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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26510: Historiografia da presença portuguesa em África (467): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Os Boletins Officiais de 1896 e 1897 são muito monocórdicos para meu gosto, isto quando, afinal, quando toma posse em janeiro de 1896, Pedro Ignacio de Gouveia, pela 2.ª vez governador, diz abertamente que vai confrontar com um mar de dificuldades, os conflitos do Forreá parecem eternizar-se; o relatório sobre as condições higiénicas e de saúde pública alusivas a 1896 fazem-nos pressentir que a capital é quase uma enxovia, os materiais importados quer para os hospitais ou para as instalações militares estavam totalmente desinseridos do espaço e do clima, interrompera-se a macadamização das ruas, a ilha tinha pontos saudáveis mas a escolha do lugar da capital era totalmente desacertada, enfim, o responsável da Junta de Saúde vai dizendo verdades com punhos. Notícia curiosa é a da experiência em curso para ver se a Guiné aderiria a um novo sistema de comunicação, a dos pombos-correios.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23)


Em termos informativos, o Boletim Official referente a 1896 e 1897 é quase uma maçadoria, muitos relatórios de saúde pública, transcrição de regulamentos de Lisboa, chegadas e partidas, nomeações, louvores e punições e, como veremos, há muito mais mundo que a descrição de patentes, comércio internacional, taxas alfandegárias ou artigos didáticos como aquele que nos explica a borracha.

Temos novo Governador, regressa Pedro Ignacio de Gouveia, dirá coisas a propósito, vem registado no Boletim Official n.º 4, de 25 de janeiro: “Reconheço as dificuldades sempre crescentes e renováveis para manter no estado pacífico as tribos irrequietas de diversas origens tão disseminadas por esta província. Para o natural desenvolvimento da província carecemos mantê-la num estado de pacificação tão completo quanto o comércio e a agricultura possam desafogadamente expandir-se.”

Anteriormente, o Secretário-Geral do Governo discursará assim: “É certo que com a ocupação do Forreá, devido à iniciativa e bom senso do antecessor de V.ª Ex.ª, o capitão-tenente da Armada, Eduardo João da Costa Oliveira, muito há a esperar que melhorem consideravelmente as circunstâncias do tesouro público.”

Temos também que saber ler notícias curtas, como aquela que diz que Sua Majestade, a quem foi presente o relatório do Governador da Guiné acerca do aprisionamento do régulo Damá, e do seu principal chefe de guerra Moló-Lajó, que há muito hostilizavam os povos do Forreá, se comprazia e louvava o 2.º tenente da Armada, José de Oliveira Júnior – o que quer dizer, por outras palavras, que a questão do Forreá era uma tormenta permanente.

Passando agora para o Boletim Official n.º 20, de 16 de maio, veja-se o que escreve o Governador:
“Encontra-se a vila de Bissau, entre muralhas, nas condições de não comportar mais edificações, com uma população já bastante acumulada, razões de ordem pública não aconselham a ampliar a área, é certo que para alguns naturais já foi consentido a seu pedido estabelecer edifícios para habitações fora dos muros.
O comércio, porém, necessita de estabelecer armazéns à beira-mar, para fácil tráfego de embarque e desembarque de mercadorias permutadas com o indígena.
A situação geográfica do ilhéu do rei, fronteira a Bissau, permite que os negociantes, tendo a sua habitação na vila, edifiquem vastos armazéns neste ilhéu, hoje apenas ocupado, quase, que pelo Lazareto.
Bissau e o ilhéu do Rei é a chave do comércio entre os povos de Geba, Corubal, Balantas e Biafadas e pode desenvolver-se extraordinariamente quando o comércio encontre facilmente onde armazenar as mercadorias, o que presentemente não tem, e que o indígena ali traz para permutação.”

E o Governador Pedro Ignacio de Gouveia faz certas determinações sobre o aforamento do ilhéu do Rei.

É também altura de sabermos um pouco mais sobre o estado da saúde e os Boletins Officiais n.º 16 e 17, respetivamente de 17 e 24 de abril, dão-nos sumariamente conta. Para o autor Bolama é a população mais saudável em toda a província, porém são desgraçadas as condições higiénicas na capital. “Situada em terrenos baixo e argiloso, que absorve e retém durante as chuvas grande quantidade de água sem escoante possível, com uma praia totalmente lodosa, uma atmosfera excessivamente húmida, uma temperatura ordinariamente elevada, com habitações péssimas, água ordinária, com falta de recursos necessários para manter a regular limpeza das ruas.”

E acrescenta:
“Tenho notado desde que vim para o Ultramar que nunca foram as condições higiénicas de situação que presidiram à escolha do local para as diferentes povoações. Naturalmente mesquinhos e insignificantes interesses foram atendidos de preferência aos higiénicos para a escolha do local onde assenta a povoação de Bolama, quando bem perto tínhamos pontos mais saudáveis, em muito melhores condições de altitude, com praia arenosa, água regular, etc.; e o que se dá com Bolama dá-se em maior escala com todas as povoações que conheço na província, sobretudo Bissau, o empório comercial da Guiné e Geba. Em Bolama não há uma única habitação que se possa dizer razoável. Se há três casas que pela sua aparência grandeza e material empregado são as melhores da capital, estão, contudo, bem longe de satisfazer, relativamente à higiene o que era absolutamente necessário.”

E vai esmiuçando o material empregado na maior parte das construções, a má escolha dos pavilhões importados para serem edifícios públicos, piores ainda os pavilhões destinados ao alojamento dos oficiais, refere a falta de ventilação e, sobretudo, a falta de higiene. A água é ordinária. “A única suportável é a denominada do Intachá, nascendo a 2 km da povoação. À simples vista, parece pura por ser límpida, mas com certeza tem em suspensão muitos microrganismos e outras substâncias orgânicas, porque demorando envasilhada durante algum tempo, começa a fazer sentir-se o seu mau cheiro.”
Não esquece a irregular limpeza das ruas, largos, pátios e quintais e o facto de no princípio das chuvas tudo se torna num mar de lodo. “Macadamizadas as ruas com uma convexidade acentuada completada a obra iniciada pelo vogal da Junta de Saúde, dr. António Maria da Cunha, quando diretor interino das obras públicas, que mandou abrir largas valetas nas ruas para escoante das águas, ter-se-ia conseguido muito em benefício de Bolama. Mas apesar de se terem já corrido alguns meses depois de que as valetas foram abertas, e de terem vindo tubos para serem colocados nos pontos necessários, ainda elas não foram convenientemente empedradas e cimentadas como é indispensável, a não ser nas duas frentes da Casa Comercial Gouveia e à custa do seu proprietário.”
E vai por aí fora: o sistema de remoção das fezes, a situação do cemitério, o estado do hospital, é uma descrição minuciosa que nos provoca consternação.

Isto que acabámos de escrever tem a ver com o relatório de abril de 1897. Voltando a 1896, e à laia de despedida desse ano, regista-se a publicação de uma portaria do Boletim Official n.º 37, de 12 de setembro, em que se nomeia o capitão do quadro de comissões Luís da Costa Pereira para proceder à montagem dos pombais militares em Bolama e Bissau, seguindo no treino as instruções do continente de Portugal, e experimentando se os pontos indígenas podias ser empregados nos serviços de pombos-correios.

Publicidade publicada num número do Boletim Official da Guiné Portuguesa, 1923
(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 12 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 18 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, pág. 806)

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, páqg. 806)

 

Foto nº 1 > Guiné > Bissau >  1915 > "Salva de artilharia dada na fortaleza da Amura. O edifício ao fundo é o do comando militar".



Foto nº 2 > Guiné > Bissau >  1915 >  "Os oficiais que fizeram parte da coluna. Da esquerda para a direita: os srs. segundo tenente da marinha Queimado de Sousa, capitão médico R. Augusto Regala, capitão de infantaria Teixeira Pinto, segundo tenente da marinha José Francisco Monteiro, tenente de infantaria Henrique de Sousa Guerra" (há um erro no nome do capitão médico, Francisco Augusto da Fonseca Regala)


Foto nº 3 > Guiné > s/l (Bissau ) > s/d  (c.1915) > "O tenente de segunda linha,  régulo Madoul-N'djou" (erro no nome, era mais conhecido por Abdul Injai ou Indjai, ou Abdoul Ndaiye, de etnia uolofe, nascido em Ziguinchor, hoje Senegal).


Foto nº 2 > Bissau > 1915 > "O senhor cpitão Teixeira Pinto que comandou a coluna de operações contra os papéis e  grumetes e mais revoltados da ilha de Bissau" (referência aos portugueses reunidos na Liga da Guiné, mas também comerciantes estrangeiros)

1. Notícia da "Ilustração Portuguesa", Lisboa,  27/12/1915:

A Campanha de Bissau

Foi um triunfo para as armas portuguesas a vitória alcançada na África contra os 'papéis0, que desde longa data vinham causando graves prejuízos à nossa soberania.

A lenda de que essa raça era invencível está, felizmente, posta de parte, sendo preciso agira fazer ver aos 'grumetes', almas danadas dos 'papéis0, que Portugal quer restabelecer ali a obediência às suas autoridades, o que fará, custe o que custar,



Diretor: J. J. da Silva Graça; Propriedade: J.J. da Silva Graça, Lda; Ed lit. José Joubert Chaves. 

(Cortesia de Hemeroteca Municipal / Càmara Municipal de Lisboa; é de reconhecer publicamente o extraordinário trabalho dã Hemeroteca Municipal de Lisboa, em termos de arquivo, tratamento, digitalização e divulgação destes periódicos centenários, cujo conteúdo merece ser conhecido pelos nossos leitores, antigos combatentes na Guiné, 1961/74).

 
(Seleção, revisão / fixação de texto, edição e legendagem das fotos: LG)



Guiné > Bissau > s/d  [c. 1960] > Monumento a Teixeira Pinto  no Alto do Crim < Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, nº 112. (Edição Foto Serra, C.P. 239,  Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL)... 

(Teixeira Pinto, o "capitão-diabo",. tem 90 referências no nosso blogue; esta estátua foi derrubada a seguir à independência e levada para o forte do Cacheu).

Colecção de postais ilustrados do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.Selecção dos postais,  digitalização, edição de imagem e legendagam: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)



2. Excerto de Carlos Bessa - Guiné. Das feitorias isoladas ao 'enclave' unificado. In: Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históriaa Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 257-270.


(...) A Liga Guineense não parou de atacar Teixeira Pinto e o seu auxiliar Abdul Injai, mas o governador Oliveira Duque não lhe retirou o apoio. A 13 de maio de 1915 foi decretado o estado de sítio na ilha de Bissau e iniciou-se a campanha contra os papéis. 

Desta vez Teixeira Pinto aceitou a colaboração de um oficial, o tenente Sousa Guerra. Concentrou em Nhacra forte  coluna que entrou em Bissau a 1 de junho. Nesse dia, porém,  os irregulares foram atacados em Antim, fugindo aos milhares. Mas o ataque dos papéis e grumetes contra a cidade foi detido e evitou-se o massacre.

No dia dia 5, após violenta preparação de artilharia contra Bandim e Antim, Teixeira Pinto ocupou aquelas colinas, mas a 7 os papéis e grumetes refizeram-se e atacaram o acampamento.

Após nova preparação de artilharia, a coluna apoderou-se de Antula,a inexpugnável, sem resistência, a 10 de junho.

Com grandce perícia seguiu-se a  penetração nas aldeias, sendo Teixeira Pinto ferido e substituído por Sousa Guerra. As negociações de rendição com os papéis fracassaram e a conquista de Quinhanel abriu a pista para o Biombo no extremo da ilha, onde terminou a campanha após uma armadilha do régulo Cassande, que simulou uma rendição e disparou, mas veio a ser abatido e a prisão do régulo do Biombo  e a a rendição do de Tor.

Teixeira  Pinto mandou construir quatro postos militares: Bor, Bijemita, Safim e Biombo.

A Guiné estava pacificada e, mais do que isso, ficava unificado o "enclave" que os Franceses sempre esperaram vir um dia a pertencer-lhes, fomentando para isso a hostilidade dos guineenses, como vimos. 

A coluna foi dissolvida em 17 de agosto de 1915. Teixeira Pintio bem mereceu, portanto, a estátua  lhe foi erguida  numa das colinas de Bissau por ele conquistada. Tal só aconteceu pela sua energia excecional, determinação e raro conhecimento do modo de ser dos nativos, que permitiu dominá-los por vias apropriadas e pouco acessíveis  à guerra clássica" (Bessa, 2004, op cit, pp. 269/270),

(Seleção, revisão / fixação de texto, edição: LG)


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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26503: Historiografia da presença portuguesa em África (465): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte I ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26503: Historiografia da presença portuguesa em África (465): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte I ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448)

 

Foto nº 5 > Guiné > s/l (Nhacra,  donde partiu a coluna que entrou em Bissau a 3 de junho ou) > 1915 > Ao centro, o Abdul [Injai], "chefe de guerra" (1); e à esquerda, "o capitão [médico], sr. Francisco Regala", de chapéu  e bigode (2)... Em primeiro plano, quatro músicos, três dos quais tocadores de cora (cujo papel deveria ser o de galvanizar os combatentes, irregulares, sob a chefia do Abdul Injai). (A numeração dos combatentes é da responsabilidade da revista, "Ilustração Portuguesa").


Foto nº 4A  > Guiné > s/l (Nhacra, donde partiu a coluna para atacar Bissau) > 1915 > Partida para a guerra contra os papéis e grumetes da ilha de  Bissau: os oficiais da coluna; o capitão de infantaria Teixeira Pinto, à esquerda (1); o capitão médico Francisco Regala, ao centro (2); e à direita, o segundo tenente de marinha, José Francisco  Monteiro (3).


Foto nº 4 ...Faltam aqui mais dois oficiais: segundo tenente da marinha Queimado de Sousa e ten inf Henrique de Sousa Guerra. De se



Foto nº 6 > Guiné > s/l  (Nhacra) > 1915 > Aparelhando os cavalos para a partida da coluna.


Foto nº 7 > Guiné > s/l (Nhacra) > 1915 > Partida de um grupo de irregulares que vão juntar-se às restantes forças.


Foto nº 1 > Guiné > s/l> 1915 > O veleiro Luso, transportando as forças irregulares que vieram combater os 'papéis'.

Foto nº  2 >  Guiné > s/l (Nhacra) > A coluna preparando-se para partir para a guerra.  


1. A propósito das "campanhas de pacificação" (um eufemismo...) (*),  reproduzimos aqui um pequeno texto e fotos das operações  de 1915 (13 de maio / 17 de agosto), contra os papéis e os grumetes da ilha de Bissau (apoiados direta ou indiretamente pelos franceses que nunca viram com bons olhos aquele "enclave" português na grande África ocidental francesa), operações em que participaram, entre outros, o cap inf Teixeira Pinto, o cap médico Francisco Regala, o tenente da marinha José  Francisco Monteiro, e o cap inf Sousa Guerra,  e o chefe das tropas auxiliares,  Abdul Injai (, de etnia Uolofe, nascido em Casamansa, hpoje Senegal.


"Para as as tropas portuguesas que operam na Guiné tem sido assaz trabalhosa a sua campanha contra o gentio que estrangeiros e portugueses desnaturados e antipatriotas têm açulado contra a nossa soberania.

Mas,apesar das rudes marchas por terrenos empestados, não afrouxou o ardor dos nossos soldados que parece animarem-se ainda mais quanto maiores forem os perigos a que se expõem.

A insubmissa ordem dos 'papéis' tem sentido os resultados da sua rebeldia  no castigo eficacíssimo que as nossas tropas lhes têm aplicado, obrigando-os a uma pacificação tão desejada para aquela nossa colónia que, apesar de insalubre, possui uma agricultura invejável pela sua enorme riqueza.

A campanha continua ainda muito acesa em vários pontos, mas espera-se, pelos reforços que para lá têm sido enviados, que dentro em breve as tropas portuguesas dominem a região, o que decerto constituirá mais  uma brilhante  vitória para o prestígio nacional".

Fonte: "Ilustração Portuguesa".   2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448.  Diretor: J. J. da Silva Graça; Propriedade: J.J. da Silva Graça, Lda; Ed lit. José Joubert Chaves. 

(Cortesia de Hemeroteca Municipal / Càmara Municipal de Lisboa; é de reconhecer publicamente o extraordinário trabalho dã Hemeroteca Municipal de Lisboa, em termos de arquivo, tratamento, digitalização e divulgação destes periódicos centenários, cujo conteúdo merece ser conhecido pelos nossos leitores, antigos combatentes na Guiné, 1961/74).
 
 (Seleção, revisão / fixação de texto, edição e legendagem das fotos: LG)


2. A notícia é dada em outubro de 1915, já a campanha tinha terminado, em 17 de  agosto, com a vitória inequívoca do hábil e destemido cap inf Teixeira Pinto (a quem os guineenses hoje devem possivelmente o facto de terem um país que não foi engolido pelo colonialismo francês; hoje seria parte integrante do Senegal e/ou da Guiné-Conacri).

A "Ilustração Portuguesa" (fundada em 1903, com uma II série a partir de 1906) era uma edição semanal do jornal "O Século", republicano. Custava 10 centavos o número avulso  A assinatura anual era de 4$80 centavos (Portugal, colónias portuguesas e Espanha). 

Recorde-se que, com a proclamação da República (em 5 de outubro de 1910), o escudo (=1000 réis) passou a ser a nova moeda. Estava dividido em 100 centavos. 10 centavos eram portanto 100 réis. O escudo irá sofrer uma grande desvalorização com I Grande Guerra.

Foi a primeira publicação a fazer grande uso da fotografia, recorrendo não só a fotógrafos profissionais (como o Joshua Benoliel, o primeiro grande fotojornalista português), como amadores: muitas das fotos da I Grande Guerra e da guerra em África são dos próprios participantes no conflito (no caso destas fotos de Bissau, 1915, desconhece-se o seu autor).

Entretanto, e a propósito dos oficiais portugueses acima retratados, recorde-se o nome do cap médico Francisco Regala, já aqui referido no nosso blogue, por um seu bisneto (**), e nosso leitor:  Francisco Augusto Monteiro Regalla "combateu em 1915 na coluna de operações em Bissau" e fez parte, durante algum tempo, da guarnição da Fortaleza da Amura...  

Francisco Regala nasceu em Aveiro, em 1871, e morreu em 1937, com o posto de coronel médico. Foi autarca no Mindelo, São Vicente, onde está sepultado. Era uma figura muito querida dos mindelenses

Enfim, apontamentos sobre a  historiografia da presença portuguesa (nem sempre "pacífica"...) em África (***)...
  
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Notas do editor:


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Quando der por concluído a leitura destes Boletins até ao final do século regressarei à leitura da importante obra de Armando Tavares da Silva intitulada A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926, Caminhos Romanos, 2016, iremos acompanhar o que de facto se passou neste período em que os Boletins Officiais parecem condenados a um discreto silêncio das profundas tensões interétnicas, só ali e acolá é que se fala em autos de submissão e vassalagem, meros proformas em que os grupos étnicos procuravam um compasso de espera para voltar à rebelião. Por isso, aqui se recupera um documento de 1894, os régulos da Península de Bissau a pedirem para serem perdoados e o Governador a apresentar uma lista gordinha de obrigações de cumprimento a breve trecho. E de novo se aproveita um relatório do chefe da Junta de Saúde César Gomes Barbosa, ele é exigente e não tem pejo em dizer as verdades, sabe perfeitamente que nem sempre é atendido, aliás vive-se um período na Guiné que é muito incómodo em Lisboa, o dinheiro escasseia e nas prioridades estão as expedições militares, sobretudo em Moçambique.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22)


Mário Beja Santos

Que o leitor não se surpreenda, não pretendo ficcionar que os eventos que merecem ser destacados são praticamente inexistentes entre 1894 e 1895. Recorda o leitor aquele ato de submissão prestado pelos Grumetes e Papéis de Intim, Bandim, Antula e Safim, vieram ao Palácio do Governo em Bissau assinar o ato de submissão, trouxeram os homens grandes das suas tribos, declarando a sua resolução que o Governo de Sua Majestade lançasse no esquecimento as ofensas que havia recebido porque quanto a eles iam procurar por meio de boas ações de conquistar a confiança do Governo. Bem interessante é a resposta do governador, estava pronto em nome de Sua Majestade em conceder-lhes o perdão, mas para isso era necessário que todos eles se sujeitassem às condições que lhes ia impor. E elenca um rol de condições, como se sintetiza: entregar dentro de 30 dias todos os soldados desertores que estiverem na ilha de Bissau, sob pena de trazerem em sua substituição seis vacas por cada um que faltar ou que não indiquem o local onde possam ser encontrados; trazerem para a praça todas as armas aperfeiçoadas que tiverem em seu poder; não procurar intervir, sobre pretexto algum nos terrenos compreendidos na área de um polígono de perímetro afastado 350 m da praça de Bissau; conservar livres os caminhos através da ilha, garantindo a vida dos que por eles transitarem, protegendo e facilitando as relações comerciais; prestar serviços de trabalhos na praça, para que os chefes ou régulos das tribos perdoadas distribuirão o pessoal das povoações, cada um deles tem direito à ração durante os dias que trabalharem; para tornarem a habitar Bandim, Intim e terrenos próximos, cujas povoações foram destruídas pelas novas forças e para se não continuar o bombardeamento de Antula, obrigam-se a satisfazer anualmente como tributação de submissão o imposto de cabeça de 160 réis por cada indivíduos, pago em quatro prestações trimestrais de 40 réis; nomear-se-á para cada uma das três tribos um homem que informará o Governo do que entre eles se passa, sendo-lhe garantida a vida e bom acolhimento na povoação que tiver de visitar, etc. etc. (matéria constante do Boletim Official n.º 32, datado de 11 de agosto de 1894).

Já aqui se falou dos pertinentes relatórios elaborados pelo chefe do serviço de saúde, César Gomes Barbosa. No Boletim Official n.º 34, de 24 de agosto de 1895, temos agora o relatório do serviço de saúde referente a 1893. Logo Gomes Barbosa assinala a falta de pessoal médico. Como não apareciam facultativos de 1.ª classe, tinham sido convidados facultativos de 2.ª classe das escolas do reino em serviço no Ultramar, garantindo-se-lhes que seriam promovidos a 1.ª classe. Apareceram facultativos do quadro de saúde de Cabo Verde. Estes facultativos vão ter sérios problemas de acolhimentos, a par de vir a encontrar o clima insalubre, na Guiné havia uma completa falta de casas com condições higiénicas para eles. Explica a falta de facultativos porque os médicos que servem na Guiné não têm uma recompensa pelos serviços a que se expõem.

Em janeiro de 1893, a enfermaria de Bissau sofreu um grande incêndio, o médico pediu providências ao Governador, veio de canhoneira até Bissau para escolher um edifício particular com boas condições, na ocasião de vir até Bissau trouxeram oito camas e roupas para se suprir tudo o que havia sido queimado. Lá se encontrou uma casa destinada a servir para o hospital. E explica a organização que imprimiram ao espaço; chegaram quatro irmãs hospitaleiras em fevereiro desse ano, distinguia-se a superiora Maria Patrocínio de São José, profundamente bondosa. Refere os serviços prestados pelas profissionais de saúde, dá conta das roupas, utensílios e camas.

Alude à topologia das doenças, o paludismo, as úlceras, as doenças de pele, o sarampo, a varíola, etc. Temos agora o quadro da higiene, volta a enfatizar a necessidade de se aperfeiçoar a limpeza das ruas e controlar a acumulação de imundícies, as fontes continuavam a não ser policiadas, a polícia municipal era pouco exigente, isso podia-se ver, por exemplo, no estado do cemitério. E informava a quem de direito que continuava tudo no mesmo estado, nenhuma obra era digna de referência, à semelhança de relatórios anteriores. Volta a enfatizar o grave problema da vacinação. Esta é a sumula dos acontecimentos que ele nos deixa, embora seja muito detalhado a falar a medicina legal, ramo que continuava a ser muito defeituoso no Ultramar, pela falta de um local apropriado para exames cadavéricos e autópsias. Não esqueceu a sanidade marítima, orgulha-se de se ter conseguido alcançar a montagem do lazareto, funcionava o serviço de desinfeção.

Haverá relatórios posteriores, são peças de grande significado como registo do quadro de saúde pública da Guiné no fim do século XIX. Ele está nitidamente obcecado pela vacinação, dá sugestões, embora descrente que venham ser postas em prática:
“Entendo que não deve ser permitido ao gentio vir habitar as localidades ocupadas pelas nossas autoridades sem ser vacinado. Para isso, a Junta de Saúde fará regulamento especial em que se estabelecerá a vacinação para os que de novo entrem depois de se conseguir a vacinação geral dos que já residem ao tempo nos povoados. Procedimento igual é usado em S. Tomé, com os serviçais e numa das colónias francesas com os colonos que para elas são mandados. Ora o gentio que abandona temporária ou definitivamente a sua morança para vir habitar nas nossas povoações pode nesta ser considerado como as levas de colonos de S. Tomé (serviçais) e exigisse-lhes como condições sine qua non o serem vacinados. É um alvitre merecer a aprovação que parece que dará bons resultados, evitando os frequentes casos isolados de varíola que se dão entre os indígenas que recolhem as nossas praças, ameaçando assim a saúde pública, alarmando os habitantes e por várias vezes como em 1887, criando graves transtornos ao comércio e à navegação.”

Estes relatórios dos serviços de saúde ir-se-ão repetindo, mais tarde o Governador irá louvá-lo pelo seu lavor em escrita tão documentada. E vamos agora mudar de ano.


Agência em Bolama do BNU, depois Hotel do Turismo, agora uma ruína completa
Monumento em Bolama, imagem retirada de RTP Arquivos, setembro de 1961

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 5 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26462: Historiografia da presença portuguesa em África (463): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (21) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26462: Historiografia da presença portuguesa em África (463): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (21) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Ficamos com uma dívida impagável ao facultativo César Gomes Barbosa, chefe do serviço de saúde da Guiné, estamos na década de 1890. Os seus relatórios do serviço de saúde, quer o de 1891 e o de 1892, são modelares pela minúcia com que ele nos abre a porta até à farmácia central de Bolama, a natureza dos solos de Bolama e dos seus pântanos, a falta de enfermeiros, o inadmissível não haver um recenseamento da população da Guiné, escrevendo mesmo: "Sem haver um recenseamento da população da Guiné nenhum interesse científico há conhecimento do movimento obituário porquanto se não pode referir a termo algum de comparação. Em todo o distrito, o número de óbitos nas povoações em que se fazem internamentos nos cemitérios foi de 126 indivíduos desconhecendo-se por completo os óbitos ocorridos nas diversas tabancas gentílicas que fornecem na população flutuante um contingente sensível de mortalidade." Adverte continuamente as autoridades para o ingente problema da fuga à vacinação, é cuidadoso a descrever as casernas das instalações militares, enfim. Ficamos a dever a este facultativo elementos preciosos sobre a Guiné que caminha para o século XX.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (21)


Mário Beja Santos

Continuamos com o relatório do chefe do serviço de saúde, César Gomes Barbosa em diferentes números do Boletim Official deste ano de 1894, embora o documento se reporte a 1891. É indiscutivelmente um documento de grande importância, uma bela fotografia de um facultativo que não se limita a focar-se em exclusivo na saúde pública. Já falou de Bissau, Bolama e Cacheu, vejamos o que nos diz de Farim. “Não tem casas, mas sim cubatas; o seu solo é pantanoso, conseguindo no todo ou em parte os melhoramentos que tenho vindo a apontar para a Guiné, seria levantar-se a pouco e pouco o anátema que com razão pesa sobre si. Em Portugal é tal o horror que causa a ideia de uma demora na Guiné, parece a muitos impossível que em tal país se possa viver. Esse horror é razoável. A Guiné é hoje das nossas colónias a mais paludosa e insalubre.”

Fala depois dos quartéis, e logo Bolama:

“Ao pronunciar-me acerca das condições do aquartelamento em Bolama, sinto ter que estar em desacordo com pareceres dos meus antecessores quanto julgo importante. Refiro-me ao local da sua situação. A colocação dos pavilhões junto ao vasto pântano criado pela praia lodosa, na qual o mar se estende e constitui o esteiro conhecido por Rio dos Burames, é um defeito gravíssimo que só encontrará remédio no aterro da praia. Pena é que a tão bons edifícios tivesse sido dada uma tal colocação que parece não quis atender à topografia médica do terreno que deve ser tido muito em vista para quaisquer construções e muito mais para casernas onde é mais demorada a permanência dos seus habitantes. Os pavilhões que constituem o aquartelamento das praças da guarnição de Bolama são excelentes, casernas largas e bem arejadas, de construção belga formados por paredes de tijolos ocos, dispostos entre barras de ferro, assentando o edifício sobre colunatas de ferro e pilares de alvenaria, com uma altura do solo mínima de meio metro.”

E discorre sobre outros aquartelamentos, deriva depois para a sanidade marítima e queda-se na vacinação:

“A relutância que apresentam os habitantes da Guiné à inoculação da linfa vacínica é idêntica à que se nota nos povos de Cabo Verde. Receosos da febre que na marcha regular da evolução de uma pústula vacínica de boa qualidade se manifesta, todos recusam a fazer vacinar seus filhos. Por mais que a Junta de Saúde e seus delegados se esforcem para difundir a vacina, ela há de ser sempre diminuta enquanto se não tornar obrigatória. A vacinação obrigatória que não poderá estender-se às tabancas gentílicas, restringir-se-ia aos habitantes da capital e das praças de Bissau, Buba, Cacheu, Farim e Geba, o que, todavia, constituiria uma garantia à importação da varíola.”

E não deixa de manifestar preocupação sobre a inexistência de dados fidedignos sobre a demografia:

“Desconhecida a população de cada localidade da nossa efetiva e real ocupação, impossível se torna realizar o estudo do movimento da população que teria por base o conhecimento primário do número dos habitantes para cada uma. Nestas condições fica mais uma lacuna involuntária entre as muitas que devem existir neste relatório.”

O que se acaba de transcrever consta do Boletim Official n.º 16 e n.º 17, respetivamente de 21 e 28 de abril de 1894. No Boletim Official n.º 24, de 16 de junho do mesmo ano, temos de novo César Gomes Barbosa a falar do serviço de saúde durante o ano de 1892. Tanto teimou que começaram obras urgentes nos pavilhões do Hospital de Bolama. Queixa-se do espaço acanhado que é reservado à farmácia, reclama a construção da casa para o depósito das drogas da farmácia central do distrito, é necessário um compartimento para servir de laboratório farmacêutico. Queixa-se da falta de pessoal médico:

“Na Guiné há um simulacro do quadro de saúde – com um chefe e dois facultativos de 2.ª classe e um outro em comissão. Três médicos para toda a Guiné é um cúmulo! Pontos importantes hoje como Buba, Farim e Geba estão sem médico para acudir às suas imperiosas necessidades frequentes vezes são mandados os que residem em Cacheu, Bissau e Bolama (como delegados de saúde) visitar respetivamente Farim, Geba e Buba. Repetidas vezes fiquei só em Bolama para que o fundo facultativo que me acompanha para a formação da Junta de Saúde, pudesse sair ora para Geba ora para Buba, em socorros urgentes.”

Depois de discretear sobre o serviço hospitalar, põe por escrito o que ele estima sobre a saúde pública:

“O quadro patológico da Guiné divide-se em duas secções perfeitamente caracterizadas pelo predomínio das doenças e suas localizações no organismo. A primeira secção compreende 7 meses de maio a novembro e a segunda de dezembro a abril. Na primeira a epidemia palustre e, na segunda, as inflamações catarrais das vias respiratórias frisam a constituição médica. Durante os primeiros quatro meses da primeira secção patológica o paludismo complica-se de estados biliosos mais ou menos pronunciados, embaraços gástricos, intestinais e enterites (diarreia e disenteria) acentuando assim a localização do aparelho digestivo: nos restantes três meses agravam-se as manifestações paludosas, predominando as complicações congestivas do fígado, rins e baço, de onde as biliosas hematúricas. Na segunda secção, nos meses de dezembro a fevereiro dá-se a localização dos centros nervosos manifestando-se as perniciosas cerebrais e as insolações, predominando as inflamações catarrais das vias aéreas, por bronquites, pneumonias e pleurisias. Nesta quadra ordinariamente aparece Farim, Geba e Buba a coqueluche (tosse convulsa), o sarampo e a varíola, trazidas certamente por caravanas que chegam do interior. Pelo segundo período desta secção continua o predomínio dos catarros brônquicos e surgem as enterites devido à ingestão de frutas mal sazonadas.”

Mais adiante falará da higiene e da polícia médica, seguindo-se a vacinação, volta a mostrar o seu inconformismo, e escreve:

“Reputa-se na Guiné a vacinação como inútil não prejudicial e o povo está crente de que a vacina dá varíola, isto de suporem que ela deve produzir o mesmo efeito que o antigo processo da variolização muito usado pelo gentio que ainda hoje dele se serve como preservativo.”

Queixa-se da falta de médicos forenses, na dificuldade no recrutamento de enfermeiros e nas doenças vindas de fora:

“A Junta de Saúde declinando toda e qualquer responsabilidade de quaisquer ocorrências que poderiam advir da admissão em quarentena a embarcações procedentes de portos infecionados, julga necessário para se atender às vitais e imperiosas necessidades do comércio e interesse da fazenda pública, que se estabeleça um lazareto competentemente montado no Ilhéu do Rei. Uma colónia que vive quase exclusivamente de permutação de artefactos europeus pelos seus produtos agrícolas não pode deixar facilitar a entrada em seus portos a embarcações procedentes dos principais portos de exportação da Europa, portanto não pode demorar a constituição de um lazareto convenientemente apropriado.”

Interrompemos aqui as narrativas do facultativo César Gomes Barbosa, voltaremos com o Boletim Official n.º 32, de 11 de agosto, nele se transcreve o auto de submissão prestado pelos Grumetes e Papéis de Intim, Bandim, Antula e Safim, da ilha de Bissau a Sua Majestade fidelíssima.

Imagem retirada do trabalho de Leite de Magalhães, publicado na Agência Geral das Colónias em 1929
Imagem retirada do trabalho de Leite de Magalhães, publicado na Agência Geral das Colónias em 1929
Imagens de uma elefantíase num jovem
Foto aérea da ponte-cais de Bissau, poucos anos após a sua inauguração em 1953 - Foto Serra

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 29 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26439: Historiografia da presença portuguesa em África (462): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (20) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26456: Os 50 Anos do 25 de Abril (35): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte I





Exposição > “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades”


Museu Nacional de Etnologia, Lisboa, Belém,
30 out 2024 / 2 nov 2025 (*)



1."Dois eixos centrais estruturam a narrativa da exposição" (citando a organização) (*):

(i) "O primeiro eixo organiza-se em painéis temáticos, nos quais texto e imagem se articulam, pondo em evidência as linhas de força do colonialismo português dos séculos XIX e XX, e dando a palavra ao conhecimento histórico."

(ii) "O segundo eixo pretende 'fazer falar' as   [139] obras de arte africanas, como evidências materiais do pensamento e da cultura africanas, evidenciando a complexidade organizativa dos sistemas sociais e culturais destas sociedades, permitindo mostrar a criatividade, a vitalidade, a sabedoria, a racionalidade, a diversidade identitária e as competências africanas e contribuindo para evidenciar e desconstruir a natureza falsificadora dos mitos coloniais portugueses."

Realizada no âmbito das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (**), a exposição é um  projeto que "resulta das pesquisas desenvolvidas pela equipa de cerca de trinta investigadores que nele colaboraram, tendo igualmente contado com o indispensável contributo de muitas entidades, nacionais e estrangeiras, que cederam a profusa documentação iconográfica apresentada nos painéis explicativos em torno dos quais se desenvolve a narrativa da exposição." (...).

2. Fomos no sábado passado fazer uma primeira visita à exposição (que vai estar patente ao público até ao próximo dia 2/11/2025).  Infelizmente, ela não vai "deambular" pelo país inteiro, embora esteja prevista "a realização de exposição itinerante, de caráter exclusivamente documental, que circulará por escolas e centros culturais em Portugal, assim como em diversos espaços de língua portuguesa, em África e no Brasil".

Farei em breve uma segunda ou até terceira visita, mais atenta e demorada, até por que há vídeos para ver. Para já, apresento algumas imagens que tirei com a minha Nikon (em menos de 2 horas, tirei 230 fotos, o que com duas canadianas é obra!), a cada um dos painéis temáticos (cada um com a sua cor, e sucessivos desdobramentos, seguindo um lógica cronológica, ou seja da colonização à descololonização, independências e legados do colonialismo), mas também a alguns dos objetos expostos (em vitrines, o que dificulta o trabalho do fotógrafo)...

 Claro que não conseguiu chegar ao fim, mas deu para ficar com uma ideia do conjunto, e da riqueza dos materiais expostos, a começar pelas peças da arte popular africana). Pareceu-me que, relativamente à Guiné, peca por defeito: afinal, nunca foi uma colónia de povoamento como Angola e Moçambique... 

Apesar de ser trabalho de uma vasta equipa, tem um cunho muito pessoal (e profissional) da professora Isabel Castro Henriques, sua curadora, e  cujas principais áreas de investigação são bastante específicas:

(i) História de África – Angola, África central, São Tomé e Príncipe;

(i) História das relações afro-portuguesas (séculos XV-XX);

(iii) História do Colonialismo Português;

(iv) História da Escravatura e do Comércio de Escravos;

(v) História da construção dos territórios e identidades;

(vi) História das representações iconográficas;

(vii) História dos Africanos em Portugal.

O primeiro painel é dedicado ao tema, recorrente,  da propaganda que veio da Monarquia Constitucional ao Estado Novo, passando pela  República, e que chegou aos nossos dias;  "Estamos em África Há 500 Anos" (disseram-nos logo na escola primária e repetiram-nos na tropa e na guerra, embora já poucos "senhores da guerra" acreditassem nisso, a começar pelo Spínola).

Seria uma pena o leitor perder esta exposição "in  situ", no 1º piso, no maior sala de exposições do  Museu.  (Acrescente-se quer o Museu Nacional de Etnologia tem belíssimas coleções, representando mais de 380 culturas do mundo, de 80 países, de 5 continentes: são muitas dezenas de milhares de peças, que celebram as culturas africanas, asiáticas e ameríndias, além da cultura tradicional portuguesa; a coleção africana, inclusive, é considerada uma das melhores do mundo, embora não saibamos qual a sua origem; o meu amigo e professor Pais de Brito foi lá diretor de 1993 a 2015; tenho um especial carinho por este museu, até por que tive um ano de aulas apaixonantes, no ISCTE,  com o Pais de Brito que não era nada "africanista"). 

De qualquer modo, as edições Colibri editaram em livro, em português e inglês, o catálogo desta exposição, profusamente ilustrado. As suas 342 pp. e os seus cerca de 30 autores merecem bem o preço de capa (40,00 euros).

Acrescente-se que a exposição é organizada pelo CEsA Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (do ISEG / UL)  e pelo Museu Nacional de Etnologia, com curadoria de historiadora Isabel Castro Henriques,  e integra as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril

O objetivo da exposição, além de cultural,  é pedagógico e didático, "expor e desconstruir os mitos da ideologia colonial, promovendo a descolonização do imaginário português e oferecendo um conhecimento renovado e acessível sobre a questão colonial".












Caricatura do imperialismo britânico, por Rafael Bordalo Pinheiro > "Pater Familias":"deixai vir a mim os pequeninos" ("A Paródia", 23 abril 1903, pp. 4-5. Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa.)



O "mapa cor de rosa"...


(Imagens obtidas da exposição "in situ",  sem flash, com a devida vénia...)

(Continua)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26154: Agenda cultural (870): Museu Nacional de Etnologia, 30 out 2024 / 2 nov 2025 > Exposição: “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades”



quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26439: Historiografia da presença portuguesa em África (462): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (20) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Temos vindo a encontrar ao longo dos anos bem curiosos diagnósticos de situação em termos de higiene e saúde pública, recordo os irrepreensíveis e minuciosos relatos do Dr. Damasceno Isaac da Costa. Encontra-se agora neste ano de 1894 este precioso documento assinado pelo chefe do serviço de saúde, que conhece in loco as situações e quando não as conhece baseia-se nos relatórios dos respetivos delegados de saúde. Acresce dizer que este ano de 1894 revela-se politicamente um tanto inócuo, vão aparecer uns atos de submissão, aparentemente a ilha de Bissau entrou em acalmia, praticamente não se fala em sublevações na região de Geba nem em Cacheu. A economia não está risonha, o reinado do rei D. Carlos iniciou-se numa situação financeira crítica, o dinheiro escasseia e há políticos em Lisboa que até sonham com a criação de uma empresa majestática para a Guiné, que evite despesas ao Estado.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (20)

Mário Beja Santos

Folheando os boletins deste ano, compete dizer em primeiro lugar ao leitor que a publicação está em muitíssimo mau estado, o boletim devia vir dobrado para o continente, não só está partido como o papel é muito frágil para desfazer-se. Da leitura feita entre janeiro a agosto, regista-se certa sensaboria, há muitos despachos e muitas entradas e saídas, excecionalmente aparecem autos de submissão após rebeliões, pelo que tomei a decisão de me centrar numa matéria que se revela rica, dada a qualidade dos relatórios sobre o serviço de saúde na Guiné. É chefe deste serviço César Gomes Barbosa, que escreve na perfeição. Após nos apresentar o hospital e a farmácia central de Bolama e o depósito de medicamentos, resolve fazer uma apresentação de Bolama, é um olhar muito interessante:
“O solo de toda a ilha é argilo-silicioso e argilo-ferruginoso, formando uma planície baixa coberta de vegetação, sem florestas, nem bosques, e rodeada à beira-mar por arvoredo (tarrafo) cujos troncos ficam mergulhados em água salgada do rio. Não existe nesta ilha animais selvagens. Corre apenas haver a onça e o lobo. O interior dela tem aqui e acolá espalhadas umas pequenas tabancas, de Brames, Fulas, Mandigas, Papéis e Manjacos que agricultam os terrenos a seu modo de batata, milho, feijão, milhinho e algum arroz, géneros de que se servem para a sua alimentação e mancarra que vendem em troca, a maior parte das vezes a partir de europeus tais como aguardente, pólvora, tabaco, artigos de vestuário.
As praias que limitam a povoação constituem os maiores e mais nocivos pântanos de toda a ilha e a elas se devem, decerto, grande parte da insalubridade desta capital. São praias que em parte do dia oferecem uma superfície extensa à exalação maremática e em que o Sol ardente ativa quotidianamente, fornecendo o calor para a decomposição das matérias orgânicas de germinação ou cultura dos micróbios.”


O autor volta-se agora para o quadro da saúde pública, irá falar do quinino:
“É o sulfato de quinina em doses nunca inferiores a 800 centigramas, mas que ascendem a 2, 3, 4 e 5 gramas diárias, o medicamento por excelência. Nunca atingi a dose de 4 gramas de sulfato de quinina na minha clínica. Durante o acesso febril de uma intermitente simples quotidiana terçã, quartã, etc. que muitas vezes se complica de embaraço gástrico ou intestinais, é seguida a prática racional de administrar evacuantes, vomitórios ou purgantes, conforme a complicação, sem se administrar a quinina. Após os efeitos de qualquer dos evacuantes sobrevém uma calma relativa que se aproveita para provocar a transpiração que pouco tarde. É no intervalo das pirexias (febres), que se administra o quinino. Esta regra, porém, não pode ser tomada como constante. O médico é muitas vezes obrigado a determinar o uso de sal químico durante o acesso febril. Esperar os intervalos das pirexias seria muitas vezes a condenação do doente. O médico é muitas das vezes obrigado a determinar o uso do sal químico durante o acesso febril, como antitérmico, quando a elevação da temperatura é grande e prolongada. (…) A minha prática de 8 anos em localidades paludosas leva-me a admitir e a usar com frequência a quinina durante o acesso febril. Deste uso tenho apenas que me felicitar. Nas febres intermitentes a temperatura axilar é muitas vezes elevada a 41 e 41,5 sem que, após ela, o doente ligue a menor importância ao que o doente sofreu. Estas febres assim deterioram facilmente o organismo e produzem com poucas repetições a anemia palustre, quando o paciente menos a espera.”

Faz seguidamente uma exposição sobre as formas gravíssimas de paludismo com a morte de todos os doentes, começa pela febre perniciosa a que se segue a febre biliosa hemoglobinúrica; apresenta o quadro das situações mais frequentes de doenças que levam à hospitalização: a diarreia, a disenteria, a doença do sono, as ténias, as ascárides lombricoides e as doenças de pele, as úlceras e a varíola. Continuando, faz uma síntese da higiene e polícia sanitária:
“De Bolama, Bissau, Geba e Buba, falo com conhecimento pessoal; de Cacheu e Farim apenas farei as referências dos delegados de saúde. Higiene tem sido uma palavra mais ou menos respeitada ou ridicularizada na Guiné, consoante a ilustração da câmara e das comissões principais. É certo que todas delas falam porque têm um pelouro de higiene, não é menos certo que cada vereador é um higienista especial, quando lhe incumbe os cuidados do pelouro relativo. Não supunham os vereadores das câmaras municipais da Guiné que esta especialidade lhes pertence. O que noto aqui observei-o durante 7 anos em Cabo Verde.”

Continuamos a falar do relatório do serviço de saúde da Guiné português durante o ano de 1891 publicado no Boletim Official ao longo de 1894. César Gomes Barbosa envereda agora por amplas descrições do Estado de lugares da Guiné. Começa por Cacheu.

Após localizar Cacheu, diz o seguinte:
“De janeiro a julho servem-se os habitantes de Cacheu da água colhida em dois poços abertos nos pântanos do Sul, de junho a dezembro a água é colhida em duas fontes que existem à entrada do mato e são a Inglesa e a Salanca. São estas águas, a meu ver, de má qualidade, não se devendo nunca servir de poços abertos dos pântanos e devendo usar-se com os cuidados precisos as que se colhem nas fontes Inglesa e da Salanca, fazendo filtrar ou melhor, ferver e arejar. Nesta vila manifestam-se todas as formas de paludismo, desde a mais ligeira até às febres remitentes, biliosa e perniciosa, o que confirma o meu juízo de pouco salubre. O solo de Cacheu é argiloso, com mistura de sílica. Desta natureza do terreno se compreende já a sua insalubridade, cercado de pântanos, salgados e doces abastecidas de água de má qualidade num espaço cercado de paliçada, esta vila não me merece o conceito de mais salubre que a povoação de Bolama.

De Cacheu e Farim, que não conheço ainda e que são banhados pelo rio de S. Domingos apenas repito o que tem sido dito. O cemitério de Cacheu é como o descrevem os delegados de saúde, uma porção de terreno ao Sul da vila, sem resguardo, cita numa pequena elevação do solo a que fica subjacente o pântano em que se encontram os poços de água que os habitantes da água fazem uso.
Manifestam os delegados de saúde o receio que as águas dos poços possam vir inquinada de produtos de decomposição cadavérica, não me parece justificado este receio perante a dar-se de que há muito em Cacheu deveria experimentar estes funestos resultados.
O cemitério não deve continuar no local onde hoje se fazem os internamentos, por ser a área muito pequena e estar muito próximo da praça. Convém que se termine aí com a inumação e que se construa um cemitério em local mais afastado.”


E o chefe do serviço de saúde irá seguidamente falar de Farim, Bolama e Geba.

Forte de Cacheu, finais do seculo XIX
Soldados da Companhia de Caçadores 508 com prisioneiros, na Guiné-Bissau, durante a Guerra Colonial. Fotografia retirada do site Lugar do Real, com a devida vénia
Marginal de Bissau. Ao fundo: a corveta NRP Honório Barreto, ao serviço da Marinha Portuguesa. Este tipo de embarcações atuou em missões de soberania e apoio de fogo nas águas de Angola, Guiné, Moçambique e Cabo Verde. Imagem retirar do Lugar do Real, com a devida vénia
Ponte-cais do Pidjiquiiti Correia e Leça, cerca de 1890

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 22 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26413: Historiografia da presença portuguesa em África (461): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1892 para 1893 (19) (Mário Beja Santos)