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segunda-feira, 3 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24191 Imgens das nossas vidas: CART 3494 (1971/74) (Jorge Araújo / Luciano Jesus) - Parte I: De Lisboa a Bolama


Foto 3 >  Porto-cais de Bissau, visto cais do Pidjiguiti; ali nos esperava uma LDG para nos transportar 
até ao CIM (Centro de Instrução Militar) em Bolama, para a conclusão da última parte da instrução geral. [Foto do álbum do Luciano de Jesus, fur mil da CART 3494].

Foto (e legendas): © Luciano Jesus (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

O que resta do Palácio do Governador e da Câmara Municipal de Bolama (in: https://www.almadeviajante.com/visitar-bolama-guine-bissau/ - Blog de Viagens de Filipe Morato Gomes, com a devida vénia.


IMAGENS DAS NOSSAS VIDAS: CART 3494 (1971-1974) - Parte I: De Lisboa a Bolama 
 


1. – INTRODUÇÃO

Passam hoje quarenta e nove anos – 1974.04.03/2023.04.03 – que a Companhia deArtilharia 3494, do Batalhão de Artilharia 3873, completou a sua missão militar em território da, então, Província Ultramarina da Guiné, regressando de Bissau a Lisboa, ao Aeroporto de Figo Maduro, em avião dos TAM.

O recordar esta efeméride, nos termos em que o estamos a fazer, aqui e agora, foi uma incrível coincidência, e resulta de um acto de grande generosidade do nosso camarada Luciano de Jesus, pois, ao tomar a iniciativa de me oferecer uma cópia do seu álbum de imagens que foi construindo ao longo dos mais de vinte e sete meses de permanência no CTIG, concedeu-me a premissa de escolher o tempo e o espaço de o partilhar para memória futura.

Considerando que a grande maioria das suas fotos ainda não foram editadas, e são algumas dezenas, ficou acordado entre nós que as mesmas seriam organizadas segundo uma cronologia de eventos e de factos observados nos diferentes contextos que constituem o portefólio operacional da sua missão como miliciano.

Uma vez que tenho, também, algumas fotos ainda não editadas, e porque os itinerários e contextos foram, a maioria, comuns, as “imagens são das nossas vidas”, título dado a esta série.

Esta PARTE I percorre o itinerário náutico desde Lisboa a Bissau e, depois, a estadia na Ilha de Bolama, no C.I.M (Centro de Inmstruçáo Militar=)  para conclusão do processo de instrução global para a “guerra de guerrilha”, denominado de I.A.O. (Instrução de Aperfeiçoamento Operacionla).

Recordamos, neste âmbito, que a Companhia de Artilharia 3494 [CART 3494], a terceira Unidade de Quadrícula do Batalhão de Artilharia 3873 [BART 3873], do TCor António Tiago Martins [1919-1992], foi mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada [RAP 2], da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, tendo embarcado em Lisboa, no Cais da Rocha, a 22 de Dezembro de 1971, 4.ª feira, a bordo do N/M «NIASSA», rumo ao TO do Comando Territorial Independente da Guiné [CTIG], numa altura em que o conflito armado contabilizava nove anos (Foto 1).




Foto 1  > Rio Tejo > Cais da Rocha > Lisboa >  22 de Dezembro de 1971 > N/M«NIASSA». Mais um contingente de cerca de mil e quinhentos jovens milicianos rumo ao TO do CTIG. [Foto do álbum do António Bonito, fur mil da CART 3494].


A chegada do contingente metropolitano a Bissau, onde ficou fundeado em frente ao Cais do Pidjiguiti, ocorreu a 29 de Dezembro, 4.ª feira, tendo este sido transferido para uma LDG (Lancha de Desembarque Grande) que o transportou até Bolama, com o propósito de concluir, no C.I.M. (Centro de Instrução Militar), a instrução geral com a realização do I.A.O. (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), a qual decorreu até 27 de Janeiro de 1972, 5.ª feira (foto 2).

Segundo consta na História do Unidade [BART 3873], “os resultados obtidos na instrução geral e I.A.O. foram animadores. O esforço do Comando e instrutores visou não apenas consciencializar o Soldado do tipo «sui generis» de luta a enfrentar, como também ministrar-lhe o adequado endurecimento físico e destreza operacional, de maneira a evitar surpresas fatais no teatro da guerra.

Ensinou-se, exemplificou-se e corrigiu-se: são as três palavras sintetizadoras daactividade preparatória” (op. cit. p 4).

Após a conclusão deste período final de instrução, o Contingente foi conduzido, de novo em LDG, até ao Xime, localidade onde aportou a 28 de Janeiro de 1972, 6.ª feira, tendo ali ficado instalada a CART 3494, e as restantes Companhias seguido, em coluna-auto, para os Aquartelamentos que lhes estavam destinados, isto é: Companhia de Comando e Serviços (CCS), em Bambadinca; CART 3492, no Xitole, e CART 3493, em Mansambo (op. cit. p 20).


Foto 2 > Bissau >  29 de Dezembro de 1971 >  O N/M «NIASSA» fundeado em frente ao 
Cais do Pidjiguiti, seguido do desembarque do contingente metropolitano da foto 1. Foto do álbum do António Bonito, fur mil da CART 3494].

Fotos (e legendas): © António Bonito (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto 3A >  Porto-cais de Bissau, visto cais do Pidjiguiti; ali nos esperava uma LDG para nos transportar 
até ao CIM (Centro de Instrução Militar) em Bolama, para a conclusão da última parte da instrução geral.


Foto 4 >  Bolama >  Jan 1972 > Da esquerda para a direita: os furriéis milicianos da CART 3494, Abílio Oliveira (Alimentação); José Peixoto (Artilharia); Luciano de Jesus (Art); Carvalhido da Ponte (Enfermeiro) e Luís Domingues (Transmissões).

Os intervalos da citada instrução permitiram, ainda, registar alguns momentos dedescontração, como comprovam as imagens abaixo, do álbum do camarada Luciano de Jesus ainda não editadas, e que fazem parte das nossas vidas na Guiné (1971-1974).


Foto 5 >  Bolama > Jan 1972 >  Da esquerda para a direita;  o fur mil  Sousa Pinto [1950-2012]; o alf mil op esp Manuel Carneiro; o fur mil art  Luciano de Jesus e o fur mil enf  Carvalhido da Ponte, todos da CART 3494.


Foto 6 >  Bolama >  Jan 1972 >  Da esquerda para a direita: o fur mil inf Sousa Pinto [1950-2012]; o alf mil op esp Manuel Carneiro; o fur mil enf Carvalhido da Ponte e o fur mil art  Luciano de Jesus, todos da CART 3494.


Foto 7 > Bolama > Jan 1972 >  Da esquerda para a direita: o fur art  Luciano de Jesus; o fur mil enf  
Carvalhido da Ponte; o fur art José Peixoto e o alf mil op espe Manuel Carneiro, todos da CART 3494.


Foto 8 >  Bolama > Jan 1972 >; O camarada Luciano de Jesus a fazer contas à vida e ao calendário… faltavam, ainda, mais vinte e sete meses para o regresso…
 

Foto 9 > 28Jan’1972 >  Algures no Rio Geba a caminho do Xime. Os camaradas Luciano de Jesus e Luís Domingues a bordo de uma LDG….

Fotos (e legendas): © Luciano Jesus (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Continua…

Terminamos agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita Saúde.

Jorge Araújo e Luciano de Jesus

03ABR2023

domingo, 1 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23217: 18º aniversário do nosso blogue (9): Carvalhido da Ponte, Rádio Alto Minho, 29/7/2021: em louvor de Otelo, e em memória do Manuel Bento, ex-fur mil, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74 (Ponte Sor, 1950 - Xime, 1972)


José Luís Carvalhido da Ponte. 

Foto: Rádio AltoMinho (com a devida vénia...)


1. Por mão do Sousa de Castro (historicamente o membro nº 2 da Tabanca Grande,  editor do blogue CART 3494 & Camaradas da Guiné) chegou-nos este texto, da autoria do José Luís Carvalhido da Ponte,  ex-fur mil enf, CART 3494 (Xime e Mansambo,  1971/74)-

O Carvalhido da Ponte é também membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora.  E tem colaborado na Rádio Alto Minho,  de Viana do Castelo,  com crónicas ou artigos de opinião como ele, que abaixo se reproduz com a devida vénia. Incluído na série "18º aniversário do nosso blogue", é também uma homenagem ao 25 de Abril de 1974 e aos homens que arriscaram a vida e a liberdade para nos devolver a democracia.

Opinião: Por Otelo!



"Em dada altura simpatizaste com a violência dos que não se compaginavam com as ameaças de regresso do 24 de abril, é verdade. E não o devias ter feito. Mas, sabes, um dia, Cristo 'passou-se dos carretos' e chicoteou todos os vendilhões do seu templo."

Recordar é, etimologicamente, o ato (-ar) de voltar a trazer (re-) ao coração (-cord-). Recordar é, pois, um exercício de memória. Mas este como que regurgitar emotivo é uma mentira. Na verdade, o coração atraiçoa-nos a memória. Se o que recordamos nos foi, no ato do desenlace, agradável, revivê-lo-emos com uma prazerosa e, não raro, aumentada nostalgia. Se, pelo contrário, nos magoou, remastigá-lo será sempre um momento de agigantado masoquismo. A mesma praia será morada dos deuses para quem nela pela primeira vez amou, e amaldiçoado inferno para quem no seu mar perdeu um ente amado.

Vem isto a propósito das reações contrárias que a morte de Otelo provocou em todos nós. Uns recordam, tão só, o estratega de Abril; outros aplaudem a justiça, ainda que tardia, de Cronos, que tornou possível a nossa liberdade, reconhecendo-lhe, muito embora, os momentos menos felizes, que até acabou por pagar à sociedade, na prisão.

Faço parte desta plêiade. Reconheço que Otelo foi um homem de excessos. Polémico, pois. Mas pagou, com a prisão, e foi amnistiado pelo estado português em 2004. Mas, mesmo que assim não fosse, foi o Atlas da nossa liberdade. Arriscou. Planeou. Convenceu. Liderou. Conseguiu. E fomos livres, e somos livres e tão livres que todos nós podemos, publicamente, expressar-nos e até podemos opinar sobre o comportamento do Governo e do atual Presidente da República, na gestão deste processo.




Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2012). Todos os direitos reservados.
 [Edição:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Mas eu tenho inúmeras outras razões. Hoje partilho uma.

Era o dia 22 de abril de 1972. Eu não tinha ainda 22 anos e estava na Guiné-Bissau, como enfermeiro, desde o início de janeiro desse ano, integrado na Companhia de Artilharia 3494 (CART 3494).

Manhã cedo, o 4º Grupo de Combate partiu para a mata de Ponta Coli, para garantir a segurança à estrada Xime­-Bambadinca. Aguardava-os uma emboscada dos guerrilheiros do PAIGC.

Alguns de nós, que ainda dormíamos, acordamos com os estrondos das rebentações e, logo-logo o Capitão Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques, que nada me era, mandou avançar reforços em, salvo erro, duas unimog’s militares. E que o enfermeiro também teria de ir. Naturalmente.

Chegamos à ponta Coli. Que desolação. Tantos feridos! Mas grave mesmo era o Furriel Manuel Bento, meu companheiro de abrigo, natural de Ponte de Sor, onde deixara uma jovem esposa e uma bébé que nunca mais veria. Ainda gemia, sabia lá eu porquê, de tão desfeito que estava. A cabeça esventrada. Juntei-lhe os bocados e aconcheguei-os no que restava da caixa craniana. Para que nada se perdesse e regressasse ao húmus, o mais inteiro possível. 

Éramos grandes amigos e falava-me da esposa e da filha, que terá hoje 50 anos, e da esperança de as rever, logo que pudesse gozar algum tempo de férias. Não chorei. Só à tardinha, no silêncio ocasional da barraca, que ambos partilháramos, sob uma imensa mangueira. Só à tardinha, ou às vezes, nestes 50 anos, quando o coração me prega a partida e permite a memória.

Abençoado sejas,  Otelo! A tua coragem livrou da morte muitos outros jovens e deu-nos a capacidade de sonharmos para além dos impossíveis. Em dada altura simpatizaste com a violência dos que não se compaginavam com as ameaças de regresso do 24 de abril, é verdade. E não o devias ter feito. Mas, sabes, um dia, Cristo “passou-se dos carretos” e chicoteou todos os vendilhões do seu templo. Ele, que falava de paz e mandava que nos amássemos uns aos outros, não quis pactuar com os que prostituíam os seus espaços sagrados. Disse que um dia voltaria para nos resgatar. Espero que demore um pouco mais a vir, não vão os doutores da lei da nossa modernidade mandar que o prendam, porque um dia foi violento.

Como me magoou a fraqueza titubeante dos nossos governantes que não souberam dar-te as honras devidas, no momento da tua última aventura.


Meadela, 28 de julho de 2021
José Luís Carvalhido da Ponte

Rádio Alto Minho (com a devida vénia)

[Fixação / revisão de texto / negritos e realce a amarelo: LG]

 
2. Nota biográfica, da autoria do Sousa de Castro, sobre o José Luís Carvalhido da Ponte:

(i) ex-fur mil enf, Cart 3494/BART 3873, sediada no Xime e mais tarde em Mansambo (Guiné, dezembro 1971 a abril 1974);

(ii) foi professor e diretor da Escola Secundária de Monserrate, Viana do Castelo;

(iii) tem vários trabalhos literários publicados:


 (iv) membro da Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau e contando com o apoio do Rotary Clube de Viana do Castelo, é responsável pelo trabalho desenvolvido no Cacheu, cidade geminada com Viana do Castelo: muito dedicado à causa humanitária na Guiné-Bissau, para onde se desloca regularmente, tem procurado contribuir para o bem-estar daquele povo, nomeadamente na área da saúde.
__________

Nota do editor:

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15504: Feliz Natal / Filis Natal / Merry Christmas / Feliz Navidad / Bon Nadal / Joyeuz Noël / Buon Natale / Frohe Weihnachten / God Jul / Καλά Χριστούγεννα / חַג מוֹלָד שָׂמֵח / عيد ميلاد مجيد / 聖誕快樂 / С Рождеством (2): José Carlos Mussá Biai, o nosso "mininu" do Xime, hoje engenheiro florestal, na Direção-Geral do Território (DGT), em Lisboa


1. Mensagem,  com data de hoje,  do José Carlos Mussá Biai, o nosso "mininu do Xime", membro da nossa Tabanca Grande, desde longa data, mas de quem não temos uma única foto, salvagurando o seu direito à reserva de intimidade:

[Sobre o Zé Carlos já aqui dissemos o essencial:  (i) as companhias que marcaram a sua infância foram a CART 2715 e a CART 3494; (ii) um camarada nosso ficou na sua memória para sempre por ter sido o seu professor na única escola que havia no Xime: a PEM (Posto Escolar Militar) n.º 8,  e que foi o José Luís Carvalhido da Ponte, ex-fur mil enf, da CART 3494], natural de Viana do Castelo;  (iii) ficou emocionado com as primeiras fotos que viu da sua terra e das suas gentes.publicadas no nosso blogue;  (iv)  depois da PEM nº 8 (Xime), o  percurso académico proesseguiu, já  na Guiné-Bissau independente, primeiro como aluno e depois como docente em Bissau, tendo rumado a Lisboa, onde concluiu a sua formação superior em Engenharia Florestal;  (v) vive, trabalha e tem família em Portugal.]

O nosso camarada Jorge Araújo, em 1972,
com "mininu" do Xime
Meu Caro Luís e Camaradas,

Boas Festas!


José C. Mussá Biai
Engº. Florestal

Direção-Geral do Território (DGT)
Direção de Serviços de Informação Cadastral (DSIC)
Divisão de Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (DCG)
Rua Artilharia Um, nº.107 
1099 - 052 Lisboa

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Guiné 63/734 - P13812: Memória dos lugares (277): Os meninos do Xime do tempo da CART 3494 - O caso de José Carlos Mussá Biai (Jorge Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 24 de Setembro de 2014:


Caríssimo Camarada Luís Graça,



Os meus melhores cumprimentos.

Sei, pelo que li, que a história de vida do nosso amigo e grã-tabanqueiro José Carlos Mussá Biai te sensibilizou particularmente. A mim… igualmente, relevando, aqui e agora, o valor positivo das influências do meu/nosso camarada Carvalhido da Ponte exercidas neste contexto, e que se traduzem num sentimento do dever cumprido.

Procurando ajudá-lo na reconstituição/reconstrução das suas memórias de infância vividas connosco na sua terra natal – o Xime –, local onde permanecemos mais de um ano, e onde, com toda a certeza, nos cruzamos muitas vezes, ora nos espaços da Escola, do Aquartelamento e da sua Tabanca, eis o meu pequeno contributo para esse efeito.


OS MENINOS DO XIME DO TEMPO DA CART 3494
- O caso de José Carlos Mussá Biai -

1.INTRODUÇÃO

Muito provavelmente o nome de José Carlos Mussá Biai é já familiar a um grupo significativo de camaradas grã-tabanqueiros, em particular os que, por tradição ou rotina, acompanham a publicação dos textos e imagens [postes] referentes a factos e missões que marcaram aqueles dois anos das nossas vidas no CTIG. Por outro lado, estes contributos individuais, que vão chegando ao blogue diariamente, constituem uma forma original da cultura,  pois permitem continuar o aprofundamento do universo fenomenológico dos vários contextos e da sua historiografia.

Porque não me é possível fazer parte desse grupo mais assíduo, naturalmente por outros afazeres sociais e compromissos profissionais, penitencio-me por só agora ter tido conhecimento da existência do cidadão e amigo José Carlos Mussá Biai, membro da nossa TABANCA GRANDE, bem como de parte do seu processo/projecto de vida que, a exemplo de outras opiniões [P10907 - P10919], também me sensibilizaram, pelo que tomei a iniciativa de escrever estas singelas linhas a seu respeito… e, igualmente, a ele dirigidas.

E o modo como chegámos à sua pessoa é simples de relatar.

No blogue da CART 3494 & camaradas da Guiné, ao longo da coluna da direita, por ordem alfabética, estão indicadas todas as etiquetas referentes aos diversos temas e/ou os nomes dos seus autores. Tentando localizar a minha na letra “J” [Jorge Araújo], eis que os meus olhos se fixaram, duas linhas abaixo, no nome de José Carlos Mussá Biai, por ter sido a primeira vez que o líamos.

Cliquei no seu nome por curiosidade e logo o título «No Xime também havia crianças felizes» suscitou a minha melhor atenção. Em primeiro lugar, o Xime, por ter sido o primeiro destino do contingente metropolitano da CART 3494 e onde durante treze meses [1972/73] vivi/vivemos situações dramáticas e experiências únicas nos sítios conhecidos por “Ponta Varela”, “Poindon”,e “Ponta Coli” ou, ainda no “Rio Geba“, tendo o Macaréu como a sua maior armadilha. Em segundo, porque foi no Xime que reforcei a consciência de que o «EU» só é importante se lhe adicionarmos o «OUTRO». Em terceiro, a que criança ou crianças se estavam a referir no texto?

Essa primeira referência [P167, de 03Jan2013] remetia-nos para outras inseridas no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Então saltitei entre ambos no sentido de ficar actualizado quanto aos conteúdos narrados, com o início a verificar-se há oito anos, mais concretamente em 9 Maio de 2005 [P5591].

Assim, o José Carlos, ainda criança no tempo da minha/nossa presença na terra que o viu nascer – o XIME – tinha, então, nove e eu vinte e um anos.

De tudo o que li retive as cinco ideias abaixo:

1. –As companhias que marcaram a sua infância foram a CART 2715 e a CART 3494.

2. – Uma pessoa ficou na sua memória para sempre por ter sido o seu professor na única escola que lá havia: a PEM (Posto Escolar Militar) n.º 8, poro [os] ter ajudado a serem crianças felizes. Essa pessoa chama-se José Luís Carvalhido da Ponte [ex-Furriel Enfermeiro, da CART 3494], natural de Viana do Castelo.

3. – Por ter ficado emocionado com as primeiras fotos que viu da sua terra e das suas gentes. Os locais onde brincou e onde deu alguns mergulhos. As pessoas que o viram nascer, que cuidaram de si e com quem partilhou refeições, angústias e alegrias, em particular os seus irmãos mais velhos.

4. – Depois de um percurso académico na Guiné-Bissau, primeiro como aluno e depois como docente em Bissau, rumou a Lisboa, onde concluiu a sua formação superior em Engenharia Florestal.

5. – Vive e trabalha em Portugal.

Em função destes cinco pontos principais, e porque certamente não existem muitos testemunhos fotográficos dessa época, uma forma de satisfazer o desejo de quem fez parte, também, do meu/nosso quotidiano, foi possível recuperar alguns registos do meu arquivo de memórias do Xime, gravadas há mais de quarenta anos, e fazer uma viagem de retorno às origens, nomeadamente à sua escola primária, a adultos e a crianças do seu tempo, na expectativa de poder identificar algum parente, e quem sabe, se o próprio José Carlos.

2.POSTO ESCOLAR MILITAR N.º 8 - XIME

As fotos que seguidamente se apresentam dizem respeito a uma cerimónia oficial levada a cabo pelo PEM n.º 8, sob a supervisão do camarada Carvalhido da Ponte, e onde também participámos.Não estando certo do motivo da sua realização, creio tratar-se da Sessão Solene Comemorativa do 10 de Junho de 1972.

Foto 1 – Escola Primária do Xime - 1972 –Da direita para a esquerda, representantes da Comunidade Local e os ex-Furriéis: Prof Carvalhido da Ponte [o 1.º Esq.], Sousa Pinto [falecido em 01Abr2012] e José Pacheco [o 1.º Dtª.].
Foto 2 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM.
Foto 3 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM. 
Foto 4 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM.
Foto 5 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM participando na cerimónia do içar da Bandeira Nacional em [creio] 10 de Junho de 1972. Ao centro o professor da Escola de Mansambo [?], presente a convite do camarada Carvalhido da Ponte.

3.FOTOS DIVERSAS DO/NO XIME - 1972


Foto 6 – Tabanca do Xime - 1972 – Grupo de crianças.
Foto 7 – Xime - 1972 – Duas crianças cujo nome não recordo e que amiúde apareciam na Messe de Sargentos, pedindo comida, e que aproveitavam para tomar banho de chuveiro [com água do poço], como foi o caso desta foto [entrada… à esquerda].
Foto 8 – Xime - 1972 – Morança pertença da Fátima [lavadeira]. Ao fundo, de pé, está a sua filha [creio que se chamava Sage]. 
Foto 9 – Xime - 1972 – Grupo de Mulheres Grandes, e algumas crianças, preparando-se para participar numa festa [?]. 
Foto 10 – Xime - 1972 – Grupo de Mulheres Grandes, e algumas crianças, preparando-se para participar numa festa [?]. 
Foto 11 – Xime - 1972 – Dois residentes na Tabanca: o Spínola e a Abi.

Entretanto, nesta oportunidade, penso ser justo homenagear o camarada Carvalhido da Ponte, enviando-lhe os meus Parabéns pelo seu trabalho bem-sucedido na difícil tarefa pedagógica, fazendo-os acompanhar com a publicação de mais uma foto que ele não conhece.

Foto 12 – 1973 – Na foto, cujo local não consigo identificar, estão o Luís Domingues [Fur.Trms], o Carvalhido da Ponte [Fur.Enfº] e eu próprio. Foi tirada por ocasião de uma coluna de reabastecimento ao Xitole e Saltinho, iniciada em Bambadinca e reforçada, a partir de Mansambo, com 2 GC da CART 3494,em Maio/Junho. Esta coluna foi a minha primeira e única experiência do género, uma vez que em Julho transitámos para o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma.

Igualmente, o nosso amigo José Carlos Mussá Biai merece os meus aplausos pelos diversos sucessos contabilizados ao longo da sua vida, lutando, resistindo e superando-se permanentemente, sinal de que a semente era boa e, daí, ter dado muitos e bons frutos. Para ele vão mais duas imagens do Xime com leituras opostas. 
Foto 13 – Xime Dez/1972 – Foto da principal entrada na Tabanca, fronteira com o aquartelamento, a escassos cinquenta metros da Escola. 
Foto 14 – Xime - 2013 - Foto do edifício em ruínas [P173, de 12Abr2013] onde funcionou o PEM n.º 8, tirada no sentido inverso da foto anterior. A diferença temporal entre as duas fotos [13 e 14] corresponde a mais de quatro décadas.


Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados [Edição de MR]

Termino, fazendo votos para que tenham gostado de ver mais algumas imagens históricas do Xime, particularmente o nosso amigo José Carlos Mussá Biai.

Pelo exposto, creio que estamos em óptimas condições para voltarmos a conviver mais de perto. Uma possibilidade será através da participação no Encontro/Convívio anual da CART 3494, este ano em XXIX edição, o qual está já agendado para o próximo dia 07 de Junho, no Hotel Mar e Sol, sito em São Pedro de Moel.

Seria, para nós, um momento de grande emoção.

Outra possibilidade mais pessoal, pois estou disponível para o efeito, seria através de um eventual encontro entre nós, Basta acertar a data e o local. 

Um abraço,
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
___________
Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em:

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11861: Ser solidário (147): Na última viagem ao Cacheu encontrei a minha amiga Mary doente e a precisar de ajuda (Carvalhido da Ponte / Sousa de Castro)

1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), com data de hoje 22 de Julho de 2013:

Caríssimos amigos,

No Facebook vi esta mensagem do nosso amigo Luís Carvalhido da Ponte, que regressou de mais uma visita à Guiné,  mais precisamente da região do Cacheu, que me deixou apreensivo, a quem peço desde já alguma referência para poder ajudar. Para além disso gostaria que fosse publicado no nosso blogue.

Convém lembrar que o Carvalhido da Ponte foi Furriel Enfermeiro na CART 3494 e também professor das crianças do Xime em 1972/74, é presidente da geminação de Viana do Castelo com a Vila de Cacheu,  tendo aqui desenvolvido a criação da maternidade existente e apoio à mulher Guineense.

Assim, para quem puder participar na ajuda à Mary, pode fazê-lo da seguinte forma:

1º - Transferir o que muito bem entender para a conta da ACGB NIB: 0036 0056 9910 0155 9387 9

2º - Logo-logo enviar para o endereço eletrónico acgb.geral@gmail.com uma mensagem identificando a transferência.  

Melhores cumprimentos, 
A. Castro


Carvalhido da Ponte com a Mary


2. Mensagem do camarada Luís Carvalhido da Ponte:

CACHEU

Cheguei ontem de Cacheu. 
Estava abafado o tempo. Eu vim também de semblante pesado. 

Em 2000 conheci a Mary. Tinha 33 anos e 7 filhos. Publiquei alguns poemas sobre esta jovem felupe, no meu penúltimo livro (Ora di djunta mon tchiga). 

Cinco anos depois tinha 38 anos e 11 filhos. E continuava bonita ainda que um pouco desfolhada por tanta florescência.

Dançava como eu nunca vira ninguém dançar. A batida ritmada dos pés descalços sobra a terra poeirenta, as contorções do corpo em rituais de sedução e a alegria dos movimentos eram tais que até as árvores pareciam ternurar-se para além das nuvens, nos ares de Fernão Capelo Gaivota, onde os sonhos se constroem.

Mais tarde, uma associação de mulheres nomeou-a sua Presidente e o seu país enviou-a até Espanha para aprender coisas necessárias ao seu mister. Via-a, em março deste ano, alegre e já um pouco europeizada.

Entristeci-me um pouquito pois preferia que estivesse um pouco mais culta mas sempre africana. E talvez estivesse. Eu é que não contava com uma Mary diferente. 

Agora estava doente há uns dias. Doía-lhe o corpo. Doía-lhe a barriga. Levei-a a Canchungo, ao meu amigo médico Dr Koumba Iala Bispo. Que a atendeu de imediato. Que a assustou. Tem cancro do ovário e necessita de intervenção urgente. Os 9 filhos vivos e os netos também. 

Zé Luis! Como? Não tenho 200.000 Francos CFa (cerca de 300 €) para a operação, o internamento e os medicamentos. 

E mudou a conversa e perguntou-me pela Lai. E partiu e uma lágrima caiu, solitária, no chão contrito do alpendre do Centro de Recursos.

E prometi-me contar a história. 
Quem sabe? 
Cinco euros daqui, 10 dali... 
Quem sabe?! 

Um abraço
José Carvalhido da Ponte
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11317: Ser solidário (146): Almoço solidário e Assembleia Geral Ordinária da Tabanca Pequena (ONGD), dia 13 de Abril na cidade da Maia (Álvaro Basto)

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11697: Estórias avulsas (64): O parteiro / aparadeiro que eu não cheguei a ser, numa tabanca algures no regulado do Corubal, em abril ou maio de 1973 (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) > Jovem mãe (fula), do regulado de Badora.

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.

A. Mensagem do Jorge Araújo [, foto atual à direita],
com data de 19 de abril pp.

Assunto: Parteiros/aparadeiros

Caríssimo Camarada Luís Graça,

O pedido,  formulado no e-mail de 17.03.2013 [, em comentário ao poste P11266] (*),  não ficou esquecido. É um facto que a resposta tardou, mas aqui vai ela, em anexo.

Trata-se de mais um "docinho" para colocar na mesa do Aniversariante que no próximo dia 23 do corrente, 3ª feira, fará NOVE ANINHOS. [Referência ao 9º anivbersário do nosso blogue].

Que sejam todos muito felizes, com muita saúde. Um forte abraço do

Jorge Alves Araújo, 
ex-Furriel Mil Op Esp/ Ranger, 
CART 3494  (Xime e Mansambo, 1972/1974)

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B. UMA PARTURIENTE QUE NÃO DEU À LUZ E UM (AUTO)PARTO NÃO ASSISTIDO (Entre duas emoções fortes vividas no mesmo dia em 1973)

por Jorge Araújo [, foto à esquerda, c. 1972/74] (**)


Influenciado pela sugestão do camarada Luís Graça, por ter lançado o mote para a narrativa de (mais) episódios ocorridos durante a comissão de serviço na Guiné, mas agora na especialidade de «parteiros/aparadeiros», decidi dar um passo em frente e, recorrendo à minha memória de longo prazo, pois já fez ou vai fazer quarenta anos de gravação, dar-vos conta de uma história que acabou por se transformar em duas, como o próprio título deixa transparecer.

I – UMA PARTURIENTE QUE NÃO DEU À LUZ

Num domingo do mês de Abril ou Maio de 1973, que não consigo precisar, agora no aquartelamento de Mansambo para onde a CART 3494 se transferiu do Xime em Março desse ano, o meu pelotão estava de «intervenção».

Por volta das 08:00 horas, a central rádio da Companhia recebe uma mensagem dando conta de uma mulher guineense, localizada numa tabanca a cerca de doze quilómetros de distância, em final de tempo de gravidez, estava em dificuldades no seu processo de trabalho de parto, devido à criança estar atravessada no seu ventre, apelando por auxílio urgente.

Para o desempenho desta missão específica foi convocado o meu camarada ex-furriel (mesinho) Carvalhido da Ponte, também ele grã-tabanqueiro, por ser o mais especializado na matéria. Como não podia ir sozinho (ninguém o deixaria fazer!),  reuni os elementos do meu Gr Comb e em duas viaturas Unimog lá fomos em socorro de quem o solicitara. O itinerário foi todo ele percorrido em picada, e parte dele feito a pé, por razões de segurança, como não poderia deixar de ser.

Chegados ao destino, os elementos do Gr Comb foram-se posicionando ao longo do perímetro das moranças, mas o mais operacional era agora o camarada Carvalhido da Ponte, pois tinha de arregaçar as mangas e pôr-se a trabalhar para salvar uma vida .. ou as duas. O tempo ia passando e … nem bebé, nem luz, nem ambos.

Enquanto aguardávamos pelas notícias positivas vindas do Carvalhido da Ponte,  eis que:

II – UM (AUTO)PARTO NÃO ASSISTIDO

Neste tempo de expectativa e, simultaneamente, de descanso mais ou menos activo, em que era obrigatório estar-se atento a tudo o que era passível de ser observado à minha/nossa volta, por tratar-se da primeira vez que aí nos deslocávamos, local cujo nome não consigo recordar, particularmente porque a ele não voltei, pelo que não o poderei referir neste contexto, o que lamento.

Quando vagueava por entre as diferentes palhotas, seleccionando as melhores sombras, pois o calor aumentava a cada minuto, e os ponteiros do relógio indicavam então (já!) 13:30 horas (hora de almoço), foi grande o espanto provocado pelas imagens que estavam no meu horizonte visual.

No interior de uma palhota, sem porta, mas com uma entrada um pouco maior do que era habitual, uma mulher guineense, numa posição de pernas afastadas, com os joelhos flectidos e com o tronco a 90º, segurava com as suas duas mãos uma pequena cabeça de um novo Ser que estava em processo de dar à luz, em regime de autoparto, ou parto não assistido, mas com um assistente, não convidado, a curta distância do acto.

A primeira avaliação sobre o que os meus olhos registavam não dava por adquirido tratar-se do nascimento de um bebé, uma vez que o corpo desnudo da mulher/mãe estava a três-quartos, de costas para o exterior. Mas com uma pequena correcção da nossa posição, ficámos sem dúvidas: era mesmo verdade. Era uma imagem plena de significado e um momento singular poder assistir a um fenómeno da natureza humana como é o do nascimento, ou seja, a primeira grande transcendência da vida … sendo a morte a derradeira transcendência do Homem.

Com as pernas ensanguentadas, a criança totalmente fora e com recurso a um canivete acastanhado, tal era a ferrugem de que estava impregnado, a mulher/mãe corta o cordão umbilical, prepara o umbigo do bebé, coloca a sua criança em cima de uma esteira que está perto de uma pequena fogueira situada a um canto daquele espaço térreo e sai com uma terrina de cabaça na mão, enrolando a parte inferior do seu corpo com um pano tradicional (semelhante à imagem).

Segue em direcção à vegetação que se encontra mais ou menos  a vinte metros da sua palhota, penetrando no seu interior. O seu destino era uma fonte ali existente, onde tomou o seu primeiro banho pós-parto. Acompanhei com curiosidade o seu regresso, continuando a gravar este “filme” de uma realidade bem diferente da dos povos mais desenvolvidos, e em que, neste caso, o actor é simultaneamente o seu realizador.

Com a terrina à cabeça cheia de água, esta destinava-se a ser utilizada na limpeza daquele que era o seu quinto filho, como vim a saber depois de ter estabelecido um pequeno diálogo com aquela mulher grande, tal era a minha admiração.

Contemplei o que foi possível, mas a jornada tinha ainda outras tarefas para cumprir. De regresso ao local onde a outra mulher gemia com dores, e o camarada Carvalhido da Ponte, no seu labor, não conseguia resolver o problema que estava à sua frente, foi decidido requisitar/chamar um helicóptero para evacuar esta mulher para o Hospital de Bissau, uma vez que corria risco de vida.

Concluída esta missão, regressámos ao aquartelamento a meio da tarde, para almoçar, depois de termos vivido entre emoções com significados bem diferentes.



Regulamento do concurso do DN - Diário de Notícias


III – O CONCURSO «UMA GUERRACEMPALAVRAS»

Em Setembro de 1997, o Diário de Notícias lançou à opinião pública, em particular aos ex-combatentes dos três T=, o concurso «Uma GuerraCemPalavras», ao qual decidimos participar com a história referente à primeira situação.

Porque o concurso foi realizado há mais de quinze anos, e porque certamente nem todos a ele tiveram acesso, tomei a liberdade de vos dar conta do seu regulamento, bem como do meu conteúdo sujeito à avaliação do júri.

O DN sugeria:

Escreva uma história sobre a Guerra Colonial e Ganhe 8 viagens a África.

Regulamento

1. “uma GuerraCemPalavras” é uma iniciativa do Diário de Notícias que acolhe narrativas ficcionadas sobre o tema da guerra colonial em África (1961-1974) ou relacionadas com as suas origens e consequências directas, em que o limite máximo do texto é de cem palavras, incluindo o título.

2. Para efeito de contagem, consideram-se palavras todos os vocábulos autónomos, independentemente do seu tamanho ou função gramatical. Por exemplo: em “a Joana e a Maria disseram-me que tinham usado pó-de-arroz” são contadas dez palavras.

3. Todas as histórias têm de incluir título e texto.

4. Podem participar nesta iniciativa todas as pessoas que o desejem, independentemente da idade, profissão ou local de trabalho e sem número limite de histórias concorrentes.

5. Um júri presidido pelo director do Diário de Notícias apreciará os trabalhos e decidirá da sua publicação, não havendo direito a recurso da sua decisão.

6. Os participantes nesta iniciativa prescindem, por esse facto, de todos os direitos autorais pelos trabalhos publicados, excepto aqueles que venham eventualmente a ser-lhes atribuídos no caso de ser editada uma colectânea em livro.

7. Os 4 melhores trabalhos apresentados, um em cada semana, além da publicação nas páginas do Diário de Notícias, irão receber como prémio (para cada um dos trabalhos) uma viagem para duas pessoas (não inclui alojamento) para um destes destinos: Maputo, Luanda ou Bissau.

8. Para participar, basta enviar – ao Diário de Notícias, “Uma GuerraCemPalavras”, Avenida da Liberdade, 266, 1250 Lisboa – um exemplar dactilografado ou manuscrito em letra legível, assinado com nome próprio ou pseudónimo, acompanhado dos elementos de identificação do autor (nome completo, bilhete de identidade, morada e assinatura). Os originais não serão devolvidos aos seus autores.

9. Os textos podem ser enviados ao DN até ao próximo dia 7 de Outubro.

10. As histórias vencedoras (uma por semana) serão publicadas, aos sábados, de 27 de Setembro a 18 de Outubro.


Texto a Concurso

«Na Guerra para salvar vidas; outras estão em risco»

Eram oito da manhã quando a mensagem chegou via rádio: uma jovem guineense estava em dificuldades no trabalho de parto.

Mobilizados os militares disponíveis e o respectivo transporte – o aldeamento ficava a quinze quilómetros – logo partimos em seu auxílio munidos dos escassos recursos que dispúnhamos.

Queríamos salvar uma vida … ou duas.

Mas, chegar à mãe angustiada, era necessário percorrer doze quilómetros de picada, a pé, sujeitos a emboscadas e a rebentamento de minas. Por coincidência, foram detectadas duas. Chegámos ao destino passadas duas horas.

A criança, porque estava atravessada na barriga da mãe, foi necessário evacuá-la(s) de helicóptero para Bissau.

Fantasma do Xime


Na oportunidade, aproveito para dar os PARABÉNS à nossa «TABANCA GRANDE» pela passagem do seu 9.º Aniversário, bem como desejar muita saúde e sucessos ao grande colectivo que a alimenta.

Um grande abraço para todos.

Jorge Araújo.
Abril/2013.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de março de 2013 >  Guiné 63/74 - P11266: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (11): Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças

(**) Último poste da série > 22 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11296: Estórias avulsas (63): O menino que não sabia ler (António Eduardo Ferreira)

quinta-feira, 28 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11326: Facebook...ando (25): José Luís Carvalhido da Ponte, ex-fur mil enf, Cart 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74): De regresso ao Xime!...


1. O nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), enviou-nos a seguinte mensagem com data de 27 de Março de 2013: 


Caros camarigos,

Falei ao telefone com o nosso camarada d’armas Carvalhido da Ponte (, o professor do José Carlos Mussá Biai, o minino do Xime, ) no sentido de autorizar a publicação no blogue de um texto no Facebook sobre a sua última viagem em Março 2013 à Guiné, ao Cacheu, fazendo também uma visita ao Xime. O que acedeu prontamente, prometendo colaborar na divulgação do trabalho humanitário que vem desenvolvendo na Vila de Cacheu. Recordo que Viana do Castelo está geminada com esta Vila.

Assim sendo, apresento o ex Furriel Mil Enf (mésinho) José Luís Carvalhido da Ponte. Pertenceu à Cart 3494 do BART 3873. É membro, sénior, da nossa Tabanca Grande.

Professor e director da Escola Secundária de Monserrate, em Viana do Castelo, com vários trabalhos publicados (vd. aqui), é muito dedicado à causa humanitária na Guiné, na Vila de Cacheu, para onde se desloca regularmente no sentido de contribuir para o bem-estar daquele povo, nomeadamente na área da saúde:


Sousa de Castro

2. Mensagem do José Carvalhido da Ponte, com data de 23 Março de 2013:

Recordar é trazer de novo ao coração, diz-nos uma leitura etimológica da palavra. Recordar é rememorar e neste rememorar revivemos os factos conforme a paleta das nossas emoções. Assim, às vezes perece que esquecemos a recordação e outras esticámo-la, quase ao infinito, como se não a quiséssemos perder. Já Pessoa dizia que o comboio de corda que se chama coração, não raro, invade-nos a razão. 

Tinha 23 anos quando aportei, pela primeira vez, ao Xime, uma aldeia de Bambadinca. A LDG (lancha de desembarque grande) atracou ao pequeno porto, ali mesmo na margem esquerda do Geba. Era Fevereiro de 72.

Deram-nos ordem para nos levantarmos do porão e começarmos ordeiramente a sair. Em terra esperavam-nos, felizes e galhofeiros, os que iríamos substituir.

Depois, nos 27 meses seguintes, deambulamos por Mansambo, pelo Xitole, pelo Enxalé (n’xalé), por Bambadinca, por Bafatá, pelo Saltinho.

Depois regressamos, uns em fins de março e outros, como eu, no 3 de Abril de 74.  Para trás ficaram tantas memórias, tantos medos, tantas aventuras, tantos amigos, vários mortos!


Quando em 2.000 regressei à Guiné, não fui ao Xime. Por nada não. Apenas não calhou. Apenas calhou acontecer em 2008, quando uma colega da ESM, que passeava com outros colegas pelo Senegal, a 17 de Agosto, regressou a Cacheu e desafiou-me: vamos a Tabatô, ali para as bandas de Bafatá, ver os tocadores de Balafon e passas no teu Xime e assim comemoras os teus 58 anos?

Regressar ao Xime? Porque não? Era uma porta que necessitava reatravessar para exorcizar um ou outro fantasma e, em definitivo, oficiar pelo Manuel Bento, caído em combate, logo nesse ano de 72.

E fomos. E neste ano de 2013 regressei, agora com o Dr Manuel Pimenta. Das duas vezes tive de respeitar várias manadas de bovinos e se da primeira ainda pude recordar os desembarques nos restos mortais do pontão do Xime, agora o tarrafe invadira o espaço a impedir as minhas quarentonas nostalgias.

De repente... ollha ali a escola onde lecionei as 4 classes ao mesmo tempo. Entro na decrépita escola. Que saudades! Continua sob um enorme poilão. Procurei caras, anichadinhas bem dentro de mim. Não apareceram. Nem a da Teresa, uma jovem professora caboverdiana que me acompanhou nessas andanças letivas durante um ano, por toda a Bambadinca e que cozinhava frango com piripiri dum jeito que nunca vi. De repente assoma à porta um homem dos seus 55 anos e atira-me: oi professor Ponte! Fui seu aluno, lembra-se? Claro que lembro! E não tive coragem de lhe perguntar o nome nem de lhe dizer que não, que não me lembrava. E falou-me de homens e mulheres de 72 que já partiram, que morreram, que estão por ali. É então que, de repente surge a minha lavadeira do tempo, a Carfala, em 72 com 11/12 anos e hoje, com uma bacia à cabeça e desdentada, como eu; mais adiante o Bacar Biai que escreve poesia em marabutu e à frente o Malan Mané, encostado a um barrote de uma tabanca. E outros. E perguntou-me pelo Furriel Sousa Pinto. Morreu há um ano, mais ou menos, lhe disse. Ah! Eu gostava dele.

Depois, sozinho, percorri partes da tabanca e do antigo aquartelamento. Sozinho, para que ninguém visse uma ou outra lágrima de saudade. Sim de saudade. Bolas, éramos jovens com 21 a 23 anos. Passamos ali dois dos mais importantes anos da nossa vida. Perdemos ali grandes amigos. Aprendemos ali que o medo é uma antecâmara para toda a coragem.

E por hoje, chega de memórias.


Adelino, piloto da lancha Sintex


Bacar Biai, irmão do José Carlos Mussá Biai



Estrada, Xime-Bambadinca. 

Lavadeira Carfala, esposa do Malan Mané




Malan Mané, primo do José Carlos Mussá Biai





O que resta do Cais do Xime...

Fotos (e legendas): © José Luís Carvalhido da Ponte (2013). Todos os direitos reservados. 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10907: Memória dos lugares (203): Xime, o Posto Escolar Militar nº 14 e os seus meninos, entre eles o José Carlos Mussá Biai, hoje engenheiro florestal a viver e a trabalhar em Portugal (Sousa de Castro / Ricardo Teixeira, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)





Guiné >  Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/74) > Meninos do Posto Escolar Militar nº 14.... Recorde-se que este batalhão esteve no TO da Guiné entre 28 de dezembro de 1971 (chegada a Bissau) e 3 de abril de 1974 (regresso). A CART 3494 esteve no Xime até abril de 1973, tendo sido depois transferida para Mansambo. E nessa altura a velhinha e cansada CCAÇ 12 passou a ser guarnecer o Xime como unidade de quadrícula. 

Foto: © Ricardo Teixeira (2013). Todos os direitos reservados. [Foto editada por L.G.]

1. Mensagem que nos chega do nosso camarada Ricardo Teixeira (que vive em França, a avaliar pelo seu endereço de email), através do nosso grã-tabanqueiro º 2, Sousa de Castro. O Teixeira era bazuqueiro, segundo a informação do Sousa de Castro, e fica desde já convidado a integrar a nossa Tabanca Grande, sendo o Sousa de Castro o seu padrinho.
Enviada: domingo, 6 de Janeiro de 2013 19:44
Para: Sousa de Castro
Assunto: Envoi d'un message : Scan0006

Amigo Castro:

Eu li no nosso blogue um comentário, que José Carlos Mussá Biai era natural do Xime. E que foi
aluno do nosso furiel mézinh
o [, fur mil enfermeiro José Luís Carvalhido da Ponte ,] nos anos 1973. Teria 10/11 anos quando nós estavámoos no Xime.

Aqui vai uma foto que eu tirei em frente à escola do Xime com os alunos desse tempo.
Nunca se sabe se ele está aqui nesta foto.

Se isso for verdade, são dois a ficar contentes, ele e eu.

Um abraço, deste amigo Teixeira.

2. Comentário de L.G.;

O feliz reencontro do José Carlos Mussá Biai com a sua infância no Xime (e com os tugas do seu tempo de menino e moço) já aqui foi contada na I Série do nosso blogue... O Sousa de Castro teve agora a gentileza de reproduzir alguns desses postes no seu blogue, no poste P167, de 3 do corrente. E teve a felicidade de ser lido pelo Ricardo Teixeira. Espero bem que o hoje engenheiro florestal J. C. Mussá Biai, a viver e a trabalhar em Portugal, se reconheça nesta foto. E que nos mande notícias.

De tempos a tempos falo, ao telefone, com o J. C. Mussá Biai (e já nos encontrámos pessoalmente, uma vez, no meu local de trabalho). Ele confirmou-me que o furriel miliciano enfermeiro José Luís Carvalhido da Ponte, natural de Viana do Castelo, foi alguém especial na sua vida e na vida dos outros meninos do Xime. Foi seu professor primário na única escola que lá havia, a PEM (Posto Escolar Militar) nº 14. O Mussá Biai também teve como professor, depois da CART 3494 ter ido para Mansambo,em anril de 1973, o furriel Osório, da CCAÇ 12, que dava aulas no Posto Escolar Militar nº 14, juntamente com a esposa.

Pergunta: O que é feito destas crianças que aprenderam a língua de Camões com os nossos camaradas Carvalhido da Ponte e Osório ? A história do José Carlos emocionouu-nos a todos e eu apontei-o na altura como um exemplo extraordinário de tenacidade, coragem, determinação e nobreza que honra qualquer ser humano, "que nos honra a nós e ao povo da Guiné-Bissau a ele que pertence".

Reproduzo um excerto de unm poste que sobre ele escrevi, em 10 de maio de 2005

(...) Em suma, o menino Mussá Biai fez a sua instrução primária debaixo de fogo. Um dos seus irmãos, o Braima, era guia e picador das NT. Tal como o Seco Camarà que morreu ingloriamente na Operação Abencerragem Candente, no dia 6 de Novembro de 1970, perto da Ponta do Inglês, no regulado Xime. O seu corpo foi resgatado por mim e pelos meus homens. Os restos humanos do mandinga Seco Camará, guia e picador das NT, morto à roquetada, foram transportados pelos meus soldados, fulas, para a sua tabanca do Xime. O José Carlos, embora menino, de sete anos, lembra-se perfeitamente deste trágico episódio em que os tugas do Xime tiveram cinco mortos, além do Seco Camarà.

O seu pai, um homem grande mandinga do Xime, era o líder religioso da comunidade muçulmana local. A família teve problemas depois da independência devida à colaboração com as NT. Depois dos tugas sairem, o José Carlos foi para Bissau fazer o liceu. Tinham-lhe prometido uma bolsa, se trabalhasse dois anos como professor para as novas autoridades da Guiné-Bissau. Ficou cinco anos como professor, até decidir partir para Lisboa e lutar pela obtenção de uma bolsa de estudo. Conseguiu uma, da Fundação Gulbenkian. Matriculou-se no Instituto Superior de Agronomia. Hoje é formado em engenharia florestal. Trabalha e vive em Portugal. Mas nunca mais voltou a encontrar os seus professores do Xime. E é seu desejo fazê-lo". (...)


Em 2005, o José Carlos Mussá Biai trabalhava como técnico superior no Instituto Geográfico Português (IGP), Departamento de Conservação Cadastral (DCC), Rua Artilharia Um, 107, 1099-052 Lisboa,  terlef. 213819600, ext. 310. (Atenção, que o IGP foi extinto e integrado recentemente na Direção-Geral do Território; mas o contacto telefónico continua a ser este, como acabo de confirmar).

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10868: Memória dos lugares (202): Cacheu, Natal de 1964 (António Bastos)