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quarta-feira, 18 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26933: Historiografia da presença portuguesa em África (486): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, de 1925 a 1926, é o fim da era do governador Vellez Caroço (40) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Janeiro de 2925:

Queridos amigos,
1925 é um ano marcado por operações em Canhabaque, Vellez Caroço declarara estado de sítio em virtude de insubmissão do régulo, seguiram-se operações que se estenderam por vários dias de maio, delas o governador publicará um relatório bastante pormenorizado; como sabemos, a submissão foi sol de pouca dura, será necessário chegar a 1936 para dar os Bijagós como região pacificada; a estrela que tem acompanhado esta governação vai empalidecer, não por perda de firmeza na governação, vamos chegar a 1926 com gravíssimos problemas financeiros, caiu a I República, temos agora governos da Ditadura Militar, Vellez Caroço pede insistentemente ao ministro João Belo que tome as medidas necessárias, por fim ameaça demitir-se, e o ministro demitiu-o mesmo, tudo isto se vai passar no final do ano de 1926. Vellez Caroço, sem margem para dúvida, foi um dos mais brilhantes governadores da colónia da Guiné.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1925 a 1926, é o fim da era do governador Vellez Caroço (40)


Mário Beja Santos

O ano de 1925 é fundamentalmente marcado pelas operações de Canhabaque, vamos ter acesso ao suplemento ao n.º 26, do Boletim Oficial n.º 9, de 30 de junho desse ano, está aí o relatório das operações redigido pelo próprio governador, o tenente-coronel Vellez Caroço.

Em números anteriores há já indícios da insurreição e da declaração de estado de sítio, como se viu no texto anterior. No Boletim Oficial n.º 21, de 23 de maio, o governador mandara publicar uma portaria em que se referia explicitamente ao estado de sítio nas ilhas de Canhabaque, Galinhas e João Vieira, mas o foco da rebelião era Canhabaque, houvera uma operação para destruir estas povoações e os indígenas refugiaram-se no mato e nunca fizeram a sua apresentação nos comandos militares. O governador convocou o Conselho Executivo, que deu o seu voto para que Canhabaque e João Vieira ficassem provisoriamente sujeitas a um comando militar, com sede em Meneque, e postos em Bine, Bane, In-Orei e Meneque, ficando igualmente proibido todo o comércio para o exterior; e mais: todo o coconote, arroz, gado e galinhas seriam apreendidos pelos agentes do Governo, enviados para Bolama e vendido em hasta pública; não seria permitida nova construção de palhotas aos indígenas enquanto não fizesse a sua apresentação incondicional.

Vejamos agora este documento marcadamente histórico, o referido relatório de Vellez Caroço que começa por fazer um historial dos acontecimentos. Em março de 1917 fora estabelecido o estado de sítio no arquipélago dos Bijagós, tinham-se recusado a entregar as armas e pólvora e também recusado a pagar o imposto de palhota; fora organizada uma coluna para os castigar, as nossas tropas tiveram muitas baixas, ocupara-se exclusivamente postos do litoral; os indígenas de Canhabaque nunca desarmaram, geraram um estado de coisas intolerável; em fevereiro de 1925 o Governador recebera um ofício da autoridade dos Bijagós anunciando que fora a Canhabaque a fim de proceder ao arrolamento para a cobrança do imposto, não teve qualquer sucesso; e Vellez Caroço escreve:
“Tive em Canhabaque três vezes as forças de auxiliares que o administrador propunha, tive um avião, tive artilharia, metralhadoras e duzentos homens de forças reguladas e, apesar disso, embora tivesse derrotado os rebeldes em todos os pontos onde em número apareceram a oferecer resistência, o facto é que eles ainda lá estão refugiados no mato, e que nas suas ciladas e emboscadas continuam causando bastantes baixas nos nossos soldados. Estou convencido que batidos como foram em todos os combates que nos ofereceram, destruídas por completo todas as suas povoações, pois nem só uma escapou, e feita agora a ocupação pelas forças militares em todos os pontos importantes da ilha, os rebeldes hão-de acabar por se entregar à discrição, visto que, dentro em pouco tempo, acossados pela chuva, sem terem coberturas ou abrigos e apertados pela fome, por lhes faltarem os géneros que lhes forem apreendidos, por lhe estar interdito o comércio com o exterior, não terão mais remédio do que submeterem-se.”

Posta esta exposição preliminar, Vellez Caroço relata os procedimentos adotados, seguiu para Bine um contingente militar, reconheceu-se a necessidade de fazer um desembarque em Canhabaque, foi recrutado um corpo de auxiliares indígenas, declarou-se o estado de sítio, realizaram-se voos sobre a ilha de Canhabaque, a ver se se atemorizavam os indígenas. São explicadas pormenorizadamente as operações em Bine, estavam presentes no contingente militar os auxiliares do régulo Monjur do Gabu, foi atacada a povoação de Bine, seguiram-se novas operações com mais auxiliares e ocupou-se Ambene e In-Hoda; houve depois operações em Meneque e Bane, seguiram-se operações em Canhabaque, o relatório refere a composição das colunas e a natureza do comando, e faz-se o histórico da operação a partir de 1 de maio, na marcha rompeu um nutrido fogo de longa sobre a coluna, Vellez Caroço acompanhado por um médico, Sant’Ana Barreto, dirigiram-se para a linha de fogo, foi uma hora de tiroteio e levou-se o inimigo de vencida, mas os rebeldes contra-atacaram, sendo repelidos, isto passou-se em Meneque, no dia seguinte as operações prosseguiram para Bane, mais tiroteio, os rebeldes fugiram; a 3 de maio, saiu uma coluna de Meneque em direção a Indena; mais fogo, as nossas tropas tiveram baixas, mas reagiram com firmeza, no fim do combate foi indiscritível a alegria de todo; enfim, a 12 dava-se ordem para a ocupação definitiva e no dia seguinte iniciou-se a evacuação dos auxiliares.

No resumo final, o governador refere que tivemos 22 mortos e 74 feridos. “A resistência foi tenaz. O estado de indisciplina era mais profundo. A propaganda dos comerciantes ambulantes, criaturas desonestas e sem noções de patriotismo e deveres cívicos, foi persistente e por largos anos exercido impunemente. Estou convencido de que acabou agora o seu reinado e ai daquele que for apanhado a permutar armas e pólvora com o indígena! Seja tudo Pró-Pátria!” O documento prossegue com um longo rol de louvores abarcando as forças intervenientes, de terra e mar, e mesmo louvado o médico pelo seu comportamento de destemor e bravura.

O ano de 1926 será vivido por Vellez Caroço com inúmeras inquietações no plano financeiro, há falta de dinheiro para pagar aos funcionários da administração, é grande o contencioso entre o Governo e o BNU, Vellez Caroço não se cansa de reclamar medidas enérgicas ao ministro das Colónias, no final do ano este governador é pura e simplesmente demitido.

Veremos com mais detalhe as situações por ele vividas no próximo texto. Já não se vivia na I República, era o Governo da Ditadura Militar.

Imagens publicadas na revista Ilustração Portuguesa, n.º 124, de 6 de junho de 1908, tem a ver com as operações militares no Cuor, fotografias de José Henriques de Mello, o primeiro fotógrafo militar português, estas operações no Cuor foram comandadas por Oliveira Muzanty, governador da Guiné, nunca até então a Guiné conhecera um contingente militar tão grande de tropa vinda da Metrópole e de Moçambique, marcou a derrota de Infali Soncó e Abdul Indjai recebeu como prémio o regulado, revelou-se um patife de todo o tamanho.
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Nota do editor

Último post da série de 11 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26908: Historiografia da presença portuguesa em África (485): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, continuamos na era do governador Vellez Caroço (39) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26908: Historiografia da presença portuguesa em África (485): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, continuamos na era do governador Vellez Caroço (39) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Estamos a viver a época das circunscrições civis, a Guiné vive numa angustiante situação económica e financeira, o próprio BNU chegou a proibir as transferências para a metrópole, houve insurreição no território do comando militar dos Balantas, de Nhacra a Jugudul, não foi fácil de sanar, os acontecimentos dos Bijagós exigiram uma expedição militar, com o governador à frente, houve muito tiroteio, mortes e feridos. Excecionalmente, este texto deu lugar a uma série de anúncios que são reveladores do grau de transparência com que o governador agia, era meticuloso na análise dos dossiês, comprova-se com o despacho que ele elaborou sobre a situação dos médicos na Guiné, era igualmente um governador que acompanhava as situações do abastecimento interno, e por isso aqui se mostra a sua decisão de impedir temporariamente a exportação de arroz, para que não faltasse este alimento básico à população.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, continuamos na era do governador Velez Caroço (39)


Mário Beja Santos

O governador Vellez Caroço também se distinguiu e singularizou pela forma como comunicava com os cidadãos. Nenhum outro governador fez publicar com tanta minúcia os relatórios das operações ou explicar cabalmente os motivos que as empreendia. Vimos em texto anterior como se pauta pelo rigor e tratamento de equidade nos casos de infrações, desleixos e sanções de todo o tipo quer na administração civil quer na administração militar. Vamos começar por ver as imagens e comentá-las de acontecimentos passados em 1924, a Guiné vive ainda sequelas da Primeira Guerra Mundial, cresceu o número daqueles que pedem concessões, há sociedades agrícolas em plena atividade (embora com vida precária, como a Estrela de Farim ou a Sociedade Agrícola do Gambiel). O destaque do ano vai para os acontecimentos militares e mostra-se o teor de um despacho que tem a ver com o cuidado que o governador punha nos serviços de saúde.

Tenente-coronel Vellez Caroço
Anúncio da declaração de estado de sítio na região de Nhacra por desobediência de Balantas
Anúncio da manutenção de estado de sítio em território de Balantas e nomeação de um oficial averiguante assumindo o comando militar dos Balantas
Uma amostra de como o governador cuidava do abastecimento interno, estava atento aos preços do arroz, por isso decretou a exportação desse alimento até ver a normalização de transportes marítimos.

No Boletim Oficial n.º 25, de 26 de junho, publica-se um despacho do governador, que reza o seguinte:
“Não concordo com o parecer do Conselho de Saúde e Higiene na parte referente a considerar mais importante e de necessidade mais instante a colocação de um médico em Cacheu, do que prover o importante centro comercial, que é Bissau, com uma população tanto indígena como europeia maior do que Bolama e com tendências pronunciadas com rápido crescimento dos recursos clínicos reclamados pelo seu comércio e Câmara Municipal. De há muito venho reconhecendo essa necessidade e sempre considerei a cidade de Bissau como sendo a povoação da Guiné que melhor e mais urgentemente precisa ser dotada de um bom hospital com todos os melhoramentos que se encontram em outras colónias nossas, apesar de estarem em piores condições financeiras do que a Guiné, e por consequência, com os respetivos serviços médicos. A necessidade dos dois médicos em Bissau, quando não tivesse outros argumentos que a defendesse, bastava a circunstância providenciada de importantes lucros auferidos pelos que ali têm feito e fazem serviço, para plenamente a justificar. É incontestável que mesmo com dois médicos, o serviço clínico de Bissau é remunerado por forma tal que qualquer dos médicos fica com lucros superiores ao chefe e subchefe dos serviços de saúde da província.

Cacheu está há muito tempo sem médico, assim como o estão outros centros importantes e mais populosos da Guiné. Esse inconveniente está hoje, até certo ponto, compensado com as facilidades que há de comunicações, que permitem socorros médicos rápidos e o transporte de doentes para Bissau, como frequentemente está sucedendo. De resto, folgo bastante em constatar que o Conselho de Saúde e Higiene concorda com a necessidade de haver dois médicos em Bissau, como aliás já está consignado no Regulamento de Saúde, apresentando como único inconveniente para que Bissau seja desde já dotado de assistência clínica por dois médicos a falta que presentemente há de facultativos na província, mas, certamente o Conselho esqueceu que se apresentou recentemente na direção dos serviços de saúde o médico de Cacheu, o Dr. Sant’Ana Barreto, que muito bem podia voltar ao seu antigo lugar, visto que a Saúde considera tão imperiosa a necessidade de haver médico em Cacheu (e assim será se essa necessidade se confirmar) sendo dispensável o provimento desde já de diretor, interino, do Laboratório Central de Análises, pois esse cargo está desocupado há pelo menos quatro anos, embora oficialmente constasse que estava a cargo do sr. chefe dos Serviços de Saúde. Não há, pois, razão para deixar de atender as justas pretensões de Bissau, tendo chegado agora a oportunidade de restabelecer um pouco o equilíbrio de interesses dos médicos do quadro da Guiné, reduzindo aos limites do razoável a ucharia de Bissau, que tantos dissabores tem causados aos governadores da província pela luta de interesses que sempre provoca quando se lhe pretende bulir.

O Governador tem de orientar-se pelo bem geral ou interesses e comodidades do maior número, embora tenha de ir ferir interesses e necessidades, aliás ainda não criadas, do ilustre facultativo que é agora chamado a chefiar a secção médica de Bissau e por quem tem a maior consideração. Os outros pontos da província, e especialmente Cacheu, terão médico quando a Guiné tiver o seu quadro de saúde completo. Bolama terá dois médicos, Bissau terá dois. Cumpre-se assim o que está estabelecido no Regulamento de Saúde. É o que em última análise determino; indo para Bissau o Dr. José Vitorino Pinto e ficando ali fazendo serviço o Dr. Brandão que já lá se encontra e tem prestado serviços clínicos em Bissau a contento de toda a população. O Dr. Sant’Ana Barreto, se o sr. chefe dos serviços de saúde entender que os seus serviços são mais necessários em Bolama, poderá aqui continuar como diretor interino do Laboratório de Análises.”

Novo ciclo de rebeliões nos Bijagós, Canhabaque atacou à mão armada as forças do destacamento, o governador anuncia estado de sitio
Ficou na História com o nome Golpe dos Generais, Filomeno da Câmara pertencia à Cruzada Nun’Álvares, caminhamos passo a passo para o 28 de maio de 1926
Anúncio de que as operações em Canhabaque tiveram sucesso
Novo Governo, os Governos duram cada vez menos em Lisboa, os militares estão plenamente descontentes e começou a sua aliança com as forças conservadoras
Um dos problemas mais graves da economia guineense, havendo mesmo paralisação da economia, de tal modo que nem os funcionários públicos podiam transferir dinheiro para a metrópole, era resultado dessa suspensão do BNU, pelo que o governador autoriza as firmas comerciais a título provisório a fazer livremente transferências de dinheiro para a metrópole.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26881: Historiografia da presença portuguesa em África (484): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1922 para 1923, é a era do governador Vellez Caroço (38) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26881: Historiografia da presença portuguesa em África (484): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1922 para 1923, é a era do governador Vellez Caroço (38) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Há indícios de progresso nestes tempos de grande penúria, impacto das carestias deixadas pela Primeira Guerra Mundial e a constante instabilidade política que se refletiu em governações incolores até à chegada de Vellez Caroço. A década de 1920 marca a chegada do primeiro voo de Lisboa a Bolama, de que se mostra aqui uma fotografia aérea; e surgiu a Empresa de Viação da Guiné que anuncia em sucessivos Boletins Oficiais o seguinte:
"Com o fim de estabelecer carreiras automóveis para transporte de passageiros entre Bissau e as principais povoações desta colónia acaba de se constituir esta empresa com sede nesta cidade (Bissau). As carreiras serão abertas ao público com dois automóveis, de 1 de outubro próximo em diante. Para serviço de transporte de carga temos em Bissau dois camiões à disposição dos nossos excelentíssimos clientes. Possuímos garagens em Bissau e Nhacra, e para manter com regularidade estas carreiras teremos permanentemente um automóvel Overland nesta última localidade. Passagem e fretes a preços módicos e sem competência, o gerente técnico, Adriano Pinto da Costa."
Velez Caroço terá forte contestação pela questão dos câmbios e sobretudo dos cambiais, tive a oportunidade de desenvolver esta questão no livro sobre o BNU da Guiné, tudo tinha a ver com o estado financeiro do país.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1922 para 1923, é a era do governador Vellez Caroço (38)


Mário Beja Santos

Nem tudo o que domina a atualidade política e governamental está sob a égide da firmeza do governador Vellez Caroço. Há outros acontecimentos que talvez mereçam a nossa atenção. O Boletim Oficial n.º 51, de 23 de dezembro de 1922, são publicados os estatutos da Associação Desportiva de Bissau, ela tem como finalidade praticar todos os jogos desportivos e recreativos adaptáveis ao meio, futebol, críquete, ténis, jogos atléticos, etc., mas conseguir a união de toda a mocidade de Bissau promovendo passeios e festas, logo que os seus fundos permitam (confesso que não voltei a ouvir falar nesta associação, nem sei mesmo se não passou de uma boa intenção). Antes, em 18 de março, no Boletim Oficial n.º 11, uma singular notícia emanada da Secretaria dos Negócios Indígenas: “Para conhecimento dos interessados e devidos efeitos, faz-se público que na madrugada 16 do corrente se suicidou, cortando as carótidas o régulo da região de Ganadu, área na 9.ª Circunscrição Civil (Bafatá) de nome Iobá Sirá.”

Estamos agora em 1923, no Boletim Oficial n.º 21, de 26 de maio, vamos de novo ouvir falar de Jaime Augusto da Graça Falcão. Ele interpusera recurso junto do Conselho Colonial, nessa altura Falcão era administrador efetivo em Cacheu, fora punido com 30 dias de suspensão. No seu recurso Falcão alega que não houvera propósito de desrespeito, atenda-se à natureza da decisão deste Conselho:
“O motivo da suspensão foi o de o recorrente não dar cumprimento à ordem que contratara alguns indígenas da sua circunscrição para o serviço do tráfego comercial em Bolama, por entender que a ordem era ilegal, por não poder ser engajador de serviçais para particulares, tanto mais que o recorrido sabia que na circunscrição que administrava lhe eram precisos trabalhadores para a construção do edifício para a administração e para a conservação de estradas e ainda era sabido que as casas comerciais costumavam arranjar diretamente os trabalhadores de que necessitavam.
A Secretaria dos Negócios Indígenas sabia bem que aquela ordem era ilegal, tanto assim que lhe a mandou por telegrama em cifra, confirmando-a também em cifra em nota de serviço, e que se tivesse sido ouvido, como manda a lei, teria exposto quais as razões por que não dera cumprimento à ordem, mas que isso podia não agradar aos dimanantes da ordem.


Visto e examinado o processo e tudo mais que dos autos consta e ouvido o Ministério Público:
Considerando que não existem nos autos os termos da nota que a portaria recorrida reputa desrespeitosos;
Considerando que, embora a nota fosse redigida em frase menos respeitosa, isso não constitui motivo para deixar de ser ouvido o arguido, conforme manda a lei, sendo, portanto, uma formalidade legal e indispensável que tinha de cumprir-se;
Considerando que não é boa prática as autoridades administrativas compelirem-se a desempenharem o papel de engajadores, antes lhe cumprindo apenas de facultar o fornecimento de trabalhadores para a respetiva circunscrição e dentro dela, o que é diferente do que ser seu engajador;
Considerando que ninguém pode ser compelido a fazer senão aquilo a que a lei obriga; e
Não restando dúvida de que a ordem dada ao recorrente de forma indicada determinava que angariasse trabalhadores para particulares em Bolama, o que não é justo, dão provimento ao recurso e anulam a portaria recorrida.”


Mas já é tempo de voltarmos às medidas firmes e de autoridade que Velez Caroço vinha assumindo desde o início do seu mandato. No Boletim Oficial n.º 21, de 26 de maio, temos um despacho sob um processo inquérito a acontecimentos que tinham dado em Canchungo, em 20 de julho de 1922, o governador era levado a concluir:
“1.º Que Baticam Ferreira, ex-régulo, residente na Costa de Baixo, é um elemento de discórdia naquela circunscrição, sendo em volta do seu nome e com a sua própria instigação que se deram os atos de indisciplina em Canchungo
2.º Que os indígenas Emcari, irmão do Baticam; e Nhará, não só desobedeceram às ordens diretas do administrador, capitão António José Pereira Saldanha, quando mandava dispersar um numeroso grupo de Manjacos que em frente à administração protestavam contra a nomeação do chefe do Potabo, mas inclusivamente agrediram os agentes das autoridades, quando estes, no uso legítimos dos poderes que lhe confere esta autoridade, empregavam meios mais enérgicos para os compelir a respeitar as suas determinações, agredindo o Emcari e Nhará o próprio administrador;
3.º Que o indígena Vicente Macúta foi o mandatário do Baticam, sendo ele uma pessoa que andou instigando os indígenas a reunirem-se e a vir protestar a administração;

Em vista do exposto determino:
1.º Que ao ex-régulo Baticam Ferreira seja fixada a residência por cinco anos na circunscrição dos Bijagós, ficando ali debaixo da vigilância da autoridade;
2.º Que os indígenas Emcari, Nhará e Vicente Macúta sejam desterrados para a circunscrição dos Bijagós por dez anos, devendo o respetivo administrador fixar-lhes como residência uma ilha diferente daquela em que ficar residindo o Baticam Ferreira;
3.º Para sossego da região o estabelecimento da boa harmonia entre os indígenas, seja desde esta data destituído o chefe de Potabo, deverá, todavia, ser reconduzido, se em uma nova eleição entre os indígenas, a que o atual administrador deve mandar proceder imediatamente, se o seu nome for novamente indicado;
4.º Que o administrador da Costa de Baixo ouça todos os indígenas ou os grandes das regiões onde houver descontentamento com a escolha dos chefes e, em nota devidamente informada, para este Governo, proponha a realização de eleições segundo o costume indígena.”


Para concluir, vejamos agora o teor de uma nota também bastante curiosa publicada no Boletim Oficial n.º 39, de 29 de setembro, trata-se de um aviso da Direção dos Serviços de Marinha, fora encontrado nas praias de Puana e Pidjiquiti um apreciável número de bocados de madeira e sibes inteiros ainda com utilidade, mas abandonados, causando estorvo ao encalho de embarcações, quando podres estes bocados de madeira poderão prejudicar a saúde pública, é conveniente avisar os respetivos donos para procederem à sua remoção. Aviso complementar é o de estado de abandono, nas praias de Bolama e Bissau, de várias embarcações, quase todas inutilizadas, prejudicando serviços de utilidade pública como também funcionando como depósito de dejetos, os seus proprietários eram convidados à reconstrução ou à demolição das mesmas embarcações.
Tenente-coronel Vellez Caroço
Teixeira Gomes é Presidente da República
Vista aérea de Bolama tirada do avião antes de aterrar, em 1928
Um pormenor da estrada de Bissau para Bor, anos de 1930

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 28 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26859: Historiografia da presença portuguesa em África (483): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1921, começou a era de Vellez Caroço (37) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26859: Historiografia da presença portuguesa em África (483): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1921, começou a era de Vellez Caroço (37) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Na minha despretensiosa apreciação há três nomes de governadores, desde a criação da autonomia da Guiné até ao fim do primeiro quartel do século XX, que se impõem pela coragem das decisões tomadas, pela nobreza de espírito e um certo olhar visionário: Pedro Ignácio de Gouveia, Carlos Pereira e Vellez Caroço. Este último aparece na Guiné após os turbulentos acontecimentos da pacificação de Bissau em 1915 (que ainda hoje não estão verdadeiramente deslindados, importava à propaganda oficial exaltar o heroísmo de Teixeira Pinto e procurar pôr na sombra de atrocidades praticadas por Abdul Indjai e os seus irregulares), a penúria da guerra, o Sidonismo, a passagem meteórica de vários governadores, que se limitaram à rotina, e não havia dinheiro para o desenvolvimento. Vellez Caroço veio disposto a fazer obra, a impor a disciplina, a proibir a preguiça e a lançar as pedras de projetos indispensáveis para manter a economia da Guiné viável às exportações. Veremos adiante que Vellez Caroço encontrará muita contestação, sobretudo por parte das casas comerciais, é uma situação que eu já tinha detetado quando li os relatórios financeiros da delegação do BNU de Bolama. O que se pode dizer é que Vellez Caroço introduz um modo de liderança e de respeito pelas funções a que se obrigarão os governadores seguintes, caso de Leite de Magalhães ou Carvalho Viegas.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1921, começou a era de Velez Caroço (37)


Mário Beja Santos

O Governador Vellez Caroço é figura dominante do Boletim Oficial no ano de 1921. Até chegar, o que nos é dado a saber é uma pura rotina, parece estar tudo em conformidade dentro dos trâmites usuais. Com Vellez Caroço, ele assume-se como a voz do Governo, quer gestões sérias, vai atacar a indisciplina, enfrenta com rigor a sonolência burocrática. Logo no Boletim n.º 35, de 27 de agosto, aparecem duas portarias que são elucidativas de que quer seriedade nos negócios da administração e premeia os comportamentos exemplares. No primeiro caso, veja-se o que ele escreve:
“Tendo-se dado ultimamente nesta província alguns conflitos de caráter pessoal entre diferentes funcionários e entendendo que devo terminar com tão pouco edificantes exemplos, hei por conveniente mandar publicar:
Ao fazer a minha apresentação nesta província, e referindo-me à disciplina que desejo manter e manterei custe o que custar, declarei: ‘admito que se deem conflitos entre diferentes funcionários, no desempenho das suas funções, mas não posso tolerar, nem tolerarei, tanto nas participações de factos ou delitos, como na apresentação de queixas, se faça uso de uma linguagem despejada e se empreguem termos injuriosos para a dignidade pessoal seja de quem quer que for. Faça-se justiça mas guarde-se a compostura e o decoro.’

O funcionalismo, tanto o militar como o civil, deve impor-se à consideração pública pela sua extrema correção, pela sua delicadeza e fina educação; deve ser um exemplo frisante de altas virtudes cívicas, do mais acendrado patriotismo, do respeito aos poderes constituídos de dedicação à instituições.
Infelizmente, para a disciplina, para o bom nome de alguns funcionários, que ocupam posições de destaque, e para a ordem social pela qual, eu, por dever do cargo, tenho de velar, têm-se ultimamente dado factos que em absoluto se afastam deste ponto de vista.

A bem de todos, e mais uma vez, como manifestação de benevolência e espírito de conciliação, previno e chamo a atenção dos funcionários sobre a forma como encaro este problema de ordem e como interpreto as minhas funções de primeira autoridade da província, na manutenção da disciplina: podem todos ter a certeza que não me afastarei uma linha só que seja do cumprimento dos meus deveres e que, fiel executor das leis, igualmente aplicarei sem tergiversar o rigor dos regulamentos.”


Noutra portaria, Vellez Caroço louva os altos serviços prestados pela guarnição do rebocador Bissau, louvando particularmente o chefe da missão geoidrográfica, o imediato do rebocador e um conjunto de sargentos e praças. E o Boletim Oficial começa a publicar decisões que espelham o que acima o governador advertiu. É o caso do despacho publicado no Boletim Oficial n.º 35, estávamos em 27 de agosto:
“Conformo-me com a opinião do sr. Tenente-Coronel Araújo Júnior, por mim nomeado para proceder às averiguações sobre a queixa apresentada pela Casa Pereira Neves, de Bissau, contra o procedimento do Administrador do Concelho, sr. dr. Francisco Augusto Regala. Não pode invocar-se nem se estabelecer precedente de cada um fazer justiça pelas suas mãos. É contra os mais elementares princípios de justiça e revela inclusivamente uma falta de confiança nas autoridades encarregadas de velar pela ordem.

Por este Governo serão dadas as instruções a todas as autoridades administrativas para que tais factos se não repitam, instaurando com escrupuloso cuidado o processo de investigação e enviando-se a Juízo, devidamente testemunhado, o respetivo auto de notícia. Em harmonia com esta doutrina, oficie-se desde já ao sr. Administrador do Concelho de Bissau para que proceda às devidas investigações sobre os crimes de furto praticados na Casa Pereira Neves e que remeta em seguida o respetivo auto de notícia ao tribunal competente.”


No mesmo Boletim publica-se o despacho do governador quanto a um processo de inquérito mandado proceder aos atos do administrador interino da 6.ª Circunscrição Civil (Papéis):
“Em face do processo de averiguações e respetivo relatório, apresentado neste Governo pelo sr. Tenente-Coronel Araújo Júnior, e referente ao Administrador Vitorino António Casse Mendes, verifica-se que são caluniosas as acusações produzidas contra o referido administrador, que era acusado de condenar os indígenas ao pagamento de multas excessivas e injustificadas e de aplicar-lhes bárbaros castigos corporais.
Folgo de ter ocasião de manifestar a minha satisfação por não se terem confirmado tais acusações, pois embora entenda que os administradores de circunscrições, isolados e sem força pública que os possa apoiar, precisam por vezes de empregar meios enérgicos para manter a disciplina, merecem-me a maior reprovação os exageros e os castigos corporais aplicados como sistema.

Encontrarão sempre as autoridades desta província em mim o maior apoio na defesa do seu prestígio, quando injustamente agravado: não regatearei louvores a quem os merecer; mas, se procedendo assim cumpro simplesmente com os deveres do meu cargo, correlativamente é-me imposta obrigação de fazer justiça, punindo os que se desmandarem.
É com esta orientação que, concordado com as conclusões do relatório do sr. Tenente-Coronel Araújo Júnior, por mim nomeado para proceder a averiguações sobre os atos praticados pelo administrador de Bor, aprovo o seu procedimento enviando a Juízo e exigindo responsabilidade aos indivíduos que falsamente acusaram o referido administrador de faltas tão graves.”


Em outubro, Vellez Caroço faz publicar as propostas orçamentais para 1921-1922, aqui se publica um extrato:
“A Província da Guiné tem as suas finanças equilibradas e tem havido inclusivamente saldos orçamentais, mas, devemos confessá-lo, isso tem sido principalmente devido a não se fazerem melhoramentos com a largueza de vistas que o desenvolvimento comercial e agrícola da província exigem; a ter um constante défice de funcionários, porque poucos são os que querem vir para esta província, onde, a par de uma vida caríssima, verdadeiramente incomportável para quem não negoceia ou não tem que vender, há a suportar as agruras de um clima quase inóspito, e ao qual, só rodeado de comodidades e de um relativo bem-estar, o europeu pode resistir; à incidência de uns direitos excessivamente pesados sobre a exportação das oleaginosas, principal riqueza da Guiné, dificultando-lhe assim a livre concorrência nos mercados (…)
Assim, em breve regulamentaremos o trabalho indígena, melhoraremos os portos de Bissau e Bolama, terminando a construção do cais acostável do Pidjiquiti e consertando a ponte, que ameaçava ruína para as embarcações de maior tonelagem; terminaremos as obras da ponte acostável de Bolama (…)
Somos absolutamente contrários à orientação até agora seguida de terem imobilizados os saldos da colónia, que atingem uma quantia superior a mil contos, sem vencimento de juro algum, quando esses fundos só à colónia pertencem. Como início deste programa e para criar receitas compensadoras que permitam ao orçamento da Guiné comportar o aumento das despesas, onde principalmente avultam o acréscimo dos vencimentos aos funcionários civis e militares, proponho à consideração das entidades competentes as seguintes propostas orçamentais.”


Foram assim os primeiros meses da governação de Vellez Caroço.

O anúncio da chegada do Tenente-Coronel Jorge Frederico Vellez Caroço
Tenente-Coronel Vellez Caroço
Aldeia Fula, 1910
O Geba em Bafatá

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 21 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26827: Historiografia da presença portuguesa em África (482): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, estamos em 1920 (36) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26827: Historiografia da presença portuguesa em África (482): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, estamos em 1920 (36) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Como seria de esperar, a turbulência política do Sidonismo e da sua queda, a intervenção ditatorial subsequente, a incursões monárquicas de Monsanto, as lutas partidárias com sucessivas formações e quedas de Governo tiveram os seus reflexos em nomeações de governadores que não se revelaram brilhantes, virá em 1921 uma figura de projeção, Vellez Caroço, deixou marcas. Tudo parece insípido, rotineiro, publicam-se as medidas legislativas de âmbito nacional, só esporadicamente há uma nota ou outra que nos permite observar o que evolui na Guiné; achei particularmente relevante a medida de Sousa Guerra numa tentativa de evitar a exploração dos arrendatários, sobretudo em Bissau, não há aumentos de vencimento de funcionários públicos, não se constrói, tudo encareceu, o governador Sousa Guerra toda medidas extraordinárias; novamente se fala de Graça Falcão, é castigado, já não é novidade; é tempo de se sonhar com modernização agrícola, maquinaria moderna, sonha-se com uma agricultura de grande escala, como aqui se refere com o caso da Companhia do Fomento Nacional, 25 mil hectares, tudo rapidamente no fundo.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, estamos em 1920 (36)


Mário Beja Santos

A Guiné está a atravessar um período de extremas dificuldades económicas, repercute inevitavelmente as perturbações do fim do sidonismo, da ditadura militar subsequente, das incursões monárquicas, das nomeações e quedas dos sucessivos Governos. Não há qualquer referência na leitura que fiz do Boletim Official do ano de 1919 que permita ficarmos a saber o grau de tensões que ali se vivem, o que ali se publica é uma enxurrada de regulamentos e legislação metropolitana, para além das posições burocráticas e administrativas que envolvem nomeações e demissões, orçamentos, movimento marítimo, etc.

E assim chegamos a 1920 e logo em 24 de janeiro, no Boletim Oficial n.º 4, no suplemento chama a atenção uma medida de política social, jamais se encontrara menção a uma abordagem como esta, tem a ver com a política de habitação e os arrendamentos:
“De há muito vem agravando as já difíceis condições de vida das classes menos abastadas o elevado preço das rendas de casa em quase toda a província e muito especialmente em Bissau, onde ultimamente atingiu proporções de tal forma exageradas que exigem do Governo da província a adopção de providências excecionais que impeçam que, ainda mais, se acentue a elevação sempre progressiva do aluguer das casas.
Para as classes proletárias e para o funcionalismo público, a não ser estabilizado o custo das rendas, impossível se tornaria, em breve, a sua permanência em Bissau, absorvida a quase totalidade dos seus salários e vencimentos, com as despesas do aluguer de casas.

O Governo da província vai, com urgência requerida, mandar proceder à construção de edifícios próprios para a habitação de funcionários e à venda de terrenos para construções urbanas no novo bairro, medidas que reputa suficientes para debelar a crise que atravessamos. De momento, porém, e dado que as construções a fazer levarão tempo a concluir-se, urge adoptar providências excepcionais, de carácter transitório, que impeçam que mais se agrave o custo já exagerado das rendas de casa.

Para o que, tendo ouvido o Conselho do Governo e com o seu voto afirmativo, determino:
1 – Os senhorios de prédios urbanos não poderão aumentar a renda dos seus prédios durante 1 ano, a partir da data da publicação desta portaria, aos actuais inquilinos.
2 – Nos futuros contratos de arrendamento, a renda não poderá em caso algum ser superior à que estiver inscrita na matriz predial em vigor.
3 – Os senhorios que arrendarem os seus prédios por quantia superior à fixada no artigo anterior serão punidos como desobedientes e obrigados a restituir ao próprio arrendatário a importância que houverem recebido a mais.
4 – Os senhorios dos prédios urbanos que não queiram os seus prédios para a sua habitação, não podem recusar a renovação do arrendamento aos seus atuais inquilinos, quando estes sejam funcionários públicos em efetivo serviço.”


Pelo Boletim Oficial n.º 22, de 29 de maio, vamos saber que Graça Falcão, outrora um militar altamente condecorado, continua a fazer das suas, e o Governo não lhe tolera as tropelias:
“Considerando que o administrador da 6.ª Circunscrição Civil, Jaime Augusto da Graça Falcão, querendo justificar a impossibilidade de incumprimento da ordem que em meu nome lhe fora transmitida pela Secretaria dos Negócios Indígenas, de contratar para o serviço de tráfego comercial em Bolama alguns indígenas da sua circunscrição, o fez em termos que, não constituindo justificação aceitável, revelam a par do seu desinteresse dos serviços que lhe competem, o mais claro propósito de desrespeito; e
Sendo indispensável manter, para a regularidade e boa ordem dos serviços públicos a máxima disciplina, do que resulta a necessidade de rigorosa e imediata punição dos actos dos funcionários públicos que signifiquem quebra da mesma ou visem a perturbar o regular funcionamento dos mesmos serviços, mormente quando praticados por funcionários que pela sua situação oficial devem ser os melhores auxiliares do Governo da colónia da sua administração;

Considerando que a falta praticada pelo administrador Graça Falcão se acha verificada em documento escrito, cuja autenticidade não pode ser posta em dúvida, o que dispensa, para ser punida a formalidade de audiência do culpado,
Hei por conveniente aplicar ao referido administrador a pena de 30 dias de suspensão de exercício do seu cargo, percebendo durante o mesmo período 50% do seu vencimento de categoria.”

Esmiuçando Boletim por Boletim os movimentos de pessoal, chegadas e partidas, nomeações e promoções, cheguei a algo que me interessou pessoalmente muito, e que no fundo corrobora o que já lera na correspondência dos chefes de delegação do Banco Nacional Ultramarino neste período, a corrida à criação de empresas agrícolas na região onde eu vivi em 1968 e 1969, empresas essas que pareciam nascer até grande sucesso e muito rapidamente caíram no chão. O caso que se vai citar é um deles. É um aviso publicado no Boletim Oficial n.º 35, de 28 de agosto de 1920:
“Tendo a Companhia do Fomento Nacional requerido, na área da Circunscrição Civil de Bafatá, a concessão de 25 mil hectares de terreno, que está situado na margem direita do rio Geba, abrangendo as regiões de Joladu-Cuor e Mansomini, ficando a referida concessão compreendida entre as populações de Sare e Quéda, Sare Carvalho e Farato, no regulado de Joladu, envolvendo as seguintes povoações do mesmo regulado: Ieró-Cunda, Sambá-Bina, Gã-Tumane, Chuel, Sare-Mankali, Temati, Cofiá, Sare-Ganha, Sare-Sissau e Buali, regulado de Mansomini, e Sare-Duá, tendo os extremos Sul na povoação de Ganturé, regulado do Cuor, e envolvendo mais as seguintes povoações deste regulado: Adêa, Dá-Salume, Caraquecunda, Gã-Cumba, Sancorlã, Mansena, Gã-Samena e Cusarandim.”

Tratava-se de regiões muito férteis, os presumíveis empreendedores contavam em trazer equipamento moderno, montar instalações perto do rio Geba, mas esqueceram-se do essencial, a sensibilização dos agricultores e a proposta de renumerações justas, estes agricultores, deste sempre e até mesmo hoje, confiavam na agricultura nos seus terrenos e não trabalhavam por conta dos colonos, preferiam entregar as suas produções aos agentes das grandes empresas. Por falta de capacidade de saber negociar com os régulos e com os próprios agricultores faltou mão de obra e todas estas empresas que laboraram tiveram curta vida.

Primeiras notícias das insurreições do Monsanto
Notícia da derrota da incursão monárquica no norte do país, Paiva Couceiro teve que fugir para a Galiza
Notícia das perturbações que avassalaram o país, devido às incursões monárquicas
Nomeação do governador interino, capitão-tenente José Luís Teixeira Marinho
Chegada de novo governador em 1919, o capitão de Infantaria Henrique Alberto de Sousa Guerra
Dançarinos Mancanhas, 1910

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 14 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26800: Historiografia da presença portuguesa em África (481): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1917 e 1918 (35) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26800: Historiografia da presença portuguesa em África (481): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1917 e 1918 (35) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
É o período tormentoso da Primeira Guerra Mundial, tormentoso também na vida política nacional, com forte incidência é na instabilidade de governação da Guiné: Manuel Maria Coelho é governador interino em 1917, em julho toma posse o tenente-coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira e cerca de 13 meses depois regressa Josué de Oliveira Duque. O Boletim Oficial regista predominantemente os acontecimentos nacionais, transcreve numerosos regulamentos e portarias. Ainda me ocorreu, sem querer concorrer com o livro de Armando Tavares da Silva citar o que escreve o chefe da delegação de Bolama neste período sobre a vida na Guiné, mas contive-me. Peço ao leitor que leia uma nota do Estado-Maior a pedir às forças militares que procedam com bom-senso e não se esqueçam da sua missão civilizadora. Persistem nos Bijagós, mormente em Canhabaque, atitudes de rebelião, aqui se dá nota também de um ato de submissão, mas a chamada pacificação total só irá acontecer em 1936, é quando se dá como pacificada toda a colónia.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1917 e 1918 (35)


Mário Beja Santos

Continuamos no período conturbadíssimo da guerra, a economia da Guiné está profundamente abalada, a dança das cadeiras governamentais faz com que haja no princípio de 1917 um governador interno, Manuel Maria Coelho, em julho é nomeado o Tenente-Coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira, em Agosto de 1918 regressa Josué de Oliveira Duque. O Boletim Official, como é óbvio, reflete os acontecimentos nacionais e internacionais, vive muito cingido ao expediente burocrático e administrativo, aqui e acolá temos algumas notas do pensamento colonial, fala-se na perceção do risco da pregação islâmica e surge um novo clube, o Clube Fraternidade de Farim.

No Boletim Oficial n.º 46, de 17 de novembro de 1917, o Chefe do Estado-Maior interino, o Major Joaquim Maria da Costa Monteiro expede uma circular para os comandantes de unidades, comandantes militares, comandantes militares de regiões desanexadas, comandantes de postos e comandantes de postos militares administrativos:
“Do domínio público é que a Guiné tendo iniciado uma época de desenvolvimento na paz a que o indígena se subordina, precisa de efetivar todas as manifestações de uma vida produtiva e essencialmente progressiva.

A Guiné nascendo das trevas em que tem vivido, precisa de demonstrar evidência da sua grande riqueza, na seiva que enche às suas veias opulentas e salutares, na pujança que expande dos seus membros musculosos e fortes.
Para isso necessário se torna que o indígena desperte do seu letargo, trazendo-lhe a sua útil colaboração em todos os problemas da vida social; necessário é que nele se incuta a confiança absoluta na justiça dos seus chefes europeus, e necessário ainda é que ele saiba apreciar toda a nossa leal e frança coadjuvação nas aspirações que por direito próprio ou por justificada razão lhe possam surgir. Reprima-se com energia qualquer ato que demonstre o espírito de rebelião ou de intencional criminalidade, mas nunca se pratique a pretexto de qualquer incidente, mais ou menos fútil, a imediata ou premeditada subjugação pelas armas.

A ponderação deve estar sempre como factor principal na solução dos problemas sujeitos à apreciação dos chefes; o bom critério, assisado e franco, deve ser o apanágio do brilho que reveste o prestígio da autoridade; e finalmente bom exemplo dá ao chefe a força da sua dignidade e da sua autoridade. É nesta conformidade que eu, autorizado por Sua Excelência, o Governador, chamo à atenção dos senhores oficiais todos os graduados para a sua missão civilizadora e educadora perante os mesmos indígenas que lhes estão confiados e subordinados.
Nunca este Quartel-General sancionará, e antes tomará as respetivas e inteiras responsabilidades, a manifestações de veleidades com pruridos de força, a que não assistam da imprescindível urgência de uma repressão imediata, em crimes que afectem a dignidade e prestígio da soberania portuguesa pelo respeito pela autoridade constituída.”


No Boletim n.º 47, de 24 de novembro, temos uma circular da Secretaria dos Negócios Indígenas da Guiné, vale a pena transcrevê-la:
“Sua Excelência, o Governador Interino, encarrega-me de chamar a atenção de todas as autoridades administrativas, civis e militares, para os inconvenientes e perigos que representam para a segurança e moral pública a presença, nos territórios que estão sob a sua jurisdição, de quaisquer entidades tituladas xerifes ou marabus, que professam a religião do Islão. Essas personagens, filiadas todas em confrarias muçulmanas, dizendo-se quase sempre descendentes do Profecta, vão de povoação em povoação pregando às populações a observância estrita das cinco grandes obrigações da lei muçulmana, entre elas a guerra santa.

A par destas prédicas, invocando a sua santidade, vão extorquindo aos indígenas tudo quanto podem, intimidando-os e ameaçando-os com a cólera do Madhi, recebendo por esse meio presentes valiosos. Por vezes provocam desacatos, como muito recentemente ocorreu na circunscrição civil de Geba, onde um desses intrujões pretendeu incutir nas povoações onde passava a santidade, dizendo-se portador do Alcorão mas fazendo também transportar consigo, às ocultas, armamento que dele se serviu quando se viu perseguido pelas forças da polícia da Circunscrição Civil de Geba. Actos desta natureza tinham de ser punidos pela força, como efectivamente o foram, até à captura do famigerado Marabu, que internando-se no território francês de onde viera, ali foi expulso pelas respectivas autoridades, e depois de extraditado, deportado para a Província de S. Tomé e Príncipe por dez anos.

Logo que tenham conhecimento de que na área da sua jurisdição se encontrar qualquer xeque, xerife ou marabu, mandá-lo-ão intimar a apresentar-se imediatamente na sede, a fim de ser submetido a um interrogatório sumário. Se se provar que não tem modo de vida regular, enviá-lo-ão ao poder judicial, para que, depois de julgados possam cumprir a pena de trabalhos públicos ou trabalho correcional. Cumprida a pena serão reenviados aos seus países de origem.
Todos os administradores e comandantes militares devem, contudo, ter sempre presente que as medidas indicadas não têm por fim entravar o livre exercício da religião muçulmana mas tão somente proteger os indígenas que seguem esta religião contra os actos de burla e de abuso de confiança dos xerifes e marabus que venham de terras estranhas explorá-los na sua simplicidade.”


No Boletim n.º 48, de 1 de dezembro, noticia-se que foram aprovados os estatutos do Clube de Fraternidade de Farim, o seu fim é de promover a harmonia dos associados, proporcionando-lhes distrações e divertimentos como jogos lícitos, desportivos, leituras, música, soirées, récitas e palestras.

O ano de 1918 é muito parcimonioso, mas ocorre que no Boletim de 2 de fevereiro publica-se um ato de submissão, este ocorrera no dia 23 de janeiro, na residência do Governo da Guiné, estavam presentes os membros do conselho de Governo, oficiais militares, funcionários públicos, todos para assistir ao ato de submissão prestado pelos régulos de In-Orei, de Ancamane, de Ambior, de Menéque, de Béne, de Bani, Combá e de Bani e de Juliana, todos de Canhabaque. “Interrogados por Sua Excelência, o Governador, por intermédio do Alferes de 2.ª Linha, Mamadu Sissé, sobre as causas determinantes da guerra, responderam que vinham pedir perdão ao Governo, por terem feito fogo sob a força que desembarcou em Canhabaque, sem esta lhes ter feito coisa alguma. Que se não tivessem culpa não vinham pedir perdão, estando prontos a entregar todas as armas que possuem, e a pagarem a taxa de guerra, mas pediam ao Governo que lhes desse um prazo para pagarem a mesma taxa, porque agora não têm dinheiro para pagar. Sua Excelência, o Governador, concedeu o prazo de 6 meses para o pagamento da taxa de guerra, declarando mais que podiam ir descansados reconstruir as suas casas e amanharem as suas terras.”

Assassinato de Sidónio Pais
A I República estremece, notícia sobre o golpe que destitui o Presidente da República e dá a presidência a Sidónio Pais
Manuel Maria Coelho, Governador Interino da Guiné, 1917
Bombeiros da Guiné, imagem retirada de Casa Comum/Fundação Mário Soares
Dançarinos Mancanhas, 1910

(Fotos editadas por CV)

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 7 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26776: Historiografia da presença portuguesa em África (480): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1916 e 1917 (34) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26776: Historiografia da presença portuguesa em África (480): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1916 e 1917 (34) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Quero resistir à tentação de introduzir nestes relatos os comentários do chefe da delegação do BNU em Bolama que incluí no meu livro Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné, confesso que até podiam trazer mais esclarecimento ao que procuro juntar com as transcrições que faço separadamente do acervo que Armando Tavares da Silva recolheu no Arquivo Histórico Ultramarino, este é usado para evidenciar o que no Boletim Oficial é omisso. Seja como for, nota-se que a atmosfera de guerra suscita novas exigÊncias de comunicação, por exemplo: não se pode esconder o facto que há exportações proibidas, por contingência da guerra; há novas insubmissões nos Bijagós, mormente em Canhabaque, formam-se colunas, só vinte anos depois se consegue alcançar a chamada pacificação; e foi publicado o Estatuto Orgânico da Província da Guiné, está montada a ideologia que separa o civilizado do indígena. E, como veremos adiante, o final do ano traz um golpe de Estado, vai chegar Sidónio Pais e a sua cruzada.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1916 e 1917 (34)


Mário Beja Santos

Já estamos em guerra, vão ser tomadas medidas para garantir os abastecimentos, aparecerão listas de géneros cuja exportação para as colónias portuguesas é proibida ou que depende de autorização superior. Em 1917, chegámos à Flandres, segue-se o Sidonismo, no final do ano, chegara o primeiro homem providencial, sabe ao que vem e quer ordem e autoridade. Chega à Guiné o coronel de Infantaria Manuel Maria Coelho, nomeado governador interino, partiu Andrade Sequeira; em julho, toma posse o governador efetivo, Tenente-Coronel Carlos Ivo de Sá Ferreira.

No Boletim Oficial n.º 42, de 14 de outubro de 1916, dá-se conta da decisão do Governo em Lisboa para se saber o que pode ser exportado para as colónias portuguesas. Foi proibido exportar: arroz, açúcar, bacalhau, batatas, cereais e as suas farinhas, feijão, gados, minérios, cimento. Aparece em nota que poderá ser superiormente autorizada exportação para a colónia de Moçambique de todos os géneros e mercadorias destinadas a expedições militares ou às necessidades da guerra. É uma lista de géneros e mercadorias cuja exportação para as colónias depende de autorização superior: conservas de vaca e porco, lãs em qualquer estado, ovos, peles ou couros, veículos (exceto automóveis e seus pertences), aves de criação, enxofre. E ficam proibidas as exportações para o estrangeiro de todos os géneros alimentícios, com exceção do açúcar.

Entrámos em 1917, no Boletim Oficial n.º 11, de 17 de março, temos a seguinte publicação do Quartel-General:
“Tendo-se tentado por meios suasórios chamar ao convívio da civilização e à subordinação ao Governo os indígenas da ilha de Canhabaque, impondo-se apenas a entrega das armas em seu poder e o pagamento do imposto de palhota e até mesmo só esta última condição; e
Sendo cada vez mais acentuadas as provas de desrespeito para com a nossa soberania dadas por aqueles povos, o que constitui uma situação que não pode nem deve continuar; Mas sendo também de presumir que dado o estado de indisciplina em que eles se encontram, que é do domínio público, haja primeiro necessidade de os reduzir por meios violentos à obediência, a fim de os obrigar a acatar a nossa soberania e para o que será preciso tomar medidas excecionais…”


E na continuação declara-se o estado de sítio do arquipélago, fica proibido todo o género de comunicação entre Canhabaque e Bubaque, Rubane e João Vieira, interdito o comércio com as mesmas ilhas, organizada uma coluna de polícia à ilha de Canhabaque comandada pelo Tenente de Infantaria Henrique de Sousa Guerra, dá-se a lista da composição das tropas, dos auxiliares e das unidades de Marinha.

Estamos em plena guerra, teme-se as consequências da população andar armada, há ainda a reminiscência do que aconteceu na ilha de Bissau em 1915, procura-se agora uma regulamentação do comércio de armas, munições e pólvora, Manuel Maria Coelho decreta, recordando os inconvenientes que resultam para a fiscalização das relações existentes entre os negociantes que se estabelecem no mato e os indivíduos dessas regiões, atendendo à necessidade de regularizar os processos de transacionar com o gentio, fazendo-os ter confiança na probidade dos comerciantes, etc., etc., determina-se que os administradores das circunscrições e dos concelhos, bem como os comandantes militares não concedam licenças a quem quer que seja para se estabelecer com o comércio fora das povoações formadas e aos chamados negociantes ambulantes ser-lhes-ão concedidas licenças para comerciar desde que não sofismem as intenções do que aqui se determina.

Em portaria subsequente, o governador lembra que é proibido o comércio de armas e pólvora na província e escreve-se assim:
“Sendo certo que entre o gentio ainda existem muitas espingardas, impõe-se aos administradores de circunscrições e de concelhos, assim como aos comandantes militares, que procurem recolhê-las todas e no mais curto prazo. Mas sucedendo que as populações gentílicas carecem de defender-se dos animais ferozes e de fazer caça a esses, assim como é justo que se respeite o uso dos tiros de pólvora seca nas suas festas, determino que aquelas autoridades forneçam um certo número de armas a cada chefe da tabanca, que por ele é responsável, e a pólvora suficiente para aqueles efeitos.”

No Boletim Oficial n.º 23, de 9 de junho, nova portaria do Quartel-General ressaltando que é necessário estabelecer um posto na ilha de Canhabaque, volta-se a declarar o estado de sítio no arquipélago dos Bijagós, a proibir todo o género de comunicações das ilhas de Canhabaque, Bubaque, Rubane e João Vieira e organiza-se uma coluna móvel que tem como comandante o major Carlos Ivo de Sá Ferreira, e designam-se as respetivas tropas.

O suplemento ao Boletim Oficial n.º 26, de 4 de julho, insere o Estatuto Orgânico da Guiné, é do meu mero interesse fazer uma referência ao artigo 305:
“O governador da província é por si e por intermédio dos funcionários seus subordinados, o protetor nato dos indígenas da Guiné Portuguesa, e ainda daqueles cujo estado de civilização lhes seja idêntico, embora de naturalidade diversa. Compete ao governador dirigir as relações políticas com os chefes indígenas, de maneira a conseguir e manter, tanto quanto possível, por meios pacíficos, a sua submissão e integração na vida geral da colónia.”

Os artigos seguintes caracterizam a figura do indígena, é todo o indivíduo natural da Guiné que não tenha alcançado ainda o uso pleno dos direitos civis e políticos distribuídos aos cidadãos portugueses. Estes indivíduos podem entrar no pleno uso dos direitos civis e políticos próprios aos cidadãos portugueses desde que satisfaçam as seguintes condições: "ter dado provas de dedicação pelos interesses da Nação Portuguesa; saber ler e escrever ou pelo menos falar a língua portuguesa.”

Para finalizar, encontramos também uma outra não menos curiosa nota no Boletim Oficial n.º 33, de 18 de agosto, portaria que emana na Repartição Militar. O ministro das Colónias determinara que vão ser publicados no Boletim Official os louvores propostos pelo comandante da coluna de operações de Bissau em 1915, a diversos indivíduos e casas comerciais pelos serviços prestados à coluna durante as referidas operações, excluindo desses louvores aqueles que dissessem respeito a indivíduos ou casas comerciais alemãs ou pertencentes a nações com as quais Portugal tivesse interrompido as suas relações diplomáticas.

Para os louvores propostos figuram vários indivíduos naturais da Síria, província da Turquia, nação pela qual Portugal tem as suas relações diplomáticas interrompidas, mas que estão atualmente debaixo da proteção da França, e por isso deixaram de ser considerados como súbditos inimigos. Assim, é de justiça que se cumpra com respeito aos naturais da Síria e louvam-se Jorge Karam, pelo valor que patenteou durante os combates em que tomou parte e as casas comerciais Jorge Karam, Soda Fréres, Moustapha Jonad e Simon Thyan, pela oferta de vários géneros alimentícios, colas e dinheiro para o hospital de sangue e auxiliares da coluna.

O inquérito à atuação do Capitão João Teixeira Pinto
Já estamos a combater na Flandres
Capitão de Infantaria João Teixeira Pinto, o pacificador da Guiné, edição da I Exposição Colonial Portuguesa, 1934
Mercado de Mansabá, imagem restaurada no projeto Casa Comum/Fundação Mário Soares
Barracas de palmeiras, Mansabá. Imagem restaurada no projeto Casa Comum/Fundação Mário Soares
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Nota do editor

Último post da série de 30 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26746: Historiografia da presença portuguesa em África (479): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1915 e 1916 (33) (Mário Beja Santos)