas de aterragem, dizendo mesmo que tinham deixado o campo de aviação de Cufar “inutilizável para a aviação”, tinha sido uma destruidora operação com morteiros. Estes ataques da propaganda não perturbaram a campanha antiaérea da Zona Aérea no Quitafine, e os Fiat do GO 1201 regressaram a Cassebeche para a Operação Martelada III, em 7 de março. Uma vaga de quatro Fiat lançou 12 bombas de 50 kg, 6 bombas de 200 kg e 2 bombas de napalm contra um sistema antiaéreo ZPU-4 de 14,5 mm, destruindo-o. Os Fiat também metralharam quatro posições DShK 12,7 mm que estavam próximas, o que levou os artilheiros a transferirem-se para locais mais seguros. O reconhecimento fotográfico posterior confirmou a “aniquilação brutal do complexo” que “quebrou a capacidade de reação do inimigo”, como lembrou o General Nico.

A Operação Martelada III seria a última operação planeada pela Zona Aérea, embora tivessem continuado ataques de viação contra o fogo antiaéreo do PAIGC. Estas iniciativas da Zona Aérea atacando os sistemas antiaéreos do PAIG terão feito diminuir as iniciativas destes: os ataques antiaéreos em 1966 foram em número 110 e passaram para 29 em 1968, houve uma queda acentuada no Setor Sul que, incorporava como Cantanhez e Quitafine. Numa reunião de comandos presidida por Schulz, em abril de 1968, houve consenso quanto a uma diminuição significativa no fogo hostil dirigido contra aviões portugueses. Nem um único avião português fora derrubado por fogo hostil em todo o país, entre 1965 e o primeiro semestre de 1968.

A Zona Aérea sofreu perdas acidentais durante esses anos, conforme se pode ver no anexo III. Em 21 de julho de 1966, um DO-27, em voo de rotina e transportando correspondência, desviou-se para o espaço aéreo senegalês e caiu no mar, os pilotos, os alferes José de Sousa e Manuel Lima Leite, foram resgatados por um navio alemão, detidos algum tempo em Dacar e depois devolvidos a Bissau em 4 de agosto. No início do ano seguinte, em 22 de fevereiro, a Esquadra 121 sofreu a sua primeira perda operacional de um avião Fiat. O comandante da Esquadra, Major Armando dos Santos Moreira, estava a bombardear uma suposta posição antiaérea perto de Gã Pedro, na região de Quinara, quando o seu avião ficou danificado por estilhaços da sua própria bomba de fragmentação de 200 kg, possivelmente devido a uma detonação prematura. Acompanhado pelo seu asa, Tenente Egídio Lopes, Moreira tentou trazer o seu avião de volta a Bissalanca, mas os danos eram muitíssimos elevados e foi forçado a ejetar-se a uma altitude de 2000 pés durante a sua aproximação, foi recuperado e evacuado para convalescença, o seu avião ficou totalmente perdido. Finalmente, em 15 de junho de 1968, um T-6 sofreu uma falha de motor e caiu entre Chéché e Madina do Boé. No dia seguinte, paraquedistas helitransportados recuperaram a aeronave danificada que foi posteriormente desfeita.
Operações da Zona Aérea entre janeiro e maio de 1968 (Matthew M. Hurley)
Detalhe da posição de uma ZPU-4 em Cassebeche, assinalada durante a Operação Martelada III
(Coleção José Nico)
A mesma posição antiaérea a seguir a um ataque português por Fiat (Arquivo da Defesa Nacional)
Operações helitransportadas entre janeiro e junho de 1968 (Matthew M. Hurley)
Os Alouette III foram muito ativos na primeira metade de 1968, especialmente em operações helitransportadas
(Coleção Helder Ferreira)

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 26 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25112: Notas de leitura (1661): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 29 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25121: Notas de leitura (1662): "Os três rostos da Igreja Católica na Guiné" (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18648: FAP (105): 28 de julho de 1968, o dia em que o Fiat G-91, nº 5411, pilotado pelo ten cor Francisco Dias Costa Gomes, foi abatido sob os céus de Gandembel, por fogo de AA (Antiaérea)


Guiné > Bissalanca > BA 12 > 1968 > O Fiat G-91 R4, nº 5411, uns dias antes de ser abatido (em 28 de julho de 1968). No cockpit, o cap piloto aviador José Nico

Foto (e legenda): © Mário Santos (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário de Mário Santos (ex-1.º  cabo especialista MMA da BA 12, 1967/69), membro nº 772 da Tabanca Grande, com data de 13 de maio último,  ao poste P18626 (*):

Caros amigos e camaradas: 

Apenas uma pequena correcção que se impõe: O 1º Fiat G-91 R4 foi o 5411, abatido por fogo de Anti-Aérea no dia 28 de Julho de 1968,  levando no cockpitt o nosso Comandante de Grupo Operacional Ten-Cor Costa Gomes, após ter dido atingido junto a Gandembel. Ejectou-se e fugiu por entre a mata até alcançar o aquartelamento de Gandembel. (**)

Tenho no meu espólio a foto dessa aeronave, pouco antes de ter sido atingida, uma vez que era eu que estava encarregado dela nesse longínquo dia de 1968.

Não a consigo colocar aqui, uma vez que esta zona apenas permite escritos em texto.


2. Mensagem, por email, do Mário Santos, nesse mesmo dia:

Meu caro Luís Graça:

Longe de mim qualquer idéia de despoletar polémicas no seio do grupo. A minha colaboração e espólio é apenas relativa ao conhecimento do meu tempo na BA12 entre 67/69 [, ou seja, antes do aparecimento do Strela, em 25 de março de 1973].

Tenho a valiosa e insubstituível cooperação do meu amigo contemporâneo e camarada de armas desses conturbados tempos, gen José Nico.

Este é o sumário do que se passou naquela longínqua manhã de 28 de Julho de 1968:

Como habitualmente naquele dia saltei da cama às 05.00 da matina; tocava-me estar na equipa de alerta e a "parelha" de Fiat G-91 deveria estar pronta para descolar às 06.00.

Éramos apenas dois, eu e o Luís Tavares; todos os restantes iniciariam a actividade normal cerca das 08.00 da manhã. Afinal não; a "parelha de alerta" naquele dia não descolou cedinho…

Só cerca das 11.00 chegaram o Ten Cor Costa Gomes, Comandante do Grupo Operacional  [nº 1201] e o Capitão Fernando Vasquez, nosso Comandante de Esquadra, para voarem respectivamente o 5411 e o 5416. 
Uma hora passada, chegou a noticia de que um deles não regressaria à Base. Abatido por fogo de Anti-Aérea. na zona de Gandembel. Naquela manhã, algo tinha corrido mal…

O Ten Cor [Francisco Dias] Costa Gomes, com o seu bigodinho à Clark Gable, era um homem sisudo, vaidoso, de poucas falas,  e que nunca sorria. Não era simpático. Mesmo quando interpelado, respondia sempre com monossílabos. Mas era um bom Piloto. Tinha já passado pela BA9-Luanda onde tinha sido “alcunhado” com um curioso epíteto que nunca entendi muito bem! Não o vou dizer, por respeito à sua memória. 
Já o Capitão Vasquez [, Fernando de Jesus Vasquez,] , era o seu oposto… simples, simpático, sorridente, comunicador e um excelente Piloto. Todos gostávamos dele. Um grande Oficial General felizmente ainda entre nós!

Envio em anexo [foto d]o 5411,  nesse dia  já com o J. Nico sentado no cockpit para mais uma missão de bombardeamento… não sei em que zona, nem penso que isso seja importante. Direi apenas que esta foto foi feita poucos dias do abate deste avião. (***)

Grande abraço,
Mário Santos,
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Notas do editor:

(***) Último poste da série > 18 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18647: FAP (104): Breve Historial: Operação Atlas (Mário Santos, 1.º Cabo Especialista MMA)

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17940: Notas de leitura (1011): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,

A investigação de María José Tíscar sobre as redes de informações da PIDA/DGS em África abre com um importante capítulo que nos dá em grande ecrã os serviços de informação na guerra colonial, nesse contexto aparece um jovem alferes na Guiné, António Fragoso Allas, que vive fundamentalmente na região de Bedanda, Tombali.

No regresso, tendo-lhe sido obstada a carreira militar, ingressa na PIDE e o seu trabalho ganhará notoriedade quando vai participar na restruturação das informações da PIDE em Angola. Spínola pretende os seus serviços logo em 1968, só depois do que aconteceu na operação Mar Verde é que recebeu assentimento da PIDE em Lisboa.

Neste texto abordar-se-á o assassinato de Cabral, Fragoso Allas montara uma rede de informação que conta com os djilas e atingia o PAIGC em pontos nevrálgicos, houve contactos com figuras guineenses, com destaque para Nino Vieira. E esclarece-se, creio que corretamente, que nem Spínola nem a PIDE tiveram algo a ver com o assassinato do fundador e líder máximo do PAIGC.

Um abraço do
Mário


De leitura obrigatória: o diretor da PIDE/DGS na Guiné, no tempo de Spínola, na primeira pessoa (2)[1]

Beja Santos

O livro intitula-se “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar, Edições Colibri, 201.

Já aqui se escreveu como Allas chega à Guiné para chefiar a delegação da PIDE/DGS em meados de 1971, depois de muita insistência de Spínola. Do seu depoimento, fica bem claro que o seu trabalho parecia praticamente ignorado pelos serviços centrais da polícia política, não se percebe muito bem se por azedume quando Spínola pretendeu prender o seu antecessor, Matos Rodrigues, de algum modo responsabilizado por deficientes informações que conduziram aos péssimos resultados da Operação Mar Verde. Por que teria sido Allas tão insistentemente solicitado por Spínola? O entrevistado responde:

“O objetivo do general era ter alguma sensibilidade para perceber melhor o que se passava no interior do PAIGC, sem provocar mal-estar. Eu sentia que ele tinha esse interesse em encetar conversações com o PAIGC, mas isso não pode ser feito sem tempo. O mais importante para ele era melhor a pesquisa de informação porque a queria aproveitar para as suas operações. Penso que ele queria chegar a contacto com Amílcar Cabral e, por outro lado, controlar a rede interna do PAIGC na própria província da Guiné, que existia e era importante”.

A conversa centra-se no assassinato de Amílcar Cabral. Spínola terá reagido com desalento à notícia de morte de Cabral: “bem, estamos tramados”. Revela que nunca teve instruções para preparar e mandar executar o assassinato de quem quer que seja: “Matar não tem interesse porque isso complica o problema. Mas nós fizemos muito para levá-los a negociar connosco. Isso é que tinha interesse”.

Nunca a PIDE/DGS em Bissau participou num plano secreto para matar Amílcar Cabral. Não deixa de ser ambígua a resposta que dá à pergunta de um qualquer envolvimento da PIDE em Lisboa: “Eu não sei o que se passava em Lisboa”.

Ambígua e seguramente sujeita a ressentimentos, Fragoso Allas sabia o suficiente para saber que era totalmente impensável montar-se uma operação em Lisboa até Conacri sem ele dispor de informações. Ambígua é também a resposta quanto ao facto dos assassinos de Amílcar Cabral se terem ido apresentar a Sékou Touré, é evidente que os sediciosos, todos guineenses, após terem prendido os quadros cabo-verdianos, teriam que ter um apoio, sem a bênção de Touré estariam perdidos, como ficaram, Touré tinha que dar prova de firmeza e não interferir no conflito entre guineenses e cabo-verdianos, colaborou na cortina de fumo da intervenção da Guiné Portuguesa e até se ficcionou que uma esquadra portuguesa aguardava no limite das águas territoriais a chegada dos sediciosos com os altos dirigentes do PAIGC.




O General Costa Gomes visita a Guiné em Julho de 1973, vive-se uma situação muito crítica. O general pede a Allas para procurar contactar os guerrilheiros guineenses.

“Respondi que depois da morte de Amílcar não tinha contactos válidos no órgão político para esse fim. Poderia contactar o Nino Vieira mas levaria tempo; não tinha peso político na cúpula, mas tinha influência numa parte grande dos guerrilheiros guinéus que já não queriam combater. Este era o nosso melhor trunfo e poderia ter sido aproveitado por nós no palco político internacional”.

Faz reparos críticos a não se ter aproveitado devidamente o contacto com Senghor nem a vontade dos guerrilheiros guineenses se entregarem. Informa que lançou um alerta a Lisboa acerca da possibilidade do PAIGC, em curto prazo de tempo, poder aniquilar algumas guarnições e estabelecer novas áreas libertadas. E mais: “Disse que tínhamos de contemplar a hipótese de se vir a abater um avião, mesmo a hipótese de ser atacado um avião da TAP”.

Como responsável pela PIDE em Bissau, propôs a Lisboa a Operação Safira, destinada a desestabilizar Conacri, isto em fins de 1972 ou princípios de 1973, era uma proposta para se criar uma rede para fazer distúrbios na Guiné Conacri, não obteve resposta, e a operação não chegou a funcionar. Acerca dos aspetos organizativos desta operação, Allas é interpelado sobre a participação de elementos do PAIGC:

“Eles já trabalhavam connosco. Havia um lá dentro que nos vinha dar informações e houve gente dessa que levou explosivos para colocar na Guiné Conacri, em Boké, em Kandiafara, naquelas povoações que mais nos complicavam a vida e onde o PAIGC tinha bases. Um dia punham explosivos numa bomba de gasolina, outro dia num posto de autoridade administrativa… desta maneira, as autoridades de Conacri tinham de tentar controlar a situação”.

O entrevistado deixa a Guiné em Setembro de 1973. “O Governador Bettencourt Rodrigues pediu-me para ficar na Guiné, mas eu já estava muito cansado de tantos anos, seis anos de serviço consecutivos, sem uns dias de férias, e de não ter apoio de Lisboa". 

Perguntado se na altura em que saiu havia alguma inércia nos militares portugueses ou se se continuava a combater como dantes, responde: “Notava-se inércia nos militares portugueses, mas também cansaço da guerra do lado do PAIGC”.

É agora altura de discorrer sobre a obra do princípio ao fim. María José Tíscar dedica o primeiro capítulo aos serviços de informação na guerra colonial, isto para introduzir Fragoso Allas que dedicou a quase totalidade dos seus serviços às informações em África. Este futuro estratega de informações nascido em 1934, que chegou a matricular-se na Faculdade de Medicina de Lisboa, depois de cursar Mafra, embarcou em Agosto de 1957 para Bissau, onde chegou nos primeiros dias de Setembro. Foi colocado em Bolama e mais tarde escolhido para comandar um pelotão que ia ser destacado para Bedanda, na península de Cubucaré, Tombali.

A questão da soberania portuguesa no Sul da Guiné surge em 1959, indicia-se subversão das populações. “Os cipaios diziam que as populações já não estavam tranquilas e que isso era consequência do trabalho dos doutrinadores. Fragoso Allas, não sei baseado em que elementos diz que Amílcar Cabral fez a politização das populações em 1956 e 1957, isto depois de Julião Soares Sousa já ter comprovado que Amílcar Cabral estava a trabalhar em Angola, fez curtas passagens por Bissau para visitar familiares próximos, nunca nesta época e até 1960 Amílcar Cabral fala na existência do PAIGC, certo e seguro esteve em Bissau em Setembro de 1959 onde o rudimentar PAI esboça uma estratégia subversiva para o interior da Guiné e para a sensibilização internacional".

Fragoso Allas escreve o seu trabalho em Bedanda, passou quatro anos nos matos da Guiné. É no seu regresso a Portugal que a sua vida muda, tendo reprovado a entrada na Academia Militar, aceitou o convite do Coronel Homero de Matos, então dirigente da PIDE, para entrar na corporação. Começa trabalhar em cifra e em 1963 vai ter um papel fundamental na reestruturação das informações da PIDE em Angola.

Continua
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Notas do editor

[1] - Poste anterior de 30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17917: Notas de leitura (1009): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 3 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17928: Notas de leitura (1010): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (7) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16653: In Memoriam (267): gen pilav ref Francisco Dias da Costa Gomes (BA12, Bissalanca, 1967/68, cmdt do Grupo Operacional 1201)... Foi o primeiro piloto de Fiat G-91 a ser abatido, em 28/7/1968, sob os céus de Gandembel (José Matos, investigador independente em história militar)


Ofício, de 30 de julho de 1968, da Força Aérea, Comando da Zona Aérea de Cabo Verde, Base Aérea 12, para o Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, comunicando a perda de um Fiat G.91 por reação AA [Antiaéreas]

 Cortesia de José Matos (2016)


1. Mensagem de José Matos, com data de 27/10/2016, 22:39

[ Foto à direita:  o nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos;
formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central 

Lancashire, Preston, UK ); 
é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992;
faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro;
filho de um antigo combatente, nosso camarada da Guiné, já falecido;
é investigador independente em história militar ]



Olá,  Luís

Uma informação para o blogue:

No dia 7 de Outubro de 2016, faleceu o Francisco Dias da Costa Gomes, que esteve na Guiné em 1967/68, como Comandante do Grupo Operacional 1201.

Costa Gomes foi o primeiro piloto de Fiat G.91 (5411) abatido na Guiné por fogo antiaéreo no dia 28 de julho de 1968. O caça, pilotado pelo então Tenente-Coronel Costa Gomes, executava uma missão de RFOT na fronteira sul da Guiné para detectar posições AA, quando é atingido pelo fogo antiaéreo de armas 12,7 mm, obrigando o piloto a ejectar-se perto do aquartelamento de Gandembel, onde conseguiu chegar pelo seu próprio pé. (*)

Depois deste evento Costa Gomes receberia a Cruz de Guerra de 1.ª classe. Deixo aqui a informação do abate. (Vd. documento acima).(**)

José Matos
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16496: FAP (98): "Pedaços das nossas vidas" - "Marte, saia a Força Aérea, o Pirata ejetou-se em Gandembel", por TGeneral PilAv José Nico - II Parte (Miguel Pessoa)

(**) Último poste da série > 21 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16627: In Memoriam (266): Manuel Ribeiro de Figueiredo (1942-2016), ex-sold cond auto, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)