terça-feira, 21 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20884: (De)Caras (155): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte IV: Versões contraditórias sobre o "resto da história" deste português, de quem o ex-alf mil médico José Pratas (, BCAV 3864, Pirada, 1971/73) disse que foi "porventura o branco mais africano que conheci"


Guiné > Região de Gabu > Pirada > c. 1973/74 > "Na casa do célebre senhor Mário Soares. Acompanhando-o quatro alferes milicianos e um capitão miliciano". Um dos alferes era Manuel Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323, Pirada, 1973/74, membro da nossa Tabanca Grande desde 17/10/2012. (,. o segundo, do aldo esquerdo).  Do anfitrião (o primeiro, a contar da direita) sabe-se que gostava de (e sabia)  bem receber, qualquer que fosse as suas motivações.

Foto (e legenda): © Manuel Valente Fernandes (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mário Soares, o comerciante de Pirada, de seu nome completo Mário Rodrigues Soares,  terá sido uma das personagens mais intrigantes (e poderosas) da pequena comunidade portugueses, civil, que  ficou na Guiné, no tempo da guerra  (1971/74)

Já aqui recolhemos o testemunho do ex-alf mil Carlos Geraldo, da CART 676 (Bissau, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66), a primeira companhia a ficar aquartelada em Pirada (, a partir de 15 de outubro de 1964), O nosso saudoso camarada Carlos Geraldo (Lisboa, 1941 - Viana do Castelo, 2012) foi visita da sua casa até ao fim da comissão (em abril de 1966) (*)

Mas há mais referências, no nosso blogue, a este homem de quem não sabemos exatamente o runo que seguiu a sua vida, depois da independência da Guiné.Bissau. Temos, pelo menos, duas versões contraditórias: a da historiadora Maria José Tistar, e a do ex.alf mil médico José Pratas. Vamos fazer referência a cada uma delas.


2. A historiadora Maria José Tíscar, no seu livro "A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Colibri, 2017, pp. 191/192), revela a identidade de dois comerciantes portugueses, que terão sido "informadores da PIDE", um deles o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro, que alguns de nós conhecemos em Bambadinca.

Já aqui publicamos a sua história, que não vamos repetir (**)

 Das conversas da autora com o antigo inspetor Fragoso Allas, vem à baila um outro nome , o do Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal. 

Contrariamente ao Rendeiro, que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS, o  Mário Soares ficou na Guiné independente mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975, segundo a investigadora Maria José Tíscar. 

Há também aqui uma divergência quanto ao nome: António Mário Soares ou Rodrigo Mário Soares (como o chamava o nosso Carlos Geraldes) ?


3. Outra versão é a  do José Manuel de Almeida Ferreira Pratas, que entre o final de 1971 e fins de 1973 prestou serviço militar no CTIG,  como alferes miliciano médico, tendo sido colocado inicialmente em Pirada,  sede do BCAV 3864 (**)

É autor do livro "Senhor médico, nosso alferes: Guiné, os anos de guerra" (Lisboa, By the Book, 2014), de que o Beja Santos fez uma recensão, e de cujo poste reproduzimos os seguintes excertos:

(...) "Vemo-lo em primeiro lugar em Pirada, o que dá motivo para exaltar os seus colaboradores que não tinham mãos a medir para atender aos doentes daquele ponto do Leste onde diariamente chegavam senegaleses. Discreteia sobre as doenças tropicais, fala da sua própria doença, das suas relações litigiosas com oficiais superiores, um capitão execrável e capelães que pairavam sobre a realidade.

"Em Pirada, tinha um agente da PIDE na vizinhança, bom para seviciar e intimidar, o Carvalho, substituído pelo senhor Pereira que tinha farroncas mas com as flagelações termia como varas verdes.

"Também em Pirada vivia Mário Soares, com quem Pratas conviveu, pode aperceber-se como o Soares intermediava entre o PAIGC e as autoridades portuguesas, houve encontros secretos à mesa da sua sala de jantar ou no respaldo das cadeiras de lona. Tinha acesso privilegiado às informações da PIDE, ascendente junto das redes de informadores locais, geria com astúcia o assédio e a adulação das autoridades locais. Reflete sobre o drama deste protagonista entre dois campos em confronto: 

“O tempo corria em seu desfavor, porque a guerra no terreno se perdia em cada dia que passava e era facilmente previsível a derrota da teimosia de Lisboa. No seu relacionamento com a tropa, este europeu, porventura o branco mais africano que conheci, só a muito custo conseguia refrear os impulsos beligerantes das chefias militares, sedentas de ação, indisponíveis, por dever de ofício, para tolerar diplomacias paralelas de que muitas vezes é feita uma guerra de guerrilha”.

"E veio a independência e mais problemas para Mário Rodrigues Soares: 

“Poucos dias depois seria preso e enviado para Bissau. Ter-lhe-á valido a intervenção de Alpoim Calvão, que intercedendo a tempo junto do novo dono do Palácio do Governo, o terá arredado da mira das armas de um pelotão de fuzilamento. Deportado, chegou a Lisboa com a roupa suja que ainda trazia vestida, para ser detido de imediato no aeroporto da Portela pelo COPCON e arbitrariamente preso em Caxias sem culpa formada. Libertado sem julgamento, ultrapassou tranquilo todas as prepotências e perdoou com indiferença aos mandantes e funcionários do PREC”. (...) (***)

Não sabemos depois o resto da história de vida do Mário Soares... Vou tentar contactar o nosso camarada José Pratas, médico, gastrenterologista, que prestou funções no SNS, e hoje aposentado, e que privou com o nosso homem, tal como outro alf mil médico,o  Manuel Valente Fernandes, ex-alf mil médico do BCAV 8323 (Pirada, 1973/74). Falaremos dele e do seu conhecimento do Mário Soaresm num próximo postes. (Acrescente-se, a título de inconfidência, que o dr. Manuel Valente Fernandes foi aluno do nosso editor Luís Graça, no curso de especialização em medicina do trahalho, da ENSP / NOVA).
_____________

16 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20861: (De)Caras (126): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal ? Um "agente duplo" ? - Parte II (Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)

15 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20858: (De)Caras (125): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal ? Um "agente duplo" ? - Parte I (Depoimentos do embaixador Nunes Barata, e do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)

(**) Vd. poste de 3 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17929: (D)o outro lado do combate (16): O Rodrigo Rendeiro, depois de regressar a Bissau, terá fornecido preciosas informações à FAP , permitindo a localização (e bombardeamento) das bases do PAIGC em Morés e Dandum, segundo Maria José Tístar, autora de "A PIDE no Xadrez Africano: conversas com o inspetor Fragoso Allas", Lisboa, Colibri, 2017 (pp. 191/192)

(***) Vd. poste de 30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)

4 comentários:

gil moutinho disse...

Ao ver a foto e a mesa,parece irrelevante,mas vi-me sentado ao seu redor e na altura,a 2 maio de 72, chamou-me bastante a atenção,uma rodela de um tronco enorme e muito bem decorada com tudo do bom e melhor,o melhor presunto,outros enchidos,as melhores bebidas e muito mais.
Pois na data acima a minha missão foi transportar de Bissau o chefe da Pide-DGS,o Fragoso Allas para Pirada passando por Bambadinca na ida e regresso,talvez levando alguém de lá.
As peripécias desse vôo estão contadas no post 1040 do blogue dos especialistas da BA12.
Não tendo passado para o lado do Senegal por sorte(nem um mês de comissão eu tinha!),lá aterrei e aguardei que os passageiros conferenciassem com o Mário Soares e nos entretantos fui obsequiado principescamente na famosa mesa e durante umas horas.
De facto o homem era importante!!!
Gil Moutinho

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zeca Macedo, convivi com o Rendeiro em Bambadinca, eu e outros militares, nos anos de 1969/71, sem nunca ter sido "íntimo"... Em boa verdade, terei ido duas ou três comer, lá em casa dele, a sua famosa "galinha de cafreal"...

Ele vivia nas imediações do quartel, a 50 metros do nosso arame farpado, e alugava a sua camioneta à tropa para colunas logísticas. Tinha um estabelecimento comercial. Nenhum de nós suspeitava que ele fosse "informador da PIDE"...

Em todo o caso, eu nunca lhe fiz confidências. Preferia ouvir as suas histórias e as notícias da sua família. Tinha muito orgulho na filha mais velha que já estava a estudar na Metrópole e que por cá ficou, licenciando-se em direito e seguindo a carreira da magistratura. Já morreu, tanto a filha como os pais.

Fiquei triste ao saber, muito mais tarde, que ele tinha sido um "informador" da PIDE... A rede e a pratica dos informadores das polícias políticas foram, e são, perversas. Minam toda a coesão social de um país, pervertam os valores, criam um clima de medo, de delação, de arbitrariedade... Os regimes autoritários e totalitários não podem viver sem polícias políticas.

Lamento que o teu tio tenha sido vítima da delação do Rendeiro. Encontrei na Net uma referência a esse teu tio:

Agnelo Monteiro de Macedo, nascido em 4 de março de 1925, em São Filipe, ilha do Fogo, Cabo Verde; falecido em 23 de maio de 1972, no Hospital Egas Moniz [, na altura, Hospital do Ultramar], Lisboa.

Confirmas ?


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Gil, a tua informação é preciosa... Tu fizeste história!...A 2 de maio de 1972 foste levar, em DO-27, o chefe da DGS, o Fragoso Allas, a Pirada, para "negociações" com o Mário Soares, que, sabemo-lo hoje, foi intermediário no processo de contactos preliminares com o Leopoldo Senghor... O comerciante Mário Soares foi uma "eminência parda nesta guerra"... O seu testemunho seria precioso, se fosse vivo...

Em 18 de maio, Spínola encontra-se com o Leopoldo SEnghor em Cap Skiring, próximo da fronteira... É um facto histórico, Spínola explora as possibilidades de mediação do presidente senegalês entre as duas partes envolvidas no conflito, Portugal e o PAIGC... Mas Lisboa vai-lhe tirar o tapete...

Anónimo disse...

Contirmado