Queridos amigos,
A 4 de setembro, o Governador Carvalho Viegas faz questão de informar os seus governados de que o novo conflito que se abriu na Europa vai seguramente exigir apertos de cinto. O governador prossegue a consolidação constitucional e administrativa, depois da Censura temos agora a Mocidade Portuguesa, procura-se valorizar o ensino primário, desejam-se estátuas em agradecimento ao presidente Ulysses Grant e a todos aqueles que serviram a Guiné, bem como os navegadores que aqui chegaram; a fortaleza de Bissau passou a ser considerada monumento nacional; louva-se um chefe de posto em Canhabaque e o governador não se coíbe de se auto-elogiar, fá-lo discretamente; e em novembro começam a ser tomadas medidas rigorosas contra o mercado negro e o açambarcamento. Vai começar um tempo em que circulará nos mercados uma quantidade inusitada de ouro em pó. O Governo de Lisboa vai pedir informações sobre a situação da África Ocidental Francesa, a partir da capitualção da França, em junho de 1940, a Resistência encabeçada pelo general de Gaulle merece muitas simpatias na região, Lisboa, a todo o transe, quer um equilíbrio de relações com o Eixo e os Aliados, o que acontecerá até 1943.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1939 (50)
Mário Beja Santos
Anuncia-se a 4 de setembro que há novamente guerra no palco europeu, a população que se prepare para sacrifícios. O ano inicia-se com mais informações de caráter organizacional e institucional. A Mocidade Portuguesa chegou à Guiné, esboça-se as ações de formação em Bolama e Bissau; no mesmo ano em que se inicia a guerra dá-se uma reorganização do ensino primário; apela-se aos doadores que contribuam para se erguer em Bolama um monumento ao presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant; a fortaleza de Bissau para a ser considerada monumento nacional; é decidida a construção de um monumento ao Esforço da Raça.
As punições e castigos a casos de mão baixa merecem destaque no Boletim Oficial. Por exemplo, há processo ao Secretário da Repartição Técnica das Obras Públicas, Agrimensura e Cadastro, António Cândido Duarte de Magalhães, em que ficou provado ter cometido graves infrações disciplinares, obrigado a restituir 250 escudos que indevidamente recebeu pela venda ilegal que fez de materiais do Estado.
No Boletim Oficial n.º 31, de 31 de julho, volta-se a falhar de Canhabaque, dá-se um louvor e o governador Carvalho Viegas não se ensaia nada em se autoelogiar, assim:
“Tendo o chefe de Posto de Canhabaque, Camilo José Maria Sousa Soares Montenegro dos Santos, concluído, integralmente, a cobrança do imposto de capitação, respeitante àquela área, num prazo bastante limitado, pelo que se torna merecedor dos mais justos louvores;
Considerando que a ação desenvolvida por aquele funcionário em cumprimento das ordens e instruções emanadas do governador da colónia como orientador da política indígena, é tanto mais de apreciar quanto é certo que o mesmo funcionário, há pouco alocado em Canhabaque, não podia conhecer, com segurança, a índole e psicologia do Bijagó, bastante diferenciadas das restantes raças da colónia;
Considerando ainda, que a execução dada às diretivas do governador da colónia, demonstra da parte do funcionário em referência uma nítida compreensão dos seus deveres profissionais e o maior interesse pela função que desempenha, porquanto, devido a uma política de atração inteligentemente desenvolvida, muitos indígenas houve que, voluntariamente, se apresentaram para pagar as contribuições de soberania com que não haviam sido coletados, em virtude de se encontrarem ausentes da ilha de Canhabaque – facto este que, por si só, basta para desanuviar a atmosfera menos patriótica e de menos confiança que havia sido criada e alimentada, com fins inconfessáveis, em torno da forma suasória como o governador solucionou a decantada questão Canhabaque, após a campanha militar que pessoalmente dirigira.”
E louva-se o chefe de posto que executou as diretivas do governador, “quanto à orientação da política indígena de uma ilha que, recentemente batida, militarmente, se encontra já no concerto geral das demais raças da colónia, há muito submetidas aos ditames da nossa soberania".
E prosseguem as reprimendas, há sanções que por vezes não são nada brandas. No Boletim Oficial n.º 34, de 21 de agosto, o governador manda descontar nos vencimentos do Chefe de Posto Joaquim Moreira a quantia de 200 escudos, a favor e como indeminização à Circunscrição Civil de Cacheu, pela inutilidade dos artigos que danificou. No seu despacho o governador diz que foi com manifesta benevolência que se tratou este chefe de posto. Consta dos autos que se fazia acompanhar de um corte de concubinas, descendo os seus insatisfeitos desejos de macho a pretender as mulheres dos seus subordinados; por tal comportamento o castigo foi regressar à categoria imediatamente inferior; já havia sido punido com a pena de 14 dias de multa, foi suspenso do exercício e perda de vencimento por 120 dias.
Começara a guerra na Europa, o governador deliberou travar o consumo. No suplemento ao Boletim n.º 36, de 5 de setembro, escreve-se em portaria que se tornava necessário fazer restringir ao mínimo o consumo de artigos cuja falta ou a insuficiência era provável que se viesse a dar, assim o consumo de gasolina, óleos e quaisquer carburantes ficava limitado ao transporte de mercadorias ou a serviços de absoluta necessidade; e todo o indivíduo que se servisse de viaturas automóveis quando não fosse em absoluta necessidade de serviço, por um caso de urgência particular ou de pronto-socorro, ou por imperiosa necessidade de serviço comercial, era multada em mil escudos pela primeira falta e no dobro em caso de reincidência.
Quem diz guerra diz mercado negro, açambarcamento, especulação, etc. E logo em 10 de dezembro, no suplemento ao Boletim Oficial n.º 45, o Governo toma medidas firmes, veja-se o preâmbulo e o conteúdo da portaria, depois de se dizer que é intuito do Governo acautelar os interesses do público consumidor contra injustificados aumentos de preços, e que o Governo iria exercer uma ação vigilante em defesa da economia privada contra a ganância desenfreada do especulador e açambarcador, havia necessidades de toda a ordem, impunha-se de modo terminante impedir ou punir os lucros ilícitos à custa do público consumidor; dizia-se também que os conflitos internacionais traziam sempre consigo perturbações de ordem mercantil; e o governador mandava constituir em Bolama uma comissão com vários altos funcionários, incumbindo-lhes, com a maior urgência possível, de elaborar um preçário dos artigos de consumo corrente.
E dava-se conta das contravenções que seriam punidas: “Todo o produtor ou comerciante que ocultar as suas existências de mercadorias ou produtos ou que se recusa, a vendê-las segundo os usos normais da atividade agrícola, industrial ou comercial, e ao preço corrente no mercado indicado no preçário, incorrerá na multa correspondente ao máximo permitido pelo código penal, e as existências açambarcadas apreendidas e vendidas extrajudicialmente, revertendo o produto em benefício do tesouro.” A lista das sanções não se fica por aqui, explica-se o que é um comportamento de recusa, os castigos que impendem sobre os especuladores, como se processará o arresto dos bens do infrator, etc.
E no Boletim Oficial n.º 50, de 11 de dezembro, por portaria dá-se como extensivas ao interior da colónia as tabelas elaboradas pelas Comissões de Bolama e Bissau por forma a haver regularização de preços. E no mesmo Boletim, fala-se então de Ulysses Grant e do monumento ao Esforço da Raça:
“Sendo de portugueses o espírito nobre de fazer justiça ainda há bem pouco tempo vincado nos projetos da construção dos monumentos ao Esforço da Raça e ao presidente da grande república norte-americana, Ulysses Grant – está na consciência nacional prestar homenagem a todos aqueles que bem merecem da Pátria;
E, assim, cairá bem no sentir de todos que se perdure no mármore e no bronze eternos a memória dos grandes navegadores que, na febre intensa de descobertas e conquistas, abrindo novos horizontes ao mundo, chegaram às costas da Guiné.
Considerando que da importância recolhida para a construção do monumento ao Esforço da Raça há um saldo importante que se pode aproveitar na mesma situação de homenagear os nossos maiores… O governador apela então que se construa um monumento em homenagem aos navegadores portugueses descobridores da Costa da Guiné, e que o saldo a haver da importância consagrada ao monumento do Esforço da Raça seja consagrado a um fundo destinado à construção desse monumento de homenagem aos navegadores. O monumento ao Esforço da Raça devia ser erigido na avenida principal de Bissau.”
Anuncia-se aos guineenses que há guerra na Europa, a Alemanha invadiu a Polónia, Grã-Bretanha e França declararam guerra à Alemanha
Casa Gouveia, Ilhéu do Rei, Guiné-Bissau, 2015.
Fotografia de Francisco Nogueira, com a devida vénia
Imagem do Carnaval de Bissau, 2015, publicada no jornal O Democrata, com a devida vénia
Correio aéreo, Império Colonial Português, carta registada na estação de Bissau a 10 de Março de 1940, chegou a Nova Iorque em 2 de abrilMonumento ao Esforço da Raça, decisão tomada por Carvalho Viegas em 1939
Tatuagens "Mulher Bijagó"
Escultores Bijagós
Futa-Fulas fiando
Três imagens retiradas do livro Babel Negra, de Landerset Simões, publicado em 1935
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 20 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27134: Historiografia da presença portuguesa em África (494): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1938) (49) (Mário Beja Santos)