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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27441: Historiografia da presença portuguesa em África (504): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1949 (62) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
O capitão de fragata Manuel Maria Sarmento Rodrigues já partiu para outros desígnios, está agora a construir-se a sua lenda, a sua memória indissolúvel. O encarregado do Governo propõe o seu nome para a ponte de Ensalmá, destinada a unir a ilha ao continente. Ponte que acabou num desastre ecológico, veio a independência e esqueceu-se a manutenção. O Boletim Oficial traz boas notícias, a produção de arroz é exuberante, a cidade está convertida num estaleiro. Na circunstância, aproveitei para fazer uma larga referência ao discurso de Sarmento Rodrigues no mesmo dia em que assistiu ao início da construção da ponte-cais de Bissau e em que também rejubilou com o início dos trabalhos da ponte de Ensalmá, hoje substituída por uma construção bastante sólida e que se espera que não tenha o triste fim que teve aquela construção em ferro que a incúria transformou em sucata.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, inícios de 1949 (62)


Mário Beja Santos

1949 ainda guarda a sombra tutelar de Sarmento Rodrigues. O encarregado do Governo, até chegar o Governador Raimundo Serrão, será o Tenente-coronel Pedro Joaquim da Cunha e Menezes Pinto Cardoso, o Chefe de Gabinete é o 1.º Tenente António Augusto Peixoto Correia, que um dia será governador da Guiné e depois Ministro do Ultramar.

Antes de voltar a essa sombra tutelar que foi Sarmento Rodrigues, importa dizer que a produção de arroz se revelou excecional neste ano. Foi criada a povoação de Cantonez, na Circunscrição Civil de Catió, deu-se como justificação a necessidade de se exercer uma mais ativa e eficiente fiscalização sobre o comércio de arroz, era público e notório que a produção ia sendo drenada clandestinamente para território estrangeiro. Tomaram-se medidas em prol dos interesses económico das praças indígenas, definindo que estas quando em serviço público superiormente autorizado, ao deslocarem-se a mais de dez quilómetros da área do aquartelamento e desde que a deslocação demorasse 24 horas ou mais, seriam abonados de ajuda de custo diária de cinco escudos.

No Boletim Oficial n.º 18, de 2 de maio, consta o diploma legislativo 1:444:
“Interpretando o sentir da população da Guiné que com a maior grandiosidade e brilho tem homenageado o ex-governador desta colónia, Capitão de Fragata Manuel Maria Sarmento Rodrigues;
Indo ao encontro das intenções dos membros do Conselho de Governo;
Considerando a obra verdadeiramente notável que realizou durante o período do seu governo;
Considerando ainda o especial e persistente interesse que dedicou à velha aspiração da Guiné, a construção de uma ponte ligando a ilha de Bissau ao Continente, cujos trabalhos inaugurou oficialmente em 10 de julho de 1948;

Com a aprovação do Governo, o encarregado do Governo manda o seguinte: a Ponte de Ensalmá será designada Ponte Governador Sarmento Rodrigues, o que nos remete para um discurso do ex-governador no início oficial da construção da ponte-cais, em Bissau, igualmente em 10 de julho de 1948, é uma bela peça, não só de recorte literário, espelha o que o tinha trazido à Guiné naquela vertigem desenvolvimentista:
Nós por cá não somos muitos, não somos demais. Estamos absorvidos por um programa vasto que não nos deixa livres nem mãos nem meios. Precisamos de quem a nós se junte e nos ajude a levar por diante todas as obras, a remover todos os obstáculos.

A construção de uma ponte-cais, como esta de Bissau, levou-nos primeiro a solicitar a intervenção do Ministério, não só para a orientação técnica, como para a concessão do crédito que saía fora dos limites do orçamento ordinário. E acabou por trazer para a Guiné o concurso de uma empresa até estranha à Colónia, dispondo de meios financeiros, materiais e técnicos, apta a realizar esta e outras obras importantes.
Começamos hoje oficialmente os trabalhos de construção do maior benefício que ao comércio, e, portanto, à economia da Guiné poderia ser dado. Para se chegar a este dia de regozijo, foi preciso durante longos anos preparar os estudos, os projetos, e os meios. Nesta obscura campanha de tenacidade, tomaram parte principal o Governo da República e o Governo da Colónia, desde vários anos a esta parte. Os ministros Vieira Machado, Marcello Caetano e Teófilo Duarte e o Governador Vaz Monteiro. No Governo Central esteve sempre presente, a manter a continuidade e a assistir com a sua extraordinária competência e infatigável atenção para com a Guiné, o ilustre Subsecretário Sá Carneiro.

Coube-nos, apenas, a rara sorte de poder acompanhar a aceleração do projeto e a sua aprovação e de conseguir rapidamente os meios para a execução. Chegámos, porém, ao fim do processo. E digo-o confiadamente, porque hoje nada falta, nem projeto, nem fórmulas, nem dotações, nem materiais… nem empresa capaz de levar até ao fim esta obra.
Não é esta obra original entre nós. Desde 1870 que o Governo pensava a sério na edificação de uma ponte-cais em Bissau, e algumas pontes de madeira serviram por vezes a empresas particulares. Mas só em 1889 o Estado começou solenemente a construção da primeira ponte para atracação de navios, em parte de alvenaria e em parte de madeira, a que foi dado o nome de Correia e Lança, o governador de então.

E aqui bem perto estão as ruínas de realização semelhante à atual, levada a cabo mercê da inteligência e capacidade do ilustre governador Carlos Pereira, a quem os destinos desta colónia estiveram tão bem empregues durante os três primeiros anos da República.
Aquela ponte, que foi criação sua, era uma perfeita obra de engenharia e excedeu a duração de garantia, apesar das brutalidades que posteriormente lhe foram feitas, fruto da ignorância – ia a dizer da esperteza – de quem mais tarde a utilizou para fins diferentes para que foi projetada. Todas as violências se fizeram. Em vez de apenas os encostar, amarraram-lhe os navios, que a faziam continuamente oscilar perante o esforço das correntes fortíssimas; como não havia cabeços, abriram-lhe buracos, por onde passavam os cabos;
e por último, para que, em vez das vagonetas previstas, pudessem no seu leito transitar os mais pesados camiões, tiraram-lhe o ligeiro empedrado e pavimentaram-na solidamente com betão!

Eis por que, na presença de tão bárbaro procedimento, eu não oculto as minhas dúvidas sobre o futuro desta nova obra, sobre o destino de tantas energias já gastas, de tantos sacrifícios que se fizeram e que ainda se hão de fazer para chegar com a empresa até ao fim.
Por isso eu pretendi que esta construção tivesse aquela característica que tanto me tem preocupado aqui na Guiné e que desejaria sempre imprimir em todas as obras: a duração indefinida; resistência capaz de sofrer todos os maus-tratos, de dispensar os menores cuidados.

O velho cais do Pidjiquiti, ao qualquer nos últimos anos pudemos acrescentar o seu troço mais importante, nem assim tem podido evitar as grandes aglomerações que ultimamente se têm verificado, mercê de uma extraordinária atividade que é um seguro índice do progresso e da vontade de trabalhar e construir que por toda a parte se observa.
Espero que antes de dois anos e meio possa o primeiro navio atracar à ponte, resolvendo de vez o problema de maior acuidade que à economia da Guiné se põe. Ficarão assim mais livres os navios, mais disponíveis as lanchas, mais seguras as mercadorias, mais favorecidos os passageiros. Não mais veremos o pouco edificante, embora pitoresco, espetáculo da balburdia das lanchas atulhadas, acotovelando-se no único desembarcadouro; das mercadorias sofrendo tratos nas cargas e descargas; dos navios ao largo esperando da sua vez de carregar!
E teremos engrandecido a cidade de Bissau, capital da mais encantadora e rica parcela do Ultramar português.”

Único número publicado, vê-se a sua ligação à Mocidade Portuguesa e fala-se muito no colégio-liceu de Bissau, terá funcionado junto do Museu e Centro de Estudos da Guiné Portuguesa
Outra ilustração do jornal Voz Académica
Uma referência a Amílcar Cabral, no jornal de 1953
A ponte-cais do Pidjiquiti, 1950, fotografia Foto Serra

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 12 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27413: Historiografia da presença portuguesa em África (503): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1948 (61) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27413: Historiografia da presença portuguesa em África (503): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1948 (61) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
Estamos no último ano da governação de Sarmento Rodrigues, avisara à chegada que vinha por pouco tempo, havia obras para acabar e outras para começar, tinha muita pressa em ver resultados em domínios como infraestruturas, saúde, cultura, agricultura, e muito mais. Se se pedisse uma síntese do que houve de mais significativo neste período, diria que a Guiné passara a ter o formato de uma colónia e abandonava a apreciação de que era um local de Praças e Feitorias, em que o comércio era maioritariamente detido pelos estrangeiros. O nome Sarmento Rodrigues está ligado ao combate à doença do sono, às comemorações do Quinto Centenário da Descoberta da Guiné, à melhoria de ouriques para benefício da orizicultura, à construção de moradias, ao abastecimento de água, à tentativa da renovação de Bolama, a muitos novos postos sanitários, à inauguração da barragem de Picle, o Boletim Oficial passou a ter regularidade, construiu-se o Bairro de Santa Luzia, abriu-se a primeira pista do campo de aviação em Bissalanca, construíram-se faróis, aprovou-se a construção do Museu de Bissau... Isto nos meses de 1946, faltam 1947 e 1948. A Guiné estava finalmente posta no mapa e compreende-se como o ministro Marcello Caetano se sentia profundamente agradado pela escolha deste governador dinâmico e imbuído do espírito civilizador. Não é por acaso que termino a minha investigação dos século XIX e XX na governação de Sarmento Rodrigues, quem veio depois encontrava obra feita com o espírito de uma colónia-modelo.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1948 (61)


Mário Beja Santos

1948 é o último ano da governação de Sarmento Rodrigues, a dinâmica continua imparável. Como já se referiu, no Boletim Oficial n.º 4, de 19 de janeiro, o governador anuncia a criação de um centro comercial na praia de Varela, de modo a permitir às pessoas que pretendam passar ali uns dias de repouso se abastecerem convenientemente. Por isso o governador determina que aos comerciantes ali estabelecidos seja exigido o compromisso de manterem em depósito os géneros de mercearia necessários ao abastecimento dos frequentadores daquela praia. No Boletim n.º 7, de 16 de janeiro, é proibida a prostituição em todo o território da Guiné, atenda-se ao parágrafo inicial do diploma legislativo 1:405:
“Considerando que a dignificação da mulher tem, desde tempos recuados, acompanhado de perto o progresso da humanidade, podendo olhar-se como um índice de civilização por ser uma das suas maiores conquistas.”


No Boletim Oficial n.º 22, de 31 de maio, é determinado que o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa proceda desde já ao inventário dos documentos e livros existentes na Colónia, cuja recolha e preservação interessa ao Arquivo. Em 1 de julho de 1948 aparecem publicados no Suplemento n.º 9 os estatutos do Clube de Futebol Os Balantas, de Mansoa, do Futebol Clube de Tombali, de Catió, e do Atlético Clube de Bissorã. No Boletim Oficial n.º 11, de 9 de julho, são publicadas as bases regulamentares do Museu da Guiné Portuguesa, incluindo Biblioteca e Arquivo Histórico. Pelo Boletim Oficial n.º 33, de 16 de agosto, fica regulamentada a missão antropológica e etnológica da Guiné.

Mas voltemos ao início do ano, há novidades no campo da saúde. Do Boletim Oficial n.º 3, de 19 de janeiro, Sarmento Rodrigues toma várias deliberações. Tinha sido despistada a dracontíase em S. Domingos pela Missão de Doença do Sono, havia que imediatamente se fazer o estudo da disseminação desta doença por toda a colónia, e os tratamentos seriam obrigatórios para todos os indivíduos atacados, impondo-se uma sensibilização do público, explicando aos indígenas os perigos da moléstia e como se contrai.

Noutra portaria, recorda-se que em 4 de julho de 1947 os serviços de saúde tinham iniciado uma campanha contra a ancilostomíase na ilha de Bissau, tinha sido detetada uma infestação, havia de se continuar a agir. “Havemos de levar por diante e acabar em bem esta campanha que ficará sem par em qualquer tempo e em qualquer colónia, o que constituirá para a Guiné um justo título de honra que perdurará nos tempos. Tinham sido estabelecidos os preparativos essenciais que consistiam nos exames microscópicos em todo o território, na abertura de fossas, na aquisição dos ingredientes, na preparação dos meios de transporte. Dispomos já de parte dos ingredientes e os restantes vêm a caminho. Já temos os meios de transporte e o pessoal está preparado. Tudo está a postos. Mas esta obra vai ainda engrandecer-se com duas outras paralelas. É que, tal como se fez em Bissau, todos os indivíduos ao serem tratados contra a ancilostomíase serão vacinados contra a varíola e contra a febre amarela. Esperamos receber de uma assentada 50 mil tubos de vacina antivariólica e dispomos desde já apreciável reserva de vacina antiamarílica.”

E o governador determinava um conjunto de iniciativas envolvendo as delegacias de saúde, a abertura de fossas e que em volta de todas as povoações fossem feitas e mantidas uma capinação com derrubas dos arbustos maninhos.

No suplemento n.º 10, de 7 de julho, temos o diploma legislativo n.º 1:420, a Lei da Caça da Guiné Portuguesa. Convirá aqui registar alguns parágrafos, pois consagram claramente a visão do legislador:
“A Guiné Portuguesa, justamente afamada como uma bela região de caça, esteve durante séculos sem recolher e condensar os elementos de informação que se tornavam indispensáveis a uma perfeita avaliação dos seus valores cinegéticos.
Não creio que em África algum desporto possa superar o da caça nos seus benefícios para o homem, pois em nenhum outro melhor se aperfeiçoará esse conjunto de superiores qualidades de resistência física, de tenacidade, de apuramento dos sentidos, de arrojo – tudo isto enquadrado na selva e em contacto com a natureza.

O verdadeiro caçador em África deverá ser ainda estoico e brioso, lutador e leal, duro e generoso. Há de preferir ao veloz automóvel, ou à imprópria mochila, a marcha a pé, com travessias de lagoas ou rios, a vau ou a nado; não se temerá do Sol, nem da chuva, nem das distâncias.
Não matará os animais inofensivos com processos traiçoeiros. Bem lhe bastarão as suas armas, produto do engenho humano, para vitimar uma indefesa perdiz; deixe-lhe, ao menos, a possibilidade de empregar as suas asas e prove depois disso que é um destro atirador.
Não dizimará por prazer matar, nem quando as mortes acarretem prejuízos graves para a espécie. Assim, não há de produzir hecatombes nas plácidas manadas, sem proveito nem honra, porque isso, mais do que perícia ou arrojo, seria prova de instintos sanguinários. Um belo tiro, um belo troféu, devem satisfazer a natural ambição de um caçador que se preza. As fêmeas serão, naturalmente, poupadas.

Um caçador digno desse nome não ousará profanar esses santuários da bicharada que são as reservas, onde os animais vivem e se sentem em liberdade e revelam como os homens é que são, por vezes, as verdadeiras feras. Só quem não tenha olhos capazes de sentir a beleza daquele espetáculo poderia traiçoeiramente matar algumas dentre os milhares de aves aquáticas que confiadamente vivem junto aos homens, sem receio algum, tal como na lagoa de Cufada.”


Promulga-se a lei da caça da Guiné Portuguesa, define-se caça (consiste na procura, perseguição e apreensão de animais bravios), é-se caçador com 18 anos completos, define-se igualmente que não pode constituir objeto de caça, explana-se sobre o exercício da caça. Não haveria caça na mata do Cantanhez, na lagoa de Cufada nem na praia de Varela; classificam-se os terrenos de caça agrupados em áreas (terrenos abertos e reservas de caça). E diz-se que afixação de reservas de caça atribuição do governador da colónia, mediante informação da Comissão de Caça, ouvidos os serviços de agricultura e veterinária.

Na "morança" dos fulas forros, futa-fulas da exposição, ouvindo alguns músicos indígenas
Visitando as obras do Museu de Bissau
Durante a visita à barragem de Picle, o Comandante Sarmento Rodrigues mostra a vasta região por onde ela se estende
O Subsecretário de Estado, ladeado pelo Governador da Colónia e Perfeito Apostólico durante a visita ao Asilo de Bor
À chegada ao Sedengal, o Subsecretário de Estado senta-se num trono construído pelos cassangas
Em Sabutul, o Subsecretário de Estado assiste às lutas de felupes

Imagens retiradas do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, número especial comemorativo do Quinto Centenário da Descoberta da Guiné, outubro de 1947, as imagens referem-se à visita do Subsecretário de Estado das Colónias que ocorreu entre janeiro e fevereiro de 1947
Boletim Oficial de 24 de janeiro de 1949: os guineenses ficam a saber que o Capitão de Fragata Sarmento Rodrigues já não é Governador da Guiné. Aqui regressará em 1955, acompanhando o General Craveiro Lopes, será recebido triunfalmente

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 5 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27389: Historiografia da presença portuguesa em África (502): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1947 (60) (Mário Beja Santos

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27389: Historiografia da presença portuguesa em África (502): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1947 (60) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
Vale a pena ler a publicação da Agência Geral das Colónias referentes à viagem do engenheiro Ruy de Sá Carneiro, Subsecretário de Estado das Colónias à Guiné, chegou a Bissau em 27 de janeiro e regressou em 24 de fevereiro, andou numa dobadoira, Sarmento Rodrigues não lhe deu descanso, logo no dia seguinte começou a fazer inaugurações em Bissau, no Bairro de Santa Luzia e das instalações de abastecimento de água à cidade; no dia seguinte acompanhou os trabalhos da barragem de Picle, depois visitas a obras, a escolas, a hospitais, andou por Mansoa, Canchungo, Cacheu, Barro, S. Domingos, Suzana e Varela, Farim e Bafatá, Gabu, Fá, Bambadinca e Xitole, Porto Gole, Fulacunda e Catió, Guileje, Bolama, Bubaque, missões geohidrográfia e geológica... Era o espelho de uma dinâmica imprimida por aquele governador que chegara em 1945 e que logo anunciara vir por pouco tempo e ter muitas coisas para fazer, primeiro acabar as obras que vinham do passado, trazia um enorme entusiasmo para inaugurar muitas outras coisas, o que de facto aconteceu.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1947 (60)

Mário Beja Santos

1947 é um ano marcado pela visita do Subsecretário de Estado das Colónias, Engenheiro Ruy de Sá Carneiro, chega a Bissau em 27 de janeiro, tem à sua espera um programa trepidante, dão-se só alguns exemplos: inauguração do Bairro de Santa Luzia, para indígenas; visita aos trabalhos de aproveitamento agrícola na barragem de Picle, visita ao Asilo de Bor, visita ao Forte de Cacheu, festa dos Felupes em Suzana, grande desfile de indígenas em Bafatá, visita à serração de Fá, aos novos edifícios e obras em curso em Porto Gole, inauguração do Palácio do Governo em Bolama, depois de reconstruído… isto é só uma amostra.

Mas vamos pôr o foco em Sarmento Rodrigues, continua a trabalhar a um ritmo acelerado. A agricultura está manifestamente no topo das suas preocupações, mas quer reforçar a malha administrativa, exibir as potencialidades que a colónia oferece, são remodelados os serviços geográficos e cadastrais, melhorados os serviços da estatística, decorre uma exposição em Bissau, dão-se amnistias que são concedidas em homenagem às comemorações do quinto centenário da descoberta da Guiné. Vejamos agora a legislação.

No Suplemento ao n.º 4, Boletim Oficial n.º 5, de 27 de janeiro, publica-se uma Portaria de Marcello Caetano, as armas, bandeira e selo da cidade de Bissau:
Armas – em campo de prata, uma torre de vermelho, aberta e iluminada do mesmo esmalte, entre duas cabeças de negro toucadas também de vermelho. Coroa mural de ouro de cinco torres. Listel branco com os dizeres – Cidade de Bissau.
Bandeira – esquartelada de vermelho e de negro. Cordões e borlas de vermelho e de negro. Haste e lança douradas.
Selo – circular, tendo ao centro as peças das armas sem indicação dos esmaltes. Em volta, entre duas circunferências concêntricas os dizeres: Câmara Municipal de Bissau.

A modernização também se irá refletir no Código da Estrada da Guiné Portuguesa, consta do Suplemento ao n.º 23, no Boletim Oficial n.º 17, de 14 de junho, não deixa de ser uma curiosidade no artigo 29: “Nenhuma viatura de tracção animal pode circular ou estacionar na via pública desde o anoitecer ao amanhecer, sem que tenha acesa uma luz branca, pelo menos, na frente do lado esquerdo. Nos carros de bois poderá a lanterna ser conduzida na mão do respectivo carreiro. Quando os veículos formarem comboio, o primeiro veículo deve ter, pelo menos, uma luz na frente e o último uma luz vermelha na retaguarda.”

São reiterados os diplomas sobre o pagamento de pensões aos funcionários aposentados, os proventos da Segunda Guerra Mundial permitem agora abrir os cordões à bolsa. Das palavras que irá enviar ao Jornal da Marinha Mercante, número que ia ser publicado em 15 de dezembro de 1946, Sarmento Rodrigues alude ao comportamento da Guiné com a metrópole, mais propriamente de Portugal, durante o conflito mundial: “Abundantes fornecimentos de oleaginosas evitaram danos que não é fácil avaliar; arroz em apreciáveis quantidades foi enviado para Cabo Verde, Madeira e Açores e até para a própria metrópole; metade da borracha que em Portugal se consumiu, durante esse período de dificuldades, foi a Guiné que a remeteu; e até açúcar, que a Colónia não produz, pôde ser devolvido para Portugal, mercê das economias que se produziram fazer.”

Chega o Subsecretário de Estado das Colónias, tem logo uma tirada de exaltação nacionalista: “Eu espero ver, nesta Guiné fabulosa, dos primeiros aos últimos colonizadores, os representantes da flor dos obreiros que através desse Mundo esculpiram o nome português nas estrelas e nos mares, nas pontes finas das terras e nas bocas largas dos rios, nas altas montanhas e nos baixos traiçoeiros, nas pessoas e nas coisas.” O governador está animado de uma esforçada fadiga de fazer, fazer depressa, mas sólido e honrado. Como dirá, dirigindo-se aos Papéis de Biombo, em Picle, a 29 de janeiro:
“A gente que hoje não tem vista capaz de alcançar o fim das bolanhas cheias de arroz; a gente que tem nas suas moranças os telhados cobertos de espigas a secar e nos quartos os celeiros atulhados; a gente que rodeia as tabancas com altos cercados com belas plantações de mandioca; os que tiveram campos de milho e batata doce, os que têm manadas de vacas e porcos de cortelho e galinhas nos pátios – são os mesmos que no ano passado passavam fome, porque as bolanhas eram lalas e os cercados eram palha; e por isso, em vez de arroz comeram os frutos do tarrafe, cozidos vinte vezes, como aqui me disseram.”

Fazer e fazer depressa. No Suplemento ao n.º 29 do Boletim Oficial n.º 22, de 21 de julho, temos a publicação da Portaria n.º 50, a criação do Asilo de Bissau, destinado a receber mendigos inválidos, de ambos os sexos, que não tenham paredes para prover ao seu abrigo e sustento. Atenda-se à filosofia do diploma: embora o asilo se destine principalmente aos indígenas, poderá, em casos excecionais, albergar qualquer civilizado que se encontre em extrema necessidade; o asilo começará por receber os homens velhos, devendo, à medida que as suas instalações e rendimentos aumentem, promover o abrigo de todos os mendigos, de ambos os sexos; os fundos do asilo serão os provenientes dos donativos públicos e dos subsídios concedidos pelo Governo da Colónia, câmaras municipais, administrações das circunscrições e outros organismos; a assistência sanitária será prestada gratuitamente pelos serviços de saúde.

No Boletim Oficial n.º 30, de 28 de julho, é louvado o Administrador de Circunscrição Fernando Rogado Quintino “pela muita dedicação, competência e extraordinária atividade que tem demonstrado no desempenho do seu cargo, levando a efeito, com zelo incansável empreendimentos notáveis onde sobressaem – além das obras das enfermarias, residências, postos sanitários, pontões, fontes e outras - a construção da nova ponte de Mansoa, com nova estrada e aterros, e a ponte metálica de Bissorã”. Nesse mesmo dia é também louvado o 2.º Tenente Avelino Teixeira da Mota “pelos serviços extraordinários e importantes efetuados com os incansáveis e aturados estudos, trabalhos de campo e colheita de elementos para a elaboração da nova carta geográfica e etnográfica da Guiné Portuguesa”. Mas há aqui um outro aspeto que prende a atenção. O chefe da missão do estudo e combate da doença do sono tinha considerado atacados de tripanossomíase um conjunto de indígenas de Bolama e da ilha das Galinhas, e por isso o governador isentava-os de pagamento de imposto de palhota ou capitação e de quaisquer outras contribuições ou impostos a que estejam sujeitos.

Por último, e numa outra dimensão das preocupações deste governador temos no Boletim Oficial n.º 31, de 4 de agosto uma portaria referente ao plano de urbanização da praia Varela, tinham sido abertas as novas ruas e plantadas muitas dezenas de milhares de árvores, em matas e pomares, edificado um posto sanitário, feita a captação de água e iniciada a construção da central elétrica e da torre de água, e então escreve-se: “É tempo de se considerar uma realidade a tentativa de criação de uma estância de repouso e de lhe dar todo o seguimento que as finanças permitam e as necessidades aconselhem, a fim de que os funcionários e particulares possam o mais cedo possível gozar-lhe os benefícios. Para estes últimos está reservada uma grande área residencial onde poderão desde já escolher os seus talhões e fazer as vivendas. Para os funcionários impõe-se ir gradualmente edificando por conta do orçamento geral da colónia e também pelos das circunscrições. O Governo está fazendo e continuará a fazer novas obras. Às circunscrições assiste o dever de contribuir levantando à sua custa casas que são suas.”

No final da sua viagem à Guiné, o Engenheiro Ruy de Sá Carneiro escreverá que tal digressão lhe permitira constatar o nacionalismo vibrante das populações e tomar contacto com os primeiros resultados das medidas de grande vulto que se estavam a empreender.


Sarmento Rodrigues na Ilha Roxa com as autoridades locais
Em Bubaque com o régulo Gen-Gen
Carta da Guiné de 1933
O porto de Bissau em tempos recentes

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 29 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27364: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1946 (59) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27364: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1946 (59) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
O Governador anunciara na receção que lhe fora feita pelo Conselho de Governo, que iria fazer o plano de ação governativa com a cooperação de muitos, mas trazia um ideário bem talhado, já nele trabalhara em Lisboa: acabar obras públicas em execução, dinamizar outras, contava com o apoio técnico do Gabinete de Urbanização Colonial; impunha-se criar uma política de saúde, fazer escolas, infraestruturas de diferente tipo, estradas, pontes, o maior número possível de caminhos viáveis; e rever a dinamização agrícola. E podemos constatar que se envolveu numa política cultural que não tinha precedentes: o museu, o centro cultural, o boletim cultural, os homens das Letras e das Ciências que virão até à Guiné. Por isso, se entendeu que se deviam citar alguns parágrafos do que ele escreveu em 1946, nunca esconde que tem pouco tempo pela frente, o que é verdade, estará poucos anos na Guiné, pôs em definitivo a colónia no mapa.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1946 (59)


Mário Beja Santos

À semelhança do que acontecera em 1945, repetem-se as autorizações de abertura de linhas de crédito, não se podem fazer omeletes sem ovos; o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa vai estar à venda, o governador aplica-se em planos agrícolas, desde a orizicultura aos apoios à zootecnia; entra em vigor o código da estrada da colónia da Guiné, no final do ano o Boletim Oficial publica o Regulamento dos Serviços de Saúde da Colónia da Guiné, é a Portaria n.º 165, Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial n.º 21, de 30 de dezembro. Aparecem estabelecidos os serviços centrais, locais, a rede sanitária geral, bem como os estabelecimentos e serviços especiais. Tenha-se atenção ao artigo 41, referente à prestação da assistência:
“A assistência médica, cirúrgica e farmacêutica será sempre gratuita: aos indígenas que não estejam ao serviço de particulares; aos indigentes; ao pessoal missionário; às praças de pré do Exército e da Armada, bem como às pessoas de família exclusivamente a seu cargo; aos internados em estabelecimentos de deficiência; aos presos e detidos nas cadeias, presídios e colónias penais.”
Pelo Diploma legislativo n.º 1:337-A, suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial n.º 23, de 30 de dezembro: têm direito a assistência médica, cirúrgica, obstétrica e estomatológica gratuitas, além daqueles a quem o regulamento de saúde da colónia já as concede, todos os funcionários públicos civis e militarem em ativo serviço, contratados e assalariados e os aposentados e reformados e as suas famílias, quando os proventos do agregado familiar a cuja convivência pertençam, sejam inferiores a 20 mil escudos anuais.

Voltando atrás, ao Boletim Oficial n.º 12, de 25 de março desse ano, o governador encarrega Fausto Duarte, Secretário da Comissão Municipal de Bolama de preparar o anuário da Guiné Portuguesa, deverá entregar o original até ao fim do mês de outubro desse ano, ficando os serviços públicos obrigados a fornecer a este organizador os elementos não confidenciais. No Suplemento ao n.º 41, do Boletim Oficial n.º 16, com data de 16 de outubro, publica-se o decreto n.º 35:686, prende-se com a necessidade de melhorar as condições de vida das Praças reformadas dos extintos quadros coloniais residentes na metrópole, pelo que fica autorizado o governador da colónia da Guiné a abrir créditos especiais.

Mas nada melhor que pôr Sarmento Rodrigues no discurso direto. Numa mensagem enviada à Revista da Marinha, no seu número dedicado ao V Centenário da Descoberta da Guiné, com data de 31 de janeiro de 1946, escreve o seguinte:
“Falar na Guiné Portuguesa é dizer aos portugueses que não a conheçam que a dois passos de Lisboa todos poderiam encontrar a mais pitoresca, a mais variada, a mais prometedora das terras portuguesas de África.
Na verdade, em nenhuma outra parte do Império se poderia encontrar uma tal profusão de raças, de crenças, de costumes, de trajos, do que na Guiné. Desde os Felupes, bravios, honestos e sóbrios, aos Balantas, ladrões sentimentais, trabalhadores, foliões e bêbados; aos Bijagós cheios de pitoresco; e aos Fulas e Mandingas que trazem consigo as vestes, tradições e traços do mundo árabe; desde as idílicas várzeas onde se criam milhares de toneladas de arroz, aos milhões de palmeiras emaranhadas que dão à paisagem aspetos de beleza incomparável; das montanhas de amendoim que se erguem em toda a parte na época das colheitas, à labuta incansável dos transportes fluviais; da saia de malha de canais e rios que recortam o litoral e sulcam as terras, às numerosas ilhas e às solidões continentais do Gabu; das chuvas diluvianas, aos calores ardentes e às frescas brisas do fim do ano; das mulheres airosas e homens ativos…”


Aquando da exposição que fez, na 2.ª Conferência de Administradores, em 4 de dezembro, revela de novo a fibra do seu caráter:
“Nós não queremos obras de violência. O que for feito sê-lo-á sob uma ideia de justiça e de consistência. Nunca será demais pôr em relevo os transcendentes benefícios que os trabalhos já feitos dos ouriques de Bissau, Cacheu e Mansoa trouxeram à Guiné.
Valorização das terras, combate à miséria e à vadiagem, moralização da mentalidade dos indígenas – paralelamente à demonstração que o Governo faz da sua verdadeiramente paternal atitude, que não envolver prepotência e não exclui a firmeza.
Nós não viemos cá para passar a vida e deixar uma herança que nos sirva de escárnio. Por isso, temos de pôr completamente de parte a ideia de enganar para agradar. Agrade-se, mas com provas evidentes de trabalho feito. Não só feito, como bem feito.
Já por vezes tenho dito que ao chegar à Guiné me pareceu que tudo ruía em redor de mim. Era uma pressão em parte exata – porque os prédios caíam ou exigiam demolição: as secretarias de Canchungo e S. Domingos, a igreja de Farim, a ponte de Bubaque, etc., etc. – dizia, impressão em parte exata, mas também influência pelo grande trabalho de obras inacabadas, umas pela sequência natural dos trabalhos e pelas dificuldades da guerra, outras abandonadas, não se sabe porquê. Esforcei-me por descobrir as feridas primeiro, curá-las depois.
Nada de estatísticas rosadamente falsas, nem problemas a que se volte a cara para não os não resolver. É preciso que tudo seja são e posto à luz clara do dia.”


Discursando sobre o papel que cabe ao Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, dirá o seguinte:
“Este Centro, de âmbito ilimitado, desprende-se da luta de interesses económicos, tão dominante nesta época e nesta terra, para marcar a existência, e também a superioridade, do espiritual.
As suas diretrizes estão traçadas. Mas desejaria especialmente referir-me a um aspeto particular, de importância primária. É ao superior interesse que espero que lhes mereça o estudo do que diga respeito aos valores indígenas, das suas artes primitivas, das suas línguas, costumes e tradições, de tudo que possa registar uma existência, uma personalidade que o tempo fatalmente destruirá. O Boletim Cultural, cujo terceiro número acaba de chegar, é uma prova, e bem eloquente, do que há de valores dispersos pela província. A Guiné Portuguesa deixou de estar isolada no Sudão, na África, no Globo. Entrou em comunhão com o Mundo Português.”


E despeço-me com as palavras que ele enviou ao Jornal da Marinha Mercante para o seu número comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné:
“Não é ela (a Guiné) ainda o que poderá vir a ser. Sofre de vários males, que espero do tempo e do juízo dos homens ver sarados. Ainda persiste, em apreciável escala, a miragem dos negócios simples e rápidos. É uma sobrevivência dos tempos ingratos em que o colono era cercado de inimigos, fruto do clima e das gentes rebeldes.
Não devemos deixar de frisar que não é pequena, podendo mesmo considerar-se das mais valiosas dentro das nossas colónias, a iniciativa de trabalho dos indígenas.”

Notícia da visita à Guiné do Subsecretário de Estado das Colónias
Sarmento Rodrigues na Ilha Roxa com as autoridades locais
Em Bubaque com o régulo Gen-Gen
Bolama, cerimónia do Juramento de Bandeira
Encontrei há dias o Dr. João Loureiro, responsável pela publicação do acervo dos bilhetes-postais de todo o Império, devo-lhe a atenção pessoal por me ter oferecido livros da Guiné, já referenciado no nosso blogue. Deu-me notícia das ofertas que está a fazer à Sociedade de Geografia de Lisboa e lembrou-me que entregara um livrinho feito por um juiz natural do Estado da Índia que estivera em Bissau, devia-se-lhe a planta da Praça de S. José de Bissau, é o desenho original, depois republicado em inúmeras edições de outros autores. Mordido pela curiosidade, pedi para ler a obra e fotografar a planta original, é esta.

(Continua)

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Nota do editor

Último post da série de 22 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27341: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1945 (58) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27341: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1945 (58) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Entendi que se deviam publicar as linhas de ação governativa de Sarmento Rodrigues, ele diz que vem por pouco tempo, que pretende acabar obras e deixar muitas outras em andamentos, sente-se que vem bem apoiado pelo ministro Marcello Caetano, ao longo de 1945 observa-se a abertura de créditos, acabara a guerra e havia dinheiro, desanuvia-se a atmosfera de grande austeridade, lançam-se os fundamentos do que o governador idealizava para a Guiné: obras públicas, transportes, portos, pontes, reformulação de toda a política de saúde, investigação cultural. Quando deixar a colónia, em 1949, o seu sucessor, Raimundo Serrão, passará anos a inaugurar obras do seu legado. Legado tão forte que quando Craveiro Lopes visitar a Guiné em 1955, a grande estrela será Sarmento Rodrigues, então ministro das Colónias.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, finais de 1945 (58)


Mário Beja Santos

Vai começar a era de Sarmento Rodrigues, veremos ao longo de 1945 sucessivas autorizações de abertura de linhas de crédito, todas elas justificadas por dotações insuficientes. O novo governador chega e começa por trocar saudações com o Conselho de Governo.

O Comandante Manuel Maria Sarmento Rodrigues irá proferir na abertura dos trabalhos (mera sessão protocolar) um discurso surpreendente, vale a pena reter alguns parágrafos, pois deixa bem claro ao que vem e o que pretende fazer:
“Vossas Excelências esperariam, talvez, que nesta ocasião lhes fosse apresentado um programa do Governo. Justamente, uma das incumbências que Sua Excelência o Ministro me deu foi de elaborar um plano de Governo. Não serei eu só, mas Vossas Excelências, todas as pessoas esclarecidas e de boa-vontade, que hão de ter parte nele com as suas informações, os seus exemplos e a sua previsão. E, depois disso, mais do que planear, terão de executá-lo. Deposito a maior esperança na colaboração de todos. Não seria possível encontrar aqui homens que negassem o seu esforço par ao engrandecimento da colónia.

Conheço a dureza da vida na Guiné, por um lado causada pelas asperezas do clima, do outro pelas dificuldades económicas de cada um. É indispensável, portanto, fazer o possível por conseguir mais conforto e bem-estar para todos, de modo que esta colónia possa um dia ser, mais do que a região atrativa e prometedora do que já é, uma terra onde a vida possa decorrer sempre com agrado.
Julgo que isso será possível. Habitações higiénicas; higiene nas ruas e em volta das povoações; meios de vida mais fáceis; ambiente social cada vez mais digno; satisfação das necessidades espirituais.
Sua Excelência o Ministro enfrenta um vasto programa de melhoramentos na colónia, para a realização dos quais já começaram a trabalhar os organismos superiores do Ministério.

Muitos deles aqui se movimentam também. Habitações, saneamento, água e hospitais; pontes, portos, obras hidráulicas, aeroportos, farolagem; missões científicas, de geodesia, hidrografia, zoologia, antropologia, botânica, medicina, etc.; desenvolvimento do serviço missionário, na parte religiosa e na parte do ensino indígena; defesa militar na colónia; assistência às atividades económicas, nomeadamente às agrícolas e industriais, direta e indiretamente; ensino dos indígenas em agricultura, pecuária e artes e ofícios; e outros.
Infelizmente, o momento atual não é de molde a permitir a fácil realização deste vasto programa, porque em grande parte rareiam os elementos para a sua execução. Junta-se à falta de técnicos a escassez de materiais e a dificuldade de transportes. Heis porque, mais do que nunca, se impõe a colaboração de todos; levara moralidade administrativa a todos os setores, aos mais pequenos detalhes; intransigência, contudo que possa traduzir corrupção e vício. É nestas bases de moral sem transigências que temos de trabalhar.”


Imediatamente a seguir discursa na primeira sessão do Conselho de Governo, aí sim temos as linhas gerais do que planeou para a ação governativa:
“É premissa basilar não estagnar, não haver uma pausa sequer. O ritmo de trabalho, da atividade, tem de ser acelerado. Figura no primeiro plano das realizações, como mais visível, o trabalho das obras públicas. Temos uma vasta lista de obras projetadas para um período que desejaríamos que fosse bastante curto. Coloco à frente as construções por acabar e que pretendo arrumar. Afigura-se-me como ação de prestígio para nós a conclusão ou aproveitamento imediato de todos os edifícios que estão incompletos: Palácio, Sé, capelas de Catió, Bafatá, Canchungo, Mansoa e Gabu, moradias projetadas para os funcionários em Bissau, o monumento ao Esforço da Raça, edifício da Praça do Império, cuja origem quase se desconhece, e outras tentativas dispersas pela colónia, aguardando que as acabem.”

E passa em revista o que pretende fazer: instalar o Tribunal Administrativo, o Tribunal da Comarca, Escrivães e Conservatória; na Praça do Império instalar um Museu, Arquivo e Biblioteca. “Tenho também intenção de restaurar a Colónia Penal Agrícola, pois é necessário haver um local onde sejam conservados os condenados ao cumprimento de penas, os quais não têm presentemente lugar nas cadeias. Até hoje não descobri as razões que levaram à suspensão da Colónia Penal. Por toda a colónia há imensas obras eu se impõem, como as sedes dos postos administrativas de Prabis, Cacine, Bedanda, Bambadinca, Xitole, Bula, Enxudé, Binar, Enxalé, Piche, Pirada, Ilha Roxa, Caravela e outros; as secretarias das administrações de Bissau e Canchungo; residência dos administradores de S. Domingos e Gabu, do secretário de Farim e dos aspirantes em Bafatá, Catió, Bubaque e Farim.” E seguidamente fará menção da rede de estradas, pontes e reparações de envergadura.

E sinais desta atividade vão aparecer no Boletim Oficial, torna-se claro que o Ministro das Colónias, Marcello Caetano, lhe está a dar um apoio incondicional. Veja-se o suplemento ao n.º 46, Boletim Oficial de 17 de novembro, publica-se o Decreto-lei n.º 43:677, fala-se no levantamento hidrográfico da colónia da Guiné, é necessário um navio adaptado às especiais condições hidrográficas da colónia, o Ministério da Marinha destinará uma canhoneira, fala-se da logística, duração dos trabalhos, etc.

As questões de saúde merecerão do governador a devida atenção, como se pode ver numa portaria publicada no Boletim Oficial n.º 51, com a data de 17 de dezembro. Iniciara os seus trabalhos na colónia a Missão de Estudo e Combate à Doença do Sono, o governador determinava: que todos os indígenas a quem seja feito o diagnóstico de tripanossomíase fossem obrigatoriamente mandados apresentar nos postos de tratamento; e que os doentes indígenas considerados no período nervoso da afeção ficassem isentos de pagamento do imposto palhota e de quaisquer outras contribuições ou impostos a que tivessem sujeitos. Nesse mesmo Boletim Oficial era criado o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa que teria como seu órgão o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

No último dia do ano, no suplemento n.º 53 do Boletim Oficial n.º 25, publica-se o Decreto-lei n.º 34:478, do Ministério das Colónias, tem a ver com o envio de missões antropológicas e etnológicas, a quem Sarmento Rodrigues dará todo o impulso aos seus trabalhos. Enfim, o plano de ação governativa com o declarado apoio do Governo e com a chegada de dinheiro e meios e técnico ganhava o seu ímpeto.

Sarmento Rodrigues regressava de Lisboa e trazia boas notícias: dinheiro, equipamentos, a vinda de cientistas, apoio governamental para infraestruturas, obras públicas e saúde
Museu e Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Foto Serra, 1955
Tocado de Korá. Imagem retirada deste número de Ronda pelo Ultramar
Duas páginas do mesmo número da revista
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 15 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27320: Historiografia da presença portuguesa em África (500): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1945 (57) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27320: Historiografia da presença portuguesa em África (500): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1945 (57) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Ricardo Vaz Monteiro tem sido objeto de um lamentável esquecimento, apanhou com a austeridade e a penúria de recursos, a despeito das limitações imprimiu à sua governação o sentido da eficácia na administração, batendo o pé ao rigor orçamental e conseguido obter, na maioria dos casos o reforço de verbas. Sarmento Rodrigues chega em abril de 1945, veremos no próximo texto que ele irá proclamar na primeira sessão do Conselho de Governo ao que vem e o que pretende fazer. Aproveitará as potencialidades de Ricardo Vaz Monteiro quanto a missões científicas, caso da missão geoidrográfica e da zootecnia, começam os trabalhos da missão do sono, o novel governador conseguirá meios para melhorar as instalações portuárias e o saneamento, mas não se ficará por aqui, como adiante se verá.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, quase todo 1945 (57)


Mário Beja Santos

Ricardo Vaz Monteiro partirá em breve, o Boletim Oficial mostra medidas que não abrandam a austeridade, no Boletim Oficial publica-se constantemente o reforço de verbas, era assim que se contornava o rigor orçamental. Permanecem as preocupações com o abastecimento e o combate à fraude. No Boletim Oficial n.º 3, de 15 de janeiro, assinado por Vaz Monteiro, consta a portaria onde se lê:
“Reconhecendo-se a conveniência de, na cidade de Bissau, se confiar a uma só entidade a fiscalização sobre as existências e preços dos géneros alimentícios e a competência para autorizar a saída desses géneros para outros pontos da colónia. O governador determina que na cidade de Bissau sejam das atribuições do Comando do Corpo de Polícia de Segurança Pública a fiscalização sobre as existências, qualidades, estado e preços dos géneros alimentícios e as autorizações para a saída desses mesmos géneros com destino a outros pontos da colónia".


Prosseguem as obras aeroportuárias em Bolama, assim legisla-se no Boletim Oficial n.º 10, de 5 de março haver a necessidade de regulamentar a exploração provisória do Aeroporto Terrestre e Marítimo de Bolama, impondo-se o estabelecimento de taxas a cobrar pelos serviços prestados às aeronaves.

Encontra-se no Boletim Oficial n.º 11, de 12 de março o Decreto-Lei n.º 33.924, sem margens para dúvidas vê-se nele o punho de Salazar ou de Marcello Caetano (então ministro das Colónias), tem a ver com a preocupação da instalação de indústrias nas colónias:
“Cumpre ao Estado promover e favorecer, embora em ritmo prudente, a instalação de indústrias nas colónias, por forma que a economia ultramarina se desenvolva continuamente e em harmonia com o conjunto dos interesses nacionais.
Não deve, porém, concluir-se que seja possível acarinhar indiscriminadamente ou tender-se, no estado atual do desenvolvimento das colónias, para uma industrialização total. Na verdade, em primeiro lugar, as indústrias que se estabeleçam nas colónias devem laborar matéria-prima que exista na própria colónia. Não se compreenderia facilmente a criação de indústrias que tivessem de importar toda ou mesmo a maior parte da matéria-prima destinada a ser transformada. Em segundo lugar, deve procurar-se que as indústrias visem, nesta primeira fase, especialmente ao abastecimento do mercado interno da colónia onde se instalem, sem prejuízo de um ou outro caso, como é, por exemplo, o da extração de óleo de semente de rícino em Angola, na Guiné e possivelmente em Moçambique. Em terceiro lugar, não será aconselhável a instalação daquelas indústrias que só possam vir a prosperar mediante condições exageradas de proteção aduaneira, isto é, de proteção que ultrapasse a defesa contra menos corretos processos comerciais.
É de desejar que nunca se perca de vista o interesse do indígena. É ele o principal consumidor dos territórios de além-mar e lá é ele também o principal obreiro da produção. Desta forma, todas as indústrias que se estabeleçam visando a melhor, mais fácil e barata satisfação das necessidades dos indígenas, devem ser acarinhadas de forma muito especial, bem como as que permitam pagar-lhes os seus produtos pelo melhor preço.”


E produz-se legislação que tinha a ver com a indústria de fiação e tecidos de algodão nas colónias.

Num dos seus livros de memórias, Aristides Pereira referia uma sirene que se fazia ouvir em Bissau e que se prendia com a obrigatoriedade da população africana abandonar o centro, desconhecedor de que havia legislação que tal permitia, achei que se tratava de um exagero anticolonial. Mas não, no Boletim Oficial n.º 24, de 11 de junho, vem publicada uma proposta do Chefe da Repartição, António Francisco Borja Santos, onde se lê que passaria a ser expressamente proibido o trânsito, nas povoações de caráter europeu desde as 22 até às 5 horas, sob pena de 50 escudos de multa. Porquê esta medida segregacionista, não a entendo.


Vamos ter tempo e espaço para falar do novo governador. No Boletim Oficial n.º 26, de 25 de junho vem a referência à Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono na Guiné. É um texto riquíssimo de informação, vale a pena registar aqui alguns parágrafos:
“Embora date de 1885 a primeira referência à doença do sono na Guiné, verifica-se que tal endemia não ocupou, até 1932, posição de destaque na nosologia da colónia, discutindo-se mesmo, por vezes, até ao último ano citado, a existência da doença nessa possessão. Em 1932, o Prof. Fontoura de Sequeira, em Missão de Estudo da Escola de Medicina Tropical, esclareceu inteiramente o assunto, concluindo por afirmar que a hipnose grassa na colónia sob a forma de endemia ligeira, irregularmente dispersa por todo o território, com caráter relativamente benigno e, ao que parece, sem tendência a agravar-se. O Prof. Sequeira trabalhou na Guiné durante 7 meses, na época das chuvas, tendo percorrido quase toda a colónia, e na visita feita a 67 tabancas, encontrou apenas 18 doentes. De 1932 para cá, não se pôs mais em dúvida a existência da doença do sono na Guiné, passando aquela afeção a ser considerada nos serviços de rotina dos médicos da maioria das regiões da colónia.”


E depois de mais contextualizar, o diploma traz como conclusão que a doença do sono aumentara consideravelmente de importância. E davam-se competências à missão de estudo, em múltiplos domínios: investigação científica, combate à expansão da doença. Lançava-se deste modo o fundamento para esse formidável combate à doença do sono, que teve resultados assinaláveis.

No Boletim Oficial n.º 30, de 23 de julho, Sarmento Rodrigues anuncia as comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné:
“Compete-nos, aos da Guiné Portuguesa, celebrar como melhor pudermos este acontecimento, recorrendo ao esforço, engenho e boa vontade de todos, sem distinção de categorias, origens ou credos. Vão constituir-se comissões e executar-se trabalhos. Isto não significa que a colaboração fique restringida e vedada para alguém. Pelo contrário, desde já a todos é solicitada. É então criada uma Comissão Central das Comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, cria-se o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa que deverá publicar o que mais de significativo tiver a ver com a cultura guineense.”
O diploma é extenso, refere pormenorizadamente a constituição destas secções de trabalho. Neste mesmo boletim e na sequência do que acaba de se referir quanto ao Boletim Cultural, veio outro dispositivo muito curioso, também assinado por Sarmento Rodrigues, tem a ver com a verificação de que os terrenos das orlas das estradas estavam a ser sistematicamente desarborizados, o governador mandava proibir o corte das árvores numa faixa de 100 m de largura ao longo de todas as estradas da colónia.


Daremos no próximo texto referência à intervenção de Sarmento Rodrigues no 1.º Conselho de Governo, mas impõe-se aqui faz o registo do Decreto-Lei n.º 34.464 que vem publicado no suplemento ao Boletim Oficial n.º 46, de 17 de novembro. Tem a ver com a necessidade manifestada pelo Governo de tomar certas providências à intensificação do povoamento dos territórios ultramarinos, nomeadamente de Angola e Moçambique, e ao estreitamento das relações espirituais entre a metrópole e as colónias. Menciona-se que o Estado continua a conceder passagem gratuita a colonos nos navios das carreiras de África, concessão que vem desde novembro de 1899. Recorda-se que o êxito da colonização depende muitíssimo da assistência sanitária e técnica proporcionada aos colonos, lembra-se que o conhecimento científico dos territórios estava a cabo da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais. Atribuía-se ao Ministério das Colónias a dotação de 30 mil contos para fomentar o povoamento das colónias e estreitar as relações destas com a metrópole. Tais verbas destinavam-se a passagens para colonos, educação e estudos, etc.

Abril de 1945: anúncio da chegada do comandante Sarmento Rodrigues
Muito multirraciais, mas, quando necessário, segregacionistas
Sarmento Rodrigues (1899-1979)
Sarmento Rodrigues na Guiné Portuguesa em Maio de 1945, a ser cumprimentado por funcionários da Administração local. Foto do arquivo da Casa Comum (FMS), parcialmente restaurada.
Hospital da Cumura, outrora Leprosaria da Cumura

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 8 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27296: Historiografia da presença portuguesa em África (499): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1944 (56) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27296: Historiografia da presença portuguesa em África (499): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1944 (56) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
A guerra traduziu-se na vida da Guiné por um sem número de dificuldades, logo a contenção de despesas, isto a despeito de um programa de melhoramentos em infraestruturas, incluindo os dois hospitais, o de Bolama e o de Bissau, prosseguem as construções na nova capital, atua-se contra o açambarcamento, embora todos os relatos da época revelem o muito contrabando graças à porosidade das fronteiras, à circulação do ouro em pó, exporta-se algum arroz, oleaginosas e madeiras, as casas comerciais alemãs estão rigorosamente controladas, tudo quanto vai da Guiné tem que passar pelo porto de Lisboa. Trouxe à colação do leitor a publicação de União Nacional desta época, as imagens são bem expressivas que na continuação da obra de Carvalho Viegas, e também dentro do ímpeto de construir uma nova capital é significativo o número de construções, quando Sarmento Rodrigues chegar no ano seguinte não deixará de mencionar que traz muitos projetos e importantes trabalhos para concluir.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1944 (56)


Mário Beja Santos

É o último ano completo da governação de Ricardo Vaz Monteiro, sairá major da Guiné, no próximo ano será rendido pelo Comandante Manuel Sarmento Rodrigues. A despeito da austeridade, da severidade orçamental, há obras, como veremos em síntese no trabalho publicado pela União Nacional da Guiné. As indústrias mantêm-se caseiras e de pequeno porte, é o caso da Sociedade Industrial Ultramarina, como iremos ver no Boletim Oficial n.º 20, de 15 de maio, vem pedir a prorrogação por mais dez anos da concessão do exclusivo de fabrico de telhas, tijolos e outros produtos cerâmicos. Vaz Monteiro defere, mas deixará escrito: “Considerando as poucas probabilidades – ou nenhumas – de se montar outra fábrica de produtos cerâmicos, e ainda porque a existência da atual fábrica muito beneficia a economia da colónia que deixa de pagar fora dela algumas de centenas de contos anuais”, e assim se deu a prorrogação por mais de dez anos deste exclusivo.

A colónia tem vindo a aumentar o seu parque automóvel, as transmissões as estações de CTT, chegou a altura de se proceder ao levantamento geodésico, cartográfico e hidrográfico da Guiné. O Ministério das Colónias ficou incumbido de organizar e enviar à Guiné uma missão geoidrográfica encarregada de proceder ao levantamento geodésico e cartográfico da colónia e seguidamente ao levantamento hidrográfico, conforme instruções que para este fim lhe serão dadas pela Junta das Missões Geográficas e Investigações Coloniais. Dá-se a composição da missão, vencimentos, repartição de despesas, etc.

É no Boletim n.º 52, de 26 de dezembro, que encontrei informações que ajudam a percebera as mudanças populacionais provocadas pela luta armada e como alguns anos antes existiam sérias tensões étnicas em regulados do Leste. Decide o governador por portaria, a n.º 132:
“Atendendo ao que o administrador da circunscrição civil de Bafatá, no intuito de evitar conflitos e abusos a que estão sujeitos os indígenas de raça Balanta, residentes nalgumas povoações nos regulados de Badora, Xime e Cuor, propôs ao Governo da colónia:
Considerando que estes núcleos de população Balanta, destacando-se nitidamente das tribos que habitam aqueles regulados nos seus usos, costumes e civilização, carecendo ser diretamente dirigidos pela Autoridade Administrativa, sem qualquer interferência dos régulos ou de outras autoridades gentílicas;
O governador determina que sejam desanexadas dos regulados a que pertencem atualmente as seguintes povoações, unicamente habitadas por indígenas Balantas: a) no regulado de Badora: Santa Helena, Fá Balanta, Mero e Nabijão; b) no regulado do Xime: Samba Silate, Lantar, Ponta Luís Dias, Ponta Varela, Ponta Dédé, Madina, Mam-Ai, Ponta Inglês, Ponta Nova e Ponta João Silva; c) regulado do Cuor: Mato de Cão, Farancunda, Malandim, Finete, Flaque Dulo e Gam Sambu.
Que para cada grupo de povoações dos referidos regulados seja nomeado um chefe geral, da mesma tribo e por estes grupos escolhido; que fiquem diretamente a cargo dos chefes gerais as relações com a autoridade administrativa em tudo quanto diga respeito às respetivas populações.”


Isto em 1944, menos de 20 anos depois tudo se tresmalhou, a luta armada fez desaparecer a maior parte destas povoações e nos casos em que as populações preferiam a soberania portuguesa ou ficaram à sua mercê, os Balantas coexistiram com outras etnias, por exemplo em Finete ou nos Nabijões, no regulado do Cuor, no primeiro caso, no regulado de Bambadinca, no segundo; Santa Heleno e Mero, na margem esquerda do Geba, durante a luta armada, ficaram inequivocamente sobre duplo controle, vivia-se a experiência.

Por este período a comissão da Guiné da União Nacional resolve passar a escrito os benefícios do Estado Novo, ir-se-ão escrever louvores e maravilhas aos progressos registados depois de 1926, haverá mesmo o completo descaro de esquecer governações como as Velez Caroço. Mas eram assim as obrigações da hagiografia…

António Borja Santos, chefe dos Serviços da Administração Civil, não se poupa a elogios: “Conheço a Guiné há dois anos apenas, mas pelo que tenho lido e ouvido no tocante à história da sua governação anterior à Revolução Nacional de 1926, ela não era mais do que um reflexo da desorganização social, económica e financeira da Mãe-Pátria.” Há uma referência à conferência de administradores realizada em 1936, portanto no tempo da governação de Carvalho Viegas, daí resultou o plano de construções e reconstruções que entrou em execução no ano de 1937, em Cacheu, Mansoa, Bafatá, Farim, Buba, Gabu, Bolama, Bissau e Bijagós. O padre António Joaquim Dias, Pré-Prefeito Apostólico da Guiné faz uma síntese da atividade missionária, dirá que em 1932 se iniciou a Missão de Santo António de Bula, na administração de Canchungo, por dádiva de edifícios pelo governador de então, Soares Zilhão. Foi criado o internato masculino, escolas em Có e Pelundo, refere também o Asilo de Infância Desvalida de Bor, assistido pelas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas e não esquece a obra missionária em Geba.

Outros autores elencam trabalhos na reparação de estradas, alude-se à programação do alargamento do cais do Pidjiquiti e às novas casas para funcionários em Bissau. É trabalho significativo, como iremos ver adiante, quando Sarmento Rodrigues tomar posse de governador dirá que para além dos muitos projetos que traz há muita obra para finalizar, era o caso da Sé, do Palácio do Governador e de uma multiplicidade de serviços públicos, em Bissau e no interior da colónia.

Tabela dos preços máximos de artigos de consumo corrente, era uma tentativa de defender o poder de compra, combater a especulação e o açambarcamento
Publicação da União Nacional da Guiné, 1944
Imagens retiradas da publicação da União Nacional
Ilustração retirada da revista As Colónias Portuguesas, nº1, janeiro de 1885, seguramente em Bolama
Fotografia de Francisco Nogueira na obra Bijagós: Património Arquitetónico, Tinta da China, 2016, seguramente um dos quartéis de Bolama

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 1 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27275: Historiografia da presença portuguesa em África (498): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1943 (55) (Mário Beja Santos)