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Luís Henriques (1920 - 2012). Faria 105 anos em 19 de agosto de 2025. |
Estes períodos de crise, longe de serem meros desastres naturais, foram exacerbados por 3 factores principais:
- negligência da administração colonial portuguesa;
- políticas agrárias inadequadas;
- vulnerabilidade estrutural de um território semiárido.
(i) Causas (estruturais e conjunturais)
- Clima saheliano, muito variável: precipitação baixa e irregular, concentrada em poucas semanas (sobretudo ago-set), com longos períodos secos; anos sucessivos sem “água grande” provocavam quebras de safra em cadeia; o regime de chuvas depende do posicionamento/força da Frente/Zona Intertropical e de variações atlânticas, o que amplifica a irregularidade anual;
- Base alimentar frágil: forte dependência do milho (e feijões) que, quando falhava(m) seguia-se fome, doença e mortalidade;
- Degradação ambiental: solos insulares delgados , erosão, sobrepastoreio e arborização insuficiente, limitando retenção de água e resiliência agrícola;
- Fatores político-económicos coloniais: fraco investimento público, prioridades orçamentais restritivas no Estado Novo, falhas de abastecimento/armazenamento de água, mercado (inclusive especulação), e uma resposta tardia à crise.
As crises mais devastadoras ocorreram em três vagas principais: no início do século, nos anos 20 e, de forma particularmente brutal, na década de 1940.
(i) A Viragem do Século: 1901/04
O início do século XX já anunciava as dificuldades que estariam por vir. Um ciclo de seca severa entre 1901 e 1904 provocou uma fome generalizada, resultando em mais de 20 mil mortos.
As três razões que explicam a situação de total desproteção da população:
- falta de investimento em infraestruturas de armazenamento de água,
- dependência de uma agricultura de sequeiro;
- ausência de um plano de contingência por parte do governo colonial.
A resposta tardia e insuficiente, focada em trabalhos públicos de pouco impacto, não foi capaz de mitigar a mortalidade e o sofrimento.
(ii) A Crise dos Anos 20: 1921/22
Duas décadas depois, a história repetiu-se com contornos ainda mais dramáticos. A fome de 1921/22, novamente desencadeada por uma seca prolongada, ceifou a vida a dezenas de milhares de cabo-verdianos.
A situação foi agravada pela crise económica que Portugal atravessava, durante a I República, e a seguir ao fim da I Grande Guerra, o que limitou ainda mais a capacidade e a vontade de prestar auxílio à colónia.
A emigração, principalmente para São Tomé e Príncipe em condições de trabalho análogas à escravatura, tornou-se a única via de escape para muitos, desestruturando famílias e comunidades inteiras.
(iii) A Grande Fome dos Anos 40: O Auge da Tragédia
A década de 1940 representa o período mais sombrio da história contemporânea de Cabo Verde, com duas vagas de fome de uma violência inaudita. Em 1943 estavam no Mindelo o meu pai, como expedicionário, e o Amílcar Cabral, como estudante do liceu.
1941/43: uma seca implacável mergulhou o arquipélago numa crise alimentar sem precedentes; a produção agrícola colapsou; as reservas de alimentos esgotaram-se rapidamente; a resposta do governo de Salazar foi notoriamente inadequada, com a ajuda a chegar a conta-gotas e a ser distribuída de forma ineficaz; cerca de 20 mil pessoas morreram de inanição e de doenças associadas à subnutrição.
Foi neste contexto de desespero que ocorreu o "Desastre da Assistência", a 20 de fevereiro de 1949, na cidade da Praia. Centenas de famintos que aguardavam a distribuição de comida junto a um centro de assistência, morreram quando um muro desabou sobre a multidão. Matou oficialmente 232 pessoas (há quem estime em 3 centenas ou mais)
Este evento trágico tornou-se um símbolo da inépcia e da desumanidade da resposta colonial à fome.
(iv) Mortalidade estimada
Estudos demográficos clássicos (António Carreira, compilados e discutidos por trabalhos recentes da Universidade Nova de Lisboa) estimam as seguintes perdas populacionais líquidas em termos de mortes (e alguma emigração de crise), superiores a 100 mil;
- 1902–1903: –21 899 pessoas (≈ 12,5% da população)
- 1920–1921: –22 886 (≈ 10,0%).
- 1941–1943: –18 679 (≈ 6,2%).
- 1947–1948 (“o Flagelo de 47”): –44 600 (≈ 16,3%).
Observação: estes números são estimativas robustas usadas na historiografia cabo-verdiana; variam ligeiramente por fonte, mas dão a ordem de grandeza das perdas humanas.
(v) Consequências e Legado
- Elevada Morbimortalidade por inanição e epidemias associadas (disenterias, etc.): estima-se que as fomes do século XX tenham causado a morte a uma parte significativa da população cabo-verdiana (mais de 100 mil no séc. XX);
- Emigração forçada/contratada como válvula de escape: dezenas de milhares de cabo-verdianos seguiram para as roças de cacau e café de São Tomé e Príncipe ao longo do século (primeiras vagas desde 1903; picos nas décadas de 1930–50); as condições foram duras e marcaram a memória coletiva: muitos cabo-verdianos foram enviados à força, em condições desumanas, para trabalhar nas plantações de cacau e café, numa forma de trabalho forçado que deixou um legado de trauma e exploração;
- Desestruturação Social: a perda de vidas e a emigração massiva desestruturaram a sociedade cabo-verdiana, com um profundo impacto nas estruturas familiares e comunitáriasm
- Reconfiguração social e cultural: reforço da diáspora e das remessas; trauma coletivo refletido em obras como Chiquinho (Baltasar Lopes) e em canções de resistência sobre “Fome 47” ou a "Hora di Bai", de Maniuel Ferreira;
- Consciência Política / Mudança política a longo prazo: a gestão desastrosa das crises de seca e fome por parte do regime colonial português alimentou o contestação ao imobilismo do Estado colonial; refiorçou o sentimento nacionalista e foi um dos catalisadores para a luta pela independência, que seria alcançada em 1975; no pós-independência o país investiu em dessalinização, açudes/valas e redes de abastecimento para reduzir a vulnerabilidade (embora a variabilidade climática permaneça); te,-.se procuradeo também reflorestar as ilhas.
As memórias destas tragédias continuam vivas na cultura cabo-verdiana, presentes na música, na literatura e na tradição oral, servindo como um lembrete constante da resiliência de um povo que, apesar de abandonado à sua sorte, soube sobreviver e reconstruir o seu futuro.
Em resumo choques climáticos recorrentes atingiam uma agricultura de sequeiro muito dependente do milho, sobre solos frágeis e com infraestruturas e políticas coloniais inadequadas. Quando a chuva falhava um ou dois anos seguidos, a produção ruía e o arquipélago, com pouca capacidade de armazenar/redistribuir alimentos, entrava rapidamente em crise de subsistência com mortalidade e êxodos significativos.
Apresenta-ae a seguyir um ronologia das grandes secas e fomes em Cabo Verde no séc. XX, com referência às ilhas mais afetadas e alguns elementos de contexto (chuva, mortalidade, emigração).
1902/03
- Contexto: 2 anos seguidos de “fome de sequeiro” (chuvas quase nulas).
- Ilhas mais afetadas: Santiago, São Nicolau, Santo Antão.
- Consequências: ~22 mil mortos (12,5% da população).
- Início de emigração em massa para roças de São Tomé (contratados).
- Contexto: nova falha de chuvas após ligeira recuperação.
- Ilhas: Santiago e Fogo muito castigadas; escassez generalizada.
- Consequências: ~23 mil mortos (10%).
- Aumenta fluxo emigratório para São Tomé e EUA.
- “Milho do Brasil” (importado) foi crucial, mas tardio.
- Contexto: falhas de safra coincidentes com restrições da Segunda Guerra Mundial (importações limitadasm dificuldades de transprote marítimo).
- Ilhas: quase todo o arquipélago, mas Santo Antão e São Nicolau registam graves perdas.
- Consequências: ~19 mil mortos (6%).
- Epidemias de disenteria e malnutrição.
- Contexto: seca prolongada, colheitas de milho quase nulas.
- Ilhas: todas afetadas, com gravidade em Santiago, Fogo e São Nicolau.
- Consequências: ~44,6 mil mortos (16%). Grande mortandade em povoados do interior.
- 20/02/1949, Praia – “Desastre da Assistência”: colapso de muro numa distribuição de alimentos → 232 mortos oficiais. Aumento dramático da emigração contratada para São Tomé e clandestina para América. Trauma coletivo cristalizado em música, literatura (Chiquinho).
- Distribuição geográfica dos impactos: Santiago: historicamente a mais vulnerável (densidade populacional alta, pouca resiliência) | Santo Antão e São Nicolau: também muito afetadas, devido ao peso da agricultura de sequeiro ! Fogo e Brava: alternância entre boas colheitas e fome, mas sempre fortemente dependentes do milho | al, Boavista e Maio: menos agrícolas, mais dependentes de importação → crises por falta de abastecimento, não tanto por seca direta.
- Perdas humanas totais (1900/50): ~100 mil mortos em crises de fome — cerca de 1/3 da população média do período.
- Emigração de crise: estima-se que dezenas de milhares saíram como contratados para São Tomé (1903–1970), e muitos outros emigraram clandestinamente para EUA, Senegal, Guiné, Portugal.
- Após 1950s: melhores redes de abastecimento, socorros externos (ajuda alimentar), dessalinização e obras hidráulicas reduziram a mortalidade em secas, mas não eliminaram a dependência externa.
Fionte: Pesquisa LG | Assistente de IA (Gemini, ChatGPT)
(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)
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