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sábado, 16 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24964: Em louvor das nossas LDG (Lanchas de Desembarque Grandes) Classes Alfange e Bombarda




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Xime > c. 1969/70 >  LDG 105 NRP Bombarada  > Desembarque no porto fluvial do Xime de uma mais ou companhias de "piras", destinados ao Leste. Fotos do álbum do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mimanuense do conselho administrativo do comando do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70).

Fotos (e legendas): © José Carlos Lopes(2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. As nossas LDG (Lanchas de Desembarque Grande) levaram-nos a muitos sítios. E em segurança. Inspiravam confiança. Levaram-nos ao Xime e a Bambadinca, na zona leste. Levaram-nos a Buba, na região de Quínara. Levaram-nos ao sul, a Cacine, nas região de Tombali, levaram-nos, no Norte, aos aquartelamentos ao longo do rio Cacheu... 

Muitas dezenas de milhares de homens tiveram o seu contacto com a guerra, na sua "viagem em LDG"... Contrariamente às lanchas mais pequenas, as LDP e as LDM, as LDG só mais raramente eram atacadas ou flageladas. Os guerrilheiros do PAIGC tinham medo do seu poder de fogo: 2 metralhadoras OERLIKON MK II 20 mm (1965), mais tarte, em 1973, substituídas por 2 peças BOFFORS, antiaéreas, de 40 mm, à semelhança da LDG 105 NRP Bombarda, mais moderna (1969).

Estranha-se, em todo o caso, que o PAIGC nunca tenha tentado, com uma certeira canhoada, meter uma LDG ao fundo...

Para além, deste armamento (que metia respeitinho, a quem estivesse emboscado na orla da mata ou do tarrafe,  a tripulação da LDG costumava levar um morteirete ou morteiro  60 mm com que batia zonas suspeitas (por exemplo, a margem sul do rio Geba, entre a foz do Rio Corubal e a Ponta Varela, quando vinha de Bissau para o Xime, ou no mato Cão, quando seguia até Bambadinca; estes eram os locais mais que prováveis, no rio Geba,  para o IN desencadear ataques ou flagelações às nossas embarcações, quer civis quer militares)...


LDG 101 NRP Alfange. Foto do Museu de Marinha, gentilmente disponibilizada pelo Manuel Lema Santos, engenheiro, nosso camarada, 1º ten RN, 1965/72, criador e editor do blogue Reserva Naval]


2. O ex-fuzileiro Miguel Cunha já aqui contou uma história divertida à pala do morteirete ou morteiro 60 mm que eles usavam na LDG 101 (*):

(...) "Fiz várias escoltas nas LDG e principalmente na Alfange, ao Xime e a Cacine. Era comandante o 1º tenente Malhão Pereira.

Tenho uma história passada a bordo da Alfange.

Nas anteparas da lancha, mais ou menos a meio, existia, de cada lado, um fundo de bidão com areia para servir de apoio ao prato do morteiro de 60 mm.

Julgo que as tropas [do Exército] que transportávamos, pensavam que os bidões com areia era para urinar. E alguns fizeram-no, de certeza. O pior foi quando o comandante mandou fazer umas morteiradas de protecção. Com o coice do prato do morteiro na areia, ficámos a cheirar a urina o dia todo!

Miguel Cunha, Fz 996/68, Cia 10 Fz, 1969/1971.  (---)



3. Mas pergunta-se:  para lá da tropa (fuzileiros, "infantes" e outros, como milícias, familiares de tropa africana, e seus animais domésticos), o que é que a LDG costumava levar mais, de Bissau até ao Xime  (ou, ao contrário, do Xime a Bissau)? Ou até mesmo de Bissau a Bambadinca, nessa época, que as LDG também chegavam ao  porto fluvial de Bambadinca, pelo menos até finais de 1968 (depois começaram a ficar só pelo Xime...

Há camaradas nossos que estiveram no leste que fizeram esta mesma viagem, mas que desembarcaram em Bambadinca, e não no Xime, tendo feito portanto o percurso, mais penoso, pelo Rio Geba Estreito, cheio de curvas e contracurvas (e entre elas, as do temível Mato Cão)....

Satisfazendo a curiosidade de alguns leitores, pode-se dizer que as LDG que navegavam no Geba,  levavam  tudo e mais alguma coisa... Tudo o que era preciso, à ida,  para um homem se instalar no "buraco" que lhe tido cabido em sorte... Como  não havia estradas para o leste (em 1969 apenas havia um troço alcatroado, Bambadinca-Bafatá,. e a estrada Mansoa-Bambadinca esta interdia), a grande via de comunicação com o leste era o Rio Geba...

Homens e material iam e  vinham nas embarcações militares e civis...  Neste caso, a LDG - Lancha de Desembarque Grande foi posta ao serviço do exército, para transporte de tropas e material, muito mais vezes do que em operações anfíbias, com os fuzileiros...

Quando se amplia as nossos fotos com pessoal metido no fundo de um LDG,  dá para ver alguns pormenores insólitos... No bojo da LDG, na carga que é transportada, v
vê-se de tudo um pouco, numa "desordem" indescritível:
  • tubos de bazuca, 
  • espingardas G3,
  • cunhetes de munições.
  • jericãs,
  • camas, 
  • outras peças de mobíliário,
  • colchões.
  • fardos de mantas,
  • malas de viagem,
  • baus,
  • sacos,
  • caixotes 
  • viaturas (Unimog, Berliet, etc.)
  • máquinas da engenharia, 
  • e até... uma cabra!... 

Quem fez este "cruzeiro", como nós (**), lembra-se que pela manhã, aproveitando a maré, estava a embarcação a LGD 101)  de saída do porto de Bissau... O calor e a humidade já eram insuportáveis pelo que os "piras" começavam, logo à saída do cais, a "avacalhar o sistema", ou seja, a infringir a disciplina, o decoro e a segurança militares... No caso da foto acima, já não "piras!" que vão para o mato, mas "velhinhos" que vão para Bissau... Daí a descontração e alguma... bagunça!

Nas fotos a seguir veem-se militares em tronco nu; outros aproveitam para matar o tempo (e aliviar a alguma tensão), sentando-se numa improvisada mesa de jogo, a jogar às cartas (?) e a beber ums bejecas... (Ainda não se usava o termo "bejeca")...  Em todo o caso, estava-se longe da ideia de "cruzeiro turístico", Geba acima, Geba abaixo...








Guiné > Rio Geba >  Fevereiro de 1970 > Viagem Xime-Bissau >  LDG 101 NRP Alfange > Entre outras tropas levava o pessoal do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70), que terminva a sua comissão no setor L (Bambadinca), e era comandado pelo alf mil cav Jaime Machado. Iriam regressar à metrópole em abril de 1970, no mesmo T/T Niassa em que tinha vindo.

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


4.  A Classe Alfange foi uma classe de lanchas de desembarque grande (LDG) o serviço da Marinha Portuguesa.

Os navios desta classe foram construídos nos Estaleiros Navais do Mondego (Figueira da Foz), com um projeto baseado na Classe LCT-4,  de origem britânica. 

Pelo seu deslocamento superior a 400 toneladas, os navios foram classificados, pela Marinha Portuguesa, como "lanchas de desembarque grandes (LDG)".

As lanchas destinavam-se a ser empregues na Guerra do Ultramar em missões de reabastecimento logístico, de transporte de tropas e em operações anfíbias, sobretudo em apoio dos Fuzileiros. Foram empregues nos teatros de operações de Angola e da Guiné Portuguesa.

Em 22 de novembro de 1970, a LDG 104 NRP Montante (classe Alfange) e a LDG 105 (classe Bombarda) fizeram parte da força naval portuguesa envolvida na Operação Mar Verde (invasão e Conacri), transportando tropas de desembarque  (comandos guineenses e opositores ao regime de Sékou Turé

As LDG foram batizados com designações de armas medievais (Ariete, Alfange, Cimitarra. Montante). 

Terminada a Guerra do Ultramar, os navios foram cedidos a Angola e à Guiné-Bissau. (...)

Unidades:


Nº de amura /  Nome  /  Comissão em Portugal / Observações
  • LDG 101 NRP Alfange 1965 - 1974 Cedida a Angola
  • LDG 102 NRP Ariete 1965 - 1975 Cedida a Angola
  • LDG 103 NRP Cimitarra 1965 - 1975 Cedida a Angola
  • LDG 104 NRP Montante 1965 - 1974 Cedida à Guiné-Bissau

Ficha técnica > Classe Alfange

Nome: Classe Alfange
Construtor(es): Estaleiros Navais do Mondego
Lançamento: 1965
Unidade inicial: NRP Alfange
Unidade final: NRP Cimitarra
Em serviço: 1965 - 197
Operadores: Portugal | Guiné-Bissau | Angola

Características gerais
Tipo: Lancha de desembarque
Deslocamento: 480 t
Comprimento: 57 m
Boca: 11,8 m
Calado: 1,2 m
Propulsão: 2 motores diesel 1 000 hp 2 veios
Velocidade: 10,3 nós
Sensores: Radar de navegação DECCA
Armamento: 2 peças de 20 mm (1965) | 2 peças de 40 mm (1973)
Tripulação/Equipagem: 20
Carga: 270 t

Fonte: Adaptado de Wikipedia > Classe Ariete 


Bissau > Cais da Marinha > Setembro de 1968 > LDG 101 NRP Alfange > Transporte de um Pel Art com destino a Piche, por via fluvial até  Bambadincas (rio Geba)


Bissau > Cais da Marinha > Setembro de 1968 > LDG 101 NRP Alfange > Peças de artilharia 11.4 ao lado de garrafões de vinho...


Rio Geba (Estreito)  > Bambadinca > Setembro de 1968 > LDG 101 NRP Alfange no porto fluvial de Bambadinca, com um Pel Art com destino a Piche (que depois seguiu, em coluna motorizada, Bambadinca - Bafatá- Nova Lamego - Piche)

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca)  > Xime > 1969 > LDG 105 NRP Bombarda no cais fluvial do Xime

Fotos (e legenda): © Humberto Reis (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


4. Em 1969, entraram  ao serviço da Marinha as LDG Classe Bombarda, mais comprida e deslocando mais tonelagem.

Nome: Classe Bombarda
Operador: Portugal
Unidade inicial: NRP Bombarda (1969)
Unidade final: NRP Bacamarte (1985)
Lançamento: 1969
Em serviço: 1969 - 2014

Características gerais

Tipo: Lancha de desembarque
Deslocamento: 652 tonelada
Comprimento: 56 metro
Boca: 11,8 m
Calado: 1,9 m
Propulsão: motores diesel de 910 hp 2 veios
Velocidade: 10 nós
Armamento:  2 peças de 40 mm (LDG 201 e LDG 203) | 2 peças de 20 mm (LDG 202)
Tripulação: 20
Passageiros : 1 batalhão de fuzileiros navais
Carga.  9 carros de combate ou 10 camiões de 6 t


Guiné > Região de Quínara > Buba > 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Bula, 1973/74) > 4 de setembro de 1974 > A LDG 105 NRP Bombarda abicada em Buba

Foto (e legenda): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19102: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVII: Armamento: Morteiro 81 e morteiro 60, São Domingos, 1968



Foto nº 1A  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão  do morteiro 81.



Foto nº 1  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão  do morteiro 81.


Foto nº 2  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão  do morteiro 10.7 (tubo com estrias; o morteiro 81 tem a alma lisa...).



Foto nº 2A > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Pormenor do tubo do morteiro 10.7 (ampliando a imagem, vê-se que o tubo tem estrias, não é de alma lisa).


Foto nº 3  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 >Abrigo  morteiro 81. > Aqui dormima 3 homens e 1 cão rafeiro.


Foto nº 4  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Apontador do morteiro 81. >


Foto nº 5  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Sinulação de lançamento de uma granada de morteiro 81. > O Virgílio Teixeira mais o Pinto Rebolo (e não Rebelo...), "o Gordo"-
l

Foto nº 6  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > O morteiro 81


Foto nº 16  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Espaldão do morteiro 60 > O Virgílio Teixeira


Foto nº 17  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > Esp+aldão do morteiro 60 > O Virgílio Teixeira


Foto nº 18  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 >  O Virgílio Teixeira sentado no abrigo do morteiro 81-


Guiné > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69 > Abrigos de morteiro

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 90 referências no nosso blogue.

Guiné 1967/69 - Álbum de Temas > T901 – AS NOSSAS ARMAS DE DEFESA > ARMAMENTO FIXO E MÓVEL > SÃO DOMINGOS E NOVA LAMEGO - Parte I


Caros companheiros e camaradas:

É com grato prazer que venho levar até vós, mais alguns temas, fotos, estórias e histórias de trabalho, lazer, convívios e copos de grande camaradagem com o pessoal, civil e militar, enfim passagens pelo nosso ex-CTIG, Comando Territorial e independe da Guiné.

O meu novo formato passa a ter um tema de base e a seguir juntando mais alguns outros que se possam encaixar no principal, sem deixar de cuidar este, e assim ‘vou-me libertando de tantas dezenas de fotografias’ que de uma só vez, seria difícil obter um bom resultado.

Em cada caso, faz-se um pequeno introito sobre o Tema, sobre a Unidade operacional à qual o autor pertenceu, o seu percurso, os meios disponíveis, o que foi feito e deixado por fazer, tendo sempre a consciência do dever cumprido, dentro do possível.

I - Anotações e Introdução ao tema:

O tema de hoje, tem a ver com o material de guerra, as nossas armas de defesa fixas e algumas transportáveis. Este é um assunto que apenas apresento como informação, nada tendo a ver com a minha actividade e função militar.

Fiz as fotografias possíveis, muito mais ficou por fazer, mas o que apresento é apenas uma ideia, quase completa do que era o nosso armamento.

Não faço aqui alusão às nossas armas pessoais, a Espingarda automática G3 ou a Pistola pessoal Walter, pois já todos conhecem.

Também não se apresentam os carros blindados, as Daimler, Panhard, Chaimites ou Fox, pois já foi objecto de um tema separado e só dedicado a essas armas terrestres.

Nas minhas passagens e do BCAÇ 1933, por Terras de Nova Lamego – Gabu, durante os 5 primeiros meses, pouco ou nada tenho, pois não estava ainda na minha mente andar à procura do armamento, e depois já era uma cidade maior com outros motivos para as ocupações de lazer.

Passou um mês em Bissau, aquartelados no Depósito de Adidos, e também não foi ideia procurar e fotografar os armamentos disponíveis.

Ficaram os meses restantes, cerca de 18 meses, num local isolado, pequeno, com quase nenhuns motivos de interesse e com muito tempo livre para fazer ‘nada’.

Então é aí que vou percorrendo alguns pontos de interesse, mas longe de passar por todos os locais com armas fixas e respectivos abrigos ou ninhos.

Seleccionei algumas fotos, para não sobrecarregar os Temas, para não se tornarem pesados, retirei as fotos pesadas em formato TIF, guardando para outros fins.

Este é um percurso pelos vários postos de abrigos e ninhos de metralhadoras, de poços ou espaldões dos Morteiros e outro armamento.

Algumas fotos não são nada boas, mas os espaços disponíveis eram assim, escuros, pequenos, feios, mas sempre com boa disposição.

Para os veteranos, e para aqueles que nunca foram nada, nem sequer militares, ficam estas imagens, singelas, mas para se perceber as condições muito difíceis em que muitos dos nossos sacrificados soldados, viviam ou apenas sobreviviam, em buracos.

Espero que gostem, pois para mim já ficava por satisfeito.

II – Introdução às Legendas:

Nota:

O primeiro parágrafo da legendagem explica o que significa a foto. Já nos seguintes, são notas e observações que faço em relação à história e contexto de cada foto no seu tempo.

As fotos são numeradas e seguidas por ordem, por vezes saltando alguns números para deixar folgas para novas fotos, e estão legendadas, seguindo uma ordem mais ou menos cronológica, quando possível, a ter em atenção alguns pontos:

Assim:

A descrição é sintética, lembra Quando, Como, Onde, O quê.

- Algumas têm apenas o ano, quando não é possível identificar a data certa;

- Outras podem conter o mês e ano, quando não é possível determinar o dia;

- Algumas dizem o dia certo, pois isso está escrito na foto ou em qualquer lugar.

Os locais dos eventos, normalmente são:

- Nova Lamego, NLamego – Abreviatura de Nova Lamego, NL – Sigla mais pequena de NL

- São Domingos, SDomingos – Abreviatura de São Domingos, SD – Sigla de São Domingos

III - Legendas das fotos:

F01 – O poço, ou espaldão como também se designam, e o abrigo de um Morteiro 81.

Junto ao poço, aberto em frente à messe de oficiais, ao lado do armazém de medicamentos, em frente aos armazéns de víveres, estava tudo muito concentrado.

Tinha como protecção, uma fileira abaixo do piso, com bidons vazios de gasolina, depois cheios com cascas de ostras, terra, algum cimento e está uma fortaleza. Outra barreira dos mesmos bidons, a proteger as traseiras do abrigo, não faltando como é claro, o insubstituível garrafão de vinho, empalhado, mas de certeza já vazio.

O poço é um buraco aberto no terreno, com a altura de um homem, e um diâmetro que posso calcular em dois metros. O morteiro é colocado no centro do buraco, com possibilidades de rodar e fazer fogo a longa distância em direcção ao IN.

Utiliza como projéctil, uma granada de morteiro, de diâmetro 81 com carga explosiva.

O mais trágico e doloroso, é que as munições – as granadas – estão também elas no mesmo buraco, pois a seguir ao poço aberto, fazem-se galerias debaixo do solo, de comprimento grande, onde são armazenadas as granadas.

E para além disso, estão as instalações dos municiadores e operadores do Morteiro, por ali vão vivendo o seu tempo debaixo de terra. Acho que são 3 os operadores, mas não tenho a certeza. Fui lá abaixo ver com os meus olhos aquelas condições desumanas onde viviam alguns militares, homens como eu e como os outros.

Para acabar, caso o IN nas suas flagelações acertasse com uma granada dos seus morteiros 82, ou de bazookas ou de canhão sem recuo, dentro do poço, é óbvio que aquilo ia tudo pelos ares, abrigo, munições e todo o pessoal que lá se encontrava. Não soube se aconteceu.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F02 – Aspecto de um Morteiro 81, no respectivo poço ou espaldão, e abrigo. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F03 – Aspecto de uma vivenda de luxo para 3 pessoas, plantada no meio de nada. Poço de morteiro 81. Visualização de longe, os contornos e a miragem!

A pequena elevação que se vê está suportada em troncos de palmeira, depois cheios de cascas de ostras ou outros materiais, terra vermelha e massa, e talvez algum cimento. Aquele espaço está ocupado com as camas de ferro onde dormem ou descansam os 3 homens.

Curiosamente têm a companhia ou a guarda de um cão rafeiro que por ali se passeia sem trela, ainda não eram como hoje tratados quase como seres humanos!

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F04 – O Morteiro 81 vai mandar uma ‘ameixa’ para o IN.

Trata-se de uma cena para uma fotografia apenas, o IN não está à vista.

Este Soldado ou Cabo, tantas vezes lá fui, e não sei o Estatuto dele, pois nunca andava vestido, só de calções. É o apontador e municiador do Morteiro, era um gajo porreiro, uma pena que tenho é desconhecer o nome dele. Ele pertence ao nosso Batalhão, não tem nada a ver com o Pelotão de Morteiros de Nova Lamego.

Ele não conhece estas fotos, pois são de slides, as de cor, e esses nunca mostrei a ninguém, pois só mandava revelar o rolo nas férias ou no final da comissão.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F05 – Tentativa de mandar uma morteirada para o outro lado.

É uma foto apenas, sou eu e o meu Furriel do Conselho de Administração  – o Pinto Rebolo – mais conhecido pelo Gordo – era assim que já era tratado no antigo Instituto Comercial do Porto. Fomos muito amigos, ele veio e encontramo-nos muitas vezes no Porto, era Delegado de Propaganda Médica, depois formou-se em Direito e exerceu advocacia. Acho que tem um problema grave, mas vai aparecendo nos almoços do batalhão.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.

F06 – Abrigo, poço e Morteiro 81, noutro local.

Já vi esta foto várias vezes e tentei compará-la, parece mais um Morteiro 60, por causa do Prato, mas depois ampliando acabo por reconhecer o 81mm. Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.


F16 – Abrigo e Morteiro 60.

Trata-se de um Morteiro 60, pois a base do prato é pequena, utilizado mais em operações externas, e transporte aos ombros, com os projécteis a serem transportados ou carregados por outros militares.

Foto captada em São Domingos durante o ano de 1968.


F17 – Poço. Abrigo e Morteiro 60mm.

Nota:

A foto enviada tem a repetição do nº 16 (anterior). Esta é de 1969 a cores.

Trata-se de mais um abrigo e poço de morteiro 60mm, resguardado em condições miseráveis, sem o mínimo de dignidade. Basicamente é um poço aberto, de menos de 2m de diâmetro, suportado com uma estrutura de troncos de palmeira, terra amassada e cascas de ostras.

Como se vê é tudo muito básico, novamente os bidões vazios de gasolina, cheios também com terra vermelha amassada, e as inevitáveis e omnipresentes ‘cascas de ostra’ que sendo tão duras fazem um excelente ‘abrigo’ contra morteiros e bazucas.

Podem ver-se os dormitórios enterrados no solo, para os operadores das armas.

Foto captada em São Domingos durante o 1º. Trimestre do ano de 1969.


F18 – Um ‘poço-abrigo’ do Morteiro 81mm, visto do lado de fora, com uma precariedade de bradar aos céus.

Trata-se de uma foto, tirada do outro lado, não de dentro, mas visto de fora, demonstrando a fragilidade com que tudo era feito, com o aproveitamento integral das matérias disponíveis sem recurso a grandes gastos.

Os bidões são as sobras depois de esgotada a gasolina que transportam, são de chapa e com alguma resistência. Depois são cheios com cascas de ostras, que são os restos do que fica depois de comer o conteúdo, é um aproveitamento integral dos restos, com impacto ambiental. Tudo misturado com a terra vermelha, bem amassada e regada com uma mistura de água e cimento, e está feito. Para o restante há as coberturas feitas com troncos de palmeira, são matéria-prima local, é só cortar e entrelaçar os toros, cobertos com a mesma coisa que os bidões, e tudo feito a custo zero, com a força de braços dos nossos rapazes.

Foto, com data, captada em São Domingos no dia 23 de Agosto de 1968.


«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».


NOTA FINAL DO AUTOR:

As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. 

Acabadas de legendar, hoje,

Em, 2018-10-05

Virgílio Teixeira

_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 7 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19078: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVI: Fortaleza da Amura, Quartel-General, Bissau, junho de 1969.

domingo, 25 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11978: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (4): O diacho da cicatriz

1. Em mensagem do dia 19 de Agosto de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:


O PÓS-GUINÉ 65/67

4 - O DIACHO DA CICATRIZ

E quando contei o acontecido ao meu "velho" ele apenas disse, lá do alto da sua sabedoria:
- Então não és tu, quem está sempre a ajudar os mais pobres do que nós? - E não é ao marido duma dessas, que dás as tuas roupas, mesmo já gastas?

Esclareço que o meu PAI era Homem trabalhador, Técnico Superior na área da construção civil e sem a sua mestria não se fariam ou consertavam casas.
Várias vezes o vi a preparar a massa de cimento, a que adicionava areia qb e água, que misturava com a enxada e a força dos seus braços. A pasta daí resultante, colava os tijolos um a um. Feita, pegava nela em baldes de lata, que transportava aos ombros e vertia junto aos pedreiros.

E estes sempre a pedir mais:
- Ó Manecas traz massa...
- Se queres pressas, vem fazê-la... porra.(não era bem esse o termo que utilizava, só que a minha "superior" cultura não me permite dizer a verdadeira palavra... começada por éfe).
Também caiava casas e ensinou a conduzir, pois que tinha sido condutor na tropa.

No dia em que regressei da minha Guiné, fez questão de fazer uma festa e convidar os que por mim lhe haviam perguntado e até o Senhor Padre Frederico esteve presente, vejam bem !!!
Comeram-se uns barbos apanhados à rede e à socapa, no rio Sôr, umas galinhas assadas na brasa de lenha de azinheira e até uns coelhos mansos, à caçadora, (com sabor a bravos que lhes era e é dado pela carqueja) nascidos e criados à moda antiga lá na capoeira do nosso quintal, onde e para além disso, também tínhamos umas rolas que tão boas eram, fritas em banha.

************

Aqui na Enciclopédia que é e será o nosso Blogue, tenho aprendido (e só vou a meio)... muito e devido às publicações de quem por aqui vai dissertando.
Há quem opine, há quem descreva o que passou o que não é fácil... há quem discorde e quem concorde com a guerra, QUE NÃO FOMOS NÓS A INICIAR e também os que nunca desembainharam a espada e dizem o pior dos piores dos que lhe protegeram a vida.

Eu que e apesar de não ter sido voluntário, mas obrigado, (e como eu mais um milhão dos jovens que nunca admitimos a deserção embora o pudéssemos ter feito), apenas cumpri o Dever imposto e com muito gosto.
O que ansiava era regressar para junto das família que deixara aqui e tive sempre presente a frase um Senhor chamado De Gaulle, (pessoa que sendo tão alta, eu nunca convidaria para apanhar figos comigo) qu'até chefiou os destinos da França e que quando da partida das tropas francesas para a Argélia, disse:
- Na guerra, ou matas ou morres.

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E A GUINÉ... SEMPRE PRESENTE

Ao proceder a uns arrumos de caixotes de pau feitos, cheios de teias de aranhas (e até uma centopeia com mais ou menos 15 centímetros de lá saltou e que esmaguei impediosamente com o pé esquerdo pois que o direito mal mexe) encontrei duas fantásticas peças, sendo uma delas importante e de tal maneira me salvou de problemas, que julgo ter de lhe dedicar umas escassa palavras.

Então lá vai:

Quando pediram à minha CCAÇ 1422, para salvar a Pátria e nos colocaram no K3, foram-nos distribuídas armas novas em folha, desde a G3 especial distribuída aos graduados que era aquela, qu'até tinha bipé e fazia de metralhadora, e também virgens eram, os morteiros 60 de origem espanhola e que se revelaram falsos com'ó caraças.
Para quem não saiba, particularmente para os que nunca foram ao mato (mas que tão importantes foram, porque uma guerra sem uma boa retaguarda, não ata nem desata) e nem sequer usaram armas ou meteram uma bala na câmara (não deviam era orgulhar-se disso e há quem o faça) para esses sempre vos digo que o morteiro era:

Assim uma espécie de tubo, fechado num dos lados, e que fazia atirar para cima, uma granada (uma espécie de supositório, mas muito maior) depois de a pousarmos nas bordas desse mesmo tubo e a largarmos e no lado que estava aberto, naturalmente.
Ao chegar lá abaixo e já devidamente programada com uns adicionais para que fosse cair no chão e no local que pretendíamos, ou seja a 100 e por aí fora, metros, ao chegar lá abaixo, repito e ao bater num pinchavelho mais conhecido por percutor, ela (a granada) saía disparada que nem ginjas e lá ia na sua nobre missão de nos defender, qual remédio contra melgas, mosquitos e outros parasitas incomodativos assim "tipo" o IN.

Ao sair provocava um típico ruído, tal e qual como quando descalçamos um sapato apertado... daqueles que fazem calos no dedo mindinho. Era pressuposto fazer tiro a tiro e nunca tiro de rajada.
Devia estar assente em qualquer coisa rija mas não o prato base, qu'era pesado e não levávamos e por isso usávamos o capacete, embora nas bolanhas de pouco servisse, pois que mesmo assim acabava por se enterrar naquela porcaria lamacenta.

Pois e de acordo como lá em cima referi "falsos com'ó caraças", quis eu dizer que o percutor, que nos modelos que usara em treinos na Metrópole era b'óptimo, este, partia à terceira granada disparada, quando não logo à primeira, o que obstaculizava a eficiência da defesa, dado que tínhamos de mudar o dito cujo, usando para isso a tal peça com 10 centímetros de comprimento, que servia para desatarraxar o fundo e colocar um novo e que encontrei, guardei e a quem devo se calhar o facto de estar ainda por aqui.

Vai acompanhar-me d'ora em diante, aqui na minha pasta qu'uso a tiracolo.


FALEI-VOS DA MINHA AMADA CHAVE DE FENDAS.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11951: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (3): O bi-fascita da cicatriz

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11535: Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973) (6): Testando armamento (HK 21 e morteiro 60) na berma da estrada, na ausência de carreiro de tiro...


Foto s/ nº > Mansoa > 1973 > Testando a HK 21 (1)



Foto nº 84   > Mansoa > 1973 > Testando a HK 21 (2)





Foto s/nº  > Mansoa > 1973> Testando a HK 21 (3)


Foto s/nº  > Mansoa > 1973 > Testando o Morteiro 60 (ou morteirete)


Fotos: © Carlos Alberto Fraga (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Carlos Fraga (*), recentemente admitido como membro da nossa Tabanca Grande (nº 611). Recorde-se que ele esteve em Mansoa, no 2º semestre de 1973, como alf mil (da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72), indo depois comandar uma companhia em Moçambique, já depois de 25 de abril de 1974.

Publicam-se hoje  fotos de militares da 3ª C/BCAÇ 4612/72  a experimentar  armas no "2º ou 3º dia depois do Choquemone" (**).

Acrescente-se, a talhe de foice, que a maior parte dos setores não tinha... carreira de tiro.  No setor L1, por exemplo, havia, no tempo do Paulo Santiago,  do J.L. Vacas de Carvalho e do Luís Dias, uma carreira de tiro para instrução das novas companhias de milícias. Mas eu não me lembro, no meu tempo, de nenhuma carreira de tiro em Bambadinca. Havia uma em Contuboel, no tempo em que demos instrução de especialidade aos futuros soldados (guineenses) da CCAÇ 12. 

Parece que em Mansoa também não havia carreira de tiro, no 2º semestre de 1973, a avaliar por estas fotos... Por outro lado, no meu termpo, fazer tiro no mato era punido disciplinarmente... Por exemplo, no rio Udunduma, quando se estava lá destacado, fazia-se-se tiro uma vez por outra...Tal como se pescava à granada mas isso podia causar alarme quer em Bambadinca (, sede do batalhão,)  quer nos destacamentos ou tabancas em autodefesa,  à volta (Nhabijões, Amedalai...) ou ainda nos aquartelamentos  mais próximos (por ex., Xime).

No nosso caso (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), confiávamos na fiabilidade das nossas armas (nomeadamente da G3), graças ao impecável trabalho do nosso 1º cabo quarteleiro (ou de manutenção de material) João Rito Marques que reencontrei há tempo num convívio, e é natural de Sabugal.



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Centro de Instrução de Milícias (CMIL) > Setembro de 1973 > A Instrução de tiro na carreira de tiro, que era perto da ponte do Rio Udunduma, na nova estrada Bambadinca-Xime.

Foto: © Luis Dias (2008). Todos os direitos reservados.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 7 de Junho de 2009:

Caro Carlos:
[...]
Como sugeres, aí vai em anexo a 6.ª e última parte da estória de Madina Xaquili para a série A Guerra Vista de Bafatá.

Tinha combinado com o Luís que iria mais tarde mandar umas bandas sonoras de sons da Guiné. Assim, e esperando que chegue aí em condições de ser postado um primeiro som, incluí na estória o som de pios de morcegos, da forma e com os meios que dispunha. Será para ser ouvido no local do texto onde o coloquei.
Pretendia que ao clicar no desenho do morcego, que nesse sítio aparece, se ouvisse o referido som, mas não consigo. Se tu o conseguires, tudo bem, caso contrário elimina o desenho do morcego. Se assim for o som ouvir-se-á da forma que eu indico.

Se de todo for necessário, mandarei pelo correio um CD. Nesse caso avisa-me.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

7 - Um Alferes destacado (desterrado) em Madina Xaquili com um cano (só o cano) dum morteiro 60 - parte 6 e última.

Preâmbulo

Como tenho referido anteriormente, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível.

No Poste anterior – 4470 (10.º dia dessa minha experiência), descrevi a operação que fizemos na região de Padada, com muitos vestígios IN e mostrei fotos de locais lindíssimos por onde passámos.

Relato do 11.º dia – 22JUN69:

Logo pela manhã dei com o João a andar de forma esquisita, de pernas abertas. Não resisti e perguntei o que se passava com ele. O João, como comandante da Milícia, não fazia quase nada na tabanca. Até a sua lavra de mancarra era cultivada pelos milícias. Assim, como não estava habituado a andar muito, e por ser um pouco anafado, tinha ficado com as coxas em carne viva pelo roçar das calças na caminhada do dia anterior de cerca de 25 Km, com temperaturas a rondar os 40º e a humidade própria da época das chuvas. O problema foi resolvido pelo nosso enfermeiro, que pouco depois também teve que dar uma injecção de soro antiofídio a um milícia que foi picado por uma cobra quando cavava na lavra de mancarra.

Por causa da lavra, o abrigo para a população civil continuava por acabar.

Almoçámos mais uma vez a mesma bianda. Aí tive uma ideia (tanto de brilhante como de pérfida). Fui tentar convencer um civil (penso que seria o chefe da tabanca), a trocar duas galinhas por uma lata de atum de 3 Kg. As conversações foram demoradas. Fartei-me de lhe expor as vantagens (ou desvantagens) para ele, da troca: As galinhas podiam morrer, etc., etc. Lá vim com as duas galinhas para tornarmos a tirar a barriga de misérias.

Creiam, camaradas, que ainda hoje sinto remorsos desse negócio, apesar de que passados cerca de três meses nem galinhas, nem palhotas, nem pessoas existiam em Madina Xaquili.

Ao anoitecer, sentado no característico estrado debaixo do mangueiro, no centro da tabanca, com o relampejar ao longe, continuei a inteirar-me dos usos e costumes daquela gente. Uma pessoa podia sentir-se ali isolado mas também sentia uma paz interior difícil de alcançar nos nossos meios, ditos civilizados. Pela cabeça passou-me a ideia de ficar ali para sempre, se guerra não houvesse, claro. A pureza e ingenuidade das pessoas era total.

O som da guitarrinha do Braima induziu-me ao sono nessa noite.

O fula Braima (com as características duas marcas junto aos olhos)

Relato do 12.º dia – 23JUN69

Essa pureza que referi iria ser quebrada. Em determinada altura ouço, perfeitamente fora do contexto, um gargalhar de dois milícias. O que se passava? À porta de uma palhota um militar metropolitano mostrava a esses dois camaradas africanos um baralho de cartas, daqueles com cenas pornográficas. Interrompi a sessão, chamei o metropolitano e expliquei-lhe, em pormenor, a poluição do seu acto, etc., etc.

À tarde aproveitei para tirar algumas fotos e ir falar com o Braima para saber se ele me vendia a guitarrinha, daquelas típicas, feitas com meia cabacinha, pele de macaco e cordas de fio de pesca. Não o consegui mas falando-se também do seu iuri que ele próprio escavou em pau sangue, com forma de canoa, aqui sim, consegui convencê-lo, considerando essa a peça mais significativa que trouxe da Guiné.

O iuri que o Braima fez. As pedras são sementes de cocnote.

A Binta era sem dúvida a mulher mais vistosa e simpática da tabanca.

A mulher de um milícia

A lavra do João continuava a atrasar a construção do abrigo para a população civil.

A segurança de todos nós continuava a preocupar-me muito. Por um lado andava a pensar em redigir um relatório sobre as condições miseráveis em que nos encontrávamos em termos de armamento e na forma de fazer chegar esse relatório a Bafatá. Talvez os superiores não quisessem assumir a responsabilidade de ter um destacamento em semelhante buraco e tão mal equipado.

Se lá continuasse por muito mais tempo, várias iniciativas teria de levar à prática, de imediato:

1 – Para segurar na tabanca a 1.ª mulher do João (ler relato do 7.º dia) e porque era bastante evoluída iria arvorá-la no único elemento armado da população civil, para no abrigo colectivo fazer a defesa, possível, de todos. Dar-lhe-ia instrução de tiro e fornecer-lhe-ia uma G3. Talvez o João não gostasse mas teria que engolir o sapo. Não esquecia o Bonco; a Binta cuidaria dele.

A Binta com o Bonco, filho do João, ao colo.

2 – Além da já existente sentinela avançada na mata, criaria mais duas durante todo o dia.

3 – Passaria a sair todos os dias, a meio da tarde para patrulhar as redondezas da tabanca, com um grupo de combate e faria emboscadas nas zonas mais problemáticas, regressando já noite para jantar. A detecção de vestígios IN na zona próxima era crucial e indicativa de um próximo ataque. Como já anteriormente referi, o IN não me iria encontrar dentro do arame. O primeiro ataque viria a dar-se, já eu não estava na tabanca, mas precisamente à hora por mim prevista…

Na reunião à noite, debaixo de uma grande tensão e medindo bem todas as consequências, tomei a resolução mais controversa da minha estadia em Madina Xaquili.

Conhecia o valor dos homens que tinha comigo mas pensando no armamento que possuía, além das espingardas, (metade dos milícias tinham só Mausers), só tinha um cano velho (só o cano) dum morteiro 60 e 16 (dezasseis) granadas para o mesmo, tinha que tomar uma atitude. Todos sabem com que armamento o IN fazia os ataques: Vários morteiros 82, canhões sem recuo, metralhadoras, RPG7, etc. Quanto tempo nós iríamos aguentar com 16 granadas de morteiro 60?

É certo que me passou pela cabeça simular um ataque ou outro qualquer contacto com o IN e pedir uma urgente remuniciação. Correria o risco de não a fazerem e ficava pior ou podiam mandar-me outras 16 granadas, ou 10, ou 5…

Achava a situação dramática dada a proximidade do IN.

Finalmente expus a todo o pessoal o que já andava a magicar há alguns dias e caso a situação não se viesse a alterar: Um plano de fuga.

No caso de verificar, que com um ataque se estava próximo de gastar a última das nossas 16 granadas, à minha ordem todos retirariam por uma zona baixa da tabanca, próxima da fonte, muito improvável de instalação IN e caminhariam a corta-mato durante cerca de 1 Km, ao fim do qual flectiriam à direita até encontrarem a picada para Galomaro. Eu e um pequeno grupo aguentaríamos o IN até não poder mais, dando tempo a que a população civil se pusesse a salvo. Então, sim, seria a nossa vez.

Esta atitude comuniquei-a, posteriormente, ao então Chefe do Estado Maior do Agrupamento, Ten Cor Teixeira da Silva que, embora arregalando os olhos, a compreendeu perfeitamente. Também sabia com quem estava a falar, quiçá o oficial superior mais culto e menos militarista, dos que então passaram pelo Comando do Agrupamento.

Foi assim, debaixo dum silêncio sepulcral, sem os acordes da violinha do Braima e só quebrado pelo som metálico do piar dos morcegos nos mangueiros, que fui dormir, ainda sem saber que era a minha última noite em Madina Xaquili.

(OBS: Falta encaixar aqui o ruído dos morcegos)

Relato do 13.º dia – 24JUN69:

Na manhã do 13.º e último dia, como por premonição, resolvi tirar a foto de família e a do forno que eu próprio construí, ambas a preto e branco pois tinham acabado as fotos coloridas.

Comigo está o João e mais 15 dos 38 milícias que constituíam a guarnição africana da tabanca.

O forno que construí. Ao meu lado o Sajuma, que se ofereceu para ajudante de padeiro.

Ajudei a posicionar alguns cibes no novo abrigo e a hora do almoço estava a chegar. Ouve-se então o ruído de uma coluna a chegar, com as viaturas a roncar ao passarem uma linha de água a uns 500 metros da tabanca.

Pensei, talvez como os meus camaradas metropolitanos, que viessem ali mais umas cervejas frescas.

Vinham sim reabastecer-nos de géneros, mas também traziam uma ordem para me levarem embora.

Desta vez não consegui tomar a atitude que seria um tanto estranha para quem, como eu, achava que estava em perigo em Madina: Seria não ir com a coluna e ficar na tabanca, pois não era só eu que estava em perigo. Para isso era só necessário mandar uma mensagem para o Agrupamento a perguntar qual ordem cumpria: Se a que a coluna trouxe para me levar, se a do Coronel Felgas quando me visitou e me disse que eu só sairia dali quando houvesse abrigos para a população civil. Ia a mensagem, vinha a resposta, a coluna já tinha partido e eu ficava.

Para tanto não tive coragem. Pensei na família. Pensei na possibilidade do meu filho Miguel já vir a caminho (tinha estado de férias na metrópole um mês antes). Fui com a coluna.

Não sei se foi a minha tristeza que contagiou os que ficavam, se o contrário.

O João e os outros milícias prometeram visitar-me quando fossem a Bafatá, o que veio a acontecer.

Excerto de um aerograma em que refiro a visita que o João me fez em 03OUT69 e a triste notícia da destruição de todas as palhotas de Madina Xaquili

De fugida verifiquei que tinham finalmente trazido mais uma arma para reforçar o cano do morteiro 60 (só o cano) e as suas 16 (dezasseis) granadas: Uma metralhadora ligeira Degtiarev, de disco, apanhada ao IN. O Cap Jerónimo de Galomaro devia continuar com remorsos.

Subi para um Unimog e aí passou-se uma cena, única em toda a minha vida, quando o Furriel que ia ao meu lado me perguntou se tinha gostado de estar na tabanca.

Gostaria muito que fosse esse Furriel, de quem não lembro o nome, a contar o sucedido mas constrangido direi que as lágrimas me vieram aos olhos pelo que baixei a cabeça. Foi então que os meus dois olhos se transformaram em autênticos chuveiros. Durante largos minutos o Furriel, atónito e confuso, respeitou o meu silêncio. Reagi e reatámos então a conversa.

Sei que passei por Galomaro e falei com o Cap Jerónimo, mas não recordo como cheguei ao Comando de Agrupamento em Bafatá.

Fim desta longa e curta estória que para mim fez História.

Até para a semana camaradas, com uma estória curta mas engraçada passada com o pessoal do Esquadrão de Cavalaria instalado ao lado do Agrupamento.

Texto e fotos: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. poste de 6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)