Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta historiografia da presença portuguesa em África. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta historiografia da presença portuguesa em África. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 26 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26619: Historiografia da presença portuguesa em África (472): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908; 1909 e 1910 (28) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Não se encontra resposta para a publicação de louvores e relatórios de operações que decorreram na margem direita do Geba e em Bissau nos primeiros meses de 1908 em Boletins tão posteriores. Constituem, aliás, a única nota em que se desvelam operações militares, de nós já conhecidas. Voltaremos à modorra do costume, excecionam-se acontecimentos como o aniversário do rei D. Manuel II, a morte de Eduardo VII, para a qual houve luto nacional e a proclamação do 5 de outubro, aqui se reproduzem as imagens.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908, 1909 e 1910 (28)


Mário Beja Santos

O ano de 1908 é uma lufada de ar fresco, ficamos com uma grande dívida de gratidão ao governador Oliveira Muzanty, até agora o Boletim Official é um mero arrastar de menções administrativas, e subitamente ficamos a saber que há tensões, gente insubmissa, operações militares, enviam-se telegramas para Lisboa a anunciar acontecimentos, de um modo geral bem-sucedidos. É o caso do telegrama enviado no Boletim Official n.º 46, de 21 de novembro de 1908, fala de um castigo dado aos Balantas, culpados de roubos, em 17 de novembro, pela madrugada, a tropa atacou de surpresa Cunhi Cumba, incendiaram-na, bem como a Chumbel, os rebeldes tiveram 37 mortos, entre eles o chefe da tabanca, apresaram-se armas, no dia seguinte prosseguiram-se as operações, queimaram-se Blassi, Assagre e Nhafo, os rebeldes tiveram 73 mortos, eram baluartes Balantas, foi montado posto militar em Cunhi Cumba. Felicita-se o comandante da campanha, tem-se agora posse efetiva da margem norte do Geba.

No Boletim Official n.º 48, de 5 de dezembro, publica-se telegrama expedito para o ministro da Marinha, os Balantas restituíram uma lancha, gente em Goli como não restituiu armamento destruiu-se a povoação, fizeram-se prisioneiros e apanhou-se gado; os auxiliares atacaram Malafo apoiados pela canhoneira Lurio, os Balantas retiraram-se para o mato depois de grande resistência, Malafo e Goli ficaram ocupados por forças auxiliares. Quem dirigiu estas operações fora o capitão de artilharia Viriato Gomes da Fonseca.

Ainda no mesmo Boletim vêm publicados vários telegramas, dois assinados pelo governador em que se fala de uma coluna que tomara Ganturé, no Cuor, iniciando perseguição, noutro telegrama refere-se uma batida em toda a região do Cuor, o inimigo tivera enormes perdas materiais e de vidas, o rei D. Manuel agradece, os telegramas que se sucedem têm a ver com as citações do ministro e o secretário-geral, na ausência do governador escreve em portaria que em consequência das operações é por este Governo, declarado livre para a navegação e aberto ao comércio o porto de Bambadinca, ficando porém ainda proibido o atracar à margem direita do Geba em toda a região do Cuor, com exceção do porto de Sambel Nhantá. Ora a portaria datada de abril de 1908, matéria anterior à data da publicação do Boletim Official.

Estamos agora a 26 de dezembro, Boletim Official n.º 51, mais telegramas enviados ao ministro, comunica-se que os régulos de Sama, Irondim e Gussará vieram pedir perdão, pagaram multa e imposto de palhota, toda a região do Cuor está completamente batida e ocupada; noutro telegrama fala-se de combates que duraram mais de três horas em que se tomou Intim e Bandim.

Temos finalmente o suplemento n.º 4 ao Boletim Official n.º 12, com data de 20 de março de 1909, o governador da coluna, o capitão Ilídio Nazaré publica o relatório, por determinação do governador, a data é de 28 de abril de 1908. Batera-se o régulo Infali Soncó, havia agora que louvar os oficiais e as praças que tinham feito parte da coluna de combate. Há textos de louvor bastante interessantes, aqui se registam:
“Companhia de Marinha comandada pelo 1.º tenente Luís Bernardo da Silveira Estrela, pela tenacidade e disciplina que sempre mostrou durante esta fase da campanha e mais particularmente o segundo e terceiro pelotões ambos sob a direção do subchefe do Estado-maior D. José Serpa Pimental, o primeiro comandando pelo 2.º tenente José Francisco Monteiro porque, tendo sido mandado procurar dois soldados que se dizia terem ficado à retaguarda, o fez com a máxima energia e prontidão, logo a seguir ao combate de Ganturé, apesar da excessiva fadiga em que se encontravam as tropas; o segundo sob o comando do 2.º tenente Frederico da Silva Pinheiro Chagas, pela maneira como prestou socorro à escolta do comboio e se porto no ataque de flanco que recebeu por parte do inimigo.”;
“3.ª secção da Companhia de Infantaria 13 sob o comando do capitão comandante da mesma Companhia, Jorge Prestello de Pestana Veloso Camacho, pela maneira como sustentou o fogo e pôs em debandada o inimigo no ataque que este fez à fonte de Ganturé na tarde de 6 de abril e para o que muito contribuiu a presença de espírito, sangue-frio e coragem do mesmo capitão”;
“Bateria de Artilharia sob o comando do capitão Viriato Gomes da Fonseca, pela rapidez como sempre embarcou e desembarcou o gado e material, e fez as marchas apesar das dificuldades do terreno, e ainda pela rapidez como sempre meteu em combate; e em especial a 1.ª peça dirigida pelo tenente da mesma bateria, Nunes da Ponte, que, pela justeza e precisão do tiro, muito contribuiu para pôr o inimigo em fuga no ataque à fonte de Ganturé”;
“Companhia de Atiradores sob o comando do capitão José Carlos Botelho Moniz e corpo de auxiliares sob o comando do capitão José Xavier Teixeira de Barros e tenente José Proença Fortes, pela maneira como se houveram na tomada de Madina no dia 8, o que em especial lhe havia incumbido”.


É uma série bastante grande, o capitão Ilídio Nazaré também lavra louvor à sua ação, fica-se com a impressão que não há oficial nem sargento que não mereçam distinção, aparecem também louvados dois primeiros cabos da Companhia de Equipagens, dois primeiros cabos e um soldado da Companhia de Subsistência.

Vão também louvores para a forma como se houve a coluna comandada por Ilídio Nazaré perante as operações na ilha de Bissau, sustentando uma série de rudes combates contra um inimigo aguerrido derrotando-o sempre com o melhor êxito e infligindo-lhe baixas e perdas materiais.

Fica o mistério da publicação tão tardia destes louvores das campanhas do Cuor e de Bissau, que decorreram nos primeiros meses de 1908.

Anúncio da proclamação da República
Anúncio da morte do rei Eduardo VII do Reino Unido, maio de 1910
Celebração do aniversário do rei D. Manuel II, novembro de 1909
Abril de 1908, o rei agradece a notícia sobre a campanha no Cuor
"Pescadora Papel" retirada do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, 1971
Mercado de Bissau, 1910
(continua)
_____________

Notas do editor:

Post anterior de 19 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26598: Historiografia da presença portuguesa em África (470): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 20 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26601: Historiografia da presença portuguesa em África (471): Bissau ao tempo de Leopoldina Ferreira ("Nha Bijagó") (1871-1959) (António Estácio, 1947-2022)

quinta-feira, 20 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26601: Historiografia da presença portuguesa em África (471): Bissau ao tempo de Leopoldina Ferreira ("Nha Bijagó") (1871-1959) (António Estácio, 1947-2022)


Planta da Praça de São José de Bissau. Desenho de Travassos Valdez. Fonte: "África Oocidental" (1864).








Planta da Praça de São José de Bissau. Desenho de Travassos Valdez. Fonte: "África Oocidental" (1864) (Detalhes). Tinha (tem) 4 baluartes: Bandeira, Puana (ou Poama),  Onça e Balança.


Guiné > Bissau > c. 1870 > A Rua de S. José, considerada como a artéria mais importante. Ia do portão da Amura, que estava aberto das 8 às 21h00, ao baluart da Bandeira. 

Após o 5 de outubro de 1910, passou a designar-se como Rua do Advento da República; depois,  Rua Dr. Oliveira Salazar e, após a independência, mudou  em 21 janeiro  de 1975,  paa Rua Guerra Mendes, um dos combatentes da liberdade da Pátria, mortos em combate.

 Fonte: António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,).




Guiné > Bissaau > Av República > Postal ilustrado > c. 1960/70 > : Av da República (Hoje, Av Amílcar Cabral) > Ao fundo, o Palácio do Governador, e a Praça do Império; do lado direito, a Catedral de Bissau... Sob o arvoredo, do lado direito, a esplanada do Café Bento (O postal era uma Edição Comer, Trav do Alecrim, 1 - Telef. 329775, Lisboa).

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




António Estácio (Bissau,
Chão de Papel, 1947 -
Sintra, Algueirão  2022),
V Encontro Nacional
da Tabanca Grande, Monte Real,
 2010.
Foto: Luís Graça (2010)
1. Já na altura demos o devido destaque a esta publicação do nosso querido e saudoso camarada e amigo António Estácio (1947-2022): nascido em Bissau, fez o serviço militar em Angola, em 1970/72), foi engenheiro técnico agrícola, deixou saudades em Macau, escreveu diversos livros, vivia em Algueirão, Sintra, tinha duas filhas e seguramente netos. 

A propósito das mudanças de toponímia de Bissau logo no início de 1975 (*), fomos revisitar o livrinho "Nha Bijagó: respeitada personalidade da  sociedade guineense (1871-1959)" 
(edição de autor, 2011, 159 pp., il,).  (**)

Do prefácio, escrito por Eduardo Ferreira
respigamos entretanto os seguntes excertos (**):

(...) Ao ler este livro  não podemos 
deixar de pensar nas grandes figuras femininas, que foram as “sinharas” e que tanta 
influência tiveram na costa ocidental 
africana,  em particular  nos Rios da Guiné, 
entre  o século XVI e finais do século XIX. 

Essas mulheres que eram na sua maioria crioulas, geriam com enorme maestria os negócios dos seus maridos europeus ou eurodescendentes, resolvendo conflitos, realizando pactos com as autoridades locais, de modo a que as actividades comerciais decorressem sem delongas e fossem coroadas de êxito. 

A sua condição de crioula, dava à “sinhara” uma capacidade negocial ímpar, pois sendo detentora de uma dupla identidade cultural, era com facilidade que fazia a ponte entre as populações locais e os alógenos,  nomeadamente os europeus. 

Ficaram famosas na Guiné algumas dessas “sinharas” como:

  • a Bibiana Vaz, 
  • a Aurélia Correia conhecida por “mamé Aurélia”, 
  • a Júlia Silva Cardoso também conhecida como “mamé Júlia” 
  • e a Rosa Carvalho Alvarenga, mãe de Honório Pereira Barreto, 

entre muitas outras. 

Leopoldina Ferreira, vulgo “Nha Bijagó”, é em meu entender uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné, pois o seu perfil enquadra-se na perfeição no papel desempenhado por essas influentes mulheres africanas, referenciadas por diversos autores como foi o caso de:

  •  André Álvares d’ Almada na sua obra “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde” de 1594
  •  ou de George E. Brooks com “Eurafricans in Western Africa” publicado em 2004 
  • ou ainda Philip J. Havik com “Trade in the Guinea-Bissau Region: the role of african and luso-african women in the trade networks from early 16th to the mid 19th century” publicado em 1994, 
para apenas citar alguns.

(...) Um aspecto particularmente interessante nesta obra de A. J. Estácio, é a ligação cronológica que o mesmo faz, entre importantes acontecimentos políticos, administrativos e militares, que tiveram lugar na então Guiné Portuguesa, e as diversas fases etárias da biografada, ainda que esses factos não tenham qualquer ligação directa com a personagem tratada neste livro! 

O autor quis desse modo, dar-nos a conhecer alguns factos da história da então colónia/província da Guiné, que tiveram lugar entre 1870 e 1959, período que abarca a vida de “Nha Bijagó”  (...)

(...) Com esta publicação, António Júlio Estácio, revela-nos mais uma vez, o seu grande apego e dedicação às coisas e às gentes da terra que o viu nascer. (...)

Eduardo J. R. Fernandes, "Prefácio" (**)

[O Eduardo Fernandes foi amigo e condiscípulo do autor no Liceu Honório Barreto, em Bissau, e na alutra, em 2011, era comentador da RDP África].

Leopoldina Ferreira,
Nha Bijagó
(1871-1959)
2. Leopoldina Ferreira Pontes, "Nha Bijagó"  (Bissau, 1871 - Bissau, 1959) e a cronologia da cidade de Bissau

Aproveitando a vasta e valiosa pesquisa historiográfica do António Estácio, uma homem de várias pátrias (Guiné-Bissau, Portugal, Angola, Macau...) vamos aqui recolher e sintetizar algumas datas marcantes do desenvolvimento urbano de Bissau, correspondente ao período em que viveu a "Nha Bijagó" (1871-1959), acrescentando mais algumas de outras fontes:


(i) Leopoldina Ferreira (Pontes, pelo primeiro casamento...) nasceu em Bissau em 4 de novembro de 1871

(ii) era filha ("ilegítima", segundo a terminologia do  Código Civil em vigor na época, o de 1866) de João Ferreira Crato (natural do Crato, Alto Alentejo, comerciante na Guiné);

(iii) morreu aos 87 anos, em 26 de maio de 1959;

(iv)  o nominho Nha Bijagó deve tê-lo recebido da mãe, Gertrudes da Cruz (de etnia bijagó, natural de Bissau);

(v) pouco antes de ela nascer, em 1871, o 18º Presidente dos Estados Unidos da América, Ulysses Simpson Grant , proferiu a sentença referente à posse da ilha de Bolama, pertencente ao, então, distrito da Guiné, favorável a Portugal o que pôs termo ao conflito se arrastava com os ingleses;

(v) nessa altura Bissau era uma povoação encravada entre a fortaleza de S. José e um muro, com 4 metros de altura;

(vi) a igreja e o cemitério ficavam no interior da Amura;

(vii) de entre as poucas ruas e ruelas, extra-muros, a Rua de S. José era considerada como a artéria mais importante: a do portão da Amura, que estava aberto das 8 às 21h00, ao baluarte da Bandeira; após o 5 de outubro de 1910, passou ser a Rua do Advento da República; depois, a Rua Dr. Oliveira Salazar e, após a independência e a 21 janeiro  de 1975 a Rua Guerra Mendes; funcionaca como "passeio público" e tinha casas de sobrado

(viii) em 1872, tinha ela cerca de um ano "quando as ruas de Bissau começaram a ser iluminadas a petróleo" mas ainda eram "poucos os candeeiros";

(x) a 1877, foi criado o concelho de Bissau, sendo de 573 habitantes a população na área murada, composta por :

  • 391 nativos, 
  • 166 oriundos de Cabo Verde 
  • e, apenas, 16 europeus.

(xi)  em 1879, ainda a Nha Bijagó não tinha completado os oito anos, foi “a sede do Governo transferida para Bolama";

(xii) no dia 3 de agosto do mesmo ano, assinou-se o tratado de cessão a Portugal do território de Jufunco, ocupado pelos Felupes;

(xiii) pouco antes de Leopoldina completar os 12 anos de idade, 1883, foi publicado o decreto que dividiu a província da Guiné  em quatro circunscriçõess, criando-se assim os concelhos de Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola. 

(xiv) tinha ela 14 anos quando Portugal e a França celebraram [ em Paris, em 1886] a convenção referente à delimitação das possessões dos 2 países na África Ocidental e que correspondem às atuais Repúblicas do Senegal, Guiné-Conacri e Guiné-Bissau;
.
(xv) as más condições climatéricas, agravadas pela insalubridade da região, dizimavam a população de tal modo que, em 1886, Bissau era o menos povoado de todos os aglomerados urbanos da Guiné;

(xvi) tinha Nha Bijagó já 18 anos quando foi, então, lançada, em 1889,  a primeira pedra para a tão almejada ponte-cais; (foi designada  por ponte Correia e Lança, em homenagem a Joaquim da Graça Correia Lança  Governador da Guiné., de 1888 a 1890)

(xvii) ano e meio depois, em fevereiro de 1891, o chefe dos Serviços de Saúde defendia que a capital deveria regressar à ilha de Bissau, ainda que para local ligeiramente diferente, isto é, puxando-a para a zona de Bandim que se situava “em terreno suficientemente elevado e com vertentes para a praia arenosa.”, o que, em termos de drenagem e salubridade, era, indubitavelmente, vantajoso; 

(xviii) à beira de completar 22 anos, registaram-se, no interior da fortaleza, dois incidentes graves, em 1893:

  •  o incêndio da enfermaria militar  (13 de janeiro) (vd. planta, 3);
  •  uma explosão (em 9 de maio);

(xvix) a 7/12/1893, a vila sofreu um grande cerco, movido por elementos da etnia Papel a que se juntaram os Balantas de Nhacra;

(xx) em 1894, é demolida uma  parte do muro de 4 metros de altura que ia do Fortim Nozolini ao Baluarte da Balança (vd. planta, 11, 13), com o objetivo de se construir uma igreja católica;

(xxi)  por volta dos seus 25 anos, dada a elevada densidade populacional intramuros, o governador Pedro Inácio Gouveia autorizou “o aforamento de, terrenos no ilhéu do Rei”,  tendo, em 1900, ali, chegado a ser instalado um lazareto; 

(xxii) a implantação da República em Portugal levou à mudança do Governador e, em 1912/13, o primeiro-tenente Carlos de Almeida Pereira manda demolir o muro que constrangia a expansão urbana;


Guiné > Bissau > s/d > Av República (hoje Av Amílcar Cabral), com placa central guarnecida  com árvores, que nos anos 50 seria removida, dando lugar a uma ampla avenida, com duas faixas de laterais, arborizadas, destinadas a estacionamento e delas separadas por um passeio. Fonte: António Estácio (2011)
  

(xxiii) Com a República há mudanças na toponímia:

  • Rua de S. José > Rua do Advento da República
  • Rua do Baluarte da Bandeira > Rua Almirante Reis
  • Travessa Larga > Travessa do Dr. Miguel Bombarda
  • Travessa da Botica > Travessa 5 d’ Outubro
  • Travessa da Ferraria > Travessa Honório Barreto;

(xxiv) depois da "campanha de pacificação" do cap João Teixeira Pinto (1913/15),  Bissau é finalmente  objeto dum plano de urbanização que lhe permitiu crescer de forma disciplinada e segundo malha ortogonal bem definida;

(xxv) a autoria do plano é do tenente-coronel engenheiro José Guedes Viegas Quinhones de Matos Cabral que, no início da década de vinte, seria o director das Obras Públicas na Guiné;

(xxvi) para além do Mercado Municipal e do Cemitério, por detrás do Hospital, etc., procedeu-se ao aterro e à regularização do molhe da rua marginal (Rua Agostinho Coelho, numa evocação do primeiro governador da Guiné)  e à construção do edifício-sede da Alfândega;

(xxvii) ao completar Nha Bijagó os seus 62 anos, teve lugar, em 1933, a transferência da sede da comarca judicial da Guiné, que passou de Bolama para Bissau;

(xxviii) em 1934, procedeu-se ao lançamento da primeira pedra para a construção do monumento ao Esforço da Raça, da autoria do Arq Ponce de Castro; as pedras foram enviadas do Porto e o monumento foi inaugurado em 1941; o único monumento colonial que resistiu ao camartelo revolucionário;



Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > Baluarte da Puana > c. 1900 > Tropas expedicionárias (Foto do domínio público. Coleção Jill Rosemary Dias, em Memórias de África e do Oriente > Cortesia der Wikimedia Coommons)


Fortaleza da Amura. Foto de Manuel Coelho (c. 1966/68)


(xxix) em 1936, a Associação Comercial e Industrial da Guiné cedeu ao Estado o terreno que lhe fora concedido, o qual se destinava à sua sede e ficava em frente ao  edifício do Banco Nacional Ultramarino, para no local se construir um grande edifício onde, a par do Tribunal, foram instalados os Serviços de Administração Civil, assim como os Serviços de Fazenda;

(xxx) em 1939 foi a Fortaleza de S. José, vulgo Amura, classificada como Monumento Nacional

(xxxi) em finais da década de 30 foi celebrado o contrato para a realização dos estudos de abastecimento de água, melhoramento que só se viria a concretizar  na segunda metade da década  de 40;

(xxxii) transferência da capital de Bolama para Bissau,  em 19 de dezembro de 1941;

(xxxiii) em 1945 toma posse o novo governador, Sarmeno Rodrigues. (***)

 (xxxiv) em meados dos anos 40:

  • efetua-se um novo projecto de urbanização;
  • mudam de nome  as vilas de Canchungo (Teixeira Pinto) e Gabú (Nova Lamego)
  • procede-se à construção do depósito de água no Alto de Intim
  • assim como do Palácio do Governador; 
  • constroem-se moradias no “Bairro Portugal”
  • surge o Bairro de Santa Luzia; 
  • deu-se início à edificação da Catedral, do Museu e Biblioteca, etc.
(xxxv) procedeu-se à colocação de estátuas como a do navegador Nuno Tristão, a de Teixeira Pinto, a do grande guineense Honório Pereira Barreto, etc.

(xxxvi) a Rua Honório Barreto foi, na Guiné, a primeira a ser asfaltada e reabriu em 6/4/1953;

(xxxvii)  de tudo isto e a muito mais Nha Bijagó foi contemporânea, como de:

  • a conclusão da nova ponte-cais, inaugurada em 18/5/1953 pelo Subsecretário de Estado Raul Ventura, 
  • a construção do aeroporto em Brá e à sua transferência para Bissalanca; 
  • a visita do Presidente da República Craveiro Lopes; 
  • a  inauguração do edifício situado na, então, Praça do Império, onde ficou a sede da Associação Comercial e Industrial da Guiné, etc. (****)

Fonte: Adapt. livre de António Estácio - "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il,).

[Selecão / revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG]



Nova ponte-cais (1953) e estátua de Diogo Gomes.
Postal ilustrado, edição Foto Serra.



Guiné > Bissau > s/d  > "Monumento ao Esforço da Raça. Praça do Império"... Bilhete postal, nº 109, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")



Guiné > Bissau > s/d  > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



Guiné- Bissau > Bissau > c.  2010 > Vista aérea do centro histórico: Av Amílcar Cabral (antiga Av da República, que partia da Praça do Império), ao fundo o cais do Pijiguiti (ou Pindgiguiti, como se escreve agora...), o porto de Bissau,  o ilhéu de Rei... Em primeiro plano, à esquerda, o edifício da administração civil da época colonial, hoje sede o ministério da Justiça.  O edifício a seguir, branco, no cruzamento da Av Amílcar Cabral com a Rua 19 de Setembro ea então o da  RTP África (antiga localização do Café Bento / 5ª Rep).



Guiné- Bissau > Bissau > c. 2010 > Vista aérea do centro histórico: Av Amílcar Cabral (antiga Av da República, que partia da Praça do Império). Em primeiro plano, a Catedral de Bissau.

Fotos:  © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
























_____________

Notas do editor LG:

(*) Vd. postes de:




 

quarta-feira, 19 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26598: Historiografia da presença portuguesa em África (470): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Saímos da pasmaceira da nomeação de terras em concessão, aforadas ou em enfiteuse, com nomeações e boletins sobre o estado de saúde, o governador Oliveira Muzanty parece não tolerar insubmissões e de 1907 para 1908 ajustou contas com Infali Soncó, no Cuor, brandiu armas na circunscrição de Geba, afrontou o régulo rebelde do Xime, mandou uma expedição a Varela e pôs em sobressalto toda a ilha de Bissau; farto do videirinho Graça Falcão, determinou o seu despacho para S. Tomé e Príncipe; é cuidadoso no levantamento da moral das suas tropas; louva todos e mais algum. Isto naquele ano extraordinariamente difícil em que a monarquia parece oscilar depois do regicídio de 1 de fevereiro. Estamos num ano que ainda não acabou e que promete mais acontecimentos.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27)


Mário Beja Santos

Se os anos mais recentes se revelam marcadamente taciturnos, espelho de uma burocracia entediante e de estranhíssimas omissões sobre o que realmente se passa na Guiné, o Boletim Official de 1908 revela-se totalmente diferente, há razões de sobra, Oliveira Muzanty é um governador que aposta em expedições, procurará resolver o corte à navegação no Geba, perpetrado pelo régulo do Cuor, e com alianças espúrias, e uma nova situação de indisciplina na ilha de Bissau. E chegam-nos referências elucidativas na página oficial dos resultados obtidos.

Logo no Boletim n.º 7, de 2 de fevereiro, portarias com um conjunto de louvores: “Tendo sido dissolvida em 31 do mês findo a coluna de operações no rio Geba e em vista dos relatórios apresentados; hei por conveniente louvar por todas as forças que fizeram parte da referida coluna pela muita subordinação, coragem e sangue-frio de que deram provas no combate de Campampe em 1 de dezembro do ano findo e bem assim nas marchas de 29 de novembro a 2 de dezembro e em especial pela maneira como dirigiram as suas forças e serviços, por vezes com risco do própria vida".
E enumeram-se os oficiais, tenentes da Armada, e tenentes do Exército; e, mais adiante:
“Tendo sido dissolvida em 31 do mês findo a coluna de operações no rio Geba e em vista dos relatórios apresentados; hei por conveniente louvar a guarnição da lancha canhoneira Cacheu pela muita coragem e sangue-frio que deu provas nos combates travados entre aquele navio e o gentio insubmisso do Cuor em especial pela maneira como cumpriram os seus serviços, por vezes com o risco da própria vida.”
E enumera-se os oficiais e as praças.

No Boletim Official n.º 10, de 14 de março, o Governador manda publicar a seguinte portaria: “Considerando o estado de rebelião em que se encontra a região de Varela e a forma como se portou o gentio, com o Residente de Cacheu, na ocasião em que esta autoridade procedia à receção do imposto nas povoações próximas, vindo junto ao acampamento em que se achava, dirigir-lhe os maiores insultos: “Hei por bem organizar um destacamento misto do comando do capitão de Infantaria José Carlos Botelho Moniz, sendo apoiado pela canhoneira D. Luís, do comando do capitão-tenente Alberto António da Silveira Moreno, para castigar o gentio em revolta.”
E enumera-se o efetivo em oficiais, sargentos e praças, incluindo uma companhia de atiradores indígenas, corpo de auxiliares indígenas, serviços de saúde e administrativo.

No Boletim n.º 19, de 16 de maio, uma nova informação de Oliveira Muzanty, desta feita sobre os acontecimentos da ilha de Bissau:
“Considerando que durante os sucessivos combates, em que foi derrotado o gentio de Intim, Bandim e Cuntumbo, se reconheceu a manifesta rebelião de todos os regulados da ilha; considerando mais que a aproximação da época das chuvas inibe a coluna de prosseguir com as alterações em terra, hei por conveniente determinar o seguinte:
1 – É mantido para todos os efeitos o estado de guerra em toda a ilha de Bissau, continuando suspensas as garantias dos seus habitantes;
2 – A suspensão de garantias será proclamada por bandos, em todas as residências em que se acha dividida a província;
3 – Fica proibido todo o género de comunicação da ilha de Bissau, com exceção da Praça, ficando os contraventores sujeitos às consequências da perseguição dos navios de guerra, sendo as embarcações contraventoras consideradas como presas e os seus tripulantes deportados para outras colónias;
4 – Em todas as residências fica proibida a administração do gentio de Bissau, como trabalhadores, quer do Estado, quer de particulares, à exceção dos que tiverem permissão especial do Governo da Província.”


Vale a pena vir um pouco atrás e voltar à campanha do Cuor. No Boletim Official n.º 8, de 10 de julho, o governador que comandou a campanha mandará publicar um conjunto impressionante de louvores, atendamos ao início desta ordem especial de serviço:
“Tendo sido batido e repelido o régulo Infali Soncó, e ocupada a região do Cuor, há muito em rebelião, operações estas levadas ao fim com um bom êxito e honra para a nossa bandeira, que o soldado português tanto ama e respeita, o que mais uma vez veio aumentar o nunca desmentido lustre das armas portuguesas; e que tiveram consequência o livre trânsito da navegação no rio Geba, que se achava fechado desde outubro do ano findo, e durante as quais a coluna suportou não só o embate do inimigo, como também as fadigas de campanha sempre com energia, boa vontade e disciplina, Sua Excelência o Governador manda louvar os oficiais e praças que fizeram parte da coluna de combate, durante as operações no rio Geba…”

E já cá faltava mais uma travessura dos ex-alferes Graça Falcão. No Boletim Official n.º 27, de 11 de julho, o governador não está para os ajustes:
“Tendo chegado ao meu conhecimento que o negociante Jaime Augusto da Graça Falcão, residente em Bissau, reincide na prática de actos para os quais já fora punido, tendo-lhe sido interditado habitar nas circunscrições de Cacheu e Farim;
Tendo sido mandado levantar auto desta reincidência pela competente autoridade da acima citada circunscrição, e averiguando-se, por ele, que o referido Graça Falcão tem feito aleivosas e injuriosas referências ao pessoal da coluna de operações, bem como as vários funcionários, com a agravante de os provocar constante e persistentemente a discussões irritantes e perturbadoras da pública tranquilidade, quer nas ruas quer nos estabelecimentos mais frequentados por estrangeiros e indígenas, prejudicando assim o bom conceito da nação e o brio nacional, perante aqueles, e o nosso prestígio perante estes últimos;
Considerando que lhe não serviu de corretivo o castigo já sofrido;
Considerando que, nessa portaria, não lhe foi aplicado todo o rigor que a lei impõe aos delinquentes dessa sua espécie, em atenção a ter sido oficial do Exército e condecorado, mas deixando de merecer qualquer ato de benevolência por parte dos poderes públicos;
Em virtude dos recentes conflitos, por ele provocados; e
Com o fim de evitar a continuação de factos que podem trazer consequências graves e pôr em risco não só o sossego como a segurança pública:
Hei por conveniente determinar que o mesmo siga, no primeiro transporte, para a província de S. Tomé e Príncipe.”


Temos de agradecer ao governador Oliveira Muzanty ter vindo animar a vida do Boletim Official, tão pardacenta nos últimos tempos.

Notícia do regicídio no Boletim Oficial de 8 de fevereiro
Telegrama alusivo à campanha do Cuor e fuga do régulo Infali Soncó
Estátua de Oliveira Muzanty, Governador da Guiné entre 1906 e 1909, de autoria do escultor António Duarte, erguida em 1950 na cidade de Bafatá, permaneceu intacta após a independência, embora tombada no chão.
Nota de 10 mil réis do BNU, 1909, pagável na sua agência em Bolama
Moeda de 2 tostões de prata com a efígie de D. Manuel II, 1909

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 12 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26577: Historiografia da presença portuguesa em África (469): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26577: Historiografia da presença portuguesa em África (469): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Longe vaI o tempo em que o Boletim Oficial permitia tomar o pulso a uma Guiné que começava a dispôr de uma vida orgânica colonial, um mapeamento administrativo, uma débil ocupação, o despertar de atrativos comerciais, isto apesar de uma imensidade de conflitos interétnicos e outros relacionados com os impostos e a perda de influência das chefaturas locais. Folhear agora este Boletim Oficial é procurar uma agulha no palheiro, e o contraste é por vezes brutal quando se ouvem as descrições que nesse exato momento perpassam pela Guiné, como conta Armando Tavares da Silva do seu acervo monumental A Presença Portuguesa na Guiné, que aqui se publica separadamente. O governador Muzanty, como veremos nas descrições de Armando Tavares da Silva, conseguirá meios para desembaraçar a navegação do Geba, que estava sujeita à hostilidade do régulo do Cuor e penetra a fundo na ilha de Bissau, esta será uma vitória temporária, entretanto o aventureiro Abdul Injai já está ao serviço das tropas portuguesas, rouba que se farta, é exilado para S. Tomé, voltará para mais altos voos, ao lado do capitão Teixeira Pinto, terá depois a sua queda.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26)

Mário Beja Santos

Creio que o leitor que acompanha esta tentativa de sequência cronológica de encontrar no Boletim Official da Guiné elementos válidos para melhor conhecer a realidade socioeconómica e cultural da época já se apercebeu de que as autoridades reduziram a atividade do Boletim a um documento praticamente inócuo; numa tentativa de procurar os dados da realidade da história política, militar e socioeconómica e cultural voltamos ao convívio do acervo monumental organizado por Armando Tavares da Silva em "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", edição Caminhos Romanos, 2016, é o modo que julgo mais facilitado para se procurar iluminar uma época.

Os anos passam, a rotina administrativa mantém-se impassível, assim chegamos a 1905 e no Boletim Official n.º 9 de 25 de fevereiro encontramos os elementos de corografia da Guiné exigidos pelo Conselho Inspetor de Instrução Pública para inserir no compêndio Corografia de Portugal. Abrira-se um concurso, quem concorria devia preencher com as seguintes bases aprovadas pelo dito Conselho Inspetor. Em termos de geografia física: situação geográfica, limites e superfície, rios, canais, ilhas, etc.; clima, regime das chuvas, fenómenos atmosféricos frequentes e produções naturais; em termos de geografia económica: a importância do comércio nacional e estrangeiro, os principais artigos de importação e exportação, agricultura e indústrias subsidiárias, meios de desenvolvimento e indústrias indígenas; em termos de geografia política: população, esboço etnográfico, organização política das diversas raças, suas aptidões e organização política e administrativa da província. O Conselho Inspetor exigia para este concurso noções de cultura tropicais, uma resenha das principais produções naturais da província: plantas alimentares, industriais, essências florestais mais comuns e espécies exóticas. É visível neste programa didático o juntar o útil ao agradável: davam-se informações de caráter geral e também orientadoras a possível investidores e comerciantes.

No Boletim Official n.º 52, de 23 de dezembro desse ano, a Secretaria Geral do Governo emite o seguinte determinação: “Tendo chegado ao conhecimento de Sua Ex.ª o Governador Interino que algumas casas comerciais vendem ao público substâncias medicinais sem que para isso tenham competência, e sendo certo que tal facto, além de representar uma desleal concorrência aos estabelecimentos que a lei protege, pode acarretar perigosas e desastrosas consequências para a salubridade pública, encarrega-me o mesmo Exm.º Sr. de chamar à atenção dos senhores administradores do concelho e comandantes militares para tão importante assunto, e de lhes dizer que procedam como é de lei contra os infratores, na certeza de que lhes atribuirá a responsabilidade de qualquer desaire que possa dar-se no futuro, quando se prove a sua negligência no cumprimento desta determinação.”

Estamos agora em 1907, no Boletim n.º 14, de 6 de abril, o governador João Augusto d’Oliveira Muzanty, farto das traquibérnias do ex-alferes Graça Falcão (de quem ainda se muito falará) publica a seguinte portaria:
“Tomando na maior consideração que me expôs o Residente de Cacheu, o que se confirma pelo auto levantado e pelo conhecimento pessoal dos péssimos precedentes do negociante Jaime Augusto da Graça Falcão;
Considerando a permanência deste negociante nas circunscrições de Cacheu e Farim constitui um desacato permanente à autoridade, que nestas circunscrições mais do que em quaisquer outras precisam de maior prestígio, visto o caráter pouco submisso de grande parte dos indígenas que as povoam, e não estar ainda concluída a sua ocupação militar;
E, como julgo a permanência deste negociante nas referidas circunscrições como podendo comprometer a segurança e ordem pública, com a propaganda que tem feito contrária às determinações de autoridade, propaganda que não desiste de fazer apesar de todos os concelhos e outros meios de brandura empregados:
Hei por conveniente determinar que seja intimado a sair da circunscrição de Cacheu no prazo de 30 dias a contar da data de intimação, ficando-lhe interdita esta circunscrição, bem como a de Farim, até que o seu procedimento futuro e as boas informações dos Residentes nas outras circunscrições, indiquem o permitir-se-lhe a livre circulação em toda a colónia.”


No Boletim Official n.º 24, de 15 de junho, somos informados de que se iniciou o reinado da Gillette. Informa-se o pedido de registo que fora feito em 4 de setembro de 1906 efetuado em 13 de março do ano seguinte, a favor da sociedade anónima americana Gillette Safety Razor Company. A marca é destinada a navalhas de barba, folhas de navalha de barba, cutelaria e instrumentos cortantes.

E despedimo-nos com uma daquelas raríssimas notícias em que se dá conta que há profundas tensões na Guiné, vem no Boletim Official n.º 36, de 7 de setembro, assina o governador Muzanty:
“Tendo o Residente de Cacheu terminado o serviço de cobrança de imposto na sua circunscrição com o aumento de receita tão considerável que demonstra um trabalho insano e uma dedicação digna do maior elogio:
Considerando que parte da região se encontrava insubmissa, o que obrigou o Residente a arriscar a sua vida sempre que a percorreu no desempenho dos serviços que lhe estavam confiados:
Considerando ainda, que se houve com um critério tal, que, apesar de se ter feito acompanhar de um limitado número de auxiliares, evitou sempre os conflitos que pudessem pôr em cheque este Governo: hei por conveniente louvar o Residente de Cacheu, tenente do quadro da Índia, Rodrigo Anastácio Teixeira de Lemos, pelo valor, dedicação, zelo e lealdade com que se houve no desempenho das funções do lugar que exerce.”

Governador da Guiné Alfredo Cardoso de Soveral Martins (1903-1904)
Queimada da tabanca de Intim, na guerra de 1908. Imagem da Coleção Jill Rosemary Dias, com a devida vénia
A fazer esteiras, imagem retirada da Casa Comum/Fundação Mário Soares, com a devida vénia
Bissau em 1910

(continua)

_____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26557: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 5 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26557: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Não posso esconder que é quase num completo desfastio que ando a folhear estes Boletins Officiais de fim de século, os trâmites administrativos parecem dominar tudo, quem lê número após número pode ficar na ilusão de que a província está pacificada e gradualmente ocupada pela administração portuguesa. Até em 1900 se dá a notícia de que vai haver o primeiro recenseamento da população. Procurando tirar a prova dos nove, procurei ler ao pormenor que Armando Tavares da Silva escreve no seu trabalho gigante intitulado A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926 quanto à governação de Herculano da Cunha, percorre a província de um lado para o outro, informa o ministro que é saudado em todos os pontos entusiasticamente, foge às expedições militares, tem pouquíssimos efetivos e em geral gente desordeira. Se é verdade que em determinados períodos o Boletim Oficial constitui um documento esclarecedor no caso presente é um puro encobrimento das tensões e dificuldades sem número em que vivia a Guiné.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25)


Mário Beja Santos

Tenho dado a saber ao leitor que os últimos anos da década 1890 e o início do novo século registam com estranhíssima parcimónia os acontecimentos políticos que a Guiné teve. Os Boletins Officiais estão enxameados da legislação do Governo Central, tratados internacionais, e quanto ao que se passa no burgo são as costumadas nomeações e exonerações, chegadas e partidas, publicação do orçamento da província, relatos sanitários das principais povoações, etc. Vou aqui registar o que me parece mais curioso de 1900 e do início de 1901 e contrapor com a listagem de eventos que Armando Tavares da Silva elenca no seu importante acervo documental intitulado "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", 2016.

No Boletim n.º 10, de 10 de março de 1900, o boletim recolhe uma portaria do Governador Álvaro Herculano da Cunha que reza o seguinte:
“Tendo-me o régulo de Antula em abril do ano findo tido para se levar a efeito a ocupação do seu território, o que eu lhe havia prometido; e
Tendo, quando agora me veio cumprimentar, por ocasião da minha visita a Bissau, renovado o seu pedido e solicitado o cumprimento da minha promessa;
Atendendo às vantagens de ordem económica, política e administrativa, e do prestígio que, para o nosso domínio, advém da referida ocupação: hei por conveniente determinar que se ocupe o referido território, estabelecendo-se ali um posto militar de força oportunamente determinada.”


Em Lisboa, era aprovado o regulamento disciplinar das forças militares ultramarinas que veio publicado no Boletim Official n.º 31, de 4 de agosto desse ano. Não deixa de ser curioso o que ali se escreve e como tais preceitos chegaram aos nossos tempos de oficiais, sargentos e praças naquelas décadas de 1960 e 1970: a disciplina consiste na estrita e pontual observância das leis e regulamentos militares; para que a disciplina constitua a base em que judiciosamente deve firmar-se a instituição armada, observar-se-ão rigorosamente as seguintes regras fundamentais – obediências pronta e passiva, ficando o superior responsável pelas ordens que der; em ato de serviço a obediência é sempre devia ao mais graduado e na concorrência de militares com a mesma graduação ao mais antigo; todo o militar deve sofrer com resignação as fadigas e privações, conservando-se intrépido dos perigos, generoso na vitória e ciente na adversidade; todo o militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da religião, da virtude e da honra, amar a pátria, ser fiel ao Rei, guardar e fazer guardar a constituição política da monarquia, etc. etc.

Estamos agora em 1901 e o Boletim n.º 13, de 30 de março, publica um conjunto de portarias que nos levam a saber que houve uma operação em Jufunco. O 1.º tenente da Armada, Bernardo de Melo e Castro Moreira, comandante da canhoneira Cacongo, prestou relevantes serviços aos Governo, coadjuvando-o com inexcedível zelo na expedição contra o gentio rebelde de Jufunco, bombardeando eficazmente as povoações dos revoltosos, facilitando assim o desembarque dos Grumetes e concorrendo, portanto, para a vitória obtida; o 2.º tenente da Armada, Artur Ernesto da Silva Pimenta de Miranda, comandante da lancha-canhoneira Flecha, prestou relevantes serviços ao Governo, bombardeando eficazmente as povoações do revoltosos; são louvados os oficiais e praças da canhoneira Cacongo e lancha-canhoneira Flecha pela dedicação e boa vontade com que concorreram para o bom êxito da expedição contra o gentio rebelde de Jufunco. Os louvores não ficaram por aqui, foram extensivos ao comandante militar de Bissau, ao comandante militar de Cacheu e até ao diretor da alfândega em Bolama.

Fica-se com a noção de que lidos desgarradamente estes pontos aqui e acolá ao longo destes anos a Guiné parece trilhar na serenidade, foram minimizados os conflitos, pacificado o Forreá, crescem os postos militares, enfim, a ocupação do território vai de vento em pompa. Hora as coisas não se passam exatamente assim como conta Armando Tavares da Silva a partir da página 431. Herculano da Cunha não tem meios para se envolver em qualquer operação militar, viaja muito pelo território. A ilha de Bissau mantém conflitos interétnicos, rivalidades entre os régulos. O Governador fugiu sempre à resolução dos problemas da província que pudessem envolver as operações militares, escreve para Lisboa que procura exercer um magistério de influência para evitar guerras, sobretudo nos regulados da margem direita do Geba. Quando visita o Forreá, recebe queixas dos régulos; no regresso de Geba viaja até ao Xime, cujo régulo foi por ele repreendido asperamente por ter batido a uma sua mulher com um chicote e que agora vinha reclamar que fugira, tinha o desplante de pedir ao Governado que atuasse.

E assim chegamos à questão de Jufunco de que registei os louvores. Tudo começara quando se admitiu a possibilidade de impor à população o pagamento de tributos, a resposta foi o descontentamento. Herculano da Cunha queixa-se sempre que não tem tropas em qualidade e quantidade, a indisciplina é geral, as forças da província são compostas de deportados, há poucos oficiais, quando se pretende punir Jufunco, a estratégia foi bombardear as povoações e só depois intimidá-las, nada de combates em campo aberto.

As queixas contra o estado em que se encontrava a administração da província eram muitas. A população de Bolama enviou ao rei uma petição na qual pediam que Bolama fosse novamente administrada por uma câmara municipal. Os Bolamenses consideravam que estavam votados ao abandono. Eram inúmeras as carências em tudo o que era público: arruamentos, pavimentação, muros, iluminação, cemitério, prisões.

Vindo de Lisboa, Herculano da Cunha continua as suas visitas e cumprimentos de régulos. Os governantes em Lisboa devem-se ter fartado desta inoperância, Herculano da Cunha será exonerado em maio de 1900. Na véspera de deixar a Guiné envia para Lisboa um oficio em que, devido aos ataques dos Balantas de Nhacra aos Brames, pedi autorização para bombardear o território dos Balantas, isto na véspera de partir.

É nos meses finais desta governação que se inicia uma nova fase dos trabalhos de demarcação da fronteira com os territórios vizinhos de administração francesa. Tudo correu mal logo no início, isto em 1888, os delegados franceses pretendiam que se fizesse uma alteração à Convenção de 1886, substituindo o Cabo Roxo pela Ponta Varela, de onde partiria a linha de fronteira, os delegados portugueses rejeitaram a proposta. Em 1899, há novos trabalhos de demarcação, do lado português estão Oliveira Muzanty e Telles de Vasconcelos, começam pela fronteira sul, nova rutura nas negociações, os franceses queriam entrar em territórios no Forreá, só em finais de 1902 os trabalhos de demarcação serão retomados, mas o mais importante, a fronteira entre o Casamansa e o rio Cacheu será objeto de uma nova missão, em janeiro de 1904.

Como o leitor pode constatar entre a linguagem cinzenta da burocracia e o que se passava na província política, militar e económica, a distância era um abismo.

Nomeação do Governador em 1900, Judice Biker
Em 1897, o novo Governador chama-se Álvaro Herculano da Cunha
Oficinas da Sociedade Comercial Ultramarina, imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares
Serração do Sonagui, imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares
A Casa Gouveia em Bissau, 1920

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 26 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26530: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1897 e 1898 (24) (Mário Beja Santos)