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domingo, 3 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26111: Notas de leitura (1740): "Poemas de Han Shan" (China, séc. VIII), organização, tradução e apresentação de António Graça de Abreu, no Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, 26/9/2024

 


1.  Para aqueles que não puderam estar presentes na sessão de apresentação do livro "Poemas de Han Shan", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, no passado dia 26 de setembro, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) (*),  o nosso amigo e camarada disponiblizou-nos os "slides" que elaborou para a ocasião.  

Perdemos a sua conversa ao vivo, mas temos ao menos o privilégio de poder aceder ao essencial daquilo que ele quis transmitir ao público sobre o lendário poeta e monge ligado ao Budismo chan (ou zen, como é conhecido no Japão), Han Shan, do séc. VIII (em chinês, quer dizer "Montanha Fria"),


Já agora esclarecemos os nossos leitores sobre o que é o CCCM e a sua missão:

(i) tem por missão produzir, promover e divulgar conhecimento sobre Macau enquanto plataforma entre Portugal e a República Popular da China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(ii) é, também, um espaço dedicado ao estudo e ensino da língua, cultura e história chinesas, e um centro de investigação científica e de formação contínua e avançada sobre as relações entre Portugal e a China, assim como entre a Europa e a Ásia;

(iii) dotado de autonomia administrativa e património próprio, é um instituto público integrado na administração indireta do Estado e sob tutela do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

O António Graça de Abreu não precisa de apresentações. Honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande desde 5/2/2007, e tem 354 referências no nosso blogue.


Templo de Han Shan, Suzhou, China (Suzhou é uma cidade a oeste de Xangai, no delta do rio Yangtzé, famosa pelos seus cnais,, pontes e jardins clássicos, classificados pela UNESCO com o património  material da humanidadfe em 1997 e 2000).


O António Graça de Abru no templo de Han Shan


Templo de Han Shan


A ponte de Fenqiao (séc. VIII), Suzhou


Famoso poema do poeta ZhangJi (766?-830?), "À noite, ancorando em Fengqiao"...





O poeta 寒 山 Han Shan (700?-780?)


Han Shan e Shi De no Japão, ou seja, Kan Zane Jitttoku. 
O budismo Chan ou Zen que só chega ao Japão em 1191.


Matsuo Bashô (1644-1694), o grande mestre dos haikus japoneses, adorava Han Shan









No meu prefácio aos poemas de Li Bai (1990) tentei explicar,  de forma exaustiva,  os processos que por norma utilizo na tradução e reinvenção de um poema chinês em língua portuguesa. 

Referi também, em detalhe, muitas das características da língua chinesa, talvez a mais depurada de todas as falas e escritas existentes debaixo do céu. 

Os anos passam e um continuado contacto com os grandes poetas da China confirma, convence-me de que, se já é muito difícil traduzir poesia em qualquer língua, no que ao chinês diz respeito a tarefa é impossível. E porque é impossível, as traduções avançam. Trata-se de caminhar pela impossibilidade, é necessário transformar o impossível em possível.

Ao traduzir poesia chinesa sei que trabalho na sombra, iluminado sobretudo pelo silêncio da sombra.

Camilo Pessanha, no prefácio à sua tradução das oito elegias chinesas, escrevia por volta de 1910, referindo uma expressão de Herbert Giles, um dos primeiros tradutores de poesia chinesa para língua inglesa, que escreveu “a chinese poem is at best a hard nut to crack”,  que Pessanha traduziu como “toda a composição poética chinesa é para o tradutor uma noz de casca dura”.

Trata-se de caminhar pela impossibilidade e de transformar o impossível em possível. O resultado é sempre um poema em língua portuguesa que procura ser fiel ao significado dos caracteres e à sensibilidade do poeta chinês, tão próximo do verso original quanto o rigor exige mas reinventado numa outra língua. 

É já um outro poema, quase sempre distante da estrutura poética do chinês porque o poema passa a ser português. Falamos de traduções, do comboio de caracteres que precisamos de identificar, de versões possíveis, da natureza do trabalho do tradutor, enfim, de questões fundamentais amplamente analisadas e debatidas nos estudos e cursos de tradução um pouco por todo o mundo.

Gil de Carvalho, um dos raríssimos críticos portugueses que, com alguns laivos de conhecimento da língua chinesa, se referiu às minhas traduções, considerou “ a vocação missionária e estética de Graça de Abreu” e o “querer fazer poesia sua através do poema ou do poeta chinês”.

Em carta pessoal, Eugénio de Andrade escrevia-me em novembro de 1993: 

Num parecer sobre as minha traduções, que guardo comigo, escrevia Óscar Lopes, em 28 de Janeiro de 1993:

 “Conheço a obra de tradução do Chinês para Português da autoria de António Graça de Abreu, nomeadamente Poemas de Li Bai e Poemas de Bai Juyi, publicados ambos com excelentes introduções históricas e literárias. 

"Não leio directamente textos chineses, mas tive a oportunidade de, num seminário do Curso de Mestrado da Universidade do Minho, apresentar o primeiro deste livros à discussão de duas alunas chinesas (Drªs. Wang Ting e Sun Lin) com boa preparação cultural, quer sinológica, quer ocidental e verifiquei que o tradutor conseguiu equivalências extremamente difíceis de encontrar e de condensar, de um poeta clássico oriental do século VIII.”

Até há poucos anos, o poeta Han Shan era completamente desconhecido em Portugal, o que de resto acontecia com quase todos os grandes poetas chineses. 

Isto apesar de Macau e de uma continuada presença portuguesa de quatrocentos e cinquenta anos nas terras da China. Mas, mesmo na cidade do Nome de Deus na China, a poesia chinesa também já desceu do grande Império do Meio, a norte, atravessou as Portas do Cerco e entrou mui de leve na sensibilidade de alguns dos seus melhores habitantes lusitanos.

Existe o caso singular de Camilo Pessanha que em Macau traduziu, deu forma a poemas a que chamou “oito elegias chinesas”,  oriundas de um álbum de poetas menores da dinastia Mingque, e que  o autor da Clepsidra nos diz ter comprado “pelo preço vil de duas patacas numa casa de prego” .

É pena o genial Pessanha não ter descoberto os grandes poetas da China, Li Bai, DuFu, Wang Wei, Han Shan. Somos o que somos e, apesar de Macau, a Sinologia portuguesa, o estudo sério e rigoroso das coisas do mundo chinês, também o depurar das sensibilidades com o Império do Meio por horizonte, quase não consegue crescer.

Em 1997, o PenClub Português nas suas pequenas “Folhas Soltas” publicou Nove Poemas de Han Shan, a minha primeira tentativa de tradução da poesia do mestre da Montanha Fria.

Em 2003, Ana Hatherly que tão bem conhece o ofício do poeta, companheira de entusiasmantes conversas sobre poesia chinesa e de jantares do PenClub, deu ao prelo as suas originais versões poéticas elaboradas a partir das traduções francesas de Jacques Pimpaneau com o título "O Vagabundo do Dharma, 25 Poemas de Han Shan".

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas –chamemos-lhe outra vez assim –, do budismo chan m ou zen, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo. O poeta da Montanha Fria « nous révèle cette esprit de la Chine qui dort aussi en notre tête et attend, telle la Belle au Bois Dormant, qu’un prince comme Han Shan vienne l’y éveiller»,  disse Jacques Pimpaneau .[ Tradução do francês parea português: "revela-nos esse espírito da China que também dorme nas nossas cabeças, à espera, como a Bela Adormecida, que um príncipe como Han Shan venha despertá-lo". (LG)]




Flores no templo de Han Shan, Suzhou, minha foto 2011




"Slides" (incluindo texto): © António Graça de Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição, revisão / fixação de texto, links: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

22 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25968: Agenda cultural (860): Convite para o lançamento do livro "Poemas de Han San", organizado e traduzido por António Graça de Abreu, dia 26 de Setembro de 2024, pelas 18h30, no Auditório CCCM, Rua Guerra Junqueira, 30 - Lisboa

17 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26054: Agenda cultural (862): Lançamento do livro Poemas de Han Shan (edição bilingue, seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu): 19 de outubro, sábado, 17h00 | Casa do Comum, Bairro Alto, Lisboa

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25704: O nosso blogue em números (97): no 1º semestre de 2024, publicámos 661 postes, e tivemos 633 mil visualizações de página, atingindo um total acumulado de 15,2 milhões em 20 anos

 

Fonte: Blogger (2024)


1. No 1º semestre de 2024, de 1 de janeiro a 30 de junho de 2024, registámos um total de 633 mil visualizações de página, o que dá uma média mensal de 105,5 mil por mês (ou 3,478 por dia).  O total acumulado, desde 2004, é agora de mais de 15,2 milhões (*).

Como termo de comparação, registe-se que,  em todo o ano de 2023, o total de visualizações foi de 690 mil.

Vendo o gráfico acima, confirmamos que há picos, como em 3 de abril de 2024, em que se registaram mais de 47 mil visualizações,

Como já explicámos anteriormnete, estes picos não têm qualquer significado estatístico (são "outliers"): em geral estão associados à atividade de robôs que fazem capturas de páginas. O nosso blogue é seguido, regularmente, por exemplo, pelo Arquivo.pt   e pelo Internet Archive. Mas também ser explicados com a crescente utilização dos novos motores de busca baseados na IA (Inteligência Artificial),

Neste último período de seis meses, dos vinte países que mais nos visitaram, vêm três lusófonos: Portugal, em primeiro lugar, Brasil (7º) e Guiné-Bissau (11º). Depois há os países com  comunidade lusófonas: Estados Unidos (2º), Países Baixos (6º), Alemanha (9º), Suécia (10º), Reino Unido (12º), França (13º), Luxemburgo (14º), Espanha (15º) e Canadá (16º).

Neste período tivemos mais 7 novos membros da Tabanca Grande atingindo o total de 890. Faltam-nos 10 para chegar aos almejados 900 no final do ano de 2024 (**).

O número de postes publicados (n=661) foi, em média, de 110 por mês (3,6 por dia). O total acumulado é agora de 25703 postes editados (de 23 de abril de 2004 a 30 de junho de 2024).

Por seu turno, o total acumulado de comentários (limpos de SPAM) é agora de 102 234. Tivemos neste período pouco mais de 2,2 mil comentários, o que dá uma média de 3,4 por poste. O ano passado a média foi melhor (4,9) (***)

Estes números dão-nos algumas pistas de reflexão, indicando pontos fortes e fracos da nossa atividade bloguística. Apesar da idade e sobretudo do  "cansaço" e "saturação" de todos nós (a começar pelos editores e colaboradores permanentes)...

Obrigado a todos aqueles que vão mantendo a "chama viva": leitores, autores, comentadores, editores, colaboradores permanentes (****).

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Notas do editor:


sábado, 29 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25699: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte V: O país da diversidade, onde umas vezes apetece partir, e outras vezes apetece ficar


Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 1 de fevereiro de 2018 > "Propriamente, em Timor, só há duas estações: o verão e o inverno. Por incrível que pareça as noites mais frias (frescas) são no verão e, claro está, nas montanhas. É rara a árvore de folha caduca. Por isso o verde constante. Se nos distraímos, da noite para o dia aparecem novas flores, novas plantas."





Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 2018 > As crianças gentis da Escola de São Francisco de Assis, fundada pela ASTIL.

Foto (e legenda): © Rui Chamusco (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Rui Chamusco, membro da nossa Tabanca Grande desde  10 de maio último,  é cofundador da ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste),  com a sua conterrânea, Glória Lourenço Sobral, professora do ensino secundário, e com o marido desta, Gaspar Costa Sobral, luso-timorense que, em Angola, antes da independência, foi topógrafo, e é hoje formado em direito.

A ASTIL,  criada em 2015 e com sede em Coimbra,  fundou e administra a Escola de São Francisco de Assis (ESFA), nas montanhas de Liquiçá (pré-escolar e 1º ciclo) e tem também em curso um programa de apadrinhamento de crianças em idade escolar. (Havia, então, em Boebau, 150 crianças sem acesso à educação.)

O Rui, professor de música, do ensino secundário, reformado, natural do Sabugal, e a viver na Lourinhã, tem-se dedicado de alma e coração a estes projetos solidários  no longínquo território de Timor-Leste.

Desde a sua primeira viagem a Timor-Leste, no 1º trimestre de 2016, que ele vai escrevendo umas "crónicas" para os membros da ASTIL e demais amigos de Timor Leste. Temos estado a recuperar essas crónicas, agora as da segunda estadia, em 2018 (*).

Em Dili ele costuma ficar na casa do Eustáquio, irmão (mais novo) do Gaspar Sobral, e que andou, com a irmã mais nova, a mãe e mais duas pessoas amigas da família,  durante três anos e meio,  refugiados nas montanhas de Liquiçá, logo a seguir à invasão e ocupação do território pelas tropas indonésias (em 7 de dezembro de 1975).

Em 2018 o Rui Chamusco partiu para Timor, em 25 de janeiro, com o Gaspar Sobral, numa acidentada viagem de 3 dias... O João Crisóstomo também partiu de Nova Iorque, em 2 de março, para se juntar, ao Rui e ao Gaspar Sobral, na sessão da inauguração da Escola, em Boebau, em 19 de março de 2018. Regressou a Nova Iorque em 28.




Lourinhã > 2017 > Rui Chamusco e Gaspar Sobral. A família Sobral tem um antepassado comum que foi lurai, régulo, no tempo dos portugueses. As insígnias do poder (incluindo a espada) estão na posse do Gaspar, que vive em Coimbra. A família Sobral andou vários anos pelas montanhas de Luiquiçá e de Ermera, tentando escapar à tirania dos ocupantes indonésios. O Gaspar esteve 38 anos fora da sua terra, só lá voltando em 2016, com o Rui. 

Foto: Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)



1. Esta segunda viagem e estadia do Rui Chamusco (de 27 de janeiro a 14 de junho de 2018) (*), em Timor Leste, em  missão solidária,   culminaria  com a inauguração da Escola de São Francisco de Assis (ESFA), em 19 de março de 2018, em Boebau, Manati, nas montanhas de Liquiçá (*).

 Através da família Sobral, um exemplo de "resistência e resiliência", e das crónicas do Rui, vamos conhecendo melhor Timor-Leste, de ontem e de hoje:
 
Estas crónicas tem um enorme interessante para se perceber melhor  o que é hoje a República Democrática de Timor Leste, país membro da CPLP, com o qual mantemos laços históricos, e sobretudo afetivos, tal como mantemos com a Guiné-Bissau e outras antigos territórios que estiveram sob a administração portuguesa em África e na Ásia 

Enfim, estas crónicas, que o Rui Chamusco partilha connosco, acaba por ser um privilégio, para os nossos leitores, amigos de Timor Leste e/ou promotores da lusofonia.  Aqui fica  obrigado ao nosso cronista, extensivo ao Gaspar, ao Eustáquio,à Aurora, à Adobe e outros protagonistas destas histórias luso-timorenses.




II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL)

Parte V - O país da diversidade




29.03.2018, quinta feira  - Laços de sangue e outros

Quando aqui em Timor se fala de filhos tem que se perceber muito bem a questão da filiação. É frequente em cada família ou aglomerado familiar haver filhos adotivos que, sem qualquer descriminação, fazem parte da família em igualdade de circunstâncias.


Mas são filhos adotivos sem qualquer tipo de formalidades oficiais. Basta que por necessidade se bata à porta devido a qualquer conhecimento ou relação social anterior.

Assim encontramos a casa e a família do Abeka. Já foi abrigo para alguns filhos que, sem qualquer laço de sangue, ali se criaram. Falam com algum carinho do Rogério e do Eusébio, que hoje são já homens casados e pais de filhos. Hoje, ao fim da tarde, tivemos a  visita do Eusébio, de que eu já falei nas minhas primeiras crónicas de 2016, e volto a referi-lo porque a sua atitude passada prova com mais força o que venho descrevendo.

Perdeu o pai durante a guerra com a Indonésia de uma maneira imprevista. Por imprudência, acenderam o lume no local onde estavam escondidos, e as tropas indonésias fizeram o resto: limparam a rajadas todo o acampamento. Por isso, orfão de pai, recorreu a uma família de acolhimento. Então o Eusébio logo que pode lançou-se na sua vida ativa, deixando o espaço físico onde foi criado para fazer a sua própria vida. 

E tudo corria normalmente, até que um dia lhe chegou aos ouvidos que a sua irmã (adotiva) Assun, que entretanto tinha casado, era maltratada e agredida pelo marido.  O Eusébio não fez mais nada: pôs-se a caminho de Ailok Laran, deu uma valente soba no agressor que se pôs em fuga, e comentava furioso: “ nos meus irmãos ninguém bate!...”

Serviu de exemplo a muitos e serve de exemplo para todos nós. Criar filhos não é só gerá-los. É preciso criá-los e educá-los. Os laços de sangue são importantes, mas os laços afetivos não lhe ficam atrás.

30.03.2018, sexta feira - Após a tempestade
 vem a bonança

Não poderei dizer que esta sexta feira santa me foi fácil de suportar. Em confronto interior com costumes e hábitos do exterior, relembrando hábitos e proibições de há mais de cinquenta anos, nem sempre fui capaz de estar calado manifestando o meu desacordo e incumprimento. Porque é dia santo - morreu Jesus -” não se pode saudar ninguém “, “não se pode varrer”, “não se pode assobiar ou cantarolar”, etc...,etc... É pecado! 

E como eu sou um grande pecador, acho que transgredi todas as normas e imposições. Pior ainda, não penso ir confessar-me destes meus pecados.

Fosse como fosse, comecei a ficar mal disposto e a planear ausentar-me daqui. Mas o Senhor “que acalma os ventos e as tempestades” veio em meu socorro e trouxe-me a tranquilidade e a bonança.

Pois é! A aculturação não é só ao tempo meteorológico, ao regime alimentar, aos usos e costumes dos povos. Quantas vezes a nossa mentalidade não tem também de recuar, para vivermos felizes e contentes. Como dizia Bruno Bethleim, “coração consciente para mantermos a nossa identidade”.

31.02.2018, sábado - Prendas

É sempre com alegria que procedemos à distribuição das prendas (importância pecuniária) dos padrinhos e madrinhas aos seus afilhados. Já passou a ser um ritual que junta os contemplados, as famílias, os amigos. Sentado no seu telónio está o João Moniz (Eustáquio) que, um a um, vai chamando, faz assinar, e entrega a importância devida.

Mais um pequeno sermão para relembrar a finalidade destes donativos (apoio às necessidades escolares) e a importância de agradecer aos doadores nem que seja com um simples “ Obrigado, padrinho! Obrigado,  madrinha!”. 

O Eustáquio insiste que todo o que tem padrinho ou madrinha deve ter a vontade e fazer algo por aprender a escrever e a falar português. Alguns ficam mesmo atrapalhados porque não percebem nadinha da língua de Camões, mas se cada vez que aqui vêm já souberem duas ou três palavras novas, talvez um dia se desenrasquem pelo menos a entenderem o que ouvem.

A sessão termina com as fotos que testemunham sempre qualquer entrega e que depois são enviadas aos padrinhos. Um ato simples e transparente que faz inveja a muitos “governantes”. (...)

 01.04.2018, domingo  - Dia de Páscoa em Timor Lorosa’e

O sol já raiou. Já os galos cantam em alegre desgarrada, nesta madrugada serena e carregada de sentido religioso. Em Timor Leste a “colonização cristã” dos portugueses ainda está bem enraizada na fé e nos costumes da maioria das suas gentes. As cerimónias religiosas são massivamente participadas, e os fiéis participam ativamente nas preces, nos cantos, nos rituais. (...)

 
02.04.2018, segunda feira  - A diversidade

Não utilizaria esta palavra se ela não comportasse toda a riqueza de expressão do que penso escrever neste momento sobre Timor Leste. Com certeza que haverá por esta região orientam do globo outras sociedades e outras terras com idênticas características.

Mas é aqui que eu estou, é aqui que me ´é dado viver, é aqui que tomo consciência destes fatores. E por isso vou tentar descrever o que observo, dentro de um quadro de visão pessoal, que embora objetiva terá sempre pinceladas subjetivas. Assim, verifico que:

(i)  a monocultura é quase inexistente neste país. Fauna e a flora, tão exuberantes neste território, reproduzem-se quase por geração espontânea, graças às excelentes condições climatéricas, com calor húmido e chuva que baste. 

Propriamente, em Timor, só há duas estações: o verão e o inverno. Por incrível que pareça as noites mais frias (frescas) são no verão e, claro está, nas montanhas. É rara a árvore de folha caduca. Por isso o verde constante. Se nos distraímos, da noite para o dia aparecem novas flores, novas plantas.

Dizem que das boas coisas que os indonésios trouxeram para Timor foi a replantação ou implantação de algumas árvores. O resultado está à vista, basta olhar para o mundo que nos rodeia. Dizem os entendidos que a biodiversidade é o caminho certo para a nossa sobrevivência; que as plantas se protegem umas às outras. O caso mais flagrante que conheço é nas montanhas de Boebeu / Manati, onde os cafeeiros são abrigados por árvores com mais de cinquenta metros de altura (a Madre Cacau).

(ii)  A raça humana que povoa este território é a maior mistura possível. 

Embora haja o rosto tipicamente timorense, que sem favor é lindíssimo, é frequente encontrarmos à nossa volta rostos indonésios, chineses, japoneses, africanos, malaios (portugueses, australianos, ingleses, franceses, etc...) 

Todos em saudável convivência, exercendo cada um o seu dever ou realizando o seu trabalho. Será este um dos sinais da globalização, onde cada um comunga com o outro mas sem perder a sua individualidade e características.

(iii) A religiosidade imanente em cada um, que se manifesta através de diferentes crenças.

O povo timorense professa na maioria a religião católica, e são muitas as suas manifestações ao longo do ano litúrgico. O poder da igreja em Timor Leste é muito grande, sobretudo no campo social e religioso. Mas não podemos ignorar a sua influência de opinião no campo político. Igualmente apraz-me registar o lugar que outras igrejas e religiões ocupam nesta sociedade e que com respeito mútuo vão exercendo também a sua influência: a igreja protestante, a igreja evangelista, as
testemunhas de Jeová, a comunidade muçulmana.

Estando por diversas vezes nas montanhas, dei-me conta das religiões animistas que por lá subsistem e que determinam muitas vezes o presente e o futuro de muitos dos seus crentes. O timorense dá muito valor e respeita com veneração os seus antepassados que, apesar de ausentes, zelam pelos vivos compensando ou castigando como for o caso. Até o Ramiro, um rapaz novo de vinte anos, acredita que a sua queda do telhado, de que foi vítima durante a construção da escola, foi um castigo dos antepassados por ter ocultado a verdade do roubo de material. Também a nossa escola foi sujeita a um ritual pagão a fim de sabermos o seu futuro.

E creio que cada região do país terá as suas crenças e os seus rituais.

(iv) A língua de comunicação é oficialmente o tétum e o português. 

Mas pelas ruas, aos balcões, nas repartições, nos mercados, nas escolas o que ouvimos é uma mistura linguística que umas vezes facilita e outras vezes complica. A língua indonésia (o Bahassa) ainda está muito arraigada nesta gente. 

Primeiro porque foi imposta com a criação de uma boa rede escolar e com castigos (punição e morte) a quem ousasse falar o português. Depois porque os jovens e a gente dos trinta e quarenta, que são a garantia da sociedade futura, ainda falam corretamente esse idioma. Por fim, há uma grande comunidade de indonésios que mantêm o comércio timorense e que, como é natural, falam constantemente no seu idioma.

Acresce a tudo isto a vontade dos australianos desejando a todo o custo que este povo fale o inglês. Apesar das promessas com que acenaram, o governo timorense de então decidiu que a segunda língua oficial seria o português. Como diz o grande amigo João Crisóstomo “ Timor deve muito da sua independência à igreja e à língua portuguesa”.

O grande problema é saber como é que se vai expandir o ensino do português. Há outras línguas que estão a recuperar e a avançar, como seja o espanhol, por influência dos médicos cubanos, e o inglês graças à pressão australiana e léxico utilizado nos negócios e intercâmbios comerciais. Os governos de cá e de lá têm feito esforços para atenuar o problema. Mas, os que estamos no terreno, damo-nos conta de que isso não é suficiente.

Tem de ser feito muito, mas muito mais. Timor Leste é um pequeno território mas com muita variedade. E é assim que este pequeno país de vai edificando, com reconhecimento e apreço internacional no contexto
das nações, no mundo.

03.04.2018, terça feira - Prolongação de estadia

A data do regresso a Portugal aproxima-se. Mas, não sabendo ainda se há necessidade de prolongar a nossa estadia, pelo sim pelo não fomos ao Ministério da Administração Interna requerer o prolongamento por mais dois meses. 

Depois das formalidades cumpridas, incluindo o pagamento de setenta dólares por cabeça, cá estamos à espera do despacho que, se não vier em devido tempo, para nada nos servirá pois teremos de deixar este país o dia 21 de Abril.

Entretanto, outras tarefas estão a pedir o prolongamento da nossa estadia. Agora é a UNTL (Universidade) que decidiu comemorar o aniversário da independência, dia 20 de Maio, com a exposição “Lameta. Contributo das comunidades luso americanas para a independência de Timor Leste” do nosso amigo João Crisóstomo. Sendo nós (Escola São Francisco de Assis em Boebau) os depositários dos materiais para a referida exposição, e a solicitação do Dr. José Ascenso que é o elo de ligação com a UNTL, teremos de dar o corpo ao manifesto para que a exposição corresponda ao interesse manifestado.

Outras andanças relativas à escola em Boebau merecem o prolongamento da estadia: registos, professores, ano escolar de  2019, acabamentos e melhorias no edifício escolar, reuniões, encontros...

Vamos a ver até onde chegará a nossa resistência: umas vezes apetece partir; outras vezes apetece ficar. Com certeza que a necessidade determinará a nossa decisão.

(Continua)

(Título, excertos, revisão / fixação de texto, itálicos e negritos:  LG)
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segunda-feira, 10 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25625: Efemérides (440): 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas (Excertos de "Em foco", por Ana Rita Carvalho, Jornal do Exército, nº 730, junho de 2023

(...) Comemora-se, a 10 de Junho, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. 

A celebração da data nacional remonta a 1880, ainda na vigência da Monarquia, quando se assinalou o tricentenário da morte do poeta Luís Vaz de Camões, devendo-se à iniciativa de Teófilo Braga e de uma comissão executiva, curiosamente composta, na sua maioria, por republicanos. Foi contudo o deputado Simões Dias  quem levou ao parlamento um projeto para que o dia 10 de Junho fosse considerado o dia festivo nacional e assim viria a ser. 

A evocação do poeta maior da Língua Portuguesa e a sua identificação com o Dia de Portugal adquiriam então um grande simbolismo, pautado também por forte marca ideológica, fazendo reemergir o lado épico da História, tendo nesse contexto particular um sentido regenerador, o de recuperar um passado glorioso. E assim prevaleceria. 

A figura inigualável de Camões desde há muito se tornou um símbolo de Portugal e é quase um lugar-comum citar o Poeta nos discursos oficiais, sendo ele um referente máximo dos valores e da cultura nacionais, convertido numa espécie de brasão, uma imagem representativa de um percurso de vida que condensa a nossa História, feita de ciclos de grandeza e decadência. 

A comemoração do tricentenário da morte do Poeta, em 1880, provém de um “culto da humanidade” e de um sentido laico (herdado da Revolução Francesa), veiculado em “representações simbólicas do Estado-Nação para consensualizarem o seu poder (…) substituindo formas e funções do ritualismo religioso para construir uma nova memória nacional” (...). 

Curiosamente, estas novas formas de ritualismo de cariz civil permanecerão, durante todo o século XX e até à atualidade, atravessando regimes políticos diversos e múltiplas representações sobre Portugal. 

 Já na vigência da República, em 1929, o 10 de Junho é decretado como feriado nacional, e durante o Estado Novo foi comemorado como “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”, sendo ainda presentes, na memória de muitos portugueses, os majestosos desfiles militares que decorriam na Praça do Comércio, em Lisboa, onde se homenageavam os combatentes em África e onde eram condecorados postumamente os militares mortos em combate. 

Depois do 25 de Abril de 1974, a data adquiriu nova designação, passando a “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”, por decreto de 4 de março de 1977, assumindo novo simbolismo, ao abarcar as comunidades portuguesas espalhadas pelos cinco continentes, numa visão universalista, tendo a uni-las a Língua Portuguesa, com que o Poeta épico imortalizou os feitos do seu singular Povo.

A identificação com as Forças Armadas prevaleceu, atravessando regimes políticos diferentes e formas de celebração também diversas. Talvez porque a História de Portugal é indissociável das suas Forças Armadas e em particular do Exército Português, desde a fundação de Portugal até um passado mais recente. 

A associação do Exército ao Dia de Portugal sublinha, assim, o caráter eminentemente nacional da Instituição Militar. E também a sua crescente modernização e internacionalização, quando se pensa nos últimos 30 anos e na projeção de Forças Nacionais Destacadas, em que o Exército tem contribuído para a construção da Paz, a estabilização de territórios massacrados pela guerra, a reconstrução de Estados falhados, destacando-se na salvaguarda da vida humana, na defesa do Direito internacional humanitário e na promoção dos valores da liberdade e da democracia. 

Por outro lado, a participação do Exército em missões de apoio à paz, de cooperação e outras tem também reforçado o estatuto de Portugal em organizações internacionais, como a ONU, a UE e a NATO, bem como junto de países amigos e aliados, no âmbito da sua política externa.  

Porém, a identificação entre o Exército e a Nação, ou os Portugueses, subliminar ou explícita, através da celebração ritualizada de efemérides como o Dia de Portugal e de Camões, o Dia dos Combatentes ou o próprio Dia do Exército, significa também a partilha de uma identidade cultural, de um modo português de ser, de estar e de se relacionar com os outros. Um modo de ser e estar que tão bem têm caraterizado a atuação dos nossos militares além-fronteiras, facilitando a sua adaptação aos teatros de operações mais diversos, a integração entre povos e culturas em tudo diferentes, contribuindo inegavelmente para o sucesso das missões em que se têm envolvido. (...)

Também neste sentido a evocação de Camões ganha atualidade, tendo ele mesmo sido militar e percorrido os marítimos caminhos atravessados pelos navegadores, heróis da sua epopeia, Os Lusíadas, isto é, os Portugueses. E, como Poeta, cantado a viagem (e dispersão de uma alma errante) e abarcado a experiência de um momento entre todos glorificado na História de Portugal, fixando os mitos e as memórias mais vincados no coletivo da História, e convertendo a memória desse tempo em escrita poética, identificando-se ele próprio com o Portugal que cantou. Os Lusíadas são, por isso, o livro identificador de Portugal e não por acaso o seu autor é o rosto de uma Pátria que fez coincidir a data nacional com a da morte do Poeta. 

A viagem e a errância personificadas na vida e obra de Camões são também metáfora da História nacional e readquirem significado neste tempo de globalização e universalidade, em que as fronteiras tradicionais se esbatem e que as alianças de países – mormente a nível da Defesa e da Segurança, corporizadas pelas suas Forças Armadas – se torna uma realidade não só necessária mas imperiosa. É que, se por um lado se assiste ao fenómeno da globalização, por outro, reemergem separatismos regionais, cisões ideológicas e políticas e o acentuar de extremismos que resultam num processo contrário de fragmentação e atomização, numa lógica paradoxal. 

Comemorar o Dia de Portugal adquire renovado sentido num tempo de globalização, em que o País cumpre uma ancestral vocação, iniciada há seis séculos, quando se lançou ao “mar sem fim” como o definiu Fernando Pessoa, permanecendo, para além da memória histórica, uma comunidade de países unidos pela nossa língua. A Língua Portuguesa, que Camões elevou à mais apurada expressão, é hoje falada nos cinco continentes por cerca de 250 milhões de pessoas, sendo, como destacou o Chefe de Estado, “a quinta língua mais falada [no] mundo, a segunda língua mais falada no hemisfério sul, e, também, no hemisfério sul a segunda mais usada no digital.” 

Através da Língua Portuguesa e, muito para além do império territorial, permanecerá um espaço cultural que une os Países de Língua Oficial Portuguesa e neles encontra traços de identidade e  de afetividade reconhecidos num falar comum. 

A lusofonia constitui hoje o horizonte global de uma nova lusitanidade, onde o passado se reúne ao presente e a cultura e identidade nacionais dialogam com outras culturas, diálogo no qual sai reforçada a identidade indefetível entre Países de Língua Oficial Portuguesa. 

Neste espaço (e tempo) da lusofonia acentua-se igualmente a ligação entre os elementos da tríade “Portugal”, “Camões” e “Comunidades Portuguesas”, a que se acrescenta um quarto elemento comum e seu elo de ligação, as “Forças Armadas”, elementos todos eles convocados na data nacional.  (...)

Fonte: Excertos de Jornal do Exército > n.º 730, junho 2023 : Em foco > Ana Rita Carvalho  >  Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, pp. 6/10.

https://assets.exercito.pt/SiteAssets/JE/Jornais/2023/jun/730.pdf

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos e itálicos: LG) (Com a devida vénia...)

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sexta-feira, 31 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25587: Viagem a Timor: maio/julho de 2016 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte V: um país apaixonante, cheio de contrastes... e contradições




O Toké (em Timor), ou Tokay Gecko.
Copyright (c) 1998 Richard Ling/GFDL
Fonte: Wikimedia Commons
(com a devida vénia...)
Vd. aqui áudios com as vocalizações
deste pequeno réptil
(Wikipedia, em inglês).
1. Continuação da publicação das primeiras crónicas do Rui Chamusco,  quando ele foi, pela primeira vez, a Timor-Leste (e onde permaneceu dois meses, de 5 de maio a 7 de julho de 2016) (*)

O Rui Chamusco, nosso tabanqueiro nº 886, é professor de música, do ensino secundário, reformado, natural da Malcata, Sabugal, a viver na Lourinhã. Tem-se dedicado de alma e coração a um projeto de solidariedade no longínquo território de Timor-Leste (a 3 dias de viagem, por avião, a cerca de 15 km de distância em limha reta). 

É cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste. A ASTIL irá construir e inaugurar, em março de 2018, a Escola de São Francisco de Assis (ESFA), nas montanhas de Liquiçá (pré-escolar e 1º ciclo).

Nessa primeira viagem  exploratória,  foi decidido, pelo Rui Chamusco e pelo Gaspar Sobral, depois de identificadas as necessidades, expetativas e preferências 
da população local,   construir-se uma escola  nas montanhas de Liquiçá, em Manati / Boebau. 

Nesta viagem (e estadia de dois meses) , fez-se acompanhar do luso-timorense Gaspar Sobral, outro histórico da ASTIL, que há 38 anos não visitava a sua terra natal. Em Dili eles vão ficar na casa do Eustáquio, irmão (mais novo) do Gaspar Sobral. 

Nestas crónicas acompanhamos  o dia a dia desta família, que vive no bairro Ailoc Laran, e que durante a ocupação da indonésia viu a sua casa incendiada, tendo-se refugiado nas montanhas como tantos outros timorenses. Ficamos a saber algo mais sobre a história recente de Tim0or Leste.

Dessas crónicas de 2016, sob a forma de diário, decidimos publicar uma boa parte dos apontamentos, dado o interesse documental que nos parece ter para os nossos leitores que, tal como nós, ainda sabem pouco da história, da geografia, da cultura e dos usos e costumes dos nossos amigos e irmãos timorenses. Para além da grande generosidade humana e do talento literário do autor, são crónicas com "cor, sabor e humor", que acrescentam algo mais sobre a sociedade timorense de ontem e de hoje, incluindo pequenas histórias de vida.


Viagem a Timor: maio/julho de 2016 - Parte V:   

por Rui Chamusco (*)



Rui Camusco e Gaspar Sobral (2017).
A família Sobral tem um antepassado
comum que foi lurai, régulo,
no tempo dos portugueses.
As insígnias do poder (incluindo a espada)
estão na posse do Gaspar,
que vive em Coimbra.
Foto: LG (2017).

  • Dia 17 de junh0 de 2016, sexta feira  - Levi, o homem da estátua

Conhecer os heróis enquanto vivos é um privilégio. Aquando da visita à igreja de santo António e aos jardins de Motael tivemos a ocasião de tirar umas fotografias junto à grande estátua de homenagem aos combatentes da resistência, situada no largo da baía e Dili. 

O monumento é imponente pela sua grandeza e realidade nua e crua: dois jovens, um caído sob os disparos inclementes 
da tropa indonésia e outro que carinhosamente o tenta manter consciente para que se lhe possa prestar assistência.

Ambos sobreviveram aos ataques de Dezembro em 1991. Entretanto, Levi foi para Portugal, e em Coimbra licenciou-se em Hotelaria e Turismo e neste momento está integrado na vida ativa de Timor. Hoje teve a gentileza de vir passar grande do dia connosco, em Ailok Laran. 

Pelo que me dei conta Levi está empenhado na construção deste país, bem preparado para enfrentar os desafios de presente e de futuro. Muito interessado na consolidação de um novo partido político que amanhã vai realizar um congresso em Dili. 

Gosto especialmente da forma como aborda os assuntos: com decisão e sempre pelo caminho da não violência. Pronto para o combate de ideias e de programas que possam fazer de Timor um país melhor. 

Este monumento,  símbolo da resistência, personifica e homenageia tantos jovens anónimos que, vivos ou mortos, se sacrificaram em prol da independência de Timor e em particular representa os heróis dos acontecimentos de Montael e do Cemitério de Santa Cruz. 

Dizem que o monumento devia ser mais explícito, indicando o nome dos heróis. Mas toda a gente é unânime em reconhecer que o jovem em terra é mesmo o Levi. E eu feliz por conhecer e falar com esta história viva…

  • Dia 18 de junho de 2016, sábado - A alegria contagiante das crianças

Por mais que se escreva nada nem ninguém conseguirá expressar cabalmente o manancial de virtudes destas crianças: simples como as pombas, alegres como os passarinhos, humildes como os pobres…Sem grandes artefactos para as suas brincadeiras, qualquer coisa lhes serve e despoleta a imaginação. E de repente, num ato de recriação, vejo-me rodeado de meia dúzia de crianças que não param e cuja vivacidade despertam qualquer velho sonolento como eu. Tentam incluir-me na
brincadeira, nem que seja de uma forma passiva. Brincam com o meu cabelo, fazem os penteados que as divertem e uma delas comenta” o Ti Rui tem um cabelo muito bonitu”.

É assim que eu quero continuar a ser, com alma de criança para que possa apreciar e desfrutar da riqueza deste mundo dos pequeninos, que “pula e avança como bola colorida nas mãos duma criança”.


  • 19 de Junho de 2016, domingo- “… Somos crianças de Timor, queremos um mundo melhor.”


Faz parte do refrão da canção aprendida pelas crianças das escolas. É que hoje, domingo, realizou-se uma jornada de sensibilização ambiental na praia de Dolok Oan, uma de duas praias com areia branca da região de Dili. Crianças, pais e encarregados de educação, movimento Tasi Mos. 

E até o Secretário de Estado do Turismo participou na recolha de lixo na praia...  Munidos de sacos pretos depressa os encheram, ficando de novo o areal à disposição dos prevaricadores ambientais. 

É de pequenino que se torce o pepino, diz o ditado. Por isso acredito que estas ações tenham uma influência enorme na educação ambiental do presente e do futuro. Mas há tanta coisa a fazer neste país em vias de desenvolvimento. Quanto lixo a recolher, quantas campanhas a fazer, quantas infraestruturas a implantar! 

O preço do progresso é muito alto. As agressões e a falta de respeito para com a mãe natureza são enormes. O mundo do plástico invade todos os cantos e recantos das ruas, das ribeiras, das matas, dos mares. Muito tem a fazer o ministério do ambiente e do turismo se quiser preservar este património ambiental de que a natureza é pródiga em Timor. Não estraguemos estas belezas que Deus nos dá…


  • 20 de junho de 2016, segunda feira - Finalmente, o número de conta solidária da ASTIL!


Já não era sem tempo. As dificuldades para a abertura de uma conta solidária foram imensas mas finalmente conseguimos o que pretendíamos. O número de conta (IBAN) já pode ser publicado para que as pessoas com vontade de ajudar economicamente o possam fazer com confiança. 

Serei eu o titular, com mais três amigos timorenses que fazem parte do projeto. O controle de entradas e saídas passará por mim, tendo os outros titulares necessidade de pelo menos duas assinaturas para qualquer levantamento ou importância. Qualquer donativo ou qualquer despesa constará obrigatoriamente no dossiê do projeto, de modo a poder ser consultado por quem de direito. Tudo será transparente e devidamente documentado. Não queremos ser em qualquer circunstância objeto de desconfiança ou de más intenções. 

É um serviço humanitário que pretendemos implementar, com incidência particular na construção de uma escola em zona carenciada nas montanhas de Boebau e num programa de apadrinhamento de crianças e jovens nas zonas mais pobres de Dili. 

Muito temos ainda a fazer, mas não desistimos de fazer o bem sem olhar a quem. Ou por outra, olhando para os mais pobres, os que mais necessitam da nossa ajuda. Aceitaremos toda a boa vontade, desde o óvulo da viúva pobre ao donativo mais expressivo de quem mais pode. Que Deus nos ajude!... porque “se o Senhor não construir a casa, em vão trabalharão os seus construtores”.


  • 21 de junho de 2016, terça feira -. Informação aos amigos: Projeto de Solidariedade “ Uma Escola em Timor”

Finalmente, hoje posso anunciar que, depois de algumas dificuldades na criação da conta solidária, já temos o número de conta bem como o respetivo IBAN. A partir de agora quem achar por bem poder e querer contribuir para a edificação da escola em Boibau poderá fazê-lo depositando o seu donativo através do 

IBAN: TL 38 0020124493691000162

Code: CGDITLDI
  
(Caixa Geral de Depósitos – Sucursal Timor / BNU Timor). 
 

Por uma questão de confiança aparecerá como primeiro titular o nome de Rui Manuel Fernandes Chamusco, estando associados mais três titulares para a movimentação da conta, com regras impostas pelo sistema bancário internacional. (...)

O dia 7 de Julho estamos de volta. Até lá… Rui e Gaspar (...)


  • 23 de junho de 2016, quinta feira - O império  do zinco

Dizem que nem sempre foi assim. Mas hoje em dia, quem visita Timor ou por cá permaneça algum tempo, é impossível que não estranhe a quantidade enorme de zinco que impera nas construções. Poucas ou nenhumas casas estarão livres da sua presença, mas é evidente sobretudo nos telhados, barracões, vedações e outras coisas mais. Dá um aspeto de pobreza, de tristeza ( depressa enferruja…) , de abandono. 

É uma questão de eficácia e de custos, dizem.  O negócio foi introduzido pelos indonésios, que no início era considerado um luxo, e que progressivamente foi alastrando a tudo o que é sítio. Por isso podemos prever que este negócio está para durar, no presente e no futuro, dominado pelo império do zinco e administrado pela raínha da sucata. 

Falar a esta gente em telhados com telha de barro ou de outro material é quase uma ofensa porque exclamam logo “é muito caro!”. As pessoas com mais posses, as pessoas ricas optam por telhados tradicionais, feitos com folhas de palapeira (uma espécie de palmeira) e, claro está, com outros materiais acessórios que lhes confere outra categoria em estilo e segurança. Vejam-se por exemplo as construções turísticas. Mas em todo o lado é assim: quem o tem é que o mostra.

No entanto, custa a compreender que sendo Timor Leste um país onde o calor e a humidade tanto se fazem sentir não haja outra alternativa. Estou a pensar nas casas (barracas) normais de timorenses mais pobres e até de classe média, em que as chapas do zinco são a única cobertura, acumulando o calor já de si insuportável em quase todos os dias do ano. 
Será que ninguém do Ordenamento Territorial ou dos Diretórios Municipais estará sensível ao problema?


  • Trocas e baldrocas… um automóvel  por um bicho!

Das primeiras imagens sonoras registadas logo que chegamos a Timor está sem dúvida o “Toké!”, provocado às noites pelo réptil que lhe dá o nome. Este animal muito apreciado em Timor e na Indonésia, tem um valor patrimonial e económico incalculável. Dizem os timorenses que os indonésios chegam a oferecer um automóvel em troca deste querido bicho. 

Um negócio apetecível, não fora o governo timorense ter declarado o seu apoio à preservação desta espécie. Mesmo assim, cá como em qualquer parte do mundo, há-de haver sempre uns “fura-tudo” capazes de dar a volta à lei e aos agentes de modo a conseguirem os seus intentos. 

Cá por mim prefiro ouvir todas as noites a presença do “Tó…ke! Tó…ke!”, que por tradição traz saúde e felicidade. Uma dádiva da natureza, mais um irmão a acrescentar ao Cântico das Criaturas de Francisco de Assis – Louvado sejas meu Senhor pelo irmão lagarto que todas as noites nos anuncia os seus louvores ao som do “Tó…ke! Tó…ke”, dando-nos o exemplo de sermos agradecidos e confiantes na tua proteção. De Ti, Senhor, é a imagem da harmonia universal e da contemplação das tuas maravilhas…

 
  • Dia 25 de junho de 2016, sábado - Irra!  Outra vez?!...


Foi ele, D.Basílio do Nascimento bispo de Baucau e meu ilustre colega de trabalho na Comunidade de Imigrantes em Paris, que propôs o encontro: “dia 25, jantamos em Dili.” 

Tudo bem combinado, com contactos diretos de telemóvel, e vai daí que nem um toque de sua parte. Eu bem tentei mas umas vezes estava incomunicável (“o telefone que contactou não está disponível”), outras chamava mas ninguém atendia. 

Como até agora ainda não houve qualquer justificação sou levado a concluir que foi mais uma “mentira” do Basílio. Não sei como se irá redimir, mas cá por mim sou capaz de lhe chamar algum nome feio. O que mais nos esperará?...

  • Dia 26 de junho de 2016, domingo -  Que susto! O que se passa?...


Eram quase seis e trinta da manhã ( hora local ) quando se ouviu um enorme grito e algazarra. Mais parecia um ataque de guerra. De tal maneira que o Gaspar, muito temeroso por situações que estão a acontecer em Timor, até pensou que seria algum ataque de algum grupo. 

Felizmente eram os festejos do golo de Portugal no jogo contra a Croácia para o campeonato europeu. Como é possível tão longe sentir tanta afeição por Portugal? É verdade que é raro encontrar alguém timorense que não tenha nome ou sobrenomes portugueses, mas acreditar que laços como o futebol, as canções, os cânticos religiosos tenham tanta força e expressão só vendo para crer… 

Bem podemos onfirmar e dizer que se em todas as ex-colónias portuguesas houver tanta afeição Portugal será um país duradoiro porque está no coração destas gentes.


  • Mais prazer em dar do que em receber –  Quem dá aos pobres empresta a Deus


Quando se entra na casa de gente pobre, eles dão tudo o que têm. Tudo o que nós damos não é nada em comparação com a generosidade deles. Podem não ter dinheiro mas sente-se uma felicidade imensa quando somos integrados nos seus mundos, nos seus corações. 

Quem pode ficar indiferente aos sorrisos abertos destas crianças? Ser chamado de irmão, de Ti Rui, de Pai Rui, enaltece-me e alarga a minha família. À semelhança do “Principezinho” de Saint-Exupéry, quando somos cativados por uma amizade sincera não há dificuldades ou obstáculos que quebrem os laços estabelecidos.

Com tanta gente, tantas crianças a querer-nos bem como podemos não ser felizes? E temos o dever de ajudar os outros a serem felizes também. Olho para estas crianças que brincam sem grande soft hard de jogos e dou-me conta que o ter não é mais importante do que o ser. Qualquer coisa, qualquer objeto serve para estimular a imaginação e a alegria do jogo, com algumas regras, mas onde o exercício e o prazer de jogar são bem patentes. 

Talvez seja a velhice já a comandar-me, mas neste contexto apetece-me cantarolar um velho cântico dos meus tempos de mais jovem “ faz-me ser criança entre os irmãos”. Ou então entoar o “ecce quam bonum et quam jucundum” (em portuguªes, "como é bom, como é agradável") pois a simplicidade, a precaridade, a alegria desta gente é tão grande que transborda para os nossos corações. E se é verdade que “pobres e ricos sempre os tereis convosco”,  também é verdade que “quem dá aos pobres empresta a Deus”. 

Quem quiser acumular pontos para o julgamento definitivo é melhor começar desde já a investir em algo com garantia de sucesso. E, que se saiba, vamos todos acabar pobres. Pouco ou nada nos deixarão levar. Sejamos, portanto, sábios e prudentes, para fazermos das nossas vidas algo interessante que sirva para a construção de um mundo melhor e que nos dê a certeza de que valeu a pena passarmos por cá, rumo à pátria definitiva.

  • Que história tão rica, a da família Sobral


Hoje o Gaspar e o irmão Eustáquio foram até à montanha Boebau/Manati e chegaram carregados de muitas histórias e de uma espada, património da família materna, utilizada pelo seu bisavô (que foi liurai, régulo). Teve ocasião de ouvir e gravar os seus ascendentes e o ritual anual que está associado a este objeto ( espada). 

Segundo o relato esta espada matou quatro pessoas nas lutas dos “manuhatis” e data dos anos 1700 e qualquer coisa. Tem sido guardada religiosamente pela família e, todos os anos por altura do ano novo, é celebrado o ritual que consiste em colocar a espada em cima de uma mesa e sobre a folha metálica, são colocados quatro pequenos montinhos constituídos por arroz e carne que são exorcizados pelo chefe de família, pedindo que as culpas das suas mortes não recaiam sobre ninguém da família. Todo o material comestível é em seguida atirado para fora (não é consumido). 

Tudo isto se vem arrastando através de várias gerações. E perante a queixa de que não haveria quem pudesse continuar com esta tradição, o Gaspar aceitou ser ele o continuador deste ancestral costume. Não sei é como ele irá proceder porque trouxe a espada consigo e afirma que vai levá-la para Portugal.

Entendam-se, é o que eu mais lhes desejo. Esta “guerra” não é minha. Mas a mim faz-me confusão.

  • Quem tem cú tem medo!...

Já há muito tempo que não sentia o Gaspar com tanto medo. E aqui estão as contradições do meu amigo. Fala sem medo, diz o que ele acha que está certo (e para ele é o que deve seguir), argumenta com razões válidas ainda que para isso tenha de repetir mil e uma vezes a mesma coisa, faz críticas a quem acha que deve fazer, etc…,etc…

Mas bem lá no fundo ele tem medo de assumir funções, tem receio de viajar em determinados sítios, desconfia de movimentações controladas pelo poder. Está confuso em engajar-se neste contexto e pensa que o melhor é regressar a Portugal onde livremente poderá exercer a sua crítica. Estará ele a ser sensato e prudente em querer armar-se de “o salvador da Pátria”? 

Sei que o amigo Carlos Almeida antes de partirmos lhe disse “ Não te esqueças que deixas uma mulher e uma filha em Portugal|…” Por mim também já foi repreendido algumas vezes, mas o dom da palavra dele tenta sempre vencer-me. Agora aparece alguém, o amigo Levi, que lhe conta coisas em que acredita, e estou a sentir-lhe um nervoso miudinho, com sinais de medo. Mais vale prevenir que remediar,  lhe digo eu. 

Vamos a ver em que alhadas se mete. E estou a lembrar-me da quadra do poeta Aleixo que deve ser lema para toda a gente: “Para não fazeres ofensa / E teres dias felizes / Não digas tudo o que pensas / Mas pensa tudo o que dizes.”

Juizinho,  “pacaça”. Depois não digas que ninguém te avisou… Aliás o Gaspar, ele próprio, tem de vez em quando levos de alguma humildade comentando connosco que é uma pessoa fraca, que não consegue envolver-se neste pequeno mundo de “mafias controladas”. 

Assume que não tem estrutura física nem psíquica para enfrentar este mundo adverso. Em conclusão, vamos ter o Gaspar a lutar como o tem feito até agora pelo desenvolvimento deste país ( e não esqueçamos que ele foi dos primeiros e dos que mais se empenharam na diáspora pela libertação e independência de Timor ) com a pena, caneta, computador, redes sociais, etc… dizendo o que está bem e o que está mal neste país com já 14 anos de independência e que, em muitos campos tanto há a fazer.

Aqui, como em muitos mais países, um dos temas de que mais se fala é da corrupção. Mas fala-se baixinho que as paredes têm ouvidos… e “quem tem cú tem medo!...”


  • Questões de justiça - Os veteranos da resistência

Este é um problema delicado, com difícil resolução. Depois de 14 anos de independência, onde já muito se fez mas muito mais há para fazer, a situação dos veteranos da guerra está a preocupar (a revoltar) boa parte da povoação. 

Uns conseguiram arranjar lugar na administração territorial, encaixaram-se na estrutura estatal com trabalho bem remunerado, cujo salário contrasta com a grande maioria do trabalhador timorense: presidentes, deputados, ministros, assessores, secretários uma legião de “gente boa” ocupando lugares de relevo; outros esquecidos e abandonados à sua sorte, sem qualquer ajuda económica, a lamentarem-se do suor e sangue derramado nas batalhas, da esperança depositada em líderes e programas políticos, da condução e orientação deste país. Promove-se quem pouco ou nada fez; esquecem-se os heróis que arriscaram a vida.

O Painô, jovem dinâmico e com alguma influência no seu meio, conseguiu gravar através de um processo não muito ortodoxo, o testemunho de um ex-combatente, que reproduzo com palavras textuais: ” um caralho! Alguns em vez de combater andaram a roubar bananas e agora recebem pensões e são condecorados. Um caralho!...” 

Pois é, quando a verdade vem ao de cimo mais não resta que a revolta.

O Vitor, que foi comandante na guerrilha, é um dos habitantes de Ailoc Laran. Homem por volta dos 70 anos, tem uma grande família, ainda com crianças. Queixa-se, mas não se revolta, da injustiça a que são votados os veteranos da guerra. Prefere não receber nada que sujeitar-se a uma pensão de miséria. É uma questão de dignidade: andar direito na vida, ( e juro-vos que ele fisicamente anda direitinho) sem ter que humilhar-nos perante os poderosos.

Mas até quando se aguentará esta situação perigosa? Será que o tempo apagará esta mágoa, esta injustiça? Até onde chegarão os clamores dos pobres?!...

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Nota do editor;

Último poste da série > 26 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25562: Viagem a Timor: maio/julho de 2016 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte IV: um encontro, privado, com Ramos Horta, colega de escola do Gaspar Sobral