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quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22919: Historiografia da presença portuguesa em África (299): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Março de 2021:

Queridos amigos,
Senna Barcelos é muito estudado pelos investigadores de Cabo Verde, tem infelizmente uma procura residual por quem estuda a Guiné. O que é injusto, ele procedeu a um levantamento muito sério do estado da Senegâmbia Portuguesa, teve mesmo intentos de procurar fazer um levantamento dos factos históricos a partir do século XV, como é evidente todo este período acabou por ser credor de mais rigorosas investigações, mas mantém a maior pertinência tirar do limbo todo este quadro convulsivo da mais completa derrisão em que se perpetuava a presença portuguesa, impressiona a péssima qualidade de gente que se mandava para a Senegâmbia, desde governadores ladrões a falanges completas de presos do Limoeiro. O que aqui se anota são alguns casos, e se o leitor se der à tarefa de ler estes Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné não tenho dúvidas que sentirá o maior desconforto com tanta sublevação, subornos, compadrios e ganância desmedida.

Um abraço do
Mário


Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (4)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que agora nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense. Tendo em conta os quatro principais depoimentos sobre a presença portuguesa da Guiné ou o estado da Senegâmbia Portuguesa na primeira metade do século XIX (são eles Conrado de Chelmicki, Travassos Valdez, Honório Pereira Barreto e Senna Barcelos) é indubitável que foi este oficial da Armada quem mais investigou nos arquivos, lançando as bases ténues da historiografia guineense. Possui um olhar implacável, não gosta de dourar a pílula, denuncia corrupções e mostra à saciedade a péssima qualidade da maior parte dos governantes, isto para já não esquecer as condições precárias reveladas a todo o momento da presença portuguesa naquele espaço.

Estamos ainda no período correspondente à parte III, estende-se de 1793 a 1816, edição de 1905. Veja-se a vivacidade de certos pormenores:
“Em 5 de Abril de 1795 saiu de Lisboa o novo governador Maldonado de Eça, na galera Leonisa, e como esta levasse rumo errado foi parar a Bissau com 30 dias de viagem! Encontrou a Praça em guerra com os gentios Papéis, vizinhos da mesma, e deu conhecimento deste facto ao ministro em carta de 9 de maio, dizendo-lhe que apenas chegasse ao seu governo, mandaria soldados por não os haver ali senão velhíssimos!”. E, mais adiante: “Para a Praça de Bissau seguiu em 1799 o novo comandante José das Neves Leão, que comunicou a sua chegada ali e não ter encontrado ali quem lhe entregasse o comando, porque o seu antecessor, José António Pinto, já em Lisboa, havia abandonado o lugar, fugindo para o gentio de Fá por os soldados, na Praça, se terem levantado contra ele pelas delapidações e opressões que exercera em todo o tempo do seu comando”. Como o leitor não ignora, Cabo Verde sofreu as consequências do bloqueio continental e a luta assanhada nos mares entre britânicos e franceses. O autor aliás adverte-nos: “A França e a Espanha declararam guerra a Portugal, baseando-se na repugnância com que o príncipe-regente aderia à causa continental e de não ter confiscado as propriedades inglesas no seu reino”.

Senna Barcelos, quando necessário, corrige Chelmicki ou Travassos Valdez. A propósito de direitos de exportação da cera da Guiné e da cultura do algodão, observa: “Diz Chelmicki na sua Corografia que foi por esta época que se introduziu em Cabo Verde a cultura do algodão. Merece-nos muito respeito o ilustre escritor, hoje falecido; a sua afirmação, porém, fora inexata. A cultura do algodão começou a fazer-se na ilha de Santiago logo que a esta chegaram os primeiros colonos italianos com pretos da Guiné. No século XV já se exportava bastante e no XVI os navios iam recebê-lo também à Ilha do Fogo, onde já se tratava da sua cultura em larga escala. Era com algodão cultivado ali durante aqueles séculos e posteriores que se fabricaram milhares de panos, com os quais se adquiriam por compra negros da Guiné”.

Senna Barcelos recorda-nos as tentativas dos comerciantes de Cacheu e Bissau escaparem ao pagamento de direitos alfandegários diretamente a Cabo Verde. Em 1795, os comerciantes de Lisboa que negociavam com Cacheu e Bissau reclamaram contra o capitão-mor de Bissau por este ter elevado os direitos, alegando que não era das suas atribuições. O ministro, o Marquês de Ponte de Lima, dirigiu ao Governador Maldonado de Eça uma carta na qual pedia que lhe suprimissem a jurisdição que tinha sobre os comandantes de Bissau e Cacheu, e mais praças e portos da Guiné, retirando qualquer liberdade para a imposição de taxas alfandegárias por iniciativas do capitão-mor de Bissau.

Há um relato bastante impressivo sobre a natureza de estado de sublevação permanente em que se vivia em Bissau e outras praças e presídios. Tome-se em atenção este esclarecedor relato:
“Em Bissau instigava uma revolta nos soldados o capitão-mor de Farim e comissário volante da Praça de Bissau, Tomás da Costa Ribeiro, aconselhando-os a que principiassem por negar o pagamento, com a promessa de lhes oferecer muita aguardente, e que matassem o governador capitão-mor da Praça, o tesoureiro José Valério e as demais autoridades. Mas como os soldados não anuíssem, foi então tratar com os gentios, fazendo-lhes ver que o governador da Praça tinha ido para ali a fim de os agarrar e mandá-los para o Maranhão, e também queria tirar a desforra de um seu irmão que tinha sido vítima do gentio.
Os moradores da Praça, que conheciam o caráter de Costa Ribeiro, que na Guiné cometera muitos vexames e roubos, dirigiram ao Ministro Visconde de Anadia uma queixa, expondo-lhe que logo à chegada à Praça do Governador Pinto de Gouveia quisera Costa Ribeiro corrompê-lo, oferecendo-lhe uma porção de escravos, como praticara com os outros havia mais de 10 anos, e como ele não quisesse aceitar e não consentisse que Costa Ribeiro cometesse mais abusos, começou este a presentear os gentios e reunindo-os em sua casa a altas horas da noite aconselhou-os a matar o governador, negociantes e autoridades. Os gentios revelaram estes factos aos negociantes, dizendo-lhes que o rei de Bissau viria à Praça na noite de 21 de setembro contar o caso, como efetivamente veio às duas horas, aparecendo com a sua corte, pedindo para avisarem o inocente governador que Costa Ribeiro tinha com ele tratado para na manhã de 22 darem o assalto à Praça, para tomarem os quartéis, assassina-lo e o mesmo fazerem à família e aos que resistissem.
Pediu o rei que assassinassem Costa Ribeiro ou que o pusessem fora da Praça porque era um traidor. Costa Ribeiro, vendo-se descoberto, dirigiu-se aos ídolos (Irã), com grandes somas, e falando ao demónio ofereceu-lhe a sua alma contando que o ajudasse a matar o governador. O Irã não lhe fez a vontade. O ministro ordenou que ele saísse de Bissau para Farim; não quis obedecer com o pretexto de que tinha licença para regressar a Lisboa. Como hóspede de Costa Ribeiro havia certo bacharel chamado José Tomás de Sá, que armou toda a chicana, aconselhando o seu amigo a não aceitar a intimação, ameaçando ao mesmo tempo Pinto Gouveia de recorrer aos bons ofícios do seu primo, o governador de Cabo Verde, que também recebera favores de Costa Ribeiro e que o havia de livrar nesta ocasião”
.

Lendo Senna Barcelos não há dificuldade alguma em perceber o estado da mais completa derrisão em que se encontrava a Senegâmbia Portuguesa neste turbulento período em que a família real se encontrava no Rio de Janeiro, em que os navios franceses pilhavam Cabo Verde e a pirataria assolava toda a região. O pessoal recrutado para as praças e presídios era da pior qualidade, vivia-se entre crimes, roubos, intentonas, pilhagens. Nada como continuar com os exemplos:
“O Governador D. António nomeou João Cabral da Cunha Goodolphim, capitão de infantaria, para governador-interino de Cacheu e sindicar de factos acontecidos ali contra o governador daquela Praça, Joaquim José Rebelo de Figueiredo e Góis, que havia sido deposto, formando-se um triunvirato para a governar, composto do Vigário Manuel Gomes de Oliveira, preto, natural da Ilha de São Nicolau; do Sargento-Mor João Pereira Barreto, natural de Santiago, filho de um padre e de uma escrava, e do Tenente de Ordenanças e Tesoureiro António de Miranda de Carvalho, natural de Cacheu, filho de um preto de Santiago e de uma preta gentia, vizinha da Praça. Este governo provisório havia participado ao de Cabo Verde e que o referido governador de Cacheu estava doido e que o mandasse substituir. O Governador D. António limitou-se apenas a mandá-lo substituir, e comunicou este facto para o Rio de Janeiro. O ministro mandou que seguisse para Cacheu a corveta Aurora a buscar Figueiredo e Góis, o que não foi preciso por já estar na Praia. Seguiu no brigue Triunfo para o Rio de Janeiro, e ali foi promovido a sargento-mor em atenção aos seus bons serviços. O novo governador Cunha Goodolphim não sindicou, embora o ministro tivesse dado ordem para isso e para prender os autores e remetê-los para a Corte”.

É uma repetição permanente de despautérios, faltas de autoridade, que não se extinguem mesmo quando D. João VI regressa à Europa. Pois veja-se mais um episódio passado já na monarquia constitucional:
“Em 1 de Maio de 1825 houve uma sublevação militar na Praça de Bissau, promovida por alguns oficiais e pelo capelão da tropa, recusando-se os soldados a receber o rancho; a causa dessa sublevação fora o mau rancho e a falta de dinheiro para pagamento. Governava a Praça o Capitão Domingos Alves de Abreu Picaluga, que não empregou meios enérgicos para conter os soldados. No dia seguinte aumentou esse motim, e entre os revoltosos foram eleitos os seus generais de guerra, deram assalto aos depósitos, exigiram do governador a chave da Praça, que foi entregue; deitaram a mão a uma embarcação ancorada no porto, guarnecendo-a com soldados; na bateria carregaram as peças e fizeram fogo contra algumas casas. O capitão-mor de Geba vem em socorro do governador, fugiram os cabeças do motim e efetuou-se a prisão de 38 soldados, de 5 oficiais e do capelão que foram remetidos para a Praia. O governador foi suspenso”.

Era este o estado deplorável da Senegâmbia Portuguesa. E, entretanto, vem a guerra civil, que não trouxe melhoras à Guiné.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22899: Historiografia da presença portuguesa em África (298): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21786: Historiografia da presença portuguesa em África (248): "Senegâmbia Portuguesa ou Notas Descritivas das Diferentes Tribos que Habitam a Senegâmbia Meridional", por Luís Frederico de Barros; Tipografia Editora de Matos Moreira & C.ª, 1878 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2020:

Queridos amigos, 

Na esteira dos principais documentos lavrados sobre a Guiné depois de Lopes de Lima, Travassos Valdez, Honório Pereira Barreto, José Conrado Carlos de Chelmich, Luís Frederico de Barros, também cabo-verdiano, viaja pela Guiné e procede a um inventário. Começa por confirmar que a dita Senegâmbia Meridional é onde chega a presença portuguesa, praticamente circunscrita à faixa litoral; é muito cuidadoso a estudar as etnias e dá-nos um relato meticuloso da história de Bissau, torna compreensível aquilo que nós estudamos entre a permanente hostilidade e a praça, ao longo de todo o século XIX, a pacificação veio com a campanha de Teixeira Pinto em 1915, seguiu-se a acalmia. 

Continua a ser incompreensível como é que estes relatos de viagem, de importância capital para o entendimento da presença portuguesa, não mereceram ao menos uma investigação universitária que dê aso a poder-se equacionar o que era essa presença portuguesa antes da primitiva configuração do território graças às compras de Honório Pereira Barreto até à I República. 

É um período histórico de incontestável importância tanto para o estudo do Império Português como para o bilhete de identidade da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário



Viagem até à Senegâmbia Meridional, livro de 1878

Mário Beja Santos

Senegâmbia Portuguesa ou Notas Descritivas das Diferentes Tribos que Habitam a Senegâmbia Meridional, tem por autor Luís Frederico de Barros, natural de Santiago de Cabo Verde, a edição é de Lisboa, Tipografia Editora de Matos Moreira & C.ª, 1878. Já aqui se tem falado de relatos singularíssimos, este é mais um, com a particularidade de nos trazer alguns elementos que se podem reputar por novos ou terem o poder de confirmar outros relatos. Em dado passo, o autor revela o que era na época a Guiné:

“Dá-se geralmente o novo de Guiné Portuguesa ou Senegâmbia Meridional à extensão de terreno compreendido desde o Cabo de Santa Maria até ao Cabo Verga; mas limitando-se à extensão do território que ocupamos atualmente naquela parte ocidental da costa de África com os nossos estabelecimentos agrícolas e comerciais, não passa de Casamansa, ao Norte, e do rio Geba, ao Sul”.

Confirma-se que a nossa presença do Corubal até ao Cacine era mais do que modestíssima.

A sua descrição de Bissau e das suas gentes ajuda-nos a compreender a multiplicidade de problemas havidos entre os autóctones, as autoridades portuguesas e os mercadores posicionados dentro dos muros de Bissau. Ele escreve sobre a natureza do poder dos nativos em Bissau:

“O governo é absoluto. O símbolo da realeza é um barrete encarnado e uma vassoura. A religião dos gentios Papéis é o feiticismo. O seu Deus é o Irã, e acreditam na imortalidade da alma, se bem que alguns crêem na metempsicose ou transmigração da alma para outro corpo”

E fala assim da fortaleza de S. José de Bissau:
 
“Compõem-se de um reduto quadrado, feito de cantaria e flanqueado por quatro baluartes, tendo cada um um poilão, árvore gigantesca. É em partes rodeado por uma pequena cava, a que se dá o nome de fosso, onde as ervas crescem com louçania. Os indígenas fazem ali o despejo de matérias fecais e um número infinito de répteis venenosos neles vive beatificamente. Represam neste lugar as águas pluviais e ao tempo da dessecação destes pântanos morrem alguns destes répteis; isto junto à maceração dos vegetais contribui poderosamente para a insalubridade do clima. A alvenaria do forte está totalmente desprezada e invadida por altas ervas que ali crescem. 

Era antigamente Bissau governada por um só rei, que exercia também uma espécie de sumo sacerdócio, com a denominação de Balobeiro Grande. Com este rei e seus descendentes, praticaram muito os portugueses e com o engodo do negócio alcançaram dele que levantasse uma feitoria defendida em que se acolhessem e guardassem suas mercancias; a esta feitoria foram alguns missionários capuchos da província da Soledade, que catequizaram e converteram à nossa Santa Fé muitos pretos, que vieram reunir-se aos portugueses mercadores e religiosos, e em breve se tornou povoação o que apenas tinha sido, em seu começo, feitoria; esta povoação já existia no ano de 1604”.

Mais adiante, dá-nos conta do clima e o quadro das doenças que ele pôde observar: 

“Raros são os europeus que resistem à influência deste clima deletério. Recebem frequentes visitas de febres biliosas, hematúricas, paludosas e outras de carácter pernicioso, de sorte que se vê ali chegar um homem dotado de robustez e de porte garboso, e dias depois estar macilento e cadavérico. Caso diverso sucede com os que estão no Rio Grande de S. Domingos (Cacheu), Bolama e ilhas do arquipélago de Bijagós porque gozam das imunidades de um clima salubre. As doenças predominantes são: alcoolismo crónico, amolecimento cerebral, febres intermitentes quotidianas, terçãs, biliosas, hematúrias, paludosos, elefantíase, hepatite, hemorragias, apoplexias, sonolência ou doença do sono, úlceras, etc., etc.”

Passa em revista alguns dados históricos e mesmo tece largas referências ao esforço da missionação. Segundo ele, a povoação de Bissau muito cedo passou a ser cobiçada por nações estrangeiras, principalmente holandeses e ingleses, vexando tanto os naturais como os portugueses. Foi vexando tanto que o rei de Bissau se dirigiu ao rei de Portugal para que construísse uma fortaleza, a que o rei D. Pedro II anuiu em 1692. Nada ou muito pouco correu bem no relacionamento entre autoridades, missionários e povoações autóctones, houve imensas desavenças, concluir a fortaleza foi o cabo dos trabalhos. Luís Frederico de Barros fala-nos também da iniciativa do bispo D. Frei Vitorino Portuense que quis reedificar um hospício em Bissau, mas também foi sol de pouca dura.

Como é próprio de todas estas memórias, o autor assinala a geografia, fala das etnias, apresenta os edifícios públicos e os dados económicos. Vê-se que estudou, leu alguns dos principais documentos que antecederam a sua visita como as obras de Travassos Valdez, Chelmich e Lopes de Lima. 

O que apetece enfatizar é o escrúpulo que usou na sua preparação, confessando a torto e a direito que não é um homem letrado, esperando que estas notas descritivas alentem as autoridades para um aproveitamento das potencialidades agrícolas da região, tão estranhamente ignoradas, isto numa época em que os estrangeiros tudo fazem para arredar a presença portuguesa da Guiné.


Estas quatro imagens foram retiradas do livro La Guinée Portugaise, o seu autor é Carlos Pereira, antigo governador da Guiné, o documento foi apresentado no III Congresso Internacional da Agricultura Tropical, em Londres, 1914, o livro saiu da tipografia “A Editora Limitada”, também nesse ano. 

Considero imagens muito impressivas e úteis, aliás o livro está profusamente ilustrado, tanto o antigo governador revela que tinha uma boa máquina como mostra que viajou até pelo Interior. Na primeira imagem ficamos com uma elucidativa atmosfera do que era o porto do Pidjiquiti, embora seja difícil de conjeturar a dimensão do dito tornado; a segunda imagem é para mim uma verdadeira novidade, há muitos relatos sobre a possibilidade de haver plantações de café na Guiné, pois aqui temos um exemplar de café Arábica; também nunca tinha visto a feitoria de Bambaiã, na região de Buba; finalmente, fico a saber que o Xitole tinha um pequeno porto, viajei de Bambadinca para lá várias vezes, sempre por estrada, mais uma surpresa, esta infraestrutura portuária.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21765: Historiografia da presença portuguesa em África (247): Guiné, o seu primeiro grande relato no século XIX: O Capitão-de-Fragata da Real Armada, José Joaquim Lopes de Lima (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21489: Historiografia da presença portuguesa em África (236): “África Ocidental, notícias e considerações”, - O Senegal - por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Julho de 2017:

Queridos amigos, 

Já se falou desse excelente observador que andou por terras da Guiné, no início da segunda metade do século XIX. Antes de chegar à Senegâmbia ou Guiné Portuguesa percorreu o Senegal, onde escreveu parágrafos deliciosos em que falando das gentes diz que por lá os homens são muito feios enquanto as signardes, "pelo contrário, são de ordinário formosas, mais inteligentes, mais ativas e mais espertas que os homens. Estas lindas e meigas signardes comprazem-se em ornar profusamente de ricas joias os seus escravos sendo muito trivial vê-los com os braços e pernas carregados de manilas, os dedos cheios de anéis, etc". Ora o importante é que Francisco Travassos Valdez finaliza a sua viagem ao Senegal desmontando a impostura francesa de que chegara primeiro ali. Vale a pena ver o vigor e o arrebatamento com que Francisco Travassos Valdez repõe a verdade. Infelizmente, cerca de 20 anos mais tarde, os franceses levaram a melhor.

Um abraço do
Mário



Francisco Travassos Valdez e o Senegal

Beja Santos

Aqui se fizeram recensões ao livro intitulado “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez, impressas por ordem do ministério da Marinha e Ultramar, 1864. Primeiramente, a publicação surgiu em Londres com o título Six years of a traveller’s in western Africa, 1861. Francisco Travassos Valdez tem um curioso currículo: ex-árbitro das comissões mistas luso-britânicas e do Cabo da Boa Esperança; ex-secretário da comissão especial de colonização e trabalho indígena das províncias ultramarinas; secretário do governo da província de Timor.

O volume é apresentado como 1.º, abarca as seguintes descrições: Porto Santo e Madeira; Canárias; Cabo Verde (ilhas de Barlavento), Cabo Verde (ilhas de Sotavento); Senegal e Senegâmbia (Guiné Portuguesa). Nesta recensão trata-se exclusivamente o que o viajante viu e sentiu na Senegâmbia.

As recensões centraram-se nas diferentes apreciações do autor sobre a Senegâmbia mas reconheça-se a importância, pelo menos documental e de uma certa mentalidade da época, do que ele escreve no final da sua viagem pelo Senegal:

“Ocupando-nos agora da data em que os europeus se estabeleceram no Senegal, diremos ainda, quanto às pretensões dos franceses, de que foram eles os primeiros que dobraram o Cabo Bojador e descobriram vários países ao Sul, que está provado por autoridades insuspeitas, mapas e documentos irrecusáveis, que foram os portugueses que em 1446 descobriram a foz do Senegal.
Isto mesmo se depreende de documentos e manuscritos inéditos descobertos em Paris, graças à patriótica solicitude do nobre Visconde da Carreira e assim como se depreende também de uma carta geográfica veneziana no século XVI, que descobriu o nosso ilustre escritor o Visconde de Santarém, lendo-se junto do nome Senegal as palavras: ‘Scop. da Denis Fernando 1446’; e junto do nome de Cabo Verde: ‘Scop. l’ano 1446 de Portug.’. São pois ridículas até as fábulas propaladas pelo padre Labat e pelo navegante Willaut-belle-fond, sustentando que uns piratas normandos do século XIV haviam tido aquela glória, e acrescentando que isto se provava pela etimologia de certas palavras da língua dos indígenas, e até se encontrara uma inscrição aberta em pedra com a data MCCC.
Até hoje ainda não vimos trabalhos que demonstrassem a existência de tal inscrição, nem tão pouco apareceu algum filólogo que achasse nas línguas dos Mandingas, dos Jalofos, dos Fulas, dos Cassangas ou dos Felupes, sequer um remoto vestígio do idioma normando!

É que aquelas estultas fábulas foram inventadas 270 anos depois do português Gomes Eanes de Azurara, escritor coevo, e que mereceu a confiança do imortal Infante D. Henrique, ter narrado o descobrimento do Çanaga ou Senegal. O modo por que a foz do Senegal foi descoberta pelos portugueses em 1446, como dito fica, teve lugar, saindo de Lagos, no Algarve, uma frota de 14 caravelas bem fornecidas de armas e provisões, sob o comando do Almoxarife Lançarote, acompanhado de Soeiro da Costa, seu sogro, de Álvaro de Freitas, Gomes Pires, Rodrigo Eanes de Travassos e o famoso Gil Eanes, que já havia quebrado o encanto do célebre Cabo Bojador. Por ordem do grande Infante D. Henrique deu à vela esta frota a 10 de Agosto para uma viagem de descobrimento à costa da Guiné, enquanto que ao mesmo tempo e com o mesmo fim saíram também de Lisboa e da Madeira mais 12 naus ou caravelas.

Entre os chefes destas ia Dinis Fernandes, que já anos antes avistara Cabo Verde, Nuno da Cunha, celebrado pelos seus feitos na ilha de Arguim, e Álvaro Fernandes, que subsequentemente descobriu Serra Leoa em 1447.

Notaremos aqui que nas crónicas desta expedição também nenhuma menção se faz de Cadamosto nem de António de Nola. A razão é bem clara: estes famosos navegadores ainda àquele tempo não haviam chegado a Portugal, embora alguns escritores erradamente asseverem o contrário.

Seis das mencionadas caravelas ficaram sob o comando de Lançarote, Álvaro de Freitas, Rodrigo Eanes de Travassos, escudeiro do Regente, Lourenço Dias, escudeiro do Infante D. Henrique, Vicente Dias, mercador de Lagos, e Gomes Pires, Cavaleiro da Casa D’el-Rei, o qual, segundo parece, tinha o comando superior da esquadrilha, e foi de opinião que deveriam segui-lo de conserva até chegarem à costa de África ou até descobrirem a entrada do Çanagá, que naquele tempo era por eles considerada, assim como pelo citado cronista Azurara, como sendo uma das obras do Nilo, tão erróneos eram então os conhecimentos cosmográficos!

Pouco depois a cor e o gosto da água mostrou que se achavam justamente no sítio onde o Senegal desemboca no mar.

Ancoraram, e Vicente Dias acompanhado de Estevão Afonso, fidalgo de Lagos, desembarcou com seis homens na praia. Dirigiram-se a uma cubata onde cativaram rapaz e uma rapariga, que trouxeram a Portugal, como prova autêntica daquele feliz descobrimento, que custou a Vicente Dias uma ferida de azagaia, durante o conflito da captura dos dois negros, querendo-lhes acudir seu pai, que apareceram naquela ocasião e que conseguiu evadir-se, deixando um escudo feito de orelha de elefante, primeiro despojo destes animais que apareceu em Lisboa.

Separadas as caravelas, Álvaro Fernandes, tendo passado Cabo Verde, desembarcou em uma ilha, que todas as razões levam a querer que fosse a de Gorée, onde insculpiu em uma árvore as armas do Infante D. Henrique”
.
Mapa do Senegal

Importa recordar ao leitor que nesta época a França assumira uma posição declaradamente agressiva para reivindicar uma presença soberana na região do Casamansa, onde Portugal mantinha uma posição em Ziguinchor, tratando de muito comércio em todo o rio, comércio esse que começou a ser dificultado pelos franceses. 

Tudo irá desembocar na Convenção Luso-Francesa de 1886, os decisores políticos, ao arrepio da vontade que grassava em Ziguinchor, cedeu o Casamansa em troca de uma posição na península de Cacine. É um período de imensa fragilidade, vive-se já a pressão da ocupação das grandes colónias, há poucos recursos humanos e a costumada insuficiência em dinheiro.

Percebe-se a forma acalorada como Travassos Valdez procura em 1861 sensibilizar os políticos de Lisboa.  Não teve sorte. 

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21471: Historiografia da presença portuguesa em África (236): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Faço apelo a que leiam atentamente estas três recensões à volta da memória descritiva de Travassos Valdez da Senegâmbia ou Guiné Portuguesa. É alguém que vem bem habilitado, tem importante currículo colonial, é culto e bom observador. E escreve com facilidade, cede aos sentimentos mas não transige na importância do relato: a importância do Ilhéu do Rei, a situação na Fortaleza de S. José de Bissau e o estado deplorável em que se vive dentro da cidade, deplorável e de incompleta instabilidade, a quase total ausência de missionários, a natureza dos negócios, como se processa o comércio, quem são e como atuam os negociantes de Bissau e Cacheu, quais os pontos significativos da presença portuguesa que segundo o seu relato não passa de Geba na região Leste, fala dos Felupes, do Cacheu, dos Bijagós e do rio Grande.
É pois um relato deliberadamente preparado para se saber o que existe naquela parte do mundo, lembre-se que o autor dedica a edição portuguesa ao rei D. Luís I.
Era esta a Guiné em 1861, para que conste.

Um abraço do
Mário


Francisco Travassos Valdez e a Senegâmbia (3)

Beja Santos

O livro intitula-se “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez, impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864. Primeiramente, a publicação surgiu em Londres com o título Six years of a traveller’s in western Africa, 1861. Francisco Travassos Valdez tem um curioso currículo: ex-árbitro das Comissões Mistas Luso-Britânicas e do Cabo da Boa Esperança; ex-Secretário da Comissão Especial de Colonização e Trabalho Indígena das Províncias Ultramarinas; Secretário do Governo da Província de Timor.

O volume é apresentado como 1.º, abarca as seguintes descrições: Porto Santo e Madeira; Canárias; Cabo Verde (ilhas de Barlavento), Cabo Verde (ilhas de Sotavento); Senegal e Senegâmbia (Guiné Portuguesa). Nesta recensão trata-se exclusivamente o que o viajante viu e sentiu na Senegâmbia, mais tarde reportaremos o que do Senegal tem interesse relevante para a Guiné do século XIX. Sente-se que está bem informado e viaja cheio de curiosidade pelas porções de território onde há presença portuguesa. Não abordará o vasto território do Gabu nem a península de Cacine, é tudo ainda região ignota, só ficará legalmente confirmado como território português depois da Convenção Luso-Francesa, que ainda vem longe.

Está a subir o rio Geba, dá-nos um quadro pitoresco de Fá, no Geba estreito, o presídio de Fá defronte do Porto das Almadias: “O território onde está situado este pequeno estabelecimento pertencia a uma preta denominada a Fidalga de Fá, Beafada, que patrocinava muito os brancos desde que tomara amores com um morgado do engenho de S. Tiago de Cabo Verde, que passara a Bissau e dali a Geba, chamado José Valério de Santa Maria, e que deu causa a que se estabelecesse ali povoação portuguesa de Europa e de Cabo Verde, pelo ano de 1820, chamando a dita fidalga cristãos de Bissau, para sossegar o seu amante que se queria retirar com o receio de que pela sua morte não houvesse quem lhe rezasse por alma. Por morte dele, a fidalga querendo que não se realizasse o que o seu amante tanto receara, e vendo que os cristãos se queriam retirar, cedeu o território então a Portugal, tendo nós hoje ali um sargento com meia dúzia de soldados e sem haver forte algum!”. Nesta linha de pensamento o autor tira uma ilação da falta de ocupação do território: “E há quem se admire de que os estrangeiros nos vão usurpando os nossos territórios na Senegâmbia ou Guiné Portuguesa, como a ilha de Bissau, Sello ou Casamansa e no rio Grande, etc, quando não temos ou não tínhamos na maior parte nem ao menos quem içasse a bandeira de Portugal”. Fá maravilha-o e não o esconde: “Chega até ao estabelecimento de Fá a maré com água salgada, continuando ainda muito acima, mas já com água doce. O solo é fértil, tendo o sítio muitas laranjeiras, limoeiros, coqueiros, cana-de-açúcar, mandioca, bananas, palmares, muitos ananases e até cerejeiras e macieiras importadas de Portugal”.

Depois de lamentar a decadência de Geba, tece considerações sobre a falta de missionários: “Por mais de uma vez nesta obra temos chamado à atenção sobre a extraordinária e lamentável falta de sacerdotes instruídos e morigerados nas possessões africanas. Mas ainda mais sensível, por assim dizer, se torna esta falta em Geba, até sob o ponto de vista político; porque atenta a influência que naqueles povos exercem as pompas do culto católico, e a inclinação decidida que têm para assistir às festividades nos tempos, se se tivesse cuidado seriamente em ter ali a igreja por vida de sacerdote, e se este fosse de um procedimento regular, cresceria muito o nosso poderio na mesma proporção que se aumentasse ou estendesse o número de convertidos”.

Antes de se voltar para o Sul da colónia ainda deixa uma descrição de Geba: “Geba não tem fortificação alguma ou paliçada nem maior guarnição de que um dez soldados com um comandante militar; mas é um mercado sofrível onde se vende algum ouro, marfim, couros e outros produtos do país, que todos são permutados por sal, cola e mercadorias europeias”.

Agora o Sul, aquele em que os portugueses tinham tido ou mantinham presença: “Passando agora a falar das dependências de Bissau no rio Grande, sentimos dever ter de dizer que o grande comércio que tinham no meado do século XVI os habitantes de S. Tiago de Cabo Verde com o Porto da Cruz na foz do rio, na ponta do Norte, em Biguba, 18 milhas mais acima, na margem direita, e em Guinala, quase que chegou a paralisar-se de todo, indo lá nos modernos tempos raras vezes os nossos navios comerciar com os Beafadas e Mandingas ao Norte, com os Nalus ao Sul, e com os Bijagós nas suas ilhas, à entrada do rio”.
Procede a descrições primorosas das diferentes etnias, começando pelos Beafadas, Nalus e Bijagós, aborda a questão de Bolama (não esquecer que ainda não tinha sido proferida a sentença do presidente Ulysses Grant). A incursão muda de rumo, vai-se para Cacheu, sua praça e dependências. Eis o que ele viu ou sentiu: “Gozemos a pitoresca vista de arvoredos frondosos que cobrem as margens, onde, como alinhamentos de marcas de pedras, se descobrem de espaço a espaço, enfileiradas com a maior singularidade, cardumes de pelicanos brancos, bem como grandes graças. Fundeemos finalmente em frente da praça, cuja perspectiva é realmente pitoresca e agradável, vendo-se bons edifícios, entre os quais sobressai o magnífico palacete que o falecido Comendador Honório Pereira Barreto fazia para a sua residência”. E viaja-se até Casamansa, o rumo é Ziguinchor: “Este presídio de Ziguinchor é importante porque comunica pelo interior com o rio da Gâmbia, e porque nas terras sitas no Norte de Casamansa abundam as gomas e uma espécie de cocos muito oleaginosos, mas de que nunca tirámos partido por desleixo, e de que já não podemos tirá-lo desde que os franceses se instalaram no Sello (bem como os ingleses). A defesa deste presídio consta de uma estacada ou tabanca e três fortins de pedra e barro, com oito más peças de artilharia e de apenas oito soldados de guarnição; mas apesar disso, Ziguinchor é talvez a única excepção honrosa da maneira por que geralmente se portam os seus moradores em relação ao gentio. Com efeito, os gentios respeitam muito o presídio, porque os notáveis e o povo se armam, e vão denodadamente bater, mesmo sem socorro algum do governo, o gentio que se atreva a fazer-lhes o mais pequeno insulto”. Prossegue as suas descrições étnicas, é muito minucioso com as cerimónias religiosas dos Felupes.

E muito curioso é o termo da sua viagem à Senegâmbia, como se pode ler: “Terminaremos a descrição da Guiné Portuguesa dizendo que uma das insígnias do Mordomo-Mor em Portugal (o bastão, a que chamamos negrinha) teve origem em comemoração da descoberta e conquista daquela região.
Com efeito, no reinado de El Rei D. Afonso V, O Africano, pelos anos de 1442, vindos os primeiros negros trazidos da Guiné a Portugal, por António Gonçalves, criado do Senhor Infante D. Henrique, e pelos anos de 1448 os primeiros dentes de elefante da costa do sul de Cabo Verde, ordenou aquele monarca a Álvaro de Souza, Senhor de Miranda, seu Mordomo-Mor, que a todos os actos públicos da corte assistisse à direita do soberano com um bastão ou bengala de marfim, tendo por castão uma cabeça de negro como para indicar o novo domínio da Coroa Portuguesa naquela parte do mundo”
.

Aqui finda a narrativa, mas voltaremos a Travasses Valdez para escutar o que ele diz da presença portuguesa no Senegal.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21449: Historiografia da presença portuguesa em África (235): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21449: Historiografia da presença portuguesa em África (235): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Francisco Travassos Valdez é um viajante bem equipado, tem estrutura cultural, sabe observar, seguramente que procurou os dados mais fiáveis e usa-os de forma comedida, ajustando-os aos seus comentário. É viajante cedendo ao deslumbramento, parece ter a técnica de um repórter, disseca o comércio, a composição social da entidade colonizadora, manda recados sobre o grande abandono a que a colónia tem sido devotada, e quanto à ação missionária é minucioso na descrição do seu desastre, mostra as igrejas arruinadas e as comunidades de fiéis entregues a si próprias. É um documento imprescindível para conhecer a Senegâmbia Portuguesa em 1860, é uma narrativa lúcida com variados alertas para a classe política em Lisboa.

Um abraço do
Mário


Francisco Travassos Valdez e a Senegâmbia (2)

Beja Santos

O livro intitula-se “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez, impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864. Primeiramente, a publicação surgiu em Londres com o título "Six years of a traveller’s in western Africa, 1861". Francisco Travassos Valdez tem um curioso currículo: ex-Árbitro das Comissões Mistas Luso-Britânicas e do Cabo da Boa Esperança; ex-Secretário da Comissão Especial de Colonização e Trabalho Indígena das Províncias Ultramarinas; Secretário do Governo da Província de Timor.

O volume é apresentado como 1º, abarca as seguintes descrições: Porto Santo e Madeira; Canárias; Cabo Verde (ilhas de Barlavento), Cabo Verde (ilhas de Sotavento); Senegal e Senegâmbia (Guiné Portuguesa). Nesta recensão trata-se exclusivamente o que o viajante viu e sentiu na Senegâmbia, mais tarde reportaremos o que do Senegal tem interesse relevante para a Guiné do século XIX. A importância que confiro a este relato pessoalíssimo, passa pela capacidade de observar: a aproximação do território e o desfrute que lhe dá; os contactos no Ilhéu do Rei e a chegada a Bissau; o quadro socioeconómico da colónia e as suas potencialidades; e fica-se com uma estampa do que era o conhecimento da Senegâmbia, aproximadamente 20 anos antes da criação da Guiné Portuguesa. É severo com o estado da Fortaleza de S. José, as deploráveis condições higio-sanitárias do hospital; adianta alguns elementos sobre o estado da Igreja em Bissau, não se repete aqui o que ele aduz na medida em que já se fez uma extensa recensão da obra mais importante sobre a história das Missões Católicas na Guiné, de um competentíssimo autor, Padre Henrique Pinto Rema.

Travassos Valdez enuncia as freguesias existentes na colónia: Nossa Senhora da Candelária (Bissau), Nossa Senhora da Natividade (Cacheu), Nossa Senhora da Luz (Ziguinchor), Nossa Senhora da Graça (Farim) e Nossa Senhora da Garça (Geba). Fala a seguir dos aspetos judiciais, dá-nos informações curiosas: “No estabelecimento de Bissau, ainda que importantíssimo ao comércio, são raros os pleitos comerciais, pois que poucos são os moradores portugueses e com os gentios tornam-se quase impossíveis as demandas”. Faz um resumo da organização administrativa, militar e da Fazenda da Guiné. Espraia-se sobre importações e exportações e receitas fiscais, nas vantagens em alterar as pautas, que são muito elevadas e que levam a que os habitantes da colónia procurem abastecer-se fora do país.
E aduz um comentário muito curioso:
“Na Praça de Bissau não há comércio propriamente português. Os negociantes portugueses que existem nas Praças de Bissau e Cacheu não são mais do que comissários dos estrangeiros. São quase todos indivíduos naturais do arquipélago de Cabo Verde que se estabelecem na Guiné, e a quem os negociantes da Gâmbia fiam fazendas por um ano, para serem pagas por géneros de produção em África. Os negociantes estrangeiros na Gâmbia e Gorée também não são outra coisa mais do que as gentes das poucas e grandes casas comerciais francesas, inglesas, americanas e algumas belgas, que monopolizam todo o comércio da costa, desde o Senegal até à Serra Leoa. A importância de produtos de Portugal, quer seja da nossa indústria, ou de reexportação das nossas alfândegas, é coisa que ali não há, e mesmo a única casa comercial estabelecida em Portugal que algumas especulações tem começado a fazer em Bissau (a casa Burnay) é belga, e posto que importa os objectos em navios portugueses falo directamente da América, motivo porque dizemos que o comércio português é coisa que lá não há”.

E não é menos importante o que vai comentar a propósito dos negociantes de Bissau e Cacheu:
“Qualquer daqueles negociantes, saindo do arquipélago de Cabo Verde, sem possuir nem um real seu, dirigindo-se para a Guiné, começa por se hospedar em casa dos seus parentes já estabelecidos; depois, se quer tornar-se negociante recebe dos estrangeiros que comerceiam com os seus parentes os géneros que pretende para no ano seguinte pagar em produções do país. Embarca depois para o rio Geba ou para o rio Grande, onde em uma feitoria que estabelece trata de permutar o que pode e fia o resto ao gentio, para no ano seguinte lhe pagarem em produções.
No ano seguinte, não tendo recebido tudo o que lhe devem os gentios, havendo despendido consigo alguns valores, tendo-se-lhe avariado alguns géneros, ou havendo deixado de os vender, e portanto não tendo com que pagar os seus débitos, fica alcançado o chamado negociante.
Nestes termos, para cobrar suas dívidas vê-se obrigado a continuar as suas transacções, mas para se poderem fazer é necessário um sortimento mais amplo e variado de modo que o agente de Gorée ou Gâmbia, que todos os anos vai a Bissau, no tempo próprio, lhe fia maior porção de fazenda, com obrigação de ser embolsado nos seguintes anos. Tem então aquele novo e pretendido negociante português de comprar escravos, fazer uma casa em Bissau ou Cacheu, estabelecer uma ou mais feitorias com as competentes moradas, fazer presentes aos régulos do chão em que negoceia, mandar construir ou comprar lanchões para transporte de géneros pelos rios, sustentar o luxo de mesa dos negociantes de África, pagar pesados direitos e finalmente ter de confiar as fazendas a caixeiros de má nota. Todas estas abundantes considerações vão culminar numa espiral infernal de endividamentos”
.

Travassos Valdez descreve com clareza o conjunto de circunstâncias que concorrem para que os compradores prefiram as feitorias estrangeiras às nossas, e tece considerações detalhadas do que deveriam ser as pautas comerciais, vê-se que está bem informado e tem ideias próprias.

Importante é também o que nos diz sobre a composição social, antes de passar para as descrições de usos e costumes e das povoações do território. Diz ele: “Os habitantes da Guiné Portuguesa, sujeitos ao nosso domínio, andarão por 4 mil almas (sem falar nos Grumetes de Bissau estabelecidos no chão de Bandim), divididos em três classes distintas: a comercial, composta de brancos, mulatos e pretos, que trajam à europeia, muitos dos seus negócios são dirigidos por intervenção de agentes do sexo feminino; soldados e degradados, mandados de ordinário estes de Portugal e aqueles de Cabo Verde; Grumetes ou cristãos do país”.

E lança seguidamente numa ampla descrição sobre o que se sabe do território e da presença portuguesa, começa por descrever as povoações à volta de Bissau e a sua organização socioeconómica e depois os locais de Geba preponderantes: logo S. Belchior (perto de Enxalé, continuando hoje a existir), Xime e margens do Corubal (espraia-se sobre o fenómeno do macaréu, e a seguir entramos no Geba estreito).

(Continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21427: Historiografia da presença portuguesa em África (234): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21427: Historiografia da presença portuguesa em África (234): “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez; impressas por ordem do Ministério da Marinha e Ultramar, 1864 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Julho de 2017:

Queridos amigos,
Dentre os relatos de viagem mais impressivos, ao longo do século XIX, avulta, pela qualidade de observação e o rigor de análise a narrativa deste viajante qualificado que conhecia algumas parcelas o império. Vem confirmar os preciosos documentos de Honório Pereira Barreto e o abandono a que tínhamos votado a Senegâmbia; fica um claro registo do pouco espaço ocupado, dos negócios efetuados e até das dificuldades previsíveis. Não se esqueça que o livro é dedicado ao rei D. Luís I, o funcionário pretende ir mais além e sensibilizar a Coroa para a triste situação da Senegâmbia, que só em 1879 será desafetada de Cabo Verde, e terá então governador e capital em Bolama.

Um abraço do
Mário


Francisco Travassos Valdez e a Senegâmbia (1)

Beja Santos

O
livro intitula-se “África Ocidental, notícias e considerações”, por Francisco Travassos Valdez, impressas por ordem do ministério da Marinha e Ultramar, 1864. Primeiramente, a publicação surgiu em Londres com o título "Six years of a traveller’s in western Africa, 1861". Francisco Travassos Valdez tem um curioso currículo: ex-árbitro das comissões mistas luso-britânicas e do Cabo da Boa Esperança; ex-Secretário da Comissão Especial de Colonização e Trabalho Indígena das Províncias Ultramarinas; Secretário do Governo da Província de Timor.

O volume é apresentado como 1.º, abarca as seguintes descrições: Porto Santo e Madeira; Canárias; Cabo Verde (ilhas de Barlavento), Cabo Verde (ilhas de Sotavento); Senegal e Senegâmbia (Guiné Portuguesa). Nesta recensão trata-se exclusivamente do que o viajante viu e sentiu na Senegâmbia, mais tarde reportaremos o que do Senegal tem interesse relevante para a Guiné do século XIX. Falando da extensão do território, faz um registo singular: “Desde o Cabo Roxo começa a notar-se diferença na cor das águas, passando de um azul carregado a um verde-claro ou amarelo turvo, que se conserva em todo o litoral. São estes mares junto à costa de difícil navegação pelos numerosos parcéis (escolhos recifes), por diversas correntes de sensível velocidade, pela sujeição das marés nas entradas dos canais e pela irregularidade dos ventos; apesar destas circunstâncias, há alguns práticos tão experimentados, que tendo vento ou maré, navegam a qualquer hora da noite, e por escuro que seja, e com o poderoso auxílio da sonda marcam precisamente a posição relativa do navio em um dado momento”.

É um viajante que não escamoteia o que lhe vai mexendo nos sentidos, o barco aproxima-se e nesta aproximação dá-se um maravilhamento que ele passa a escrito: “Quando principiamos a avistar as viçosas ilhas do arquipélago e a costa da Guiné, notamos quanto contraste há com as ilhas de Cabo Verde! Nestas, as massas basálticas, as montanhas enegrecidas pelas terras vulcânicas, quase todo o ano privado de vegetação, mostrando uma aridez e uma esterilidade que por fortuna não se dá nas aprazíveis e viçosas ribeiras do interior; na Guiné, pelo contrário, tudo denota ao viajante um país muito rico de produtos da natureza, terras baixas e extensas, literalmente cobertas de uma vegetação pomposa”. Feita a aproximação, entra-se no Ilhéu do Rei, e logo o autor observa que é opinião de muita gente que se deveria ter colocado o estabelecimento comercial que existe em Bissau aqui, em consequência do ilhéu ser mais saudável, ser arborizado e de bonita aparência. Mas informaram-no de uma dificuldade insuperável: “O busílis era haver ali uma proliferação de árvores sagradas, inclusivamente a china, que é a maior de quantas existem no território dos Papéis, aqui se dirigem anualmente milhares de negros na mais devota romaria, durante a lua cheia do mês de Março”. Fica impressionado com o que vê no ilhéu, a sua importância: “A feitoria do senhor Nazolini está no referido Ilhéu do Rei desde 1847, é o mais importante de todos os estabelecimentos portugueses na Senegâmbia: 300 escravos empregados em cultivar quase todo o ilhéu, nas oficinas e no carregamento da mancarra (…) A casa de habitação e da mais pitoresca aparência, bem edificada e muito cómoda, dando-lhe os alpendres de que se acha cercada um tipo próprio daquelas regiões, e proporcionando-lhe igualmente agradável frescura”.

Regista igualmente certas singularidades do clima: “As trovoadas começam em meados de Maio e duram até ao fim de Outubro; são imponentes e majestosas, principalmente para quem não está acostumado a presenciá-las. Primeiramente forma-se uma forte aglomeração de nuvens no horizonte, e segue-se logo o fuzilar ao longe com uma constância e frequência incríveis; em seguida, vem o tufão com tal violência que arranca árvores frondosas, desloca as telhas e faz tal barulho com o bater de todas as portas e janelas que levanta, que parece realmente a quem pela primeira vez presenceia este fenómeno que as casas vão ser destruídas. Muitos navios estando bem fundeados no porto têm feito da quilha portaló. A este tufão segue-se a trovoada que parece estalar sobre a cabeça, e depois a chuva, caindo os raios com frequência”.

Do Ilhéu do Rei passamos para Bissau, vejamos a opinião do viajante: “A sua perspectiva é agradável pelo arvoredo que a adorna e pelos seus arrabaldes atapetados de verdura, de modo que o viajante, para não perder a ilusão e a saúde, fica talvez melhor em limitar-se a ver a terra de bordo. Aceitou-se o obsequioso convite que nos fez o opulento Comendador Honório Pereira Barreto”. No ato do desembarque, fica muito mal impressionado com o grande número de tubarões que ali nadam à superfície das águas. Contrafeito e um tanto timorato atravessa uma ponte com sinais de pouca segurança até chegar a terra firme, informa-nos que o edifício da Alfândega fica no largo da Mãe Júlia, fronteiro à porta da Praça de Bissau. Registou o exótico da sua chegada: “O que mais atrai as vistas são as bajudas ou donzelas, que pelo seu estado são excessivamente modestas no vestuário, que se compõe unicamente de avental de dimensões microscópicas, avental que, como o pedacito de coiro ou o búzio que os mancebos usam adiante suspenso por um barbante nem sempre lhes oculta de todo o que a decência manda recatar!”. Faz depois a descrição do comércio na rua principal onde os vendedores estão enfileirados e acocorados ao longo da rua, ali se trocam objetos, fundamentalmente exerce-se ali uma economia de troca, mas há exceções: “Às vezes admitem também algum patacão, como chamam à nossa antiga e incómoda moeda de 40 reis, que aqueles negros reservam unicamente para a manufactura dos seus grosseiros artefactos”.

Desembarcou, percorreu interessado o comércio na rua principal, vai agora falar-nos de Bissau: “A Praça de S. José, com os seus poilões, árvores gigantescas que se erguem com majestade nos quatro baluartes, e que os abrigam com a sombra, está situada na foz do rio Geba, e foi construída no ano de 1756, no reinado de D. José I”. Tece comentários à sua construção, que terá custado a vida a mais de 2 mil portugueses e que ficou num estado miserável, dá-nos também a notícia de que ultimamente têm tido o incremento algumas obras militares. Diz igualmente que aquela Praça não passa de uma povoação mal alinhada, com algumas casas palhoças, outras de barro e bem poucas de sólida construção. Há por ali um problema elementar, a fonte que fornece a água de consumo à Praça fica no Pidjiquiti, a cerca de uma milha, quando há desacatos e cercam a Praça levanta-se um problema sério de abastecimento de água. É franco na descrição das condições hígio-sanitárias, são deploráveis. E daí entender-se a descrição que faz do hospital: “Para se fazer ideia da desgraça a que chegaram os enfermos na Guiné basta dizer que só há bem pouco, com melhoramento muito importante, se compraram 12 camas de ferro para o hospital, a fim de se armarem com cortinas para evitar o flagelo dos mosquitos!”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21405: Historiografia da presença portuguesa em África (233): “Guiné, Alguns aspetos inéditos da atual situação da colónia”, por A. Loureiro da Fonseca; Sociedade de Geografia de Lisboa, 1915 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21176: Historiografia da presença portuguesa em África (221): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - III e última Parte (1882 -1918) (Armando Tavares da Silva)


Guiné > Bissau > Vista da fortaleza da Amura.  Fonte: Valdez, Francisco Travassos - "África Ocidental : notícias e considerações : dedicadas a Sua Magestade Fidelíssima El-Rei O Senhor Dom Luiz I". Lisboa : Imprensa Nacional, Tomo I, 1864,  406 p., gravuras. Imagem do domínio público.


Guiné > Bissau > s/d > Vista do interior da fortaleza da Amura... Do lado direito, os seculares poilões que povoavam o interior da fortaleza, alguns dos quais chegaram aos nossos dias. Do lado esquerdo, a antiga casa do Comando demolida em 1911 para no mesmo lugar se construir novo edifício. Origem: Fototeca da Sociedade de Geografia de Lisboa.


Guiné > Bissau > c. 1912 > Vista do interior da fortaleza da Amura: edifício do comando militar...  


Guiné > Bolama > c. 1912 ] > Primitiva ponte-cais... À direita, em segundo plano o palácio do governador. [Bolama foi capital da província até 1943].


Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > c. 1912 ] >  Antiga Fortaleza.


Imagens do domínio público: cortesia de Armando Tavares da Silva. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné

As três últuimas imagens são provenientes de: Carlos Pereira,” La Guinée Portugaise”, Lisboa, 1914.

Imagens: cortesia de Armando Tavares da Silva


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro de Armando Tavares da Silva: 

[ foto   à esquerda:  (i) engenheiro, historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; 

(iii) "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”); 

(iv) presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa]

Date: domingo, 12/07/2020 à(s) 23:42

Subject: Guiné - Tratados



Caro Luís,
Capa do livro
"A Presença Portuguesa na Guiné:
História Política e Militar: 1878-1926”

 Já várias vezes que tenho visto no blogue a afirmação que pouco se conhecia (e conhece) sobre a Guiné. 

Esta falta de conhecimento poderá levar-nos a interpretações ou juízos errados ou precipitados, os quais podem surgir dentro dos mais variados contextos, e que levem a concluir "que precisamos de mais e melhor investigação historiográfica sobre pontos de contacto comuns entre nós, Portugal e a Guiné".

Ora, os Tratados e Convenções que no decorrer dos tempos foram firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné inserem-se precisamente naqueles "pontos de contacto". 

 E é para melhor conhecimento daqueles contactos e melhor conhecimento da evolução histórica da relação estabelecida, que elaborei uma lista (que considero exaustiva) daqueles "Tratados e Convenções". 

São 76 no total e tiveram lugar durante quase um Século (entre 1828 e 1918). 

Segue em baixo a respectiva relação [ III e última Parte , de 1882 a 1918]. 

 Os seus textos estão disponíveis em referências conhecidas, e que poderão ser consultadas por quem se interessar por aprofundar aquele conhecimento.

Com um abraço

Armando Tavares da Silva
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Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918):
lista organizada por Armando Tavares da Silva

III e última Parte  (1882-1918)

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1882, 11 Fevereiro  
Bordo do Guiné                    
Tratado de paz, amizade e obediência do régulo de Gam Pará,  representado por Senne Dabri
1882, 11 Fevereiro  Bordo do Guiné                      Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Jabadá, Bambi Jai e o governo da província da Guiné Portuguesa [, Pedro Inácio de Gouveia, 1881-1884]
1882, 30 Junho Geba                            Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Indorná, Dembel Alfabacár, e o governo da Província da Guiné Portuguesa 
 1882, 27 Outubro Buba                     Tratado de submissão, obediência e vassalagem do régulo do Forreá, Bakar Kidaly 
1883, 5 Abril      
Ilha de Djeta                          
Tratado de paz, amizade e obediência com o rei das Ilhetas, Adjú Pumol, na presença do comandante militar de Bissau, capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões 
1885, 16 Abril  Escuna Forreá                         Auto de vassalagem do rei das Ilhetas, Jepomon, perante os delegados do governo da província
1885, 15 Junho  Cacheu                              Auto de perdão aos gentios de Cacanda,  representados, entre outros, por Calotarcô, rei de Bernim e Ampanamacá, fidalgo de Bassarel, perante o capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões
1885, 4 Dezembro Buba                             Tratado de paz entre os fulas e beafadas por intervenção do governo e respectiva documentação anexa 
1886, 3 Dezembro  Buba                             Tratado de obediência e vassalagem ao governo por Iáiá, régulo do Forreá, Labé, Cabú e Cadé
1887, 4 Abril    Farim                          Tratado de paz, obediência e vassalagem à Coroa Portuguesa, prestada pelo rei de Dembel, senhor do chão de Faladu, perante o secretário-geral Augusto Cezar de Moura Cabral 
1891, 14 Fevereiro  Bissau                          Auto de submissão e vassalagem do régulo de Antula, Incamundé, feito em Bissau na presença do comandante militar, tenente Julio Cezar Barata Feio
1892, 2 Maio    Geba                             Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabomba, Denbá Methá
1892, 4 Maio    Geba                              Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cocé, Sambel Cumbandi e seus fidalgos 
1892, 7 Maio    Geba                           Auto de vassalagem a pedido do régulo de Corubal, Damão Jábú e seus fidalgos, estando presente o secretário-geral Cezar Gomes Barboza
1892, 28 Agosto Buba                         Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabú e Forreá, Mamedi-Paté-Coiada, acompanhado dos seus conselheiros e chefes principais das tabancas dos dois territórios, e na presença do tenente Sebastião Casqueiro
1893, 27 Março Bissau                          Auto de vassalagem a pedi do do régulo de Chime [Xime,] e seus vassalos, perante o comandante militar, capitão Zacharias de Souza Lage
1894, 22 Julho Bissau                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine [Cacine,],  perante o governador Luis Augusto de Vasconcellos e Sá  [1891-1895]
1895, 9 Março Cassine                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine perante o comandante do presídio de Buba, tenente Annibal Augusto da Silveira Machado Júnior 
1895, 10 Abril  
Barro (Farim)         
Auto de vassalagem a pedido do régulo de Barro,  perante o comandante militar de Farim, tenente Jayme Augusto da Graça Falcão 
1898, 31 Janeiro  Bolama                            Acordo entre o governador Álvaro Herculano da Cunha [1899-1900] e o alferes de 2.ª linha Cherno Cali, chefe do Forreá 
1898, 23 Março Bolama                           Auto da Audiência concedida pelo governador Álvaro Herculano da Cunha a representantes das tribos de Cayó [ Caió]
1899, 13 Maio Bolama                            Auto de preito e homenagem prestado ao governo portuguez pelo régulo de Intim, Tabanca Soares e seus grandes
1903, 4 Maio  Bissau                           Auto de vassalagem prestado pelo chefe dos balantas de Pache, Bembeça, e seus grandes,  perante o comandante militar de Bissau, Manoel José do Sacramento Monteiro
1909, 14 Agosto Bissau                             Auto de vassalagem prestado pelos régulos de Intim, Bandim e Antula perante o governador Francelino Pimentel  [1909-1910], no edifício da residência
1918, 6 Janeiro Bolama                            Auto de submissão prestado pelos régulos de Bina (Canhabaque), perante o governador da província [Carlos Ivo de Sá Ferreira, 1917-1919]

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[Atualizámos a grafia de alguns topónimos conhecidos, como por exemplo Ziguinchor, Canhabaque, Xime, Cossé, Cacine; vêm indicados entre parênteses retos. O editor LG] 

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Nota do editor:

 Último poste da série > 15 de julho de 2020 >  Guiné 61/74 - P21171: Historiografia da presença portuguesa em África (220): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (1) (Mário Beja Santos)