Guiné > Região de Gabu > Pirada > c. 1973/74 > BCAV 8323 (Pirada, 1973/74) > "Residência do célebre sr. Mário Soares, um dos dois comerciantes instalados em Pirada em 1973. Três dos alferes do Batalhão: Transmissões, Tesoureiro e Médico (eu, à direita)"...
O nosso camarada C. Martins, que também é médico, em comentário de 19/10/2012, foi o primeiro a chamar a atenção para a reprodução que está na parede: " Mesa farta, contraste volumétrico entre dois comensais, e o quadro de parede é tão só a "Guernica" de Picasso e por fim são servidos por um 'empregado' de mesa a preceito. Para os padrões da Guiné..é obra. Ganda sortudos" (*)
Foto (e legenda): © Manuel Valente Fernandes (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Na foto, acima, aparece o Demba, o criado, todo bem "afiambrado, já citado em 1964&65, pelo Carlos Geraldo... O anfitrião, comerciante Mário Soares, deve ter sido o fotógrafo...
Através do Carlos Geraldo (**) , que o conheceu e privou com ele, a partir de 15/10/1964, sabemos que o Mário [Rodrigues] Soares era um bom copo e um bom garfo, sabia receber bem, adorava receber na sua casa os oficiais milicianos (e, eventualmente, capitães e oficiais superiores) era Lisboeta, teria ido para a Guiné em finais dos anos 50, princípio dos anos 60, por causa de "problemas financeiros" (sic), tinha esposa, duas filhas e um filho, adolescentes (em 1965) (um deles, o rapaz, a estudar em Lisboa), era um civil com cultura acima da média, tinha gira-discos e discos em casa, além de um máquina de projetar cinema (, nºão sabemos de 8 0u 16 mm),,, E, claro, um gerador.
Intrigante, porque deslocada, é esta "reprodução" da Guernica, de Pissau, um quadro gigantesco, a óleo, pintado em 1937, que se tornou um ícone da paz e da denúncai da guerra e do genocídio...
O Mário Soares, c. 1973/74. Foto de Manuel Velente Fernandes |
"Agente duplo", informador tanto da PIDE/DGS como do PAIGC ?... Não temos elementos conclusivos...
Curiosamente, na sua apresentação, o Manuel Valente Fernandes não qualquer referência a um eventual protagonismo do Mário Soares no processo de retração do dispositivo militar e na transferência do aquartelento para o PAIGC, em agosto de 1974... Nem sabemos se ele lá estava nessa altura. O médico nem sequer cita o seu nome, a propósito desses acontecimentos
(...) Obviamente tive vivências semelhantes a qualquer dos camaradas que estiveram neste TO. Do que me ficou ressalto:
(i) A experiência da intensa solidariedade que se gerou entre os camaradas que vivenciaram juntos o risco de vida de cada um e a permanente entreajuda, isto durante largos períodos. Materializa-se actualmente na emoção dos encontros de antigos camaradas (o meu batalhão mantém estes encontros).
(i) A experiência da intensa solidariedade que se gerou entre os camaradas que vivenciaram juntos o risco de vida de cada um e a permanente entreajuda, isto durante largos períodos. Materializa-se actualmente na emoção dos encontros de antigos camaradas (o meu batalhão mantém estes encontros).
(ii) As perturbações na saúde mental de tantos camaradas. Tive a experiência de dois dos nossos que manifestaram psicoses agudas (um militar da CCS e outro da 1ª Companhia, em Bajocunda), ambos felizmente com bom prognóstico após a evacuação.
(iii) A vivência da paz: aqueles almoços entre membros do batalhão e membros do PAIGC, no período que mediou entre o 25 abril e 25 agosto 1974 (regresso a Bissau), durante o período de retração do dispositivo. Aquele convívio com os ex-inimigos não se esquece, incluindo as conversas respeitantes à ideologia política, um tema então tão apetecido pelos jovens milicianos portugueses. (...) (*)
(...) "Em Pirada, tinha um agente da PIDE na vizinhança, bom para seviciar e intimidar, o Carvalho, substituído pelo senhor Pereira que tinha farroncas mas com as flagelações termia como varas verdes.
"Também em Pirada vivia Mário Soares, com quem Pratas conviveu, pode aperceber-se como o Soares intermediava entre o PAIGC e as autoridades portuguesas, houve encontros secretos à mesa da sua sala de jantar ou no respaldo das cadeiras de lona. Tinha acesso privilegiado às informações da PIDE, ascendente junto das redes de informadores locais, geria com astúcia o assédio e a adulação das autoridades locais. Reflete sobre o drama deste protagonista entre dois campos em confronto".
E cita o autor, José Pratas:
“O tempo corria em seu desfavor, porque a guerra no terreno se perdia em cada dia que passava e era facilmente previsível a derrota da teimosia de Lisboa. No seu relacionamento com a tropa, este europeu, porventura o branco mais africano que conheci, só a muito custo conseguia refrear os impulsos beligerantes das chefias militares, sedentas de ação, indisponíveis, por dever de ofício, para tolerar diplomacias paralelas de que muitas vezes é feita uma guerra de guerrilha”.
"E veio a independência e mais problemas para Mário Rodrigues Soares", de acordo com a versão do José Pratas:
(...) “Poucos dias depois seria preso e enviado para Bissau. Ter-lhe-á valido a intervenção de Alpoim Calvão, que intercedendo a tempo junto do novo dono do Palácio do Governo, o terá arredado da mira das armas de um pelotão de fuzilamento.
3. A historiadora Maria José Tíscar, no seu livro "A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas"( Lisboa, Edições Colibri, 2017, pp. 191/192), revela a identidade de dois comerciantes portugueses, que terão sido "informadores da PIDE" na Guiné, um deles o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro, que alguns de nós conhecemos em Bambadinca.
Das conversas da autora com o antigo inspetor Fragoso Allas, vem à baila um outro nome, o do Mário Soares, estabelecido em Pirada,
Contrariamente ao Rendeiro, que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS, o Mário Soares teria ficado na Guiné-Bissau, após a independência. Mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975.(****)
O inspector da PIDE/DGS, Fragoso Allas, entrevistado pela Maria José Tíscar, não deixa dúvida sobre a "duplicidade" do papel do Mário Soares que, legal e formalmente, nunca foi agente da polícia política. Cito o Mário Beja Santos (***);
(...) "A sua [de Fragoso Allas] grande preocupação era montar uma rede de informadores na Guiné, depois de ter avaliado a situação, reorganizou o gabinete do centro de cifra, seguiu-se a rede de informadores, os postos mais importantes da DGS estavam perto do Senegal, era o caso de Pirada, Bigene e Guidage, para a Guiné Conacri só havia o posto de Buruntuma. Explica a importância de Pirada [, as palavras do Fragosos Allas]:
“Estava localizado mesmo junto à fronteira com o Senegal. O posto estava dentro da casa de um comerciante. O agente da DGS ali colocado vivia dentro da casa do tal comerciante. Mas o que sucedia na prática era que o comerciante era mais agente da DGS que o próprio agente; 90% das vezes era o comerciante que atendia o rádio. Converteu-se num agente duplo.
"O comerciante chamava-se Mário Soares. Era habilidoso, tinha boas relações com as autoridades portuguesas e tinha bons contactos, também, com as do Senegal. Teve atuações muito importantes para nós. O Mário Soares era útil como agente de contrainformação. Quando queríamos enviar informações falsas ao PAIGC dizíamos-lhe que era muito secreto e então ele ia logo transmiti-las.
"As informações que ele fornecia sobre o PAIGC quase não serviam, porque nós sabíamos que ele também trabalhava para eles. Quando cheguei à Guiné, o General Spínola estava muito zangado com ele e queria mesmo expulsá-lo da província, mas isso não seria conveniente porque o posto da PIDE estava dentro da sua casa, pelo que me interessei para que ele continuasse na sua atividade”.
(iii) A vivência da paz: aqueles almoços entre membros do batalhão e membros do PAIGC, no período que mediou entre o 25 abril e 25 agosto 1974 (regresso a Bissau), durante o período de retração do dispositivo. Aquele convívio com os ex-inimigos não se esquece, incluindo as conversas respeitantes à ideologia política, um tema então tão apetecido pelos jovens milicianos portugueses. (...) (*)
Mário Soares > Pirada > 14/2/1974. Foto: António Rodrigues (2015) |
2. Será que o Mário Soares foi mesmo preso, a seguir ao 25 de Abril, de acordo com a informação do médico José Pratas ? (**P)
Não tenho aqui, em meu poder, o livro, "Senhor médico, nosso alferes: Guiné, os anos de guerra" (Lisboa, By the Book, 2014). O Beja Santos, que fez aqui, no blogue, um recensão dessa obra, escreveu o seguinte:
(...) "Em Pirada, tinha um agente da PIDE na vizinhança, bom para seviciar e intimidar, o Carvalho, substituído pelo senhor Pereira que tinha farroncas mas com as flagelações termia como varas verdes.
"Também em Pirada vivia Mário Soares, com quem Pratas conviveu, pode aperceber-se como o Soares intermediava entre o PAIGC e as autoridades portuguesas, houve encontros secretos à mesa da sua sala de jantar ou no respaldo das cadeiras de lona. Tinha acesso privilegiado às informações da PIDE, ascendente junto das redes de informadores locais, geria com astúcia o assédio e a adulação das autoridades locais. Reflete sobre o drama deste protagonista entre dois campos em confronto".
E cita o autor, José Pratas:
“O tempo corria em seu desfavor, porque a guerra no terreno se perdia em cada dia que passava e era facilmente previsível a derrota da teimosia de Lisboa. No seu relacionamento com a tropa, este europeu, porventura o branco mais africano que conheci, só a muito custo conseguia refrear os impulsos beligerantes das chefias militares, sedentas de ação, indisponíveis, por dever de ofício, para tolerar diplomacias paralelas de que muitas vezes é feita uma guerra de guerrilha”.
"E veio a independência e mais problemas para Mário Rodrigues Soares", de acordo com a versão do José Pratas:
(...) “Poucos dias depois seria preso e enviado para Bissau. Ter-lhe-á valido a intervenção de Alpoim Calvão, que intercedendo a tempo junto do novo dono do Palácio do Governo, o terá arredado da mira das armas de um pelotão de fuzilamento.
Deportado, chegou a Lisboa com a roupa suja que ainda trazia vestida, para ser detido de imediato no aeroporto da Portela pelo COPCON e arbitrariamente preso em Caxias sem culpa formada. Libertado sem julgamento, ultrapassou tranquilo todas as prepotências e perdoou com indiferença aos mandantes e funcionários do PREC”. (...) (***)
Das conversas da autora com o antigo inspetor Fragoso Allas, vem à baila um outro nome, o do Mário Soares, estabelecido em Pirada,
Contrariamente ao Rendeiro, que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS, o Mário Soares teria ficado na Guiné-Bissau, após a independência. Mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975.(****)
O inspector da PIDE/DGS, Fragoso Allas, entrevistado pela Maria José Tíscar, não deixa dúvida sobre a "duplicidade" do papel do Mário Soares que, legal e formalmente, nunca foi agente da polícia política. Cito o Mário Beja Santos (***);
(...) "A sua [de Fragoso Allas] grande preocupação era montar uma rede de informadores na Guiné, depois de ter avaliado a situação, reorganizou o gabinete do centro de cifra, seguiu-se a rede de informadores, os postos mais importantes da DGS estavam perto do Senegal, era o caso de Pirada, Bigene e Guidage, para a Guiné Conacri só havia o posto de Buruntuma. Explica a importância de Pirada [, as palavras do Fragosos Allas]:
“Estava localizado mesmo junto à fronteira com o Senegal. O posto estava dentro da casa de um comerciante. O agente da DGS ali colocado vivia dentro da casa do tal comerciante. Mas o que sucedia na prática era que o comerciante era mais agente da DGS que o próprio agente; 90% das vezes era o comerciante que atendia o rádio. Converteu-se num agente duplo.
"O comerciante chamava-se Mário Soares. Era habilidoso, tinha boas relações com as autoridades portuguesas e tinha bons contactos, também, com as do Senegal. Teve atuações muito importantes para nós. O Mário Soares era útil como agente de contrainformação. Quando queríamos enviar informações falsas ao PAIGC dizíamos-lhe que era muito secreto e então ele ia logo transmiti-las.
"As informações que ele fornecia sobre o PAIGC quase não serviam, porque nós sabíamos que ele também trabalhava para eles. Quando cheguei à Guiné, o General Spínola estava muito zangado com ele e queria mesmo expulsá-lo da província, mas isso não seria conveniente porque o posto da PIDE estava dentro da sua casa, pelo que me interessei para que ele continuasse na sua atividade”.
No Arquivo Amílcar Cabral não há referências ao comerciamte Mário Soares. E os ataques a Pirada muito provavelmente ele não os sabia com antecedência, por via do PAIGC. Tenho de falar pessoalmente com a investigadora Maria José Tíscar (, que conheci em fevereiro passado) e com o médico José Pratas, para saber qual o fundamento de cada uma das suas versões, nomeadamente no que diz respeito ao "fim da história".
Quer tempo caído em desgraça, a seguir ao 25 de Abril (segundo José Pratas), ou tenha ficado na Guiné, no tempo do Luís Cabarl (, segundo Maria José Tíscar), em recompensa pelos seus "pequenos favores" ao PAIGC (para logo a seguir, em novembro de 1975, ser expulso). a história deste homem parece confirmar o velho ditado popular: "Não se pode servir a dois senhores!"... A duplicidade, em tempo de guerra, é sempre um jogo perigoso.
[De qualquer não tendo aqui o livro à mão, recomenda-se a sua leitura, e em especial o capítulo dedicado à Guiné: A PIDE no Xadrez Africano: Angola, Zaire, Guiné, Moçambique (Conversas com o Inspetor Fragoso Allas) (2ª Edição). de María José Tíscar, edição: Edições Colibri, janeiro de 2018 ‧ isbn: 9789896896799]
Quer tempo caído em desgraça, a seguir ao 25 de Abril (segundo José Pratas), ou tenha ficado na Guiné, no tempo do Luís Cabarl (, segundo Maria José Tíscar), em recompensa pelos seus "pequenos favores" ao PAIGC (para logo a seguir, em novembro de 1975, ser expulso). a história deste homem parece confirmar o velho ditado popular: "Não se pode servir a dois senhores!"... A duplicidade, em tempo de guerra, é sempre um jogo perigoso.
[De qualquer não tendo aqui o livro à mão, recomenda-se a sua leitura, e em especial o capítulo dedicado à Guiné: A PIDE no Xadrez Africano: Angola, Zaire, Guiné, Moçambique (Conversas com o Inspetor Fragoso Allas) (2ª Edição). de María José Tíscar, edição: Edições Colibri, janeiro de 2018 ‧ isbn: 9789896896799]
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 17 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10542: Tabanca Grande (365): Manuel Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323 (Pirada, 1973/74)
21 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20884: (De)Caras (128): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte IV: Versões contraditórias sobre o "resto da história" deste português, de quem o ex-alf mil médico José Pratas (, BCAV 3864, Pirada, 1971/73) disse que foi "porventura o branco mais africano que conheci"
18 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20867: (De)Caras (127): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte III (Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)
(***) Vd. postes de:
30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17917: Notas de leitura (1009): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (1) (Mário Beja Santos)
30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)
30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)