sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25112: Notas de leitura (1661): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (9) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Aqui se refere a crescente importância do apoio internacional ao PAIGC, nesta fase eram os países comunistas os grandes doadores, tanto de armamento, como militares e pessoal de saúde, o apoio escandinavo virá mais tarde; a chegada de sistemas de defesa antiaérea trouxe sérios desafios à FAP, e mais inquietante quando esse sistema foi posicionado na margem sul do Geba, na região de Gã Formoso; daí o relato da importante Operação Barracuda, com um dispositivo de aeronaves como nunca se vira, sincronizados os ataques aéreos com os paraquedistas no solo, os objetivos foram totalmente alcançados, capturou-se uma metralhadora e voar perto de Bissalanca deixou de ter perigos, e certamente que a Operação Barracuda afetou temporariamente o moral dos guerrilheiros do PAIGC na região Sul - afinal a defesa antiaérea era altamente vulnerável.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (9)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 3: “Eram eles ou nós”

O Governador e Comandante-chefe Arnaldo Schulz estava gradualmente a ser confrontado com maiores meios do PAIGC, decorrentes do apoio internacional que os sucessos da luta armada ajudavam a granjear. Primeiro, logo nos primeiros meses da luta, preparação militar na China, depois armas ligeiras e granadas, depois minas antipessoal, morteiros e bazucas, depois minas anticarro, e dentro deste encadeamento chegou-se ao sistema antiaéreo; além de terem aparecido os cubanos, outras nações do Bloco Leste forneceram armas, conhecimentos táticos e técnicos e armamento mais sofisticado – foi o caso da URSS, da China, RDA, Checoslováquia, Roménia, Bulgária, Coreia do Norte e Vietname do Norte. Em 1965, a URSS até mandou construir um centro de treino em Perevalnoe, na península da Crimeia, especificamente para membros do PAIGC e outros movimentos de libertação africanos, a instrução militar centrava-se no manejo de artilharia, minas e explosivos, mas também armas de defesa aérea, especialmente aquelas que estavam projetadas para atingir alvos voando baixo. Nessa altura, a OUA (Organização de Unidade Africana) já tinha decidido canalizar todo o seu apoio ao PAIGC e o Senegal, sob pressão da OUA, abriu o seu território às bases do PAIGC e rotas de abastecimento, em 1966.

A chegada de novos equipamentos e a aquisição de novas competências exigiu ao PAIGC mudanças organizacionais – e o seu corpo antiaéreo não foi exceção. Como resumiu Amílcar Cabral em abril de 1966, “Durante muito tempo lutámos contra aviões inimigos apenas com armas ligeiras, mas estamos progressivamente a equipar as nossas unidades e bases militares com armas adequadas para o combate antiaéreo e formámos combatentes especializados em lidar com essas armas.”

Em meados de 1966, os aviadores portugueses começaram a informar os comandos de que havia uma mudança de qualidade na guerrilha, tinham aparecido sistemas de defesa antiaérea, “armas dispersas aleatoriamente, envoltas em vegetação”. Em contraste, em 1967, as posições da defesa aérea de guerrilheiros adquiriram um ar mais robustecido e convencional, com armas de maior calibre implantadas em espaldões em espiral (revestimentos de terra), implantados em áreas relativamente abertas. Esta forma de atuar permitia aos guerrilheiros alguma proteção contra explosões e estilhaços, dando ao mesmo tempo aos artilheiros do PAIGC a oportunidade de concentrar rapidamente fogo em qualquer direção; em contrapartida limitavam a sua mobilidade, tornavam as suas posições muito mais fáceis de detetar. Esta transição decorria do objetivo político de reforçar as posições do PAIGC nas chamadas zonas libertadas, caso do Como e do Quitafine.

Impunha-se uma resposta da FAP. Os aviadores portugueses desenvolveram rapidamente métodos eficazes para se confrontar com essas novas armas. O ataque ideal começou com um mergulho de 45 a 60 graus a partir de 8 mil pés, então o piloto libertava 50 kg ou 200 kg de bombas de fragmentação a aproximadamente 4 mil pés, e mergulhava para se afastar. Quando transportavam napalm, os Fiat lançavam de 100 pés, estes eram ataques que surgiam a partir da direção do Sol com o intuito de atrasar a deteção visual e minimizar o fogo (ataques idealmente praticados por volta das 9h30 ou 15h00). Mas a qualquer hora do dia este sistema embrionário aéreo beneficiava do aviso prévio do ataque, havia um grande interesse da guerrilha nas operações aéreas a partir da base de Bissalanca, o seu sistema de informações procurava recolher dados que contribuíssem para que os artilheiros estivessem sobre o aviso. E ficou comprovado que estes sistemas de defesa antiaérea abriam fogo imediatamente após o início do ataque aéreo, apesar dos esforços da FAP para obter surpresa total.

O novo arsenal de aeronaves e armas da FAP foi colocado pela primeira vez à prova na região de Quínara. Um pouco depois do novo comandante da Zona Aérea, Coronel Costa Cesário, ter chegado em janeiro de 1967, estava comprovada uma atividade intensificada do PAIGC no Quínara – diretamente do outro lado do rio Geba, em frente a Bissau, e foi esse elemento que trouxe preocupação em Bissalanca. Por exemplo, um par de Fiat onde voavam o Tenente-coronel Damásio e o Tenente Egídio Lopes foi surpreendido por fogo antiaéreo num banco a Sul do Geba, isto na aproximação inicial para Bissalanca. Para eliminar esta ameaça às aeronaves que voavam perto da sua base principal, a Zona Aérea concebeu a Operação Barracuda, um dia de ofensiva aérea e de paraquedistas em fevereiro de 1967. A ordem de missão dada ao grupo operacional 1201 foi: neutralizar a ameaça antiaérea na região do Quínara; preparar um ataque terrestre a Gã Formoso; transportar paraquedistas de helicóptero para a área de operações, em conjunto com desembarques navais quase em simultâneo; interditar movimentos do inimigo em zona de ação; e fornecer logística e apoio de fogo. Uma ordem de operações suplementar orientava os paraquedistas, quando saltassem para o solo a procurar os objetivos atribuídos para desmantelamento na zona de Gã Formoso. O BCP 12 também foi especificamente encarregue de descobrir e apreender pelo menos uma das áreas antiaéreas mais valiosas do PAIGC – um feito ainda sem precedentes para as armas portuguesas na Guiné.

A Operação Barracuda começou pelas 6 horas do dia 4 de fevereiro. 25 aeronaves (6 Fiat, 11 T-6, 7 Alouette III e 1 DO-27 configurado para PCV) partiram de Bissalanca, com intervalos mínimos de descolagem, para aumentar a probabilidade de surpresa. Tendo atravessado o Geba, os Fiat descarregaram as suas bombas de 50 kg em duas posições antiaéreas na região de Gã Formoso, silenciando uma delas; seguidamente, os T-6 atingiram alvos adjacentes na floresta com bombas de 15 e 50 kg, foguetes de 37 mm e tiros de metralhadora. Pelas 6h20, o primeiro pelotão de paraquedistas saltou em terra de 6 Alouette III, vinham acompanhados de um helicanhão, uma segunda leva pousou às 6h30; entretanto, outros paraquedistas chegaram a bordo de lanchas, em Ganduá Porto, na margem sul do Geba, apoiados por 2 T-6 e um helicanhão. Pelas 9 horas, os grupos de paraquedistas uniram-se e iniciaram a sua limpeza pela floresta de Gã Formoso, pondo em debandada os guerrilheiros. Tendo alcançado os seus objetivos terrestres em capturar uma metralhadora antiaérea DShK de 12,7 mm, que era o objetivo fundamental da operação, os paraquedistas retiraram-se para Ganduá Porto sob a proteção de 2 T-6 e 1 helicanhão e um DO-27 armado com foguete. Uma análise posterior veio a descrever a Operação Barracuda como uma operação perfeitamente executada e sem baixas, nenhuma aeronave foi atingida e apreendera-se uma arma antiaérea. E também se entendia que a operação quebrara o prestígio e a arrogância do inimigo na área. As perdas de guerrilheiros não foram espetaculares, mas ficava a nu a vulnerabilidade destas armas, e restaurava-se a total liberdade de ação da força aérea em Gã Formoso. Sabia-se que se tratava de resultados transitórios, que tinham sido utilizados praticamente todas as aeronaves à sua disposição, gastaram-se 4200 kg de bombas, mas também muitos foguetes, projéteis de canhão e cartuchos. A Operação Barracuda demonstrou também o valor da fotografia de baixa altitude graças às missões de reconhecimento realizadas pelos Fiat, que revelaram informações detalhadas sobre a localização e disposição no terreno das posições antiaéreas do PAIGC.

Ação da Operação Barracuda (Matthew M. Hurley)
Posições de metralhadoras DShK próxima de um aldeamento, imagem tirada durante a Operação Barracuda (Arquivo da Defesa Nacional)
Operações helitransportadas entre maio e dezembro de 1967 (Matthew M. Hurley)
Um Alouette III numa operação contra o PAIGC (Coleção Serrano Rosa)

(continua)

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Nota do editor

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Último post da série de 22 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25100: Notas de leitura (1660): "Os três rostos da Igreja Católica na Guiné" (1) (Mário Beja Santos)

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