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sábado, 13 de janeiro de 2024

Guiné 63/74 - P25065: Efemérides (425): O António Marques, meu companheiro de infortúnio, na CCAÇ 12, cujo relógio parou às 13h30 do dia 13 de janeiro de 1971: nunca se esquece de me telefonar todos os anos, neste dia e hora (Luís Graça)


 António Fernando Marques, empresário, reformado, natural de Abrantes, nascido em 24 de agosto de 1946, residente em Cascais, nosso grão-tabanqueiro desde 23/1/2010 (*),  DFA, ex-fur mil at inf,  CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). 





Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Da esquerda para a direita, os ex-fur mil Marques e Henriques, da CCAÇ 12 (1969/71), em amena conversa ou talvez disputando amigavelmente o "lugar do morto" (que era ao lado do condutor). Cairão, ambos, meses mais tarde, em 13/1/1971, `*as 13h30, com 20 meses de comissão, numa mina A/C, à saída do destacamento de Nhabijões... 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. O António Fernando Marques   foi meu amigo e camarada de infortúnio.  Chamava-lhe, por brincadeira, "o Marquês sem acento circunflexo". Esteve 17 dias em estado de coma, no HM 241, e 2 anos hospitalizado, em Bissau e em Lisboa, em tratamento e recuperação... Penitencio-me de nunca o ter ido ver ao Anexo do Hospital da Estrela, em Campolide, durante anos perdemos o contacto!.... 

Ele acha que me deve a vida, e eu estou-lhe grato pela sua gratidão: todos os anos, quer faça sol, quer faça chuva, pelo dia 13 de janeiro, às 13h30, ele me telefona a lembrar a triste efeméride (**)...

Um minuto antes da fatídica mina A/C que nos ia mandando ambos para os anjinhos, às portas do grande  redordenamemnto de Nhabijões, a escassos quilímetreos de Bambadinca, discutíamos, amigavelmente, sobre quem ia à frente, na velha GMC, ao lado do condutor, no "lugar do morto".... Depois da habitual cantilena, "vais tu, vou eu, vais tu"..., ele foi para trás com o resto do 4º  pelotão, e eu sentei-me à frente... (O alferes mil cav, Rodrigues, já falecido, ia noura vtuar, umUnimog.)

Azar do Marques, sorte a minha: ia justamente por cima do dupla roda traseira da GMC,  do lado direito, que fez accionar a mina...

Vamos lá relembrar, "ad nauseam", meu companheiro de infortúnio, essa viagem de GMC até Nhabijoes, "ali ao virar da esquina",  nos arredores de Bambadinca... Seriam 11h00, do dia 13 de Janeiro de 1971... O 4º pelotão estava de  piquete, éramos o 112 naquele dia, 13, que nem sequer era sexta-feira.  Fomos chamados para acudir a explosão de uma primeira mina, que matou logo o nosso sold cond auto, Spares. Mas as desgracas também sobraram para nós... Duas horas e tal depois, outra mina, meu Deus... 

O Marques ficou  dois anos no "estaleiro" (!), eu tive mais sorte, mas agora ando a pagar as favas....

Somos irmãos de "irmão de sangue"... Possivelmente salvei-lhe a vida, chegando "just in time" com ele ao heliporto de Bambadinca, a tempo de apanhar o helicóptero que o levou para a HM 241. (**) (Ainda não sei, mas gostava de saber,  quem foi o "anjo do céu" que lhe prestou a bordo os primeiros socorros...).

Sim, chamei-lhe há uns anos atrás, pela primeira vez , "irmão de sangue"!... E não podia ser talvez mais apropriado: não fui "herói de guerra", não tive cruzes de guerra, mas no  caso dele tenho consciência (e orgulho) de que o ajudei a salvar a vida,,, Eu e o condutor do Unimog, que o levou, a ele e outros, numa correria louca até Bambadinca, sem repicar a picada nem medo de novas minas... Mais a enfermeira parquedista, o piloto de helicópterio, os médicos e os magníficos profissionais de saúde do HM 241...

Se há um sentido para a palavra "camarada de armas" é, nestas ocasiões, em que um de nós est+a estendido no chão, já em coma, se calhar todo rebentado por dentro, depois da explosão de uma poderosa mina anticarro... E quem está a teu lado sabe que tu tens 30 minutos para chegares a Bissau, ao HM 241, para a equipa dos cuidados intensivos te salvarem!... 

E foi isso que aconteceu... Em, Angola ou Moçambique o Marques teria morrido  à espera do helicóptero...

Marques, orgulho de te ter ajudado a salvar!... Ficaste com a perba mais curta, mas salvaste-te, ao fim de 17 dias em estado de coma!...E valeu a pena, porque eras (e és) um gajo decente, um camarada porreiro, um homem bom!... Parabéns por continuares vivo!... Luís
 
_____________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 28 de dezembro de 2023> Guiné 61/74 - P25011: Efemérides (424): Há dois anos que partiu o nosso amigo e camarada Jorge Cabral (1944-2021) (Paulo Santiago, Águeda)


(**) Vd. postes de:

13 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22903: Efemérides (361): À uma e meia da tarde, à saída do reordenamento de Nhabijões... Em 13 de janeiro de 1971... Quando o teu relógio parou... (Luís Graça)

24 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20091: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (13): Hoje faz anos, 73, o António Fernando Marques... Porque recordar é viver duas vezes, e blogar é três... Relembramos o fatídico dia, 13/1/1971, em que o PAIGC nos quis mandar para os anjinhos... O meu querido Marquês, sem acento circunflexo, tem filhos, netos, amigos e camaradas que o adoram... E o Mário Mendes, morto de morte matada 16 meses depois... será que alguém ainda o recorda na sua terra natal? (Luís Graça)

14 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12583: Manuscrito(s) (Luís Graça) (17): À uma e meia da tarde quando o relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, no dia 13 de janeiro de 1971... Homenagem a um grande sobrevivente, António Marques

11 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12139: A minha CCAÇ 12 (29): 1 morto e 6 feridos graves em duas minas A/C, no reordenamento de Nhabijões, Bambadinca, em 13/1/1971, aos 20 meses de comissão (Luís Graça)

Vd. também poste de:

terça-feira, 7 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17113: O nosso blogue em números (41): O Jorge Araújo registou ontem, dia 6, às 11h11, o nº 7777777 no nosso contador de visualizações: uma capicua perfeita e irrepetível... Na próxima (77777777), daqui a 7 décadas já estaremos todos/as a dormir o sono dos justos... Os heróis, poucos, esses terão um lugar especial no Olimpo...


Imagem do contador do nosso blogue, com a situaçãpo de ontem, às 11h11. 
Fonte: Jorge Araújo (2017)



I. Mensagem, com data de ontem, às 11h42, Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART  3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974), nosso grã-tabanqueiro e colaborador permanente:

Caro Luís,
Bom dia.

Acaso possa interessar, como elemento histórico e estatístico de visitas ao nosso blogue, anexo o registo obtido às 11h11 de hoje:

7777777.

Boa semana.
Um abraço,
Jorge Araújo.


II. Resposta do nosso editor:

Jorge, tens de jogar no Euromilhões!...

Essa, vou publicar... É uma capicua perfeita e absolutamente irrepetível... A próxima seria 77 milhões 777 mil e 777 visualizações... Ou seja, admitindo, na melhor das hipóteses que o número de visualizações cresce um milhão por ano, daqui a 7 décadas, lá para o final do séc. XXI... Nessa altura estaremos  todos a dormir o sono dos justos... e nalguns casos debaixo de água...

Agora a acrescenta mais 1,7 milhões, relativos ao período de 23/4/2004, início do blogue, a maio de 2010 (e não de 2014!, como por lapso  vinha indicado, uma "maldita gralha"  que "resistiu" ao nosso olho clínico)...  Temos assim 9,5 milhões de visualizações  no total... a caminho dos 10 milhões a atingir ainda este ano...

Como vais tu?... Eu há um mês como "jubiliado", mas a continuar a trabalhar para a Escola e a pensar que tenho todo o tempo do mundo... Uma treta, é uma ilusão... Continua a ser um bem precioso, único, o tempo!

Ab. fraterno.
Luis

PS - Passas, a partir de hoje, a ter o estatuto de colaborador permanente do nosso blogue....


Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: evolução do número de visualizações de página de 6/2/2017 a 7/3/2017, às 14h00. 

Fonte: Blogger (2017)


Resumo do mês:

Visualizações de páginas de hoje (até às 14h00) > 693

Visualizações de página de ontem  > 1851

Visualizações de páginas no último mês  (de 6/2/2017 a 6/3/2017/ > 57 128

Histórico total de visualizações de páginas  (desde maio de 2010) > 7 779 729

Seguidores  > 560



 III. Definição de "capicua"

ca·pi·cu·a
(catalão capicua, de cap, cabeça + i, e + cua, cauda)

substantivo feminino

1. Número que se lê igualmente da direita para a esquerda ou vice-versa e ao qual se atribui boa sorte (ex.: 1467641 é uma capicua).

2. [Jogos] Pedra que, no jogo do dominó, pode fazer dominó ou ganhar a partida, deslocando-a para um e outro lado.

"capicua", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/capicua [consultado em 07-03-2017].
_________________

Nota do editor:

Vd. últimos postes da série:

9 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16934: O nosso blogue em números (41): No final de 2016, atingíamos um total de 66 600 comentários (mais 5200 do que em 2015)... O número médio de comentários por poste é ligeiramente inferior a 4... Os nossos leitores continuam a vir ao blogue, a ler-nos e comentar-nos, não obstante o sistema, nada amigável, do Blogger, que filtra o SPAM

7 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16928: O nosso blogue em números (40): No final de 2016, atingimos um total de 9,3 milhões de visualizações... Quem nos visita, vem sobretudo de Portugal (41,9 %), EUA (24,9 %), Brasil (6,8 %), Alemanha (4,6 %) e França (4,3%)

5 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16922: O nosso blogue em números (39): Em 13 anos, de 23/4/2004 até ao final de 2016, publicámos 16890 postes, e a Tabanca Grande tem hoje 731 membros (51 dos quais falecidos)

quinta-feira, 5 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14324: Efemérides (182): 5 de março de 1973, Guileje: a morte de um herói, o alf mil Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, da CCAV 8350, natural de Torre de Moncorvo (Hélder Sousa / Manuel Reis)

Hélder Sousa, Bissau, c. 1970/72
1. Mensagem do nosso colaborador permanente, Hélder Sousaa, com data de 3 do corrente:

Caros camaradas Editores

Em anexo envio um texto em que pretendo recordar a efeméride da morte do Alf. Lourenço, para mim um verdadeiro herói, ocorrida em 5 de Março de 1973.


É, também, um apertado abraço público, solidário, ao Manuel Reis, amigo do malogrado Lourenço e a quem ainda hoje esta recordação 'mexe' profundamente.

Caso vejam que pode ser publicado, seria bom fazê-lo no dia 5 de Março.


Não tenho fotos a acompanhar mas penso que se pode usar a foto n.º13 do "P11908" do cooperante Carlos Afeito e uma foto do Manuel Reis.

Abraços

Hélder Sousa


2. Efemérides: recordando o dia 5 de março de 1973: Homenagem ao alf mil Victor Paulo Vasconcelos Lourenço... Ou quem é ou o que é um herói ?

por Hélder Sousa


Várias coisas me levaram a fazer este texto.

O factor mais recente foi uma homenagem prestada pelo nosso camarada Armando Faria às vítimas das minas em Cufar em 2 de Março de 1974. Mas já há muito que um outro acontecimento, ocorrido um pouco mais a sul mas cerca de um ano antes, concretamente em 5 de Março de 1973, me tinha impressionado e que várias vezes me assaltava à mente. Refiro-me à morte trágica do Alf. Mil. Lourenço, o último Alferes a morrer na Guiné, segundo uma listagem que já vi publicada, pertencente à CCAV 8350, “Piratas de Guileje”, e que foi uma das 9 baixas mortais que essa Companhia sofreu.

O seu nome foi recordado em placa colocada pelos seus camaradas, dando assim o nome de “Parada Alf. Lourenço” em sua homenagem àquele pedaço de chão, conforme se pode ver na foto n.º 13, da autoria de Carlos Afeitos, ex-cooperante na Guiné entre 2008 e 2012 e que se encontra no “P11908”.





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > c. 2011 > Memorial à CCAV 8350 (1972/1974) e ao alf mil Lourenço, morto por acidente em 5/3/1973.

De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica. Foi uma das 9 baixas mortais da companhia também por "Piratas de Guileje" e um dos 75 alferes que perdeu a vida no CTIG.

Foto:  © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados



Um outro factor foi a facilidade com que se denominam ‘heróis’. Hoje em dia, por tudo e por nada, e principalmente por questões relacionadas com o desporto, surgem ‘heróis’ como cogumelos. Pois muito bem, há actos relevantes que fazem com que determinadas pessoas se possam distinguir das demais? Tudo bem! Mas, ‘heróis’? Não serão heróis todos aqueles que no seu dia-a-dia lutam enfrentando as enormes dificuldades que a vida lhes (nos) oferece, para conseguirem ter, quantas vezes, o mínimo?

Às vezes, também, restringindo o ‘heroísmo’ a tempos e a acções de guerra, temos tendência para dar essa classificação a quem foi “muito bom a matar”, deixando de lado aqueles que, como eu entendo ser o caso deste Alferes Lourenço, que em vez de tirar deram literalmente a sua vida em prol de outros. Nos registos, a morte do nosso camarada Lourenço ocorreu por “acidente” e não “em combate”, sendo que isso, para o resultado final, não tem qualquer diferença.

A diferença está, isso sim, nas circunstâncias em que ocorreu.

Esse relato está colocado em comentário que o nosso camarada Manuel Reis publicou no acima referido “P11908” (*).  Em traços gerais, o que sucedeu foi que, aquando duma acção para (re)utilização duma picada entre Guileje e Mejo, verificou-se que num determinado local havia uma granada desarmadilhada mas não em segurança, o que o Alf. Lourenço se preparava para fazer, tendo ele dito ao Manuel Reis, que estava junto dele, que haviam duas em cada trilho e que já tinha colocada a primeira em segurança.

Subitamente a alavanca saltou e naquelas fracções de segundo a decisão que o malogrado Lourenço tomou foi a de proteger os seus camaradas que se encontravam próximos, oferecendo o seu corpo para ‘amortecer’ o impacto da deflagração tendo ficado, em consequência, ‘completamente esventrado’, como indicou o Manuel Reis.

O que o levou a tomar essa decisão? Tanto quanto nos apercebemos do relato do Reis, que se encontrava a um passo, havia mata cerrada na envolvente, havia o seu grupo de combate à frente a montar segurança, havia os capinadores e o Régulo atrás, pelo que atirar a granada para longe, fosse para onde fosse, essa tentativa provocaria, talvez, muito mais ‘estragos’. Mesmo com o seu gesto, para além da morte imediata do Lourenço, ainda se produziram 6 feridos evacuados para o Hospital, entre os quais o Régulo em estado grave.

Volto a interrogar-me: o que teria levado o Lourenço a decidir assim? O sentido da responsabilidade? O sentido do ‘peso’ do comando que determinou a necessidade de proteger os seus homens em detrimento da sua possível segurança? Como conseguiu, naquela fracção de segundo, decidir não seguir o ‘instinto de defesa’ e lançar a granada para longe? Será possível alguma vez responder a estas questões seriamente?

Será que classificar o gesto altruísta (e fatal) do Lourenço de “acto heróico” é injusto?

Para mim, não é injusto! É inteiramente merecido! Que mais poderia ter dado, para além da própria vida?

Por isso aqui deixo a minha comovida homenagem, neste dia do 42º aniversário do seu sacrifício, de modo a que a sua memória e a memória do seu gesto possam ser do conhecimento de mais gente. (**)

E também não quero deixar de dirigir umas palavras ao nosso camarada Manuel Augusto Reis, ‘amigo do peito’ do Lourenço, a quem a sua morte, em si mesma e nas circunstâncias referidas, muito abalou, naquele tempo e que ainda hoje fazem “doer”. Companheiros de quarto, confidentes, com cumplicidades cimentadas nos tempos da Universidade onde idealizavam um País mais igual, mais justo, mais solidário, no qual a guerra estivesse excluída, o Reis sabia da intenção do Lourenço casar quando viesse a Portugal (à Metrópole, como se dizia) nas próximas férias. Não veio!

Também calhou ao Manuel Reis a ingrata tarefa de reunir os haveres do Lourenço e tentar estabelecer o diálogo com a mãe dele, tendo ideia de que era filho único. Se relacionarem a data, Março de 73 e os nomes de Guileje e Gadamael (que, dizem, causam ‘cansaço’ a alguns) pode-se perceber que esses contactos através de cartas não seriam muito ‘eficazes’. Tanto quanto sei, as cartas da mãe eram de revolta e choro e que nunca chegou a ‘aceitar’ a morte do filho, pelo menos nesses tempos.

Portanto, na efeméride deste acontecimento, deixo aqui expresso o meu respeito e admiração no gesto heroico do Alferes Miliciano Víctor Paulo Vasconcelos Lourenço, natural de Torre de Moncorvo e sepultado na Caparica e também o meu abraço solidário ao sobrevivente Manuel Augusto Reis que, cumulativamente, é igualmente merecedor do meu enorme respeito pela forma cordata e paciente como tem ‘aguentado’ todas as odiosas ‘observações’ com que alguns ‘heróis de pacotilha’ o tentaram enlamear.

Honra ao Alferes Lourenço!

Um abraço para toda a Tabanca!

Hélder Sousa
Fur MilTransmissões TSF (Piche e Bissau e 1970/72)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > Abril de 1973 > CCAV 8350 (1972/73), Piratas de Guileje > O Alf Mil Reis junto ao monumento erigido à memória do Alf Lourenço, dos "Piratas de Guileje", morto em 5 de março de 1973, na explosão de uma armadilha. Segundo nos conta o J. Casimiro Carvalho, "um dia, o alferes Lourenço, a manusear uma granada duma armadilha , e rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, a mesma explodiu-lhe na mão, tendo-o morto instantaneamente. Ficou sem meia cabeça e o abdómen aberto. Eu, já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este praticamente partiu-se em dois… Que dor!... Chorei como nunca, e isto foi o prenúncio do que nos esperava".

Foto: © Manuel Reis (2009). Todos os direitos reservados

3. Comentário do Manuel Reis [ex-alf mil, CCAV 8350, Guileje, 1972/743] ao poste P11908 (*)


Então aí vai amigo Luís. Já a contei imensas vezes, talvez não o tenha feito no Blogue, e tão pormenorizada. Não vou ocultar qualquer facto, julguem-me como entenderem.

Lourenço era o meu melhor amigo e após a sua perda se tivesse por onde me furtar, em segurança, e com garantia da minha integridade física, adeus, Guiné.

Estava prevista a reabertura da estrada Guileje-Mejo, para posteriormente se reabrir um aquartelamento em Quebo, mais próximo do Cantanhez. A localização do possível aquartelamento já fora por nós visitado, num patrulhamento que Coutinho e Lima comandou. Nesse dia a sorte estava do nosso lado, quando exaustos, descuidámos a proteção. O PAIGC estava no local, mas nunca imaginou que pisássemos aquele terreno, controlado por eles. A maré do rio começou a encher e tivemos de regressar, sem qualquer percalço.

Por volta das 8 da noite, dia 4 de Março, o Lourenço recebe ordem para fazer proteção à reabertura da referida picada ( estava limitada a um pequeno trilho pela imensa mata que a ladeava) no dia 5 de Março, logo que a visibilidade o permitisse.

Como sempre fazíamos, dada a nossa grande intimidade, abordámos a situação da reabertura da estrada e concluímos que aquela picada brevemente se transformaria num campo de minas, o que se veio a concretizar.

Estava de serviço ao aquartelamento, colaborando na limpeza, ajuda na cozinha, recolha de água e qualquer outra tarefa, que se tornasse necessária.

Depois de orientado o serviço,  dei uma saltada à picada que estava a ser reaberta. O trabalho era feito pelos capinadores recrutados na população.

Constatámos os dois que os trabalhos tinham avançado imenso, a que era atribuído à presença, quase permanente, do Coutinho e Lima. Alertei-o para a granada, que estava desarmadilhada, mas não em segurança. Respondeu-me que sabia, cada trilho tinha duas e ele já colocara em segurança a primeira.

Depois de um pequeno bate papo solicitou-me que lhe pegasse na arma e que iria pôr a granada em segurança. Fumava um Português Suave (sem filtro  e pegou na granada para a colocar em segurança. A alavanca saltou e o Lourenço para proteger os outros ficou completamente esventrado.

A situação era complicada e o tempo escasso para decidir. Estava junto dele e o sexto sentido aconselhou-me que a que recuasse um passo (não havia espaço para mais) e me baixasse com a arma dele. Em frente tinha a mata cerrada e o risco de lhe cair junto aos pés era grande. Atirá-la para a frente era arriscado, encontrava-se o seu grupo de combate a montar a segurança. Atirá-la para trás era impensável, lá se encontravam os capinadores e o Régulo que já se encontrava a dois metros de distância de nós.

A situação resumiu-se à morte imediata do Lourenço e à evacuação, para o hospital de 6 capinadores e do Régulo, este em estado grave.

Não cheguei a ver o estado do Lourenço, era fácil deduzir como se encontrava. Fiquei em estado de choque e refugiei-me na messe dos Sargentos.

Com o Lourenço partiu metade de mim. Para agravar todo este estado anímico, nessa hora, fomos visitados por camaradas sediados em Bissau que vinham planificar as obras a realizar no aquartelamento e que acabaram por me melindrar por me encontrarem num estado debilitado e em sofrimento.

Obrigado,  Amigo. Descansa em Paz. Não esquecerei a data trágica de 5 de Março e recordar-te-ei para sempre.

Manuel Reis

_____________________

Notas do editor:

(*) 6 de agosto de  2013 > Guiné 63/74 - P11908: Memória dos lugares (243): Núcleo Museológico Memória de Guileje - Parte II (Carlos Afeitos, ex-cooperante, 2008/2012)

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11985: Bom ou mau tempo na bolanha (29): Herói Combatente (Tony Borié)

Vigésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



A avioneta do furriel Honório, o “Pardal”, como era conhecido no aquartelamento, sobrevoou a tal mangueira, árvore de grande porte que existia no aquartelamento, que por uns metros sobreviveu ao arame farpado, pois os postes de cimento passaram junto a ela, enquanto que algumas gaiolas de macacos e periquitos foram desviadas para o outro lado da árvore, fazia os animais fazerem algum barulho, tal como se fosse o carteiro, a tocar a corneta da sua bicicleta, quando andava na distribuição, na aldeia do vale do Ninho d’Águia, de onde o Cifra era oriundo, e era sinal que lá vinha correio. Passado pouco tempo havia a sua distribuição, e desta vez, vinham duas cartas para o Cifra, uma dos primos de Lisboa e outra da mãe Joana, onde dizia mais ou menos, depois de desejar muitos beijinhos e xi-corações, que estivesse bem, e todas aquelas coisas que as mães sempre desejavam:

“Olha, o senhor Manuel Manco, que vivia no mato, naquela casa sozinha, quase a seguir ao caminho para o Gravanço, morreu, foi encontrado morto, coitadinho, tão boa pessoa...”, e depois explicava mais alguns pormenores.

Então o Cifra fechou por momentos os olhos, lembrando-se do senhor Manuel, que devia de ter outro sobrenome, mas era conhecido por Manuel Manco, porque tinha só uma perna. Tinha sido casado, a esposa morreu com a doença do “tifo”, e tinha uma filha que foi “casada de encomenda” para o Brasil.
O povo dizia “casada de encomenda”, que era quando um português, “muito rico”, lá no Brasil, que andasse muito ocupado na “roça”, na “xácra”, no “açougue”, na “padaria”, no “botequim”, na “birosca” ou no “boteco”, mandava uma carta, normalmente ao senhor Regedor ou a Vossa Reverência, o senhor Abade da freguesia, a pedir esposa que soubesse cozinhar, lavar e engomar, que fosse donzela, estivesse vacinada e que fosse boa parideira.
Continuando, essa filha, foi para o Brasil e nunca deu sinal de si. O senhor Manuel Manco era um sobrevivente de guerra, pois fez parte do Corpo Expedicionário Português que esteve presente na Frente de Flandres, onde muitos militares portugueses foram mártires.

Havia um dia no ano em que vinham buscá-lo num automóvel preto, que tinha uma placa na frente, quase junto à manivela que o fazia começar a trabalhar, que dizia, “Propriedade do Estado”, e que parava quase junto à casa onde vivia o Cifra, que nessa altura era o Tó d’Agar, lá na sua aldeia do vale do Ninho d’Águia, vindo buscá-lo ao seu casebre, trazendo-o ao colo até ao carro, indo em seguida para a vila, com três ou quatro medalhas no peito, sobre um fato velho e preto, com um chapéu de aba larga, e um sapato, também preto no pé, que às vezes era o do outro pé, da perna que lhe tinham cortado.
Iam exibi-lo, ou seja mostrá-lo, como exemplo de coragem e bravura do Estado Novo, davam-lhe de comer, do bom e do melhor naquele dia, tiravam-lhe fotografias, de diversos ângulos, mostrando as medalhas, e onde aparecia, quase sempre a sorrir, mas em segundo plano, pois na frente e em grande plano, eram as caras rosadas e gordas das pessoas importantes da vila.

Ao fim da tarde vinha o motorista, que era o “Zica”, que dava sempre cinco tostões ao Tó d’Agar, por segurar na porta do carro, enquanto carregava o senhor Manuel Manco para fora do carro, e o ia “despejar” no seu casebre, dizendo:
- Até ao ano, Ti Manel

Durante o ano devia comer o que arranjava e das esmolas que a mãe Joana e as vizinhas lhe levavam. Elas lavavam-lhe também os trapos da sua roupa. Deslocava-se de um lado para o outro, à volta do seu casebre, com a ajuda de um pau que arranjou algures, parecendo-se com uma muleta. Tinha uma pequena horta e uma “arma de caça”, das pequenas de carregar pela boca, que usava para se defender dos lobos, que naquele tempo por lá havia, e também para matar coelhos. Diziam que tinha uma grande pontaria, pois tinha sido um COMBATENTE.

Na boca do povo, era um herói COMBATENTE, da Primeira Grande Guerra, cheio de medalhas, que tinha estado ainda jovem, com saúde e as suas duas pernas, num cenário de guerra, defendendo a sua bandeira e a sua Pátria, mas que agora vivia sozinho, arrastando-se só com uma perna.
Morreu sozinho, quase abandonado!

O Cifra, acredita que já viu este cenário, em tempos recentes, mas deve de estar confundido.

Ah..., deve de estar mesmo confundido, pois já não tem idade e não tem a companhia do furriel miliciano para fumar um cigarro feito à mão!

Tony Borie,
Setembro de 2011.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11962: Bom ou mau tempo na bolanha (28): O José que já foi "Arroz com pão" (Toni Borié)

domingo, 16 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10391: (Ex)citações (195): Considero que todos os ex-combatentes do ultramar são Heróis (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), com data de hoje 16 de Setembro de 2012, a propósito do livro "Heróis do Ultramar", de autoria do jornalista Nuno Castro, divulgado no poste P10389:

Camaradas e amigos ex-combatentes
Aqui me encontro de novo a comentar algo com que estou em desacordo.

Ao ler hoje no nosso blog o pedido de divulgaçao do livro escrito por Nuno Castro, com o titulo heróis do ultramar que escrevo com letra minúscula de propósito porque me repugna o título e não penso lê-lo.

No pouco que li escrito pela sra Maria Teresa Almeida que pede a sua divulgação, e que conste que isto não é nada contra a senhora mas sim pelo que escreve, nem sequer pela sua divulgação pelo nosso blog, pois tudo o que se escreve merece ser divulgado, mas sim porque eu com a minha fraca opnião considero que todos os ex-combatentes do ultramar são HERÓIS e passo a explicar.

Para mim todos são heróis todos aqueles que saídos do seu ambiente familiar e levados para uma guerra de interesses e que não sabiam se voltariam a ver os seus entes queridos (pais, esposas, filhos, oitros familiares) como aconteceu com milhares dos nossos camaradas.

Todos aqueles que carregaram com seus camaradas às costas, uns mortos outros feridos; todos os que tiveram que cavar seus abrigos; os que carregaram água para nos banharmos; os que foram apanhar lenha para que se cozinhar; os que rotos e sujos tiveram que trabalhar a abrir as picadas para nos movimentarmos; os que carregaram material de guerra para nos defendermos, às vezes exaustos de dor pelo peso; os que dormiram em qualquer lado menos numa cama; os que molhados de barro e água, cansados e tinham que caminhar (recordo-me do título de um filme que é caminha ou rebenta); os que tinham que trabalhar fora dia e noite para que ao outro dia estivesse operacional um camião ou qualquer outro meio de transporte para sair; os que muitas vezes doentes tiveram que sair para qualquer missão e se calavam para serem solidários com os camaradas ou porque pensavam: - com o aspecto que tenho não me vão fazer prisioneiro, mas estava verdadeiramente e a sua honra e coragem era heróica; os que para salvar um camarada da morte, como os médicos e os enfermeiros, sem meios, tiveram que fazer intervenções cirúrgicas em qualquer lado no mato e muitas vezes correndo perigo da sua própria vida; os jovens oficiais e sargentos que tão jovens como nós, nos tinham que conduzir e muitas vezes corrigir; também os que se destacaram na frente de combate aos que se referem no citado livro, todos foram heróis por isso discordo do titulo que ressalta uns quantos.


2. Comentário de CV:

Caro camarada António.
Não pondo em causa a justeza da tua apreciação, apenas venho esclarecer-te do seguinte:

A senhora D. Maria Teresa Almeida, funcionária da Liga dos Combatentes e senhora que dedicou toda a sua vida ao serviço do combatentes do ultramar, e nos considera a todos de igual modo quer nos conheça quer não, apenas pediu para divulgar o livro já que nele eram entrevistados camaradas da nossa tertúlia. Eu, que editei o poste, é que pesquisei na internete a sinopse do livro assim como a sua capa. Se lesses bem verias lá a indicação da sua procedência, no caso o site da Fnac.

Não ires ler o livro é uma opção pessoal que se respeita, mas não pode ser baseada nos argumentos que referes. Julgo que as entrevistas são uma amostragem, que foram ouvidos aqueles militares como poderiam ter sido outros quaiquer, dos tais que tu muito bem referes e que como milhares e milhares de camaradas (eu e tu incluídos) serão verdadeiros HERÓIS anónimos que nunca constarão da História.

Muito obrigado pela tua opinião que, como vês, mereceu a nossa melhor atenção.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10371: (Ex)citações (194): O então cap mil Jorge Saraiva Parracho foi o meu primeiro comandante de companhia, a CCAÇ 462, em Chaves e em Ingoré, 1963/64 (José Marques Ferreira)

sábado, 15 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7617: Blogpoesia (108): HERÓIS e heróis (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  13 de Janeiro de 2011:

Carlos,
Com um grande abraço de amizade, envio daqui mais umas cinco sextilhas subordinadas ao tempo acima referenciado.


HERÓIS e "heróis"

A todos, "camarigos" meus, guinéus,
aos vivos e aos mortos lá nos céus(?)
HERÓIS que fostes, sempre tão sofridos...
Aqui vos agradeço a amizade,
Se a uns evoco só como saudade,
abraço os outros pelos tempos idos...

Mandantes e mandados fomos todos,
sob outros mandos, muitos, sempre a rodos,
em guerra desse nome só p`ra alguns...
Proporcionalidade inversa aos p`rigos,
tem o militar posto ante inimigos,
de capitão p`ra cima, são nenhuns...

E capitães, insisto, milicianos,
que os outros nessa guerra eram "paisanos"
perdidos entre REPS de Bissau...
Nas guerras de alecrim e manjerona,
dos pionais, marcando zona a zona,
na capital havia a dar com pau...

No mato, onde elas cantam é que contam,
soldados, carne e osso, se amedrontam
perante a emboscada ou flagelação...
No ar condicionado, os soldadinhos,
de chumbo tal qual lindos brinquedinhos,
"heróis" os manuseiam, pois então...
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7613: Blogpoesia (107): A liberdade é inata no poeta (Manuel Maia)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7436: Recortes de Imprensa (37): Heróis do mar, de Joaquim Magalhães de Castro em Fugas/Público (Joaquim Mexia Alves)

1. Em mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 13 de Dezembro de 2010:

Caros camarigos:

Somos,  muitas vezes, muito lestos a dizer mal de nós próprios e sobretudo da nossa saga marítima e da nossa presença pelo mundo fora.

E depois... depois somos surpreendidos, porque afinal não fomos a maldade, (o que não quer dizer que não tivéssemos feito algumas), quando acontecem factos com os descritos no artigo em anexo.

Vemo-nos chegar a tantos sítios por onde andámos e sermos recebidos de braços abertos, mas insistimos sempre, (alguns de nós Portugueses), em fazer da nossa História um rol de de malvadez e ignomínia.

Ao fim de tantos anos, de tantas centenas de anos, pelos vistos na maior parte dos casos, para as populações, verdadeiramente populações, desses países, ainda somos uma boa recordação, uma boa referência.

Fica ao vosso dispôr para publicação se assim o entenderem.

Um abraço forte e camarigo do
Joaquim

Um Português sem dúvidas em o ser!


Navio-Escola Sagres > Foto da Marinha Portuguesa, com a devida vénia


Vd. o sítio RTP > Sagres para acompanhar a 3ª viagem de circum-navegação da Sagres que termina em Lisboa a 23 de Dezembro de 2010, 11 meses depois.


O plano detalhado da viagem de 2010 pode ser consultado no sítio da Marinha > Sagres


Recorte do suplemento Fugas do Jornal Público
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7418: Memória dos lugares (115): As colunas logísticas ao Xitole e Saltinho no tempo do Paulo Santiago (1970/72) e do Joaquim Mexia Alves (1971/73)

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7403: Recortes de Imprensa (36): Gandembel/Balana, com o Hugo Guerra (Pel Caç Nat 55) e o João Barge (CCAÇ 2317)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7361: Contraponto (Alberto Branquinho) (19): Já que se falou de heróis

1. Em mensagem de 28 de Novembro de 2010, Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais um Contraponto:

CONTRAPONTO (19)

JÁ QUE SE FALOU DE HERÓIS…

1 – Herói, herói…
Mas, afinal, o que é um herói?
Eu próprio, passando por Bissau, fui chamado “herói” pelo pessoal do “ar condicionado” e não me senti nada bem. Já contei isso aqui, há uns tempos.

O Dicionário Francisco Torrinha, da Livraria Simões Lopes/Porto, edição dos anos 40 do século passado, define herói do seguinte modo (deixando de lado os heróis mitológicos, semideuses e afins):
«Homem extraordinário pelas suas proezas guerreiras;…………………………….».

O Dicionário Porto Editora apresenta a seguinte definição:
«Homem ilustre por feitos guerreiros ou de grande coragem;………………………….».

Finalmente o Dicionário HOUAISS (para que não se diga que não falei de “bossa nova”) caracteriza o herói do seguinte modo:
«1 …………;2…………..; 3 indivíduo notabilizado pelos seus feitos guerreiros, a sua coragem, tenacidade, abnegação, magnanimidade, etc. 4…….5……,6…….7…..8…..
9 indivíduo que desperta enorme admiração; ídolo………………………………….».


Portanto, é isto mesmo que todos temos em mente quando falamos de heróis, não interessando se esses feitos, proezas, etc. foram praticados em terra, no mar ou no ar, que é como quem diz por militares do Exército, da Marinha ou da Força Aérea.

2 - Mas, ao pensar exactamente nisso, surgiu-me a dúvida sobre se, no ideário (e imaginário) português, o conceito de herói é entendido como aplicável também aos que se destacaram ao serviço da Força Aérea. Ora, vejamos.

3 – Camões, n’”Os Lusíadas”, não inclui no conceito de herói, salvo melhor opinião, qualquer homem do Exército. Enaltece somente os feitos marítimos, a Marinha. Claro que não poderia ter cantado os feitos da Força Aérea, porque ela não existia ainda.
Tomemos como exemplo a terceira estância, logo no início do “Canto Primeiro”, quando Camões explica a obra a que se vai abalançar:

«…………………………………………………
………………………………………………….
………………………………………………….
………………………………………………….
Que eu canto o peito ilustre Lusitano
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
………………………………………................
………………………………………………..».


Note-se: os feitos do Portugueses nos mares foram tais que até Neptuno (deus do mar) lhes obedeceu. Não interessa, portanto, fazer especial menção aos humanos inimigos da armada Portuguesa (digamos, a Marinha).

- E Marte? - perguntarão. - O Deus da guerra também é referido por Camões.

Pois é. Mas, na minha interpretação, a referência que Camões faz à obediência prestada por Marte aos Portugueses, deve ser entendida como numa relação directa com Neptuno, portanto à guerra conduzida nos mares. No entanto, dou de barato que seja, também, uma referência às guerras apeadas feitas pelos Portugueses. Seja, portanto, uma menção aos feitos heróicos do Exército, na medida em que Marte é sempre representado com os pés assentes na terra e não embarcado.

Muito bem.
“Siga a Marinha!”

4 – Mas lembremos, agora, a letra do Hino Nacional. Há nela alguma referência à Força Aérea?
Duas passagens são de realçar:

(i) A Marinha em primeiro lugar: «Heróis do mar…»;

(ii) E uma passagem mais adiante:
«Às armas, às armas
Sobre a terra e sobre o mar
. …………………
»

Note-se: Exército e Marinha somente.
Onde está a referência (implícita que seja) à Força Aérea? Não há!

QUESTÕES:

– Será que para o ideário (e o imaginário) Português não há mesmo heróis da Força Aérea?

– Não deveria a Força Aérea constituir-se em “lobby” para conseguir que seja alterada a letra do Hino Nacional, de modo a fazer referência expressa aos seus heróis?


ANTES QUE OS ELEMENTOS DA FORÇA AÉREA COMECEM A LARGAR BOMBAS, vamos lá repor a verdade histórica e falar de uma curiosidade Portuense:

1 – “A Portuguesa”, apesar de muito anterior a 1910, só foi adoptada como Hino Nacional a seguir à implantação da República;

2 – A aviação só começou a ser Aviação já na parte final da Guerra 1914/18,

Portanto, a letra d’“A Portuguesa” nunca poderia conter qualquer referência à Aviação, então incipiente e não imaginada, então, como instrumento de combate e muito menos em Portugal.

3 – O feito de Gago Coutinho e de Sacadura Cabral no início dos anos 20 do século passado (que teve um grande impacto popular) está assinalado através de um bonito painel desses tempos (em bronze?) no “hall” da Estação de São Bento, no Porto.

Terá sido colocada numa construção destinada a albergar transporte ferroviário por não existir uma estrutura aeroportuária? Ou a razão foi outra?

Alberto Branquinho
__________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7288: Contraponto (Alberto Branquinho) (18): Regresso

Aqui fica a letra (completa) de "A Portuguesa", de autoria de Henrique Lopes de Mendonça.
O autor da música foi Alfredo Keil


Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Ó Pátria sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!

Desfralda a invicta Bandeira,
À luz viva do teu céu!
Brade a Europa à terra inteira:
Portugal não pereceu
Beija o solo teu jucundo
O Oceano, a rugir d'amor,
E teu braço vencedor
Deu mundos novos ao Mundo!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!

Saudai o Sol que desponta
Sobre um ridente porvir;
Seja o eco de uma afronta
O sinal do ressurgir.
Raios dessa aurora forte
São como beijos de mãe,
Que nos guardam, nos sustêm,
Contra as injúrias da sorte.

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!


Fonte: http://natura.di.uminho.pt/~jj/musica/html/portuguesa.html

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7251: Estórias cabralianas (64): O Avô, o Neto e os Heróis (Jorge Cabral)

1. Mensagem que recebemos do Instituto de Criminologia onde trabalha um tal Jorge Cabral que invoca o seu direito à blogoterapia por, noutra encarnação, ter sido alferes de 1ª linha no teatro de operações da Guiné durante a chamada guerra do Ultramar, no século passado


Queridos Amigos:

Agradeço aos Editores mas também a Todos que me brindaram com Votos de Parabéns, por aqui e através das várias redes sociais, do correio electrónico, e do telemóvel.
Muito Obrigado!

Já agora e a propósito de Avós, Netos e Heróis, aí vai "estória".
Abraço todos os Membros da Tabanca.

Jorge Cabral

2. Estórias cabralianas: O Avô, o Neto e os Heróis
por Jorge Cabral (*)


Mais um dia. Lá vou eu entalado entre os anafados peitos de uma dama e a gravata de um cavalheiro, que hoje fez greve ao chuveiro. O Metro segue cheio, mas há sempre lugar para mais um. Na Estação do Saldanha, é invadido por uma excursão de meninos, com a Mestra à frente (bem jeitosa, por sinal). São barulhentos os putos… e eis que um, apontando para mim, grita:
– Aquele ali, é da raça do meu Avô, é um Senhor Herói!.


Raça do Avô? Herói? Sinto centenas de olhares. Encolho-me. Quase desapareço. Disfarço. Peço desculpa à Dama, que diz que não faz mal (benefício de Herói… talvez). Apresso-me a sair. Só no Marquês, começo a pensar. Já sei, o puto é neto do Silva, meu cozinheiro em Missirá. Foi há dois anos, que o encontrei no seu estabelecimento. O Silva vende frangos.


Homem de poucas letras mas de muito coração, levou-me a casa dele e conheci o neto. Estivemos a ver fotografias daqueles tempos e o miúdo queria saber tudo. A certa altura, perguntou-me:
– O meu Avô foi Herói?
– Claro que sim! Todos os que aí estão, foram e ainda são Heróis!  – respondi.


Fiz mal? Enganei o Puto?  Penso que não. Todos os Avós são Heróis. Assim os Netos os considerem…


Jorge Cabral


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Nota de L.G.:


Último poste desta série > 14 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6851: Estórias cabralianas (63): As Sereias do Rio Geba... ou a violência doméstica subaquática (Jorge Cabral)...
 
(...) Foi na Guiné que aprendi a contar estórias às Crianças. Comecei lá e nunca mais parei. Ainda ontem conheci uma Menina. Disse-me que tem um gato e eu falei-lhe das minhas duas moscas, uma de cama, coitada, cheia de febre… Em Missirá, na Escola, comecei com a Branca de Neve e os 7 Anões, mas logo desisti. (...)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6863: (Ex)citações (94): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 16 de Agosto de 2010:

Carlos, [...]

Já vi que saiu o último texto do José Dinis**.

Eu havia escrito hoje de manhã um texto a propósito do dele, mas de facto, mais sobre o do Carlos Geraldes.
Segue como o acabei agora mesmo se sequer uma leitura de revisão, como faço aqui quase sempre porque penso que o coração tem muito a ver com a nossa relação no blogue.
Se achares que tem qualidade, publica.

Um forte abraço
José Brás


Camaradas
Recebi do José Dinis uma mensagem com pluri-destinada, em que ele faz uma análise ao poste 6854, do camarada Carlos Geraldes com título comprido que não repito.
Não comento, nem o poste do Carlos Geraldes (pelo menos directamente), nem o texto-comentário do José Dinis.

O que me traz aqui, de novo a um tema que não morreu nem morrerá agora só porque, com razão se diz, já muito debatido, o que me leva a juntar mais este rol de palavras, é o facto de, no texto do JD aparecer referida uma referência (sic) do texto do CG ao meu livro "Vindimas no Capim".

Já havia lido o poste 6854 e mesmo que aligeiradamente, formado sobre ele a minha opinião, não me parecendo de perder com ele mais tempo que a sua leitura.
Depois de ler o escrito analítico do JD, e de ter descoberto a tal referência à referência, voltei ao blogue no propósito de descobrir o que não havia descoberto antes, isto é, a tal referência.

Li, reli... e confesso que fiquei na mesma.

Terá de ser tomado como referência ao "Vindimas...." O uso de um ou outro termo isolado e sem o enquadramento, político, ideológico, histórico ou simplesmente moral que formatou o meu livro no José Brás que era então e que, sem qualquer tipo de preconceito nem temor, digo que, sendo hoje o mesmo, é também diferente do que era, caldeado nos trambolhões que sempre a vida nos arma.

Devo, neste lugar do que escrevo, dizer que desde que me conheço capaz de pensar, nunca alinhei nesta ideia simplista do CG, ou para me redescobrir pensando assim, terei de recuar aos meus quinze, dezasseis, quando refilava com meu pai e lhe dizia que, sendo os ricos o mal do mundo, era necessário que morressem todos.

E nem sinto qualquer necessidade de dizer que concordo com a afirmação sobre crimes que teremos cometido em toda a nossa história, a maioria cá dentro e sobre o nosso próprio povo, e muitos fora, no desejo de sair de nós, de vencermos um mar que nos emparedava tão perto da outra fronteira, de buscarmos caminhos novos para chegar a mundos de sabíamos já a existência, e, certamente, não para lhes levar apenas a cruz mas, sobretudo, a espada; não para lhe oferecermos riquezas que não tínhamos mas, sobretudo, sacarmos as que adivinhávamos que tinham.

E nesse frenesim, nessa ousadia, nesse sofrimento, matando e matando-nos a nós próprios para renascermos depois, acabámos por dar ao mundo um inigualável contributo que geraram mudanças globais espantosas em todas as áreas do humano viver, e, em especial, a possibilidade de sair do homem medieval para o homem da renascença.

O nosso contributo permitiu aos países desenvolvidos da Europa, a acumulação dos capitais necessários ao advento da revolução industrial e do capitalismo.

Mesmo a propósito, a palavra capitalismo.

Peguemos nela, abramos as portas e as janelas do edifício que se gera no acto de a pronunciar pensando fundo e largo, achemos-lhe todos os crimes em seu nome cometidos desde que nasceu, e vejamos se não lhe achamos também virtudes na história do caminhar humano.

Podemos ver as imagens que Marx nos deu nos seus escritos sobre os milhões de seres humanos deslocados do feudalismo rural para a porta das fábricas de um mundo novo. Podemos vê-los mão de obra barata e disponível, mais miserável ainda do que era nos seus campos, alimentando o enriquecimento dos patrões mas também a explosão industrial e, até, um pensamento operário inexistente até então.

Só a ganância dos patrões pôde responder às questões novas, postas pela maquinaria à disposição da criação de novas formas de riqueza, de objectos de consumo, de um novo comércio, de novas formas de trabalhar a terra e mesmo de organização das sociedades.

Não me passa pela cabeça, com esta distância e julgando saber o que sei, condenar às penas do inferno esse tempo de exploração do homem, sem meter no saco todos os benefícios que me trouxe e sem a consideração da sua inevitabilidade na dialéctica do negativo/positivo.

Como, então, iria eu negar a espantosa odisseia dos navegadores e dos guerreiros portugueses que, na ganância dos seus maiores, e, digamos mesmo sem medo da palavra, dos seus desígnios, acometeram outras terras e outras gentes, impondo cultura nova ou nem isso, apenas no desejo e na necessidade de cevar riqueza nos recursos estranhos, riqueza que, provavelmente sem saberem, iria das condições ao mundo para novo salto?

Quer dizer que concordo eu com as sevícias, com os massacres, com o saque?

Nem pensar, meus camaradas, nem pensar.

Quer dizer que me desdigo do que disse no "Vindimas no Capim", sobre a exploração brutal dos rurais pobres por uma burguesia gananciosa e endinheirada, donos de terras ou de comércios espúrios?

Nem pensar, meus camaradas, nem pensar.

Quer dizer que me desdigo sobre o que disse do direito dos povos das colónias à sublevação e à guerra pela posse da terra que, na verdade sempre tinha sido sua?

Nem pensar, meus camaradas, nem pensar.

Do "Vindimas..." não retiro nem uma palavra das que lá estão, pese embora que eu próprio, às vezes leitor delas, discorde de algumas, numa análise à estética que toda a ideologia tem, dinâmica como não poderia deixar de ser.

Há uma coisa de que sempre discordei e sempre discordarei sem apelo nem agravo.
A ocupação das parcelas que detínhamos em África ultrapassou em muito o seu tempo histórico, moral e ideológico, fechada num conceito velho, tosco e mau, que mais valor dava ao simbolismo dos cantados heróis da raça e à ferramenta da cruz, do que às reais conveniências do seu próprio País no quadro das posturas novas da humanidade.

Dessa teima, colhemos todos nós o sofrimento e a contradição de lutarmos contra quem não odiávamos, e disso é prova, sim, a atitude e a postura geral dos nossos combatentes de quem ninguém poderá dizer com justiça, as coisas horríveis que se ouvem de outros, pese embora reconhecer um ou outro excesso cometido.

Daí que, ao contrário do que aconteceu com outros processos de descolonização, o abraço tenha sido e continue a ser possível.

Sempre pensei que daria a vida se alguém quisesse ocupar-me a casa ou o País.

Desgraçadamente, vivo num País ocupado pela ideologia do mercado e pelo capital financeiro que os donos do mundo acumularam e usam como mortífera arma, e contra essa ocupação não posso nada, nem tenho fisga ou espingarda.

Abraços
José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6833: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (23): José Brás, há muitos anos, elemento activo do Grupo de Forcados de Vila Franca

(**) Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6861: (Ex)citações (92): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6862: (Ex)citações (93): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (António J. Pereira da Costa)

Guiné 63/74 - P6862: (Ex)citações (93): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (António J. Pereira da Costa)

1. Mensagem de António José Pereira da Costa*, Coronel Art na reserva, na efectividade de serviço, que foi comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, com data de 16 de Agosto de 2010:

Caro Camarada
Se ainda for a tempo, quero deixar um comentário para o Carlos Geraldes**.

Primeiro quero recordar que as revoltas e as revoluções não se improvisam nem surgem por geração espontânea ou por loucura súbita dos povos.

Creio que já lembrei que nos 20 anos anteriores à chegada do Teixeira Pinto houve 12 sublevações das populações da Guiné. Em 1924 creio que terá a última em grande antes do Pidjiguiti.

Claro que as actuações condenáveis (escravatura, roubos, devastações, etc.) começaram logo à chegada, como ele diz. Mesmo vistas no contexto do tempo não podem deixar de criar e acumular revolta nas populações locais. A tensão foi-se acumulando e depois... o resto já sabemos.

Foi mais um caso de nascimento de uma nação, como já afirmei no meu último poste.

A reacção das nossas autoridades foi a que sabemos e a nossa também. Recordo que a nossa atitude foi-se alterando ao longo da guerra que durou 13 anos. O ânimo e a "mentalização" (aceitação activa da necessidade de combater) foi diminuindo ao longo dos anos. Como acabaria não sei.
Creio, por isso que o Geraldes não foge à verdade pelo menos até ao 4.º parágrafo.

Depois...
Depois cada caso é um caso. Mas eu não creio que a generalidade de nós tenha o perfil que ele desenha.

Não o terá tido no passado e não o será na actualidade. Não creio mesmo que "os mais selvagens entre 1000" tivessem sido tantos e não tenham sido "repreendidos" pelos outros (nós todos). Relembro que nas unidades operacionais a grande maioria eram cidadãos fardados.
Claro que cada bala pode matar um chefe-de-família, uma mãe, uma criança, mas isso faz parte da guerra.

Contaram-me que, em Cacine, antes de eu chegar, um dia uma das primeiras companhias que por lá passou foi atacada com armas pesadas e o 1.º Sargento, depois do ataque, gritava e chorava com a perna de uma criança na mão:

- Podia ser a minha filha!... Podia ser a minha filha!

Eu próprio ainda por lá encontrei um miúdo - um "português suave" - o Manel que, na sua cor de café com leite e cabelo quase liso e semi-louro, tinha a cabeça descascada com pequenos estilhaços.

Um Alfa Bravo do
António Costa
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6805: Controvérsias (99): O que é que o País pode dar aos ex-combatentes? (António J. Pereira da Costa)

(**) Vd. poste de 15 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6854: Questões politicamente (in)correctas (40): A guerra colonial: todos querem ser heróis! (Carlos Geraldes)

Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6861: (Ex)citações (92): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P6861: (Ex)citações (92): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), dirigida ao nosso Blogue em 16 de Agosto de 2010:

Camaradas
Cito: "Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?" (Do poema em Linha Recta de Álvaro de Campos).

Imagino que uma boa parte do pessoal já atingiu a idade do condor (do sexo com dor), mas a razão ainda nos vai escapando. Somos uns emotivos, por isso, reagimos emotivamente, dando pouca, muito pouca atenção aos conteúdos. Neste caso, posso dizer, o bombo saiu à rua. Mas a malhar nele não se faz música. O bombo também obedece a regras musicais, ou abafa os restantes instrumentos e fere-nos o ouvido.

Vamos a detalhes:

1 - Logo no começo refere-se: "E nem se lembram de que tudo foi uma mentira, com mais de quinhentos anos". Penso eu, que se refere a eventual manipulação de factos históricos, filtrando os motivos de vergonha, para exaltar e despertar qualidades do génio lusitano, pois acrescenta a seguir: "Desde tempos imemoriais... quem tinha a força tinha o direito". Assim, à moda do Bush quando mandou invadir o Iraque.

Posso concordar. De facto, todos sabemos que a nossa instrução primária, e os subsequentes estudos secundários, obedeciam a programas aprovados pelo regime, logo, em consonância com o discurso oficial, frequentemente capcioso. E essa foi a nossa cartilha. Foi nesse tempo que aprendemos a odiar os espanhóis. Foi nesse tempo que nos fizeram aceitar as ideias de unidade territorial e de Pátria. Ideias, que, ainda hoje, são determinantes ou condicionantes para os nossos comportamentos. Estranhamente, quando foi a nossa geração a apadrinhar a democracia (às vezes bárbara democracia) que resultou do 25 de Abril.

Quantos daqueles milhares do 1.º de Maio estavam politicamente esclarecidos? Quantos saneamentos levados a cabo por trabalhadores, não lhes serviram de trampolim para benefícios próprios? Refiro-me a contradições da nossa geração, a experiências que denotam insuficiência cívica. Será que hoje já estamos convenientemente formados, com maturidade, sentido do rigor, da ordem, da justiça e não pactuamos com aventureirismos?

2 - Segue-se o 2.º parágrafo que parece suscitar a grande confusão: "quando lá chegavam com as G3 em riste..."

Bem, não se pode tomar a nuvem por Juno, mas lá que houve excessos... houve. E o governo cristão, e a civilização cristã, chegaram a homenagear e condecorar alguns "heroísmos revanchistas". Até hoje parece que os aceitamos como bons, pois a Pátria, no conjunto do seu Povo, ou representada pelos eleitos do Povo, ainda não veio dizer que exagerámos, e que o antigo regime, por isso, deu cobertura a injustiças. Garanto-vos que na África sob jurisdição portuguesa, até aos anos cinquenta do século passado, praticou-se o esclavagismo (vide Norton de Matos - Biografia, Bertrand Editora).

Argumenta-se com o terrorismo, como se os portugueses, em 1640, tivessem tido um comportamento de protecção a acto terrorista. Mas, mais grave ainda, o estado português em 1961 estava informado sobre o que iria acontecer, e continuou a caminhar contra as instâncias internacionais sob o comando do velho néscio.

Em que é que exagerámos?

Na maneira descriminatória relativamente a muitos daqueles povos, pois a par de uma missão religiosa, existia um crápula que negociava mão de obra sem direitos, quer para o estado, quer para as grandes companhias; exagerámos, não dando atenção à Carta da ONU, anterior à nossa adesão, que ficou a dever-se a um truque com a transformação de colónias em províncias, criando expectativas sobre a sua regulação e governo; exagerámos no estúpido orgulhosamente sós, que durou de 1958 a 1974, enquanto, se tivéssemos seguido o caminho da Carta, teríamos 30 anos para construir sociedades modernas e submeter o modelo a referendo; exagerámos, condenando e não convidando os emancipalistas a colaborar na construção das novas sociedades; exagerámos, ao admitir que a nossa capacidade para prosseguir a guerra seria inesgotável, com grandes argumentos em S. Bento e no Terreiro do Paço.

3 - Segue-se uma alusão ao romance do Zé Brás, Vindimas no Capim, que, no entanto, me parece despropositada, na medida em que interpreto o romance como um retrato da vivência de uma geração subjugada ao trabalho duro e mal pago, por vezes em condições de indignidade, desinstruída, que era mobilizada para a guerra de África a dar o corpo ao manifesto, onde apenas tinha como prémio, a sorte de se salvar, ou os namoros de ocasião com as meninas do Jorge.

Não sei se quer referir-se ao heroísmo desses desgraçados, levados das suas famílias e das esperanças que alimentavam, para em condições infra-humanas obedecerem cegamente à cadeia de comando, a ponto de darem tudo pela Pátria. Esta dádiva máxima não era percepcionada, nem nas causas, nem nos efeitos, mas, naquele momento, causava grande perturbação aos sobrevivos.

4 - Pátria. Peço-vos para reflectirem no lugar onde nascemos, no que queremos e fazemos dele, na capacidade do colectivo em intervir no destino da nação. Peço-vos para reflectiram sobre o que pensamos de relações sociais no lugar da Pátria, como aceitamos, ou reagimos, à impunidade dos gestores bancários, dos sectores privado e público, mediante actos de fácil reprovação; peço-vos para reflectirem sobre PIN - Projectos de Interesse Nacional, que delapidam o público em favor do privado; peço-vos para reflectirem sobre tantas manigâncias neste país, e para pensarem porque é que isso acontece.

5 - O que vos pedi em 4) tem a ver com o último parágrafo do Geraldes, que critica os encontros onde se apresentam alguns, com laivos de heróis, boinas e medalhas, em manifestações marciais que, em vez de celebrarem a camaradagem solidária, cimentada nas dificuldades, antes exaltam qualidades guerreiras ou brutais, por vezes sem correspondência com os sentimentos perante o perigo.

Talvez concorde, se o Geraldes pensa na solidariedade que devia resultar do sofrimento colectivo durante a guerra, para, agora, (digo eu) guiar-nos para acções colectivas, de regeneração moral, de orientação para o interesse público, de repúdio pelos oportunistas que, de lés-a-lés, desprestigiam instituições, comprometem equilíbrios da natureza, hipotecam o futuro, acções que dariam de nós, antigos combatentes, a imagem de esforço, seriedade e vontade de actualizar e incrementar o progresso colectivo. Nunca em Portugal um governo se lembrou de mobilizar o Povo para o progresso. Afinal, andámos lá fora a malhar os costados, e aqui cruzamos os braços perante tanta leviandade.

6 - Da generalidade dos comentários, que evocaram Camões, mas esqueceram-se de Fernão Mendes Pinto, retenho uma liminar condenação ao Geraldes. Afinal o texto fez-me reflectir, sobretudo nesta belíssima vida moderna, adornada de Mercedes e Audis, com casas a espelhar sucessos pessoais, ainda que, algumas, sem mão de arquitecto, nem licenças camarárias, mas uma "boa vida", ou a fingir uma boa vida, em hossana ao individualismo. Para mim o poste valeu como exercício de introspecção.

Abraços fraternos
JD
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6855: Controvérsias (102): Polémica M.Rebocho / V.Lourenço, resposta a António Graça de Abreu (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6860: (Ex)citações (90): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P6860: (Ex)citações (91): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (Manuel Maia)

1. Comentário de Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), deixado no poste 6854 de autoria de Carlos Geraldes, com data de  16 de Agosto de 2010:

Caro Geraldes,
Li o teu texto, e pergunto-me que mal te fez o mundo para teres este tipo de relação conflituosa contigo próprio...
Depois de me ter habituado a ler-te, fiquei deveras surpreendido com este fel destilado, que em minha opinião se não coaduna contigo.

Todos temos momentos de revolta com a vida mas deveremos procurar os mecanismos de contenção que impeçam que ofendamos gratuitamente quem quer que seja, especialmente aqueles que tal como nós, militares à força, atravessaram os mesmos problemas, sofreram na carne as mesmas vicissitudes, conheceram as mesmas dúvidas, os mesmos medos, as mesmas revoltas.

Aquilo que lês aqui e ali sobre as bajudas, os galos, as tainadas, não são, estou certo, quaisquer loas a um bacoco heroísmo, mas tão só o reavivar de momentos que por esta ou aquela razão ficaram gravados no subconsciente de quem os narra e que no fundo são comuns praticamente a todos...

Os tiros, foram a resultante da nossa presença na guerra e muitas vezes o exteriorizar dos medos, que dizes ninguém contar...

Todos tivemos medos, todos pensamos muitas vezes na impossibilidade de regresso, mas todos tínhamos vinte e poucos anos e a pujança da vida dessa idade.

Nunca assisti a situações como as que descreveste (fiz a guerra entre 72 e 74) e no meu tempo posso testemunhar que a acção psicológica funcionou não havendo crimes ou abusos como os que narraste...
Cabia também aos condutores de homens (e tu eras comandante de um grupo de combate...) a obrigação de dirigir, responsavelmente, os seus militares, por forma a evitar manifestações de primitivismo criminoso como referiste...
Se os testemunhaste e não agiste, então sentes esse peso na consciência.

A súmula que apresentas relativamente à história deste país a que pertences, este reduzir de nove séculos de construção e sustentabilidade de um povo com capacidades e heroicismo incomuns, um povo que se atreveu mar adentro à cata de novos mundos, a uma miserabilista insinuação de que se tratou de bandos de salteadores, violadores, ladrões, burlões, é de facto demasiado redutora, curta de vistas, e decididamente evidenciadora de que estarás doente, provavelmente a sofrer.

O Carlos Geraldes que também foi cordeiro em África, o Carlos Geraldes, homem culto, não pode apresentar um discurso deste jaez...

As almoçaradas dos homens de cabelos ralos e caiados pelo branco da velhice, contrariamente ao que dizes, são extremamente salutares, e mau grado este teu posicionamento que redundou no poste alvo destes comentários, estou convicto que no próximo convívio da Tabanca Grande, estarás presente com um arejamento de ideias.

Sei que provavelmente estarás a remoer-te por dentro a tentar perceber o porquê de assinares um texto tão caustico, tão violento, diria mesmo tão ofensivo.

Peço-te para reflectires, acalmares, contares até dez antes da explosão.

Um abraço
Manuel Maia
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6837: Blogopoesia (79): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (6) (Manuel Maia)

(**) Vd. poste de 15 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6854: Questões politicamente (in)correctas (40): A guerra colonial: todos querem ser heróis! (Carlos Geraldes)

Vd. último poste da série de 9 de Agosto de 2010 Guiné 63/74 - P6840: (Ex)citações (90): O nível das modalidades desportivas amadoras de Bissau tinha baixo nível e recorria aos militares ali estacionados (Rogério Cardoso)

domingo, 15 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6854: Questões politicamente (in)correctas (40): A guerra colonial: todos querem ser heróis! (Carlos Geraldes)

1. Texto de Carlos Geraldes, membro da nossa Tabanca Grande, de 69 anos, residente em Viana do Castelo, ex-Alf Mil, CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66):


A Guerra Colonial: Todos Querem Ser Heróis! (*)

E nem se lembram de que tudo partiu de uma mentira, com mais de quinhentos anos. Mentira piedosa dirão alguns, mentira necessária, dirão outros, mas na verdade não passou de uma redonda e grosseira mentira, repetida vezes sem conta! Foi a nossa epopeia!

– Mas descobrimos novos mundos!
– Como? Não existiam já antes?
–  Desbravámos novos caminhos, novas rotas! Evangelizámos!
– Mas onde plantámos os nossos Padrões (quais marcos de propriedade), e nos estabelecemos com fortificações, não foi para mais facilmente assaltar, roubar e reduzir à mais cruel escravidão outros seres humanos como se fossem gado para exploração, abate e consumo?

 Desde tempos imemoriais que a regra foi sempre a mesma. Quem tinha a força tinha o direito. E como povo “civilizado” que éramos (!?) considerávamo-nos também superiores aqueles que não tinham os nossos costumes e que até nem praticavam nem conheciam a nossa religião. Eram os “infiéis, os gentios, gente bárbara e sem a alma que apenas a fé cristã proporcionava aos convertidos, conforme então piamente se acreditava.

E a pretexto que era urgente converter essas multidões de gentios, aproveitava-se, já agora também, para os aligeirar dos bens que possuíam e até de outras riquezas que eles nem sabiam serem objecto da nossa cobiça, só porque nos considerávamos com muito mais direitos a essas riquezas do que eles. Assim devastámos tudo o que de tentador se nos aparecia pela frente. Ouro, pedras preciosas, especiarias, minério, tudo era avidamente carregado a bordo de caravelas, naus, e todos os navios mercantes que vieram depois. Como paga deixávamos algumas bugigangas, espelhos, facas, aguardente… e os nossos rudes costumes também, nunca conforto e civilização!

Mas mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, já dizia o poeta sábio. E os povos das nossas colónias ganharam coragem e sublevaram-se. Veio por isso a guerra colonial.

Dos altares da Pátria teceram-se louvores, cânticos e hinos aos soldados que rumaram em armas para as terras africanas. A juventude de um povo analfabeto e desinformado, cego e magnetizado por tanto aparato, seguia como uma legião de cordeiros para uma matança sem fim à vista. Quando lá chegavam, com as G-3 em riste, assaltavam as tabancas, as moranças, correndo pelas picadas mais distantes, disparando a torto e a direito. O que é que interessava uma ou duas centenas de pretos a mais ou a menos? Ninguém lhes pedia contas disso, só tinham de lhes dar uma “ensinadela”, de os meter na “ordem”. Estavam “superiormente” autorizados a matar, dizimar, desfazer tudo quanto lhes desse na real gana. Não era a ali a África selvagem, o lugar de todos os infernos, o cenário perfeito onde os brancos podiam praticar impunemente todas as espécies de atrocidades? Então…?

Inchados de orgulho pateta, contam como eles trataram como “vinha vindimada” as terras dos “pretos”, como corriam atrás das raparigas de impudicos peitos nus, como suaram as estopinhas, mergulharam na lama até aos peitos, passando pelos maiores perigos e tormentas, como só eles passaram!

Mas não admitem, nunca, como tremeram de medo no meio da escuridão da mata e que, sempre que sentiam as “costas quentes”, também fizeram o gosto ao dedo, só para aliviar um agora denominado de “stress” (para não lhe chamarmos “pura selvajaria”), chacinando velhos, crianças e mulheres indefesas, galinhas, cabras, vacas e, até morros de “baga-baga” tudo varrido na frente, com umas boas rajadas da velha G-3, tiros de “bazooka” ou granadas de morteiro atiradas ao acaso.

E agora, porque voltaram, até já se julgam heróis, apenas porque também lá estiveram. Só porque fizeram aquela viagem por um mundo que não entendiam, escondidos atrás de uma arma, cumprindo “ordens” que não compreendiam nem discutiam, julgam ter direito a um estatuto de heróis!

Periodicamente, os que ainda restam dessas “expedições” reúnem-se para confraternizar à mesa de um qualquer restaurante. Pançudos, com os ralos cabelos já esbranquiçados exibindo, por vezes, as velhas boinas das “Campanhas de África”, contam chalaças marialvas, recitam os nomes das velhas armas que usaram, riem-se e choram com saudades dos tempos que já lá vão. No fim fazem juras e saudações militares. Qual Vietname, qual carapuça! Ninguém é mais digno de crédito e admiração do que eles!

.../...

Ao chegar a casa, dão um beijo na mulher, calçam as pantufas e com um profundo suspiro de alívio e sentimento do “dever cumprido”, ficam para ali a “ruminar” o inevitável Telejornal, porque a seguir vai dar a bola!

E não é que agora, vêm todos dizer que foram uns heróis?!

Carlos Geraldes
carlos.geraldes@live.com.pt

2. Nota do editor L.G.:

Este texto, com data de 7 de Julho,  vem no contexto de algumas reacções à publicação do conto do Mário Cláudio, Para o livro de ouro do Capitão Garcez.

O Carlos queixou-se de ter sido "silenciado"... Ora não é prática nossa silenciar ninguém, muito menos um camarada que costuma cumprir com lealdade e fair play as regras de convívio do nosso blogue, e é um activo colaborador. O que aconteceu é que os editores foram de certo modo surpreendidos pela "crueza" da sua linguagem e pelas considerações (menos felizes) que faz da generalidade dos antigos combatentes da guerra colonial... Ora essa generalização é abusiva, meu Caro Carlos, na falta de um verdadeiro retrato, sócio-antropológico,  a corpo inteiro,  da nossa geração que combateu em África...

O próprio autior entendeu meter esse texto, inicialmente na gaveta,  por o achar "um pouco forte"... Três meses depois de o terescrito, decidiu reenviá-lo em 7 de Jullho...

Arrefecida, entretanto, a polémica à volta do conto do Mário Claúdio, perdeu-se a oportunidade (editorial) de publicar o texto do Carlos Geraldes... Mas, enfim, nunca é tarde para o fazer... O texto fica postado (bem como as explicações das a seguir pelo autor):

Olá queridos amigos:

Tenho estado de facto a "hibernar" se bem que a estação não seja muito propícia a isso.

Fui despertado pela "polémica" sobre um belíssimo texto, inédito (?), de Mário Claudio, escritor que mal conheço, apenas pela notoriedade que lhe advém dos inúmeros trabalhos que publicou e consequentes prémios arrecadados. Aliás, sinto até um certo orgulho por me ter cruzado com ele duas ou três vezes numa pastelaria em Paredes de Coura, onde ele, me parece, deve ter residência temporária. Facto que muito enobrece tais idílicas e serenas paragens do nosso Minho profundo. Mas nunca me atrevi a falar-lhe, nem sabia tão pouco que também tinha estado na Guiné a cumprir o serviço militar.

Estamos todos de parabéns, portanto. A Tabanca Grande ficou MAIOR!

Quanto à tal "polémica", deixem que vos diga que não vale nada! Até faz lembrar as "bacocadas" à volta da obra do Saramago. Como sempre, quando a caravana passa, ficam cães a ladrar. Não é que não tenham o direito de ladrar. É a maneira de eles se expressarerm e, o direito à livre expressão, foi uma das mais importantes conquistas de Abril. Mas atenção à responsabilidade! Responsabilidade para com os outros, para os que estiveram, os que estão e os que estarão nesta terra que nos criou. Responsabilidade pelo futuro que construímos com os nossos exemplos pois isso, infelizmente, ainda não é muito perceptível pela maioria. Apenas nos interessamos pela notoriedade de aparecer, de dizer coisas, muitas delas toscamente apreendidas, imitadas sem delas nos apercebermos totalmente, sequer. E assim se cria agora esta estéril "polémica" que já cheira a coisa morta logo à nascença.

Nos princípios deste ano tinha escrito um pequeno texto, inspirado num comentário pouco abonatório sobre o nosso blogue.  Declarava alguém que a existência deste e de outros blogues do género, só serviam para certos indivíduos fanfarrões se virem pavonear de hipotéticos feitos nas guerras de Àfrica.

Como achei, depois, que o texto estivesse um pouco forte, guardei-o na gaveta. Mas agora perante as palavras de Mário Cláudio e as consequentes reacções, vou servir-me dele como mais uma testemunha de defesa do "réu", embora nunca tivesse sido para aqui chamado, apenas porque assim sempre foi a minha percepção da realidade vivida na Guiné.

Também eu fui testemunha (ainda nos benévolos tempos de 1964/66) do ambiente denso que a guerra arrastava atrás de si. Nunca a leitura de Joseph Conrad me parecera tão real ("O Coração das Trevas"). Estavamos ali a viver num cenário quase idêntico, emoções de tal maneira semelhantes, que a nossa mentalidade ia-se moldando a pouco e pouco à tenebrosa lógica da guerra com as suas obscenas crueldades tornadas puras banalidades. O acto de maltratar outro ser humano, mutilá-lo, matá-lo, esventrá-lo, esmagá-lo contra uma parede, trazia tanta impacto moral, tanto remorso, como matar um insecto importuno. E além disso até era um acto legal! A guerra tudo justifica!

Matar uma jovem mãe, com um tiro certeiro de G-3 que a atravessasse de lado a lado e esmigalhasse também a cabeça do bebé que ela transportava à costas numa fuga alucinada, era um acto merecedor de aplausos pela pontaria certeira do bravo soldado ansioso de mostrar uma valentia que nunca iria ter de outro modo.

Quem falou mais nesse crime? E em muitos outros que se seguiram? E os prisioneiros mantidos em Nhacra ( a "idílica" Nhacra!) dentro de uma jaula de arame farpado? E o prisioneiro morto com um canivete sucessivamente espetado no pescoço, só para o calar, na atrapalhação de uma noite de operação em território IN?

Bom, a guerra tem os seus fantasmas e é bom que os saibamos enfrentar de uma vez por todas.

Hoje parece que lidamos ainda com essas recordações, como se se tratassem de bilhetes postais de um passado heróico, feliz e distante. Por isso me repugnam certas basófias, certas festanças e jantaradas como se quisessem comemorar factos gloriosos do nosso passado comum. Feitos glorificados por uma "história" embelezada por uma certa doutrina política e nada interessada em mostrar a pura realidade.

Desculpem-me este desabafo mal amanhado, mas assim de repente é o que sinto cá por dentro.

Um grande abraço. Viva Àfrica, viva a Humanidade!
Carlos Geraldes

PS. Em Anexo envio o tal texto escrito em Abril deste ano [A guerra colonial: todos querem ser heróis]
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4357: Questões politicamente (in)correctas (39): Havia racismo nas Forças Armadas Portuguesas ? ... E no PAIGC ? (Nelson Herbert)