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quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26202: Historiografia da presença portuguesa em África (454): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Poderá ser entendido como um relato fastidioso, aquele a que se arrogou Damasceno Isaac da Costa que a propósito do estado de saúde da vila de Bissau em 1884 fala praticamente da Guiné por inteiro, o que vemos agora são referências ao estado do cemitério, à higiene da vila, à condição do pessoal de saúde militar e à sua própria alimentação. Recordo que todo este relatório veio a ser publicado pelos vários meses, uns parágrafos aqui outros acolá, apelo à compreensão do leitor quanto à consistência desta síntese, até porque durante a leitura destes textos apareciam dados curiosos, como é o caso que aqui se refere da população do presídio de Geba se manifestar agradecida pelos brilhantes resultados das 3 expedições do tenente Marques Geraldes, primeiro na margem direita do Geba, naquilo que no meu tempo correspondia aos regulados de Jaladu, Ganadu, Mansomini e Cuor, e depois atacando frontalmente as bases de onde saíam os homens de mão de Mussá Moló, Geraldes desbaratou as resistências.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (12)


Mário Beja Santos

Continuamos a dar a palavra a Damasceno Isaac da Costa e ao seu relatório de 1884 que o Boletim Official publicou com intermitências no ano de 1886. Ele refere-se agora aos cuidados higiénicos a ter nos cemitérios, e refere a seguir a saúde pública, elencando as posturas publicadas: proibido ter nas ruas couros podres ou outro qualquer objeto que exale mal cheiro; proibido criar porcos ou leitões dentro da casa de habitação, nos quintais ou pátios e igualmente proibido ter ou conservar porcos ou leitões amarrados ou presos na rua à porta de casa; é proibido deitar qualquer objeto dentro das fontes públicas que suje e estrague a água. Convém recordar que ele agora está focado na vila de Bissau, o que diz dos hospitais tem a ver com a vila. Existes duas enfermarias a funcionar numa casa particular arrendada pelo Governo e comenta:
“Todos os higienistas são unanimemente concordes em que, sendo os hospitais estabelecimentos insalubres de primeira ordem, devem ser situados pelo menos a 200 metros de distância da povoação, mas o de Bissau acha-se situado no centro da povoação. Os soldados da guarda de alfândega apresentam-se repetidas vezes embriagados; passando toda a noite a gritar e a cantar, tem dado lugar a que os doentes não tenham o sossego que o seu estado de saúde reclama. Pelos fundamentos que deixa apontados, julgo conveniente que com urgência seja o hospital removido para um local afastado da população.”

Tece um amargo comentário sobre o quadro de saúde da Província. Permita-me o leitor introduzir aqui uma nota um tanto desajustada e que se prende com a linguagem médica usada no tempo, este caso uso um dado apresentado pelo delegado de saúde em Bissau em julho de 1886 acerca de um tratamento a alguém que fora baleado:
“O acidente foi devido ao tiro de revólver, cujo projéctil, dirigindo-se de cima para baixo e de fora para dentro, depois de atravessar o braço esquerdo, foi afectar o lado correspondente do tórax. Aí, ao nível de uma das costelas, existia uma solução de continuidade que era a boca da entrada, sem se descobrir, em região alguma, a da saída da bala. Desta ferida escapava pouco sangue, porém uma abundante hemorragia tinha lugar por ambas as aberturas da extremidade lesada. Os sintomas manifestados pelo doente inculcavam estar o corpo impelido pela conflagração da pólvora, alojado na cavidade pélvica onde o doente acusava ímpetos de dor que, irradiando-se da ferida do peito, pareciam ir concentrar-se no púbis. Para sondar esta ferida, faltavam os indispensáveis meios, portanto não podia estabelecer-se um diagnóstico pronto e preciso. A consideração, porém, de que o projétil em consequência da diminuição da velocidade e da violência da acção que deveria ter experimentado durante o seu trajeto através do braço do ponto de partida até ao peito, não poderia vencer a resistência e elasticidade do osso, sugeriu a probabilidade de que a bala não teria obrado sobre a costela senão ricochete. E não tardou a ser confirmada estra presunção, pois que o ferido, após breves dias de tratamento, deixou o hospital com o restabelecimento das funções das partes ofendidas.”

Voltando a Damasceno Isaac da Costa, ele dá-nos um quadro de completa penúria do estado do hospital, a começar pela falta de instrumentos cirúrgicos. Passando para o tema das boticas, observa que existe uma do Governo que fornece medicamentos ao público, carece de várias reparações, ele tem apresentado pedidos à delegação de saúde, mas não houve qualquer providência. Analisa o serviço médico-militar e deixa os seguintes comentários:
“O soldado, esse homem, que sacrifica constantemente a sua vida, leva em Bissau uma vida cheia de privações, miséria e fadigas e esses grandes e poderosos inimigos com os quais luta incessantemente, conjuntamente com os que fornece o clima e as más condições higiénicas da vila, e geram as doenças que se manifestam no soldado. Ele anda em Bissau esfarrapado, sujo e descaço, salvo raríssimas exceções e expõe-se constantemente aos abrasadores raios solares e aos rigores da chuva.
Natural de Portugal, Angola ou Cabo Verde, o soldado em Bissau alimenta-se quase sempre de arroz e feijão-vermelho ou branco ordinários, por vezes de má qualidade e raras vezes de grão-de-bico ou de ervilha. As leguminosas, a cujo pertencem estes alimentos, à exceção do arroz, tem por base principal a fécula que se acha associada a variados princípios e as matérias extrativas e corantes em diferentes proporções. Estas leguminosas, pelas suas qualidades feculentas não fermentadas, conservam-se no estômago mais tempo do que qualquer alimento da mesma base e dão lugar nos intestinos à formação de uma grande quantidade de gases. O feijão vermelho produz menos peso no estômago e menos desenvolvimento de gás do que as outras variedades. O soldado europeu faz uso imoderado das frutas ácidas que abundam na ilha, o uso de fruta ácida excita o apetite, facilita a digestão, modera o calor e acalma a agitação. O soldado natural de Angola embriaga-se frequentes vezes, especialmente depois de receber o pré.”


O novo assunto tem a ver com o quadro das doenças. As que se observam constantemente são as febres palustres. “Os meses de junho a outubro são aqueles em que o alimento palustre ativa a sua força e determina a manifestação de febres intermitentes perniciosas, tifoides e biliosas hematúricas, quase sempre revestidas de gravidade.” E deixa a lembrança de que em alguns meses de 1878 e 1879 manifestou-se na vila de Bissau a febre tifoide com grande intensidade. Mais adiante descreve ao pormenor a febre biliosa hematúrica ou melanúrica, o sulfato de quinino, que é a base do tratamento das febres ordinárias, revela-se improfícuo e perigoso na febre biliosa hematúrica quando for administrado no começo da doença. "O importante é empregar agentes farmacodinâmicos destinados a simplificar a natureza primitiva da doença e depois o tratamento específico.”

Como os textos deste relatório andam aos saltos, volto atrás a outubro de 1886 quando se publica o fim da operação de Mussá Moló na região de Geba, é um documento assinado por figuras do presídio de Geba, cujo chefe era então o tenente Francisco António Marques Geraldes. Dirigem-se ao Governador dizendo que Geba fora oprimida sob o jugo de Mussá Moló, pagavam-se impostos onerosos, a população sofria vexames de toda a espécie, Mussá Moló ameaçava as fronteiras de Ganadu, os seus principais guerreiros atacavam com repetidas correrias todo o território à volta de Geba. Até então os chefes do presídio, nomeados uns após outros, não se atreviam a atacar o colosso. É então nomeado o tenente Geraldes que preparou uma expedição de 200 homens e atacou as tabancas do régulo de Mansomini, arrasando-as. De regresso a Geba organizou nova expedição e atacou todas as tabancas da margem direita do rio Geba, pondo em debandada os régulos, obrigando-os a saltar para a outra margem do rio. Era a primeira vez que um oficial levava a cabo tão temerária empresa. O tenente Geraldes arranjou nova expedição composta por Biafadas e atacou Mussá Moló, este perdeu todo o prestígio que dispunha na região. E a carta termina apelando a que o Governador graduasse no posto imediatamente superior o tenente Geraldes pelos serviços distintos que prestara.

Continuamos no ano de 1886 e na companhia do médico Damasceno Isaac da Costa, ele ainda tem muito para nos dizer, é um dos poucos motivos de interesse neste Boletim Official onde estão ausentes os grandes acontecimentos do ano. Por isso, aqui se ilustra com imagens do Boletim Official de 1887, nasceu em março o príncipe da Beira, D. Luís Filipe, haja festa, salvas de 21 tiros, a tropa em grande uniforme, liberdade para as praças que estiverem em pena correcional, dando por cumpridos os castigos.
Nomeação do governador interino, coronel Euzebio Catella do Valle, virá depois o contra-almirante Teixeira da Silva.
Em 24 de setembro de 1887, o Boletim Official da Província da Guiné publica texto que define a Guiné Portuguesa de acordo com a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886.
Em 30 de maio, o Boletim Oficial informa que foi nomeado Governador o contra-almirante da Armada Real, Francisco Teixeira da Silva.
Cais de Bolama, imagem dos anos 1960, retirada do blogue Rumo a Fulacunda, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 20 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26172: Historiografia da presença portuguesa em África (453): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (11) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26172: Historiografia da presença portuguesa em África (453): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Vale a pena insistir, não há ao nível da novel Província da Guiné nenhum outro documento que se equipara ao trabalho do médico Damasceno Isaac da Costa, o título é Relatório do Serviço da Delegação da Junta de Saúde da Vila de Bissau, referente a 1884, é um registo detalhado sobre história, geografia, inevitavelmente o estado sanitário, comércio, usos e costumes; é impressionante o conjunto de observações que teceu sobre o presídio de Geba e agora está a passar a pente fino Bissau, é um médico de saúde pública com um certo olhar de antropólogo, etnólogo e etnógrafo, diz verdades com punhos. Um outro aspeto curioso é a publicação deste farto documento aos pingos, vem de uma série de Boletins Oficiais entre abril e novembro, e aqui envereda por 1885. Nos reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, creio que por legado de um filho, consta o documento que se estende de 1885 a 1888, vou agora revê-lo, pode ser que seja repetitivo, não encorajo as repetições fastidiosas. Seja como for, creio que especialistas como Philip Havik têm nestes relatórios do Dr. isaac da Costa fertilizante para muita investigação.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (11)

Mário Beja Santos

Espero um dia vir a perceber como é que este Boletim Official da Província da Guiné Portuguesa, em pleno ano de 1886 não faça eco dos grandes acontecimentos que ocorreram por esta data, a começar pela Convenção Luso-Francesa e a perda do Casamansa, que foi motivo de grande agravo na Guiné, como está plenamente documentado. É o relatório do médico, Damasceno Issac Costa, que ganha realce, apresenta-se como um documento do serviço da delegação da Junta de Saúde da vila de Bissau, excede em toda a linha, como temos visto, falámos anteriormente de que o facultativo se espraiara na história, documentou em profundidade a vida do presídio de Geba, fala dos usos e costumes, do que comem os guineenses, as cerimónias do casamento, até do batismo, é por vezes moralista dizendo que os gentios consentem que os seus filhos sejam batizados sem que eles mesmos o sejam. E tece considerações como se fosse antropólogo e mesmo etnólogo:
“Os gentios, mesmo os que possuem alguma luz de razão para descortinar a verdadeira religião da falsa, condenaram o sacramento do matrimónio, e dizem que todos que este contraem ficam irremediavelmente sujeitos à infidelidade da consorte. A origem deste proceder semisselvagem reside noutro princípio: a tendência para o mal é fácil, a sua vereda obtém-se facilmente e para ela se caminha com a rapidez dos ventos: o contrário acontece com a virtude, que além de difícil, é espinhosa.
Os povos de Bissau e Geba, como os de toda a Guiné, amam a primeira dessas veredas: amarram o pano (casam-se) com uma bajuda (donzela) depois de adquirir um certo número de bens, com grandes dispêndios e pompas, e quando a fortuna lhes sorri risonha, eis que novamente procuram outra bajuda para se casar, e assim vão procedendo, enquanto os seus haveres se forem multiplicando, acontecendo muitas vezes ter um único indivíduo 7, 8 ou 9 mulheres. Os gentios da Guiné, conquanto selvagens, são suscetíveis de se converterem ao cristianismo e de receber educação, pois que possuem em subido grau orgulho de se transformarem em brancos, isto é, de se civilizarem. É, pois, baseado neste último princípio, que os gentios travam relações de amizade com os habitantes da praça a quem chamam de seus camaradas que lhes confiam a educação dos seus filhos; não tarde, porém, que o elemento civilizador penetre nestes homens de amanhã, que com anuência dos seus próprios pais se submetem espontaneamente à regeneração pelas águas do batismo; porém, os pais ainda crentes no feiticismo, recusam-se a receber este último sacramento.”


Isaac da Costa muda agora de agulha para falar da população da ilha de Bissau e dos seus usos e costumes. População composta por europeus, mestiços e indígenas. Brancos têm pouca permanência, mas são a fiel expressão da ação perniciosa do elemento palustre; o europeu não se aclima na Guiné em geral, o presídio de Farim é o mais insalubre de todos os postos pertencentes à província.

“Os mestiços possuem temperamento misto, chegam a viver com 60 e 70 anos de idade e ainda gozando de perfeita saúde. Os indígenas, incluindo os Grumetes, possuem em geral um temperamento linfático e uma constituição fraca. O excesso de bebidas alcoólicas, o uso de carne e peixe corruptos e leite azedo, e a insolação, são fatores que dão origem a variadas entidades mórbidas. As crianças até à idade de 2 anos morrem mais de metade e as que saírem incólumes da mortífera luta que travam os elementos que as cercam, contraem lesões viscerais importantes, dando origem a doenças graves e incuráveis.”

O tema religioso persegue o médico, fala de várias catequizações, estima que a religião seja a base fundamental da educação e civilização destes povos, apela a uma escolha correta de missionários que pela sua abnegação, e com os olhos no céu não queiram ver coisas terrenas senão as dores que hão de consolar, as feridas que hão de curar e as trevas em que hão de espargir a doce luz da sua palavra cristã. E volta a centrar-se no tema dos usos e costumes:
“Em geral, os Papéis são indolentes e cobardes, podendo dizer-se deles o que disse um dos nossos estadistas: fazem tudo quanto se lhes sofre, e sofrem tudo quanto se lhes faz. Os Papéis que vivem em Bissau dividem-se em dez tribos e povoam dez distritos. Destas dez tribos, quase todos os dias apresentam-se na praça com as suas produções que lhes fornece a sua limitada agricultura e indústria, as de Antula, Antim, Bandim e Biombo. O régulo é muito exigente em pedidos que faz aos seus amigos cristãos, aos quais chama seus camaradas e que adquire quando estes vão visitar os seus territórios. A sua residência é sempre isolada e cercada unicamente das casas das suas mulheres que são obrigadas a trabalhar incessantemente para sustentar os vícios do rei, sem outra recompensa ou glória que a de serem chamadas mulheres do rei. Em ocasiões festivas, os régulos apresentam-se uns de calça e casaca vermelhas e chapéu e trazem na mão um bastão encimado por um espelho, e outros envoltos em conchas pintadas. O régulo de Bandim goza de mais foros e prerrogativas que os dos outros distritos, pertencendo-lhe por direito presidir à cerimónia que precede a coroação dos outros régulos. Os ministros e os balobeiros imitam os régulos no seu vestuário em ocasiões festivas. Os homens entregam-se ao trabalho insano a fim de, por meio deste, obter um certo número de vacas. Adquirida esta riqueza, tratam de amarrar o pano (casar-se).”
Isaac da Costa descreve minuciosamente não só as cerimónias do casamento, como o dote e a circuncisão, e muda de tema: a higiene pública.

“A vila de Bissau está cercada de pântanos: a Oeste está situada uma vasta extensão de terreno sujeito ao fluxo e refluxo do mar, terreno que recebendo ao mesmo tempo a água doce proveniente das chuvas e nascentes, convertem-se em um pântano bastante extenso.
A Sul, a vila é limitada pela praia que na baixa-mar descobre-se numa grande extensão e deixa exalar um cheiro infecto promovido pela decomposição e putrefação do limo, plantas, animais, lixo e várias imundícies intimamente misturadas com a lama de si corrupta. O povo que circunda a fortaleza e que vem à povoação e aos pardieiros dispersos pela povoação, recebe durante o ano imundícies de toda a espécie.”

Tudo se conjuga para provocar as variadas moléstias que manifestam na vila.
E diz mais este médico:
“Os tripulantes dos navios de longo curso demandam o porto de Bissau, é raro que durante a sua permanência de 15 a 20 dias fiquem incólumes de perniciosa influencia das emanações do porto, pois apesar de cheios de vida e rubor nas faces, apresentam-se profundamente anémicos, sendo preciso quase sempre baixarem ao hospital. É o que repetidas vezes tenho observado desde 1879.”

Refere com detalhe a higiene das fábricas, o estado dos depósitos de substâncias alteráveis, o funcionamento do mercado, o matadouro, o estado das habitações, as cubatas dos Grumetes que vivem fora das muralhas, a alimentação, a limpeza das ruas e mesmo dos cemitérios. Refere-se assim ao cemitério municipal:
“Acha-se em deplorável estado, aquele lugar onde repousam as venerandas cinzas dos nossos semelhantes, está cheio de pedras e ervas maninhas; o seu solo em vez de plano é desigual, as sepulturas não se distinguem do resto do terreno, à exceção de oito, que tem a aparência daquelas, por se acharem cobertas irregularmente com alguma porção de terra; elas não possuem cruzes ou marcos funerários que marquem a época do enterramento, circunstância esta gravíssima, sobretudo quando se trata de proceder às exumações. Atrás do cemitério, junto à povoação dos Grumetes, existe uma pequena extensão de terreno como se nota um grande número de sepulturas, das quais doze são recentes, sendo naquele lugar, segundo me consta particularmente, inumados os cadáveres de indivíduos falecidas extramuros. O cemitério e a vasta campada que o circunda, representam, pois, um outro foco de insalubridade.”
E dá sugestões para que se adotem urgentemente medidas para contrariarem esta calamidade.

Inabalável da sua luta pela saúde pública deixa escrito num relatório que escreveu à câmara municipal e à administração do concelho, indicando as fontes, prédios e lugares públicos que deviam ser limpos e murados; “permaneceram, porém, mudas estas duas estações, tomando sobre si a responsabilidade moral das vítimas a quem a insalubridade deu margem.” E aproveita para citar os dispositivos legais conferidos à câmara, desde o tempo em que a Guiné era administrada por Cabo Verde, uma lista de proibições e as respetivas penalizações. “Tudo a bem no papel, em execução nada.”

E a seguir o seu relatório dirige-se para os hospitais e para o serviço médico-militar.
Ponte-cais de Bissau, construída pelo governador Carlos Pereira na década de 1910
A Baía de Bolama nos tempos da tentativa de ocupação britânica, segunda metade do século XIX
Trecho do rio Geba, imagem ainda do século XIX

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 13 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26150: Historiografia da presença portuguesa em África (452): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (10) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26150: Historiografia da presença portuguesa em África (452): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Impõe-se, antes demais, uma clarificação quanto a estas leituras que envolvem o médico Damasceno Isaac Costa. Tempos atrás, entrei na Biblioteca da Sociedade de Geografia e pedi à sua bibliotecária que verificasse na secção de Reservados se eu já tinha consultado algum documento envolvendo o nome de Damasceno Isaac Costa. E, de facto, descobri que o filho deste oferecera à Sociedade de Geografia documentação do pai, um conjunto de relatórios, começando por 1884. Fui verificar ao blogue e constatei que do relatório constante referente a 1884 fizera uma leitura um tanto abreviada. Ora, no Boletim Oficial, ano de 1886, inicia-se no mês de abril e prolonga-se até novembro, de forma intermitente, a publicação de extratos, perto do final do ano o médico começa a publicar o relatório de 1885. Tenho para mim que estas peças de Damasceno Isaac Costa, possuía o gosto da escrita, era observador com pendor para a etnografia e etnologia, que descreve minuciosamente localidades, neste caso Geba, é merecedor de uma publicação cultural, de fio a pavio de tudo quanto escreveu, é um cronista de mérito, não conheço nada de melhor referente a este período, há na sua arquitetura da escrita algo que lembra a literatura dos navegantes e viajantes que nos deixaram peças primorosas nos séculos XV, XVI e XVII. Dirijo-me a todos aqueles que têm responsabilidades nos estudos africanos de se encontrar uma forma de publicar Damasceno Isaac Costa, para que em Portugal e na Guiné-Bissau se conheça melhor o olhar clínico deste plumitivo tão arguto e entusiasta.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (10)

Mário Beja Santos

Já se disse ao leitor, e com pesar, que se esperava que o Boletim Official deste ano desse informação quanto à atividade política que iria levar à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio desse ano, nem uma só palavra. A grande surpresa passa pela publicação de um espantoso relatório assinado pelo médico Damasceno Isaac da Costa, aparentemente com referência ao ano de 1884 e que extravasa, do princípio ao fim os problemas de saúde pública. Fala sobre a história da Guiné, da importância do rio Geba, descreve a vila e fortaleza de Bissau, é minucioso a descrever o presídio de Geba, as edificações, não conheço outra exposição sobre o presídio de Geba como esta, veja-se a minucia a que chega o médico:
Próxima à residência do chefe do presídio acha-se situada uma casa térrea com dois compartimentos dos quais um funciona de secretaria do chefado e o outro serve para a arrecadação de géneros, cujas condições higiénicas são as mesmas que as das mencionadas casas.
Se em paragens longínquas se exige dos funcionários do Estado de serviços aturados, é também equitativo que lhes seja proporcionada uma habitação, que possua todos os requisitos exigidos pela lei higiénica. O cargo do chefe do presídio, que quase sempre é exercido por um alferes do Batalhão de Caçadores n.º 1, acumula os cargos de administrador, juiz, comandante militar e de destacamento, delegado fiscal e do correio, subdelegado e às vezes de professor do ensino primário, sendo obrigado no desempenho desses variados cargos a decidir questões de ordinário assaz complicadas. O cargo do juiz de povo, ao qual competiam as mesmas funções que ao de Bissau, foi aqui extinto, sendo o mesmo substituído pelo de regedor, desaparecendo desta forma para sempre os vexames e prepotências que os indivíduos investidos das funções deste cargo exerciam contra todos os habitantes do presídio, sem distinção.

A ambulância do Estado, a única que ali existe, funciona numa casa particular, que além de ser húmida não é ventilada, contribuindo muito a falta destes dois elementos para a deterioração dos medicamentos. Para escrituração, possui a ambulância três livros, destinados, um para o registo das faturas de medicamentos do depósito geral, um para a venda pública e outro para os medicamentos fornecidos às praças. Todos estes livros começaram a ser escriturados em 1880, não possuem nem termo de abertura, nem de encerramento, nem rubrica nas respetivas folhas. Por esses factos, e porque se acham escriturados irregularmente, não tem eles valor algum.

A escola régia de instrução primária funcionou ao princípio num compartimento da casa do negociante Manuel António de Barros, oferecido gratuitamente ao professor da escola, o pároco da freguesia, sendo mais tarde as rendas custeadas pelos habitantes do presídio. Atualmente a escola funciona na secretaria do chefado do presídio.
Durante a regência do pároco da freguesia, a escola foi frequentada por mais de 50 alunos, tendo sido publicamente examinados e aprovados na administração do concelho de Bissau dez alunos, ato este que raríssimas vezes tem tido lugar na Guiné.

Abastecem a povoação muitas fontes; há, porém, uma só água potável e esta mesma está situada fora do presídio, a uma légua de distância. Esta fonte denomina-se Estabeiro, e diz-se que na sua proximidade existe uma mina de ferro.
Para os usos culinários, os habitantes servem-se da água do rio, a qual é doce desde Fá no verão, e de todo o rio desde Bissau até Geba no inverno. É tradição oral, que nas proximidades do presídio existem minas de ouro e que em época em que foi abolida a escravatura foram enterradas dentro da praça e no bairro denominado S. Cruz, 40 arrobas de ouro bruto por um negociante português, que perseguido pela justiça por se entregar ao tráfico da escravatura, se internara nos sertões da Guiné para se pôr a coberto da espada da justiça.

Na povoação não há feira nem açougue, mas de tempos a tempos abate-se uma cabeça de gado vacum, que é dividida em quinhões de 8 libras, que se vendem pelo valor de 480 réis.
Acima de Geba e a dez léguas de distância está situada uma aldeia importante, já pelo seu comércio, já pela sua população, denominada Bafatá. É habitada pelos Fulas e negociantes cristãos.
O comércio interno de Geba consiste em cera, couro, marfim, amêndoa de palma, borracha, ouro e outros produtos, que todos os dias à porfia são comprados e transportados para as praças de Bissau e Bolama.
Geba, pelas suas riquíssimas produções, que lhe proporciona o seu ubérrimo solo, concorre mais que nenhum outro ponto da Guiné, para levar aos grandes centros comerciais da Europa as mesmas produções.
A prosperidade de Geba, dependendo, pois, em grande parte do presídio de Geba, convém por todos os meios elevá-lo à categoria a que tem jus, pela importância comercial e industrial.

Entre Geba e Farim existe fácil comunicação. Distanciado um presídio do outro em uma extensão de 20 léguas o trânsito de 8 é feito por terra, de Geba até o rio Tandegú e as restantes 12 em canoas, pelo rio de Farim até o mesmo rio Tandegú. Existe igualmente entre os dois presídios fácil comunicação por terra percorre-se esse trajeto em 48 horas, atravessando os territórios ocupados pelos Fulas e Biafadas. Para encurtar o trajeto fluvial de 60 léguas, que intermedeia entre Geba e Bissau, transita-se 20 por terra da praça de Geba até Fá, em 3 horas, as restantes 40 pelo rio, de Fá até Bissau, em 24 horas.

O alimento principal dos habitantes de Geba consiste em milho painço, arroz, fundo, baguexe e fruto de miséria. Os Grumetes de Geba, imitando os seus antepassados, amam a poligamia, pois a maioria deles casa-se com 7, 8 e 9 mulheres. Estas mulheres, como as dos Papéis de Bissau, são obrigadas a trabalhar incessantemente, não para sustentar, mas para auxiliar o homem e aumentar os seus haveres. É singular a forma que os Grumetes empregam nos seus casamentos. Quando um Grumete quer casar-se, pede em casamento a filha aos pais ou às mestras, e quando eles aceitam o pedido, o noivo envia-lhes 6 cabazes, contendo 60 garrafas de variadas bebidas alcoólicas, quase sempre ordinárias. Decorrido algum tempo, o noivo designa o dia em que deve ter lugar o casamento. O dia aprazado quase sempre ao obscurecer da noite, apresenta-se o noivo acompanhado de alguns convives nas proximidades da casa da noiva e aí pratica o rapto desta última auxiliado pelos ditos convives, que a conduzem para uma casa. Na ocasião em que tem lugar o rapto, o pai e os irmãos da noiva apresentam-se munidos de espingardas, espadas e cacetes para obstar ao rapto, e as mulheres e os demais parentes lamentam o facto em grandes alaridos e procuram a noiva por toda a parte com velas e archotes.

Os Fulas são destros em manejos bélicos e essa qualidade, tem-lhes feito conquistar extensos territórios, que dantes eram ocupados pelos Mandigas e Biafadas. Tanto o homem como mulheres amam excessivamente as bebidas alcoólicas. As mulheres amam tanto as moedas de prata, que longe de as trazerem ao mercado, guardam-nas em muitas dobras de pano, no fundo das suas caixas, que consistem em uns balaios de cana da Índia. As mulheres vestem panos pretos, que lhes cobrem desde a cintura até aos joelhos; trazem dependuradas nas orelhas argolas de latão ou cobre; em seus cabelos cuidadosamente entrançados trazem suspensos como um grande adorno moedas brasileiras ou francesas de 80, 120, 240, 480 e 900 réis; ainda com o mesmo fim, cingem a testa com missangas de variadas cores, e nas mãos e pés 8 a 10 manilhas de latão, e no pescoço enormes voltas de contas de âmbar.
"Para uma Fula casar-se é condição sine qua non provar pelo menos que já foi mãe três vezes, prova frisante de prodigiosa fecundidade, e por esta razão, à semelhança das raças Papel e Mandinga, a herança pela morte do pai passa aos sobrinhos maternos."

Contrato da Companhia de Cabo Verde e Cacheu pela venda de cento e quarenta e cinco escravos - documento do fundo documental do Conselho Ultramarino pertencente ao Arquivo Histórico Ultramarino.
Um pormenor de Bolama na atualidade, um passeio entre ruínas, fotografia de João Campos Rodrigues publicada no jornal Sol, em 2021, com a devida vénia
Uma fotografia de Bissau, século XIX

(continua)
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Notas do editor

Vd. post anterior de 6 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26121: Historiografia da presença portuguesa em África (450): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26126: Historiografia da presença portuguesa em África (451): o tecido económico da província em 1951, visto através dos anúncios publicados no suplemento, "dedicado ao Ultramar Português" (218 pp., no total), do "Diário Popular", de 20/10/1961

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26126: Historiografia da presença portuguesa em África (451): o tecido económico da província em 1951, visto através dos anúncios publicados no suplemento, "dedicado ao Ultramar Português" (218 pp., no total), do "Diário Popular", de 20/10/1961



Barbosas & Cia: Import-export... com sede em Bissau. Representava sobretudo duas marcas norte-americanas, a General Eletric e a Studebaker


Ed. Guedes Lda era outro peso pesado do comércio local, já presente em Bolama quando esta era a capital... Tinha sucursais pelo território... "Cetió";  mais que provável erro tipográfico, deve ler-se Catió... Tchequal também deve ser gralha, é topónimo que não existe. Banta El deve ser Madina Bantael, entre Sonaco e  Sare Bacar (esta já na fronteira  com o  Senegal)... Chegava a Orango, a ilha do arquipélago dos Bijagós mas afastada do continente,

A nossa já conhecida  empresa francesa, a NOSOCO, onde trabalhou o nosso camarada Mário Dias... Tinha instalações em Bissau, Bolama,  Bafatá, Binta, Bissorã e Olossato. Tinha o exclusivo, para a Guiné, de marcas prestigiadas como a Shell, Phillips,  Electrolux, Frigelux, Dunlop...


SCOA: outra empresa de import-export, de origgm francesa, com sucursais em Bafatá, Bissorã, Bolama, Sonaco e Farim... Representava uma série de marcas (camiões, automovéis, eletrodomésticos, motores marítimos, cerveja alemã) e também companhias de navegação... Curioso: não estava representada na capital...



Enpresa de import-export e comércio geral, estava ligada ao BNU (Banco Nacional Ultramarino). e cobria praticamente todo o território, com  exceção do Nordeste (Gabu); Bafatá, Sonaco, Contuboel, Teixeira Pinto, Bissorã, Bolama, Bijagós, Chugué, Cabochanque,  Cadique, Cafine, Salancaur, Cabedu, Bedanda, Cacine, Brandão (seria na ilha do Como, a casa Brandão ?)...


O Fouad Faur, sírio-libanês, tinha sede em Bafatá, com "feitorias em Piche, Paunca, Bajocunda ("Bajicunda") e Bambadinca


Outro comerciante de origem sírio-libanesa, com sucursais na África Ocidental Francesa (Dacar e Coldá) e na Guiné Portuguesa (Mansoa, Mansabá, Xime, Bambadinca, Bafatá, Contuboel, Sonaco, Nova Lamego, Pecixe, Buba, Campeane, Cacine, Gadamael, Catió)



Foi a partir deste anúncio de 1956, que descobrimos o acrónimo ASCO (endereço telegráfico da empresa) (*)


Outro sírio-libanês, Mamud Eluar & Cia., com "sucursais em toda a província da Guiné"... Os comerciantes, de origtem sírio-libanesa, não eram mais do que uma centena na 1ª metade da década de 1920. O José Gardete Correia uma empresa de uma família prestigiada, com estabelecimentos em Bissorã. Olossato e Encheia.




Francisco Paulo, uma empresa em nome inmdividual, com estabelecimento em Bafatá e "feitorias" em  Xitole ("Chitoli"), Sara (Gabu), Baca (Sarde Bacar ?), Paunca, Bajocunda ("Bajicunda"), Cabuca ("Caboca"), Boé ("Mandina do Boé).  O Fausto da Silva Teixeira é o único industrial que aparece nesta amostra, e é já nosso conhecido (foi deportado.


João Batista Pinheiro & Irmão: com sede em Bafatá, e sucursais em Bussau, Buruntuna, Bajicunda (sic), Pirada, Paunca, Piche e... Sama  (deve ser é Sara, Gabú, presume-ser que seja gralha tipográfica, não há povoação com esse nome). O único anúncio da área da restauração e hotelaria é do Pensão Restaurante Bafatá, de Judite Teixeira Quaresma da Costa.



A OMES, com um grande currículo de obras de engenharia na Metrópole e  em Angola, tinha na Guiné, em 1951, duas obras em fase de conclusão: a ponte-cais de Bissau e a ponte de Ensalma


1. Estes anúncios refletem inegavelmente  o clima de relativa paz e prosperidade económica que a província começou a viver, no pós II Guerra Mundial,  com o governador Sarmento Rodrigues (1945-1950).

Curi0samente, em 1951, só há uma anúncio de um industrial (com exceção da OMES, que era uma empresa de engenharia e obras públicas, com sede em Lisboa). Referimo-nos ao madeireiro e antigo deportado Fausto Teixeira da Silva.

Ainda estamos longe dos trágicos acontecimentos de Angola, no princípio de 1961, que não deixaram de ter repercussões nas outros territórios ultramarinos protugueses,. incluindo a Guiné: loigo a partir de 1961/62, parte dos comerciantes locais  (cabo-verdianos, metropolitanos e sírio-libaneses) acabaram  por se retirar das zonas mais isoladas do interior, e fixaram-se em Bissau ou regressaram  mesmo à metrópole...

Os sírio-libaneses, que se começaram a radicar no território a partir de 1910, alguns  acabaram por ligar-se, pelo casamento, a famílias portuguesas... Inicialmente não eram, porém, bem vistos pela concorrência nem até pelas autoridades locais, Por outro lado, em 1974, todos já teriam a nacionalidade portuguesa...Mas parte desta comunidade optou por ficar no novo país lusófono, a Guiné-Bissau.

Estes anúncios acima publicados fazem parte de um suplemento, "dedicado ao ultramar portuguès", que integrou a edição do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951. São em menor número dos que seráo  publicados, mais tarde,  na revista "Turismo", edição de janeiro/fevereiro de 1956 )(ano XVIII, 2ª série, nº 2,  número temático dedicado à Guiné), e reproduzdos em  tempos no nosso blogue (em dez postes, com material fornecido pelo nosso saud0so camarada Mário Vasconcelosl, 1045-2'17) (**)

Na amostra de 1951, verificamos que  todos os anunciantes  se dedicavam ao "comércio geral: compra e venda de produtos da província" e alguns ao "!import-export#", a começar pelas empresas francesas, a NOSOCO e a SCOA... Mas também as portuguesas, Barbosas & Cia, Ed. Guedes Lda, Sociedade Comercial Ultramarina, SARL.

O que havia para exportar ? Muito pouco, alguns produtos agrícolas e matérias-primas: arroz, oleaginosas (amendoim, coconote, óleo de palma), e pouco mais...  E importava-se tudo, da cerveja às viaturas automóveis... Tal como hoje, agora na Guiné-Bissau (só que o amendoim foi substituído pelo caju.)

Alguns valores: em 1950, a colónia tinha exportado c. de 118 mil toneladas, e importado pouco mais de 128 mil... Os cinco produtos mais exportados eram  (com base nas médias anuais): 

  • o amendoim (61,0%), 
  • o coconote (26,6%), 
  • o arroz (4,1%), 
  • o óleo de palma (1,7%) 
  • e os couros (0,8%)...  

Por outro lado, na década de 40 (1941-1950), as importações passavam de 49 mil contos para 128 mil (um aumento de 260%). As exportações, por sua vez,  passavam, no mesmo período, de  65 mil para 118 mil contos (um aumento de 180%).

Em outubro de 1951 já se escrevia-se "província" e não "colónia", com a revogaçãpo do "Acto Colonial" e a revisão da Constituição (Lei nº 2048, de 11 de junho de 1951).   Mas a grafia dos topónimos ainda não era respeitada: vejam-se grafias como Bajicunda, Pitche, Contubo El,

Em suma, estes anúncios tem hoje algum interesse documental pelas inesperadas informações que nos trazem de gentes e de lugares que conhececmos e que depois de 1961 vão ser varridos pela guerra, oficial ou oficiosamente iniciada em  Tite, região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963...

É interessante assinalar a ausência de uma grande casa como a  Gouveia  neste pequeno mostruário das "forças vivas" da província, cujo tecido económico parece ser  constituída por apenas pela Ultramarina, ligada ao BNU, duas empresas francesas de import-export, a SCOA e a NOSOCO, e sobretudo por pequenos comerciantes e empresários, de origem metropolitana, cabo-verdiana e sírio-libanesa. (***)
 
Esta edição do "Diário Popular", de 20 de outubro de 1951 (e não 1961, como vem escrito por lapso , na Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa, a quem agradecemos a cortesia).  É uma raridade bibliográfica: o suplemento dedicado ao Ultramar tem 218 páginas (22 dedicadas à Guiné, pp. 45-66).  Disponível  aqui em formato digital. 

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quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26121: Historiografia da presença portuguesa em África (450): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Deste tempo em análise, o surpreendente ano de 1886, o ano em que nasceu a Guiné com fronteiras muito próximas das atualmente existentes, em que fomos desapossados do Casamansa a pretexto da diplomacia francesa garantir que nos apoiaria nas questões referentes ao Mapa Cor de Rosa, em que estes pontos agudos jamais transparecem no Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, sai da medorra burocrática um relatório do médico Damasceno Isaac da Costa, começa por uma visão de conjunto histórico-geográfica, encaminha-se para a ilha de Bissau, isto depois de nos ter falado das potencialidades do rio Geba, vê-se que está seriamente documentado e que conhece a vila e fortaleza de Bissau, o ilhéu do Rei e o presídio de Geba. Sobre este último creio que não há nenhum documento tão detalhado. Depois atira-se a matérias que são do seu próprio foro, mas vê-se claramente que está possuído por uma curiosidade de etnólogo e etnógrafo. Enfim, no seu todo este documento merecia ser republicado, visto que vem em sucessivos Boletins Oficiais desde inícios de abril até julho. Documento indispensável para cruzar com outros depoimentos da época, incluindo as matérias existentes no Arquivo Histórico Ultramarino.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuação de 1886 (9)


Mário Beja Santos

Como se referiu anteriormente, estranha-se o Boletim Official, pelo menos até julho, que seja completamente omisso sobre a grande mudança operada na vida na Guiné, nem uma menção sobre a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio desse ano, nem uma palavra sobre a perda do Casamansa, quem domina, fora da rotina das chegadas e partidas, das taxas alfandegárias, dos muitos boletins sanitários oriundos de Cacheu, Bissau e Bolama é o documento preparado pelo médico Damasceno Isaac da Costa, uma peça de extrema importância que é publicada no Boletim Oficial entre 3 de abril e 3 de julho, nem sempre com regularidade. Já falou da geografia da colónia, do rio Geba e das suas potencialidades, veja-se agora a descrição que faz da vila e fortaleza de Bissau, antes uma palavra sobre a ilha.

“A ilha de Bissau na quadra pluviosa deixa desenvolver capim, que atinge a altura de dois metros, capim que é destinado em parte para alimento do gado vacum que abunda na ilha e, em parte, para ser devorado pelas chamas, nos meses de janeiro a março, e que também serve para a cobertura das cubatas. Abundam na ilha poilões seculares, que são tidos em grande veneração, como árvores sagradas pelos habitantes da ilha, por terem a crença que neles reside a divindade tutelar, o Irã; ao passo que as restantes árvores são destruídas. A agricultura, esse manancial ubérrimo da riqueza pública e que poderia ser a mais poderosa alavanca para o engrandecimento do país, acha-se completamente olvidada. De um feracíssimo solo, Bissau, como toda a Guiné, à excepção de árvores seculares que podem ser aproveitadas para diferentes usos, apenas desenvolve plantas parasitas e inúteis e ervas maninhas. No meio deste abandono de agricultura, divisam-se feitorias agrícolas situadas à beira-mar, pertencentes a vários indivíduos naturais do arquipélago de Cabo Verde, que residem na ilha, há muitos anos. As principais produções destas feitorias são: aguardente e mel extraídos da cana sacarina, milho, feijão, mandioca, abóbora, melão, melancia, etc. Em terrenos pantanosos cultiva-se o arroz em grande escala, cuja produção, atenta a grande feracidade do solo, é abundantíssima, sendo parte consumida na ilha parte exportada para outros pontos da província e Cabo Verde, pois que é o arroz a base principal da alimentação dos habitantes da Guiné.
Em diversos pontos da ilha cultiva-se o tabaco, que se desenvolve com uma força de vegetação luxuriante, mas os seus habitantes longe de se utilizarem dele, como os Bijagós, servindo-se dele para fumar e mascar, satisfazem os seus hábitos com o que é importado do estrangeiro. Como em toda a Guiné, encontra-se na ilha água a pequena profundidade. Algumas destas águas denunciam sais, e conquanto não fossem analisadas, é necessário confessar-se, que até as reputadas potáveis se alteram quando conservadas por alguns dias, em consequência dos corpos que nelas vegetam".

E passa para a descrição da vila e fortaleza de Bissau. Em épocas que hoje são do domínio da História, a vila constituía um reinado, administrado por um régulo, que exercendo a alta dignidade de balobeiro-mor tinha a superioridade sobre os restantes régulos, e fruía das imunidades e sinecuras que pertenciam ao régulo de Bandim.

A vila é cercada de todos os lados de pântanos mistos e cujas exalações deletérias influenciam ativamente sobre a salubridade pública. A insalubridade da vila provém em grande parte da ação perniciosa a ativa desses pântanos, cujos miasmas na sua propagação não encontram outro baluarte que um muro de pedra e cal de quatro metros de altura circunda a povoação.

Dentro da vila existem alguns poços e uma fonte denominada Pidjiquiti, mas as águas tanto desta como dos poços apresentam-se constantemente estagnadas, por culposo desleixo das autoridades locais. Descreve as repartições do Estado que existem na vila, a funcionar em casas particulares, descreve seguidamente a fortaleza de Bissau, não esquece a igreja, dizendo que tem sido assaltada e ultrajada por ladrões e que ultimamente experimentou algumas reparações, carecendo de uma completa reparação nas paredes, sem o que irremediavelmente se reduzirá a ruínas. Fora da fortaleza funciona um tribunal judicial, presidido por um grumete analfabeto que tem o nome de juiz do povo ou dos Grumetes. Este indivíduo, com um ou dois Grumetes, constituem-se em tribunal de última instância todas as questões que lhe são afetas. Apresenta o ilhéu do Rei ou dos Feiticeiros, conviria muito que para ali fosse transferida a população de Bissau, dada a superioridade das condições higiénicas. Os Papéis consideram o ilhéu sagrado e aí no plenilúnio de março, em anos indeterminados, e sob a presidência do régulo de Bandim, reúnem-se munidos da sua inseparável espingarda, faca, terçado e azagaia, para invocar o China maior e consultar o oráculo sobre o futuro das suas produções e das boas ou más relações da sua tribo com as outras. O ilhéu, comprado aos Papéis por Honório Pereira Barreto, possuía outrora um pequeno fortim, um estaleiro para as embarcações de todas as lotações, uma povoação com 600 habitantes e várias casas comerciais. Com o andar dos tempos, entrou em decadência, dentre as ruínas figura um grande edifício piramidal, onde outrora estava montado um aparelho destinado a descascar o arroz.

A descrição agora é do presídio de Geba. Descoberto há mais de 400 anos, é ocupado pelos negociantes cristãos, Mandigas e Fulas-Forros e Fulas-Pretos. Nas suas proximidades jazem diversas aldeias importantes pelo seu comércio, indústria e agricultura. A povoação, onde residem os funcionários públicos e os principais negociantes, está assente em terreno elevado e acidentado. As ruas correm de Norte a Sul, mas delas só têm nome, pois que além de irregulares não passam de verdadeiros becos lamacentos e imundos. À exceção de uma casa sobradada e coberta de telha, todas as habitações são cobertas de colmo. É inútil dizer-se que não há lei alguma que respeite e regule o mais trivial preceito de higiene. A povoação não possui paliçada, mas na data em que escrevo o presente relatório, os negociantes contribuem com a quantia de 230 e a fazenda pública com 300 mil réis para ocorrer às despesas a fazer com a manutenção dos Grumetes e Mandigas que espontânea e gratuitamente se ofereceram para a construção da tabanca. Possui a povoação dois baluartes, um dos quais se acha em ruínas cercado de espesso arvoredo e, por isso, e pela sua posição, nenhum meio de defesa oferece; o outro, construído em 1875, não tem peça alguma, e embora estes baluartes estivessem em condições de bem funcionarem, conviria que fossem construídos mais dois. O Governador Agostinho Coelho, reconhecendo esta necessidade em 1881 enviou a Geba instrumentos e materiais e ordenou a construção dos sobreditos baluartes, mas até hoje não se deu começo à referida obra. Tem dois protos denominados Passo e Baixa-Mar, sendo este último o mais frequentado por se achar situado muito próximo da população. É neste porto que se acha enterrada uma urna contendo uma ata assinada pelo Governador Agostinho Coelho, vários funcionários e negociantes, lavrada por ocasião em que o vapor Guiné sulcando pela primeira vez as águas do tortuoso, mas pitoresco, rio Geba aportava a este último presídio.

Existe a Igreja de Nossa Senhora da Graça, construída em 1881, é coberta de colmo e tem 20 metros de comprimento sobre 10 de largura. Em tempos remotos, foi a igreja arruinada algumas vezes pelas chuvas e uma vez destruída por um pavoroso incêndio que teve lugar em 1850. A norte da povoação está situada uma extensa campada mortuária cheia de pedras, plantas parasitas e arbustos, onde são inumados os cadáveres de inimigos falecidos na povoação. Algumas cruzes enterradas em diferentes sítios, sem ordem nem simetria, nem inscrição alguma, indicam esse campo de igualdade, essa morada onde repousam eternamente os nossos semelhantes.

Mas ainda há muito a dizer sobre o presídio de Geba, Damasceno Isaac da Costa é o mais surpreendente dos relatores que conhecemos neste tempo.


Anúncio da chegada do novo Governador, depois da exoneração de Francisco de Paula Gomes Barbosa
Cais do Pidjiquiti, pormenor da vila de Bissau e os poilões de S. José de Amura, imagem retirada de Jornal da Europa, 1930
BNU em Bolama, imagem retirada de Jornal da Europa, 1930
Anúncio publicado num número de Jornal da Europa dedicado a S. Tomé e Guiné, 1930
Alegoria da descoberta da Guiné (Quadro em azulejo, da galeria da Agência Geral das Colónias), representando porventura a morte de Nuno Tristão, publicado no Jornal da Europa, 1930

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 30 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26095: Historiografia da presença portuguesa em África (449): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (8) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26095: Historiografia da presença portuguesa em África (449): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Não houvera circunstância, no texto anterior, de incluir o tratado de paz celebrado em Buba entre Fulas e Biafadas, por intervenção do Governo da Província, trabalho a que já se acometera o Governador Pedro Ignácio de Gouveia, e tinha agora o seu remate feliz. O que mais impressiona neste ano de 1886, e já estou em julho, é não haver uma só palavra quanto à perda do Casamansa, nem uma só menção à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, paradoxo maior não conheço, até porque posterior à data desta convenção ainda o administrador de Cacheu dá informações sobre o estado de saúde em Ziguinchor... O que verdadeiramente me impressiona é o relatório elaborado pelo facultativo Damasceno Isaac da Costa, não é a primeira vez que este nome vem à baila, na coleção de reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa há trabalhos por ele assinados; mas este relatório irá ser publicado às pinguinhas desde 27 de março, em quatro números de abril, em dois boletins de maio, um de junho e outro de julho impressionam pelo acervo informativo, mesmo com a inclusão de alguns dislates e imprecisões, que o leitor facilmente deterá. Dada a extensão do relatório, dar-lhe-emos sequência no próximo texto.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (8)


Mário Beja Santos

Antes de se passar diretamente para 1886, importa fazer uma referência ao Boletim Official n.º 50, de 12 de dezembro de 1885, abarca um conjunto de documentos relativos ao tratado de paz celebrado em Buba entre os Fulas e Biafadas, por intervenção do Governo da Província, é um conjunto de três atas. Na primeira, referem-se as presenças, entre outras do Governador e do comandante do Batalhão de Caçadores n.º 1, dá-se notícia das intimações ao chefe dos Fula-Forros Bacar Quidaly: entrará na praça de Buba sem representação de força nem grandeza; apear-se-á fora da paliçada, bem como a sua comitiva, e aí deporão as armas e mais símbolos de guerra; esperará que um oficial lhe comunique a permissão de entrar na praça, onde só tem ingresso Bacar Quidaly e o seu Estado-maior, todo o resto da sua gente ficará fora da paliçada; o Governador deseja ter explicações muito sérias com Bacar Quidaly, pois que o seu procedimento não tem sido dos mais corretos com o Governo, mas só será recebido nas condições acima apontadas, e em caso de recusa da sua parte o Governo tomará tal facto como um ato de desobediência às suas ordens.

Na segunda ata, referente a acontecimento ocorridos no dia seguinte (25 de novembro de 1885), Bacar Quidaly pedia permissão para ter ingresso na praça, mas para que a conferência tivesse lugar na casa que serve de quartel, para se ver próximo da sua gente, o régulo precisa de manter a autoridade sobre o seu povo, satisfez-se o pedido do régulo; a terceira ata contém a essência da reunião, quem nela participou, esteve por parte do régulo Mamadu e mais chefes Fulas e seus conselheiros, um conjunto de chefes Biafadas, tanto do Cubisseco como de Boduco. Declararam ambas as partes quererem e aceitarem a paz que o Governo lhes propõe, esquecem agravos e ressentimentos que os tornaram inimigos, procurará cada um dos povos por sua parte animar o comércio nas feitorias e estabelecimentos que existem já nos seus territórios, tomam o Governo como fiador e garantia desta paz. O Governador trazia também as suas reivindicações, estabelecia-se os limites do território do Forreá. O documento iria ser assinado por todas as partes envolvidas. Vai ganhar realce ao longo de um conjunto de boletins a publicação do relatório do serviço da delegação da Junta de Saúde da vila de Bissau, referente ao ano de 1884, pelo facultativo de 2.ª classe do quadro de saúde da Guiné, Damasceno Isaac da Costa, é um documento que transcende pela riqueza de informações tudo o que até agora nos foi dado de ler em relatórios de idêntica circunstância, é tal o acervo de informações que vale a pena aqui reproduzi-las, no seu cotejo essencial.

Começa por dizer que o concelho de Bissau compreende a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá e S. Belchior e todos os demais pontos ocupados e a ocupar nas margens dos rios de Bissau, Corubal e Geba. Localiza a ilha de Bissau, dirá que está dividida em dez tribos com as seguintes denominações: Antula, Antim ou Intim, Cumuré, Prábis, Safim, Torre, Biombo, Bigemeta e Quitexe. O régulo de Antim tem a presunção de descender de alta prosápia, isto é, dos antigos reis da lha; o de Bandim alimenta a mesma presunção nobiliárquica. Refere o trabalho desenvolvido pela companhia de Grão-Pará e Maranhão e a construção da fortaleza, não faltaram atos de selvajaria dos gentios à volta dela. Para pôr cobro a tais hostilidades, o rei D. Pedro II ordenou ao 1.º capitão-mor de Bissau, José Pinheiro, que construísse uma fortaleza com 40 praças, um capitão-mor e um feitor da fazenda. A povoação assim amparada possuía 200 cubatas e 5 casas cobertas de telha, habitadas pelos negociantes portugueses, comissários das casas comerciais inglesas de Gâmbia e francesas de Goreia e pelos Grumetes, uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição e um hospício para os missionários. A fortaleza durou apenas 66 anos, houve que a demolir.

Depois de um largo conjunto de citações, alude aos ziguezagues fluviais no rio Geba. Dirá que os Biafadas que outrora ocupavam as margens do rio Geba fechavam a navegação quando queriam, especialmente em ocasiões de guerras que travavam com os Fulas, exigindo avultadas indemnizações às embarcações que com grandes dispêndios e grandes carregamentos transitavam no rio. Em 1847, o Governador da Província de Cabo Verde ordenou que se suprimisse a verba vexatória que a título de presentes era abonada a esses piratas que desde aquela época poucas vezes se repetiram casos de semelhante natureza. Para levar em efeito esses atos de pirataria, os Biafadas amarravam uma corda na árvore de uma margem, que passando pela superfície de água, ia terminar igualmente noutra árvore da margem oposta. Os extremos da corda traziam duas campainhas para anunciar a chegada de qualquer embarcação que tocasse a corda. Em tempos que não vão longe, esses piratas foram acossados pelos Fulas-Pretos e desde essa época cessou aquele sistema de saque às embarcações. Os Balantas, para a execução do tão mencionado plano seguem-se de troncos de árvores que espetam no rio.

O rio Corubal é bastante extenso e importante pela grande quantidade de âmbar que roja às praias. É quatro vezes mais largo do que p rio Geba até a uma maré de distância, onde se estreita para tornar a alargar. Esta estreiteza constitui a baliza dos territórios ocupados pelos Biafadas e Fulas. É junto a este lugar que está situada uma feitoria francesa denominada Granja. Raso em toda a sua extensão, o rio Corubal é somente navegável junto à margem esquerda. Da estreiteza acima mencionada, transporta-se facilmente e em menos de 24 horas para a praça de Buba, atravessando as tabancas do régulo Fula-Forro Mamadi Paté, derrotado pela nossa força militar em 28 de setembro de 1882. Segundo afirmam pessoas de todo o crédito, o rio Corubal tem a sua origem no território do Futa-Djalon e vem desaguar no oceano próximo da ilha de Bissau. Nas margens do rio Corubal, divisam-se extensas e graciosas colinas e vales, notando-se no fundo destas águas que brotando de diversas rochas e lugares correm com sussurro para desaguar no rio.

Em todos estes rios e canais habita o crocodilo, o hipopótamo, o tubarão e uma infinidade de variados peixes. Nas espessas e copadas matas que revestem as margens dos mencionados rios e no feracíssimo solo de Bissau, Geba, Corubal e outros pontos das suas dependências, encontram-se o elefante, onça, pantera, leopardo, hiena, lobo, gazela, porco-espinho e diversos outros animais, muitos dos quais são bastante interessantes.

Nas margens do rio Geba encontram-se diferentes feitorias e o facultativo refere os seus nomes dizendo que há muitas outras que estão agora abandonadas em consequência das opressões dos Fulas que habitam as margens do rio Geba. E prepara-se agora para falar da vida em Bissau.

Notícia do falecimento, em 16 de dezembro de 1885, de D. Fernando II
Ao consultar a publicação Jornal da Europa, ano de 1926, encontrei esta imagem de Bissau, a qualidade não é famosa, mas permite visualizar a zona do Pidjiquiti, as embarcações no Geba e ao fundo os poilões da Fortaleza da Amura
Imagem muito conhecida da Conferência de Berlim, 1884-1885
1.ª página do Estatuto da Província da Guiné, 1956, veja-se a definição da superfície da Província com base na Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886
A influência portuguesa na Goreia, Dacar.
Fotografia de Robin Taylor, publicada na página do Instituto Camões. Com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 23 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26071: Historiografia da presença portuguesa em África (448): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7) (Mário Beja Santos)