terça-feira, 17 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6863: (Ex)citações (94): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 16 de Agosto de 2010:

Carlos, [...]

Já vi que saiu o último texto do José Dinis**.

Eu havia escrito hoje de manhã um texto a propósito do dele, mas de facto, mais sobre o do Carlos Geraldes.
Segue como o acabei agora mesmo se sequer uma leitura de revisão, como faço aqui quase sempre porque penso que o coração tem muito a ver com a nossa relação no blogue.
Se achares que tem qualidade, publica.

Um forte abraço
José Brás


Camaradas
Recebi do José Dinis uma mensagem com pluri-destinada, em que ele faz uma análise ao poste 6854, do camarada Carlos Geraldes com título comprido que não repito.
Não comento, nem o poste do Carlos Geraldes (pelo menos directamente), nem o texto-comentário do José Dinis.

O que me traz aqui, de novo a um tema que não morreu nem morrerá agora só porque, com razão se diz, já muito debatido, o que me leva a juntar mais este rol de palavras, é o facto de, no texto do JD aparecer referida uma referência (sic) do texto do CG ao meu livro "Vindimas no Capim".

Já havia lido o poste 6854 e mesmo que aligeiradamente, formado sobre ele a minha opinião, não me parecendo de perder com ele mais tempo que a sua leitura.
Depois de ler o escrito analítico do JD, e de ter descoberto a tal referência à referência, voltei ao blogue no propósito de descobrir o que não havia descoberto antes, isto é, a tal referência.

Li, reli... e confesso que fiquei na mesma.

Terá de ser tomado como referência ao "Vindimas...." O uso de um ou outro termo isolado e sem o enquadramento, político, ideológico, histórico ou simplesmente moral que formatou o meu livro no José Brás que era então e que, sem qualquer tipo de preconceito nem temor, digo que, sendo hoje o mesmo, é também diferente do que era, caldeado nos trambolhões que sempre a vida nos arma.

Devo, neste lugar do que escrevo, dizer que desde que me conheço capaz de pensar, nunca alinhei nesta ideia simplista do CG, ou para me redescobrir pensando assim, terei de recuar aos meus quinze, dezasseis, quando refilava com meu pai e lhe dizia que, sendo os ricos o mal do mundo, era necessário que morressem todos.

E nem sinto qualquer necessidade de dizer que concordo com a afirmação sobre crimes que teremos cometido em toda a nossa história, a maioria cá dentro e sobre o nosso próprio povo, e muitos fora, no desejo de sair de nós, de vencermos um mar que nos emparedava tão perto da outra fronteira, de buscarmos caminhos novos para chegar a mundos de sabíamos já a existência, e, certamente, não para lhes levar apenas a cruz mas, sobretudo, a espada; não para lhe oferecermos riquezas que não tínhamos mas, sobretudo, sacarmos as que adivinhávamos que tinham.

E nesse frenesim, nessa ousadia, nesse sofrimento, matando e matando-nos a nós próprios para renascermos depois, acabámos por dar ao mundo um inigualável contributo que geraram mudanças globais espantosas em todas as áreas do humano viver, e, em especial, a possibilidade de sair do homem medieval para o homem da renascença.

O nosso contributo permitiu aos países desenvolvidos da Europa, a acumulação dos capitais necessários ao advento da revolução industrial e do capitalismo.

Mesmo a propósito, a palavra capitalismo.

Peguemos nela, abramos as portas e as janelas do edifício que se gera no acto de a pronunciar pensando fundo e largo, achemos-lhe todos os crimes em seu nome cometidos desde que nasceu, e vejamos se não lhe achamos também virtudes na história do caminhar humano.

Podemos ver as imagens que Marx nos deu nos seus escritos sobre os milhões de seres humanos deslocados do feudalismo rural para a porta das fábricas de um mundo novo. Podemos vê-los mão de obra barata e disponível, mais miserável ainda do que era nos seus campos, alimentando o enriquecimento dos patrões mas também a explosão industrial e, até, um pensamento operário inexistente até então.

Só a ganância dos patrões pôde responder às questões novas, postas pela maquinaria à disposição da criação de novas formas de riqueza, de objectos de consumo, de um novo comércio, de novas formas de trabalhar a terra e mesmo de organização das sociedades.

Não me passa pela cabeça, com esta distância e julgando saber o que sei, condenar às penas do inferno esse tempo de exploração do homem, sem meter no saco todos os benefícios que me trouxe e sem a consideração da sua inevitabilidade na dialéctica do negativo/positivo.

Como, então, iria eu negar a espantosa odisseia dos navegadores e dos guerreiros portugueses que, na ganância dos seus maiores, e, digamos mesmo sem medo da palavra, dos seus desígnios, acometeram outras terras e outras gentes, impondo cultura nova ou nem isso, apenas no desejo e na necessidade de cevar riqueza nos recursos estranhos, riqueza que, provavelmente sem saberem, iria das condições ao mundo para novo salto?

Quer dizer que concordo eu com as sevícias, com os massacres, com o saque?

Nem pensar, meus camaradas, nem pensar.

Quer dizer que me desdigo do que disse no "Vindimas no Capim", sobre a exploração brutal dos rurais pobres por uma burguesia gananciosa e endinheirada, donos de terras ou de comércios espúrios?

Nem pensar, meus camaradas, nem pensar.

Quer dizer que me desdigo sobre o que disse do direito dos povos das colónias à sublevação e à guerra pela posse da terra que, na verdade sempre tinha sido sua?

Nem pensar, meus camaradas, nem pensar.

Do "Vindimas..." não retiro nem uma palavra das que lá estão, pese embora que eu próprio, às vezes leitor delas, discorde de algumas, numa análise à estética que toda a ideologia tem, dinâmica como não poderia deixar de ser.

Há uma coisa de que sempre discordei e sempre discordarei sem apelo nem agravo.
A ocupação das parcelas que detínhamos em África ultrapassou em muito o seu tempo histórico, moral e ideológico, fechada num conceito velho, tosco e mau, que mais valor dava ao simbolismo dos cantados heróis da raça e à ferramenta da cruz, do que às reais conveniências do seu próprio País no quadro das posturas novas da humanidade.

Dessa teima, colhemos todos nós o sofrimento e a contradição de lutarmos contra quem não odiávamos, e disso é prova, sim, a atitude e a postura geral dos nossos combatentes de quem ninguém poderá dizer com justiça, as coisas horríveis que se ouvem de outros, pese embora reconhecer um ou outro excesso cometido.

Daí que, ao contrário do que aconteceu com outros processos de descolonização, o abraço tenha sido e continue a ser possível.

Sempre pensei que daria a vida se alguém quisesse ocupar-me a casa ou o País.

Desgraçadamente, vivo num País ocupado pela ideologia do mercado e pelo capital financeiro que os donos do mundo acumularam e usam como mortífera arma, e contra essa ocupação não posso nada, nem tenho fisga ou espingarda.

Abraços
José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6833: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (23): José Brás, há muitos anos, elemento activo do Grupo de Forcados de Vila Franca

(**) Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6861: (Ex)citações (92): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6862: (Ex)citações (93): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (António J. Pereira da Costa)

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