Frei José Marques Henriques (1970)
Frei José Marques Henriques (2020)
1. O frei José Marques Henriques, da OFM - Ordem dos Frades Menores (franciscanos), celebrou em 17 de maio de 2020, em Faro, os 50 anos de vida sacerdotal, dos quais 44 foram vividos na Guiné-Bissau, antes e depois da independência, tendo sido também capelão militar, de 28 de abril a 9 de outubro de 1974. (*)
Do jornal Folha do Domingo, Faro, edição de 18 de maio de 2020, retiramos alguns excertos e algumas partes do testemunho deste sacerdote português (e nosso camarada) sobre a sua experiência pessoal e religiosa na Guiné-Bissau. (**)
Os anos difíceis a seguir à independência
(...) Ordenado em Lisboa no dia 17 de maio de 1970, com mais quatro padres, pelo cardeal D. Manuel Cerejeira, seguiu para terra de missão. “A minha ideia é que seria melhor se me desse totalmente aos outros. E totalmente seria como missionário”, explicou o frei José Henriques ao Folha do Domingo, garantindo que os “primeiros anos da independência” “foram mais difíceis ainda” do que os já “difíceis” anos da guerra.
“Não havia nada e era difícil até encontrar um fósforo. Durante muito tempo não tinha nada para comer de manhã. E ao almoço era só arroz. Se havia batatas, era uma ou duas para três ou quatro pessoas”, relata.
A guerra colonial: tiros das NT contra a missão franciscana
[em Bula ] e intervenção de Spínola
(...) Antes, já tinha vivido a dura e traumatizante realidade de uma guerra colonial que ninguém compreendia. “Uma vez fomos atacados de noite e eu estava no internato com as crianças”, conta, lembrando os tiros nas portas “porque a 100 metros havia um quartel”.
“Uma vez, os militares portugueses dispararam uns tiros para a nossa missão [em Bula ]. Então o Superior avisou o general Spínola de que estávamos a ser atacados pela nossa própria tropa e ele disse-lhes que nunca mais um tiro poderia cair naquela missão”, relata, explicando que os guerrilheiros do movimento de libertação da antiga colónia nunca atacaram a sede franciscana porque as crianças à sua guarda eram os seus próprios filhos.
“O próprio Spínola é que os tinha posto lá”, conta, explicando tratar-se de crianças de povoações que tinham sido invadidas.
Pós-indepedência: prisões e fuzilamentos
Já no tempo da independência chegou a presenciar a prisão de dois jovens que estavam a preparar a festa de Santo Antão. Só a missiva que enviou ao então primeiro-ministro 'Nino' Vieira diz ter motivado a sua libertação.
Na memória permanece-lhe ainda a ocorrência de um fuzilamento de cinco pessoas no campo de aviação da sua missão [Canchungo]. “Levaram as crianças das escolas para assistir, dizendo que iam assistir a um comício”, recorda com mágoa.
44 anos na Guiné: 10 anos em Bissau
e os restantes no mato
(...) À pergunta se nunca pensou regressar nessa altura a Portugal, dá uma resposta perentória. “Nem nessa, nem nunca. Vim em 2014 porque vi que as forças já não davam mais”, assegurou.
Os primeiros três anos na Guiné passou-os como coadjutor da paróquia da catedral de Bissau e o ciclo da sua vida missionária naquela antiga colónia portuguesa em África completou-se com o regresso àquela comunidade para ser pároco nos últimos dois anos, antes de regressar a Portugal.
No total esteve 10 anos em Bissau, tendo nos restantes cinco passado por mais duas paróquias que ajudou a desmembrar noutras. “Algumas, só na catequese tinham 3000 pessoas”, lembra, fazendo contas aos quilómetros percorridos por “acessos dificílimos”.
Ao longo daqueles anos foi fundador de muitas comunidades perdidas no mato.
O regresso definitivo a Portugal, em 2014,
apenas por razões de saúde
(...) Regressou a Portugal em 2013 e rumou ao Algarve por problemas de saúde e durante sete meses manteve-se por cá. Ainda voltou ao país africano, mas regressou à diocese algarvia definitivamente em 2014 para fazer parte da comunidade franciscana no Algarve e hoje é o guardião da Fraternidade Franciscana de Faro.
Sobre o balanço deste meio século de ministério sacerdotal em que diz ter procurado “ser fiel”, entende que “só Deus é que poderá fazê-lo”. Assegura, no entanto, terem sido “anos de muita felicidade, mas também de sofrimento e muitas dores”.
De entre os momentos positivos destaca ter testemunhado a cura de uma criança guineense com paludismo cerebral por quem rezou e que entregou aos cuidados médicos. (...)
[Adaptação, subtítulos, revisão, fixação de texto para efeitos de edição neste blogue. LG]
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 30 de novembro de 2020 >
Guiné 61/74 - P21594: Os nossos capelães (13): José Marques Henriques, ofm, esteve no CTIG, de 28/4/1974 a 9/10/74 (João Crisóstomo, Nova Iorque)