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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25837: Verão 2024: olá, nós por cá todos bem! (2): O novo livro de Joaquim Costa, "Crónicas de Paz e de Guerra" (Rio Tinto, Lugar da Palavra Ed., 2024, 221 pp.): "A sorte a Guiné ditou,/ Estúpida guerra enfrentou, / Três gritos por quem lá ficou, / Pelo povo se emocionou"

 


Dedicatória do editor do blogue: "Para o camarada e gransde amigo Luís Graça, o meu novo livrpo sobre a paz e sobre a guerra, em que esta cada vez mais se sobrepõe àquela. Um grande abraço, 6/8/2024".


Capa e contra capa do novo livro do Joaquim Costa, "Crónicas de paz e de amor: do Minho a Tombali (Guiné)... e o Porto Por perto". Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 2024, 221 pp, il



1. Mensagem do Joaquim Costa: (i) ex-fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74); (ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, com mais de 7 dezenas de referências no blogue; (iii) engenheiro técnico (ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto), foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar: (iv) minhoto, de Vila Nova de Famalicão, vive em Rio Tinto, Gondomar, e adora o Alentejo; (v) tem página no Facebook;  e, por fim, e não menos importante,  (vi) perdeu recentemente a sua querida Isabel.


Data - Terça, 6/08/2024, 19:35
Assunto -Livro: Crónicas de Paz e de Guerra

Boa tarde,  Luís

Espero que tudo esteja bem contigo.

Acabei de te enviar, por correio, o meu novo livro: "Crónicas de Paz e de Guerra". 
Integra parte do primeiro, com alguns textos revistos.

Há novos textos sobre as vivências na minha aldeia, onde o Minho acaba e o Douro começa, bem como crónicas sobre as minhas andanças por várias escolas, algumas já publicadas no Blogue.

Como já te tinha referido,  o nosso camarada e amigo Beja Santos teve a gentileza de deixar a sua marca num posfácio.

Podes colocar este por cima da pilha que vais levar para férias!

Boas leituras e boas férias

Um grande abraço, Joaquim Costa

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terça-feira, 5 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25239: Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) - Parte III: Um hino à camaradagem: a última viagem a casa, de três tristes tigres, antes do... "degredo"


Foto  nº 1 > Guiné > Região de Tombali > CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74) > O amigo José Beires, fur mil de minas e armadilhas,  a levantar mais uma mina A/C no Cumbijã, com o mesmo carinho com que tratava as Inglesas no Parque de Campismo da Prelada. Tem como ajudantes: O capitão Vasco da Gama, o alferes Abundâncio e o enfermeiro Portilho.


Foto nº 2 - Os famosos Tigres do Cumbijã (CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) nas escadarias do Santuário no Monte de Santa Luzia em Viana do Castelo. Encontro de 2009. Na última fila o amigo Beires (no seu último encontro) conversa com a anfitriã Isabel.

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicarm 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022. Tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto. 



Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.


1. Texto enviado pelo  Joaquim Costa, em 26 de fevereiro passado, 15:52:

Olá,  amigo Luís!

Espero que tudo esteja bem contigo. Foi bom ver te todo catita no convívio do pessoal da Tabanca da Linha.

Ao que parece mais uma contrariedade com as cataratas. Sejam todos como essas,  meu amigo. Já fiz o mesmo aos dois olhos e não custou nada. Nesse dia, quando cheguei a casa todas as pessoas me pareciam mais velhas e vi sujidade e nódoas que sempre existiram mas eu não as via.

Envio-te um post que publiquei no Facebook: "Um hino à camaradagem”. Caso consideres de publicação no blogue, podes fazê-lo. Caso contrário tudo bem.

Seguindo a dica que deixaste na nota final do meu livro, vou fazer nova publicação, revista e aumentada. No fundo é o regresso à minha ideia inicial. Terá uma componente das minhas vivências de infância e juventude aumentadas e uma referência às minhas escolas.

O nosso amigo Mário Beja Santos teve a amabilidade de fazer o posfácio do mesmo. Foi já entregue à editora para revisão dos textos, contudo a sua conclusão ainda vai demorar alguns meses.

Um grande abraço do amigo que muito te estima.

Joaquim Costa



Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã. 1972/74) - Parte III:  

Um hino à camaradagem: 
a última viagem a casa, de três tristes tigres

 

Por considerar um hino à camaradagem, refiro aqui a última visita a casa antes de embarcar para a Guiné.

Fiz a viagem de comboio, de Portalegre ao Porto, já com a cabeça em África que o silêncio e o ritmo do “pouca terra, pouca terra” da máquina de ferro, convidava. 

Sempre adorei, e adoro, viajar de comboio, sendo esta, porventura, a única viagem que não saboreei. Chegados a Campanhã, eu e o amigo da terra das Cristas de Galo, decidimos, atendendo ao adiantado da hora, apanhar um táxi para nos levar até aos nossos destinos, aproveitando assim todos os minutos para estar com a família. O amigo Machado até Vila Real e eu até Famalicão. 

Sim, ficava caro, mas no momento estar com a família não tinha preço. Pois, por muito esforço que fizéssemos para afastar esses maus pressentimentos, sempre nos passava pela cabeça que poderiam ser os últimos. Não nos saía da cabeça o discurso às tropas do sargento Redondeiro: “Militares, infelizmente nem todos regressarão a casa”!

A viagem ficava cara, mas no momento não era problema. Tínhamos recebido uns bons trocos pelo primeiro “ordenado” como furriéis e um subsídio para comprarmos o fardamento de guerra. Mais parecia que o carrasco nos tinha dado dinheiro para comprarmos a espada com que nos queria matar! 

Já nas despedidas, o José Beires, rapaz da cidade invicta (#), abraça emotivamente os dois e informa-nos, com toda a convicção e entusiasmo: 

– Vamos de táxi até minha casa, que eu peço o carro ao meu pai e levo-os a casa. 

Pensando ser mais uma brincadeira do Beires, tentando afastar a melancolia que reinava no grupo, não demos importância à tão inusitada oferta.

Aceitámos, contudo, de bom grado, a ideia de o acompanhar até casa e depois seguirmos, para os nossos destinos.

Chegados a sua casa, para espanto nosso, mandou logo o táxi embora e fez-nos entrar. Não acreditavamos no que estava a acontecer, tentando reter o taxista, sem sucesso dada a determinação do nosso amigo.

Estávamos os dois decididos, esperando ver  o pai do Beires para lhe  agradecer muito esta atitude altruísta do filho,  mas que seguiríamos só os dois viagem. Pensávamos nós que facilmente iria dissuadir o filho, trazendo-o à terra, mais não fosse pela arriscada viagem de regresso a casa sem companhia. 

Passado uns minutos vem o Beires, sozinho (não obstante o burburinho na sala ao lado da família reunida), e com as chaves na mão, dizendo com todo o entusiasmo, e um sorriso de menino: 

– Vamos embora! 

Uma vez que não tivemos o grato prazer (infelizmente) de conhecer o pai do Beires, nada mais podíamos fazer se não aceitar, tão altruísta oferta.

E aqui fomos nós, incrédulos com este gesto de nobreza extrema do camarada Beires, em amena cavaqueira até Famalicão. Chegados a minha casa, já de madrugada, o trabalhar do carro e o alerta do cão fadista acordou a minha mãe, que abriu a janela acabando por descer, logo seguida pelo meu pai e pelos gatos. 

Depois dos cumprimentos, preparavam-se os amigos para abalarem até Vila Real, vencendo o temido Marão, quando logo a minha mãe diz:

 – Não! Só saem daqui depois de comerem e beberem qualquer coisa. 

Logo partiu presunto, queijo e pão e se encheram três malgas de verde tinto (bons  tempos em que o verde tinto, ainda, não “afetava” a condução!(…

Para meu sossego tudo correu bem. Ficou contudo uma grande admiração por este gesto de grande nobreza deste nosso camarada. Só quem foi militar o poderá entender.

Sempre que nos encontrávamos, as primeiras palavras do Beires eram: “Malas Minho e Malhas Minho”. Duas referências que lhe dei para seguir caminho até Vila Real.

Na linda cidade de Estremoz, onde a companhia se formou, consolidou-se uma grande amizade. Na Guiné, que se nos entranhou e onde estúpida guerra enfrentámos, construiu-se uma verdadeira família. Cito, uma vez mais, o que escrevi no meu livro: "Memórias de Guerra de um Tigre Azul – O Furriel Pequenina", sobre o dia em que vimos tombar, em combate, um camarada aos nossos pés:

“Este foi também o momento de viragem, onde passamos , inexplicavelmente, a relativizar perdas, onde todos perdemos um pouco de nós (tal como eramos) e passamos a ser outros sem deixarmos de ser nós próprios. Confuso mas foi assim mesmo…

"Passamos a esquecer o dia de ontem rapidamente (em defesa da nossa saúde mental); a viver o presente intensamente (não deixando de viver a nossa juventude, mesmo naquelas condições, em convívio com um grupo de amigos que as contingências da guerra nos unia ao ponto de o sofrimento ou alegria de um ser o sofrimento e a alegria do grupo) e a não pensar muito com o amanhã (aprendemos com o tempo a não sofrer por antecipação)”.



Todos os anos (e já lá vão 50) esta família se reúne, fazendo-se acompanhar por filhos,  netos e bisnetos, contando sempre as mesmas histórias mas com a emoção como se que fosse a primeira vez. Nestes alegres e sempre emotivos encontros, de ano para ano, cada vez correm mais lágrimas que cerveja e vinho.

 Joaquim Costa

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Nota do autor:

(#) Menino (quase) da Foz. Porventura um dos últimos “fidalgos” do Porto, com tertúlias sempre marcadas no Orfeu (café na Boavista – Porto). Aperfeiçoou o seu Inglês no “engate” de Inglesas no Parque de Campismo da Prelada, tratando-as com o mesmo carinho como tratou as minas que levantou no Cumbijã (Guiné). Herdou o nome do seu tio-avô: José Manuel Sarmento de Beires, ´major do Exército Português (Lisboa, 4 de Setembro de 1893 – Porto, 8 de Junho de 1974), pioneiro da aviação, tendo feito o Raid aéreo Lisboa -Macau e a primeira travessia aérea noturna do Atlântico Sul.

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Nota do editor:

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24957: Facebook...ando (46): O professor Joaquim Costa, que era "inimigo das redes sociais", até ao dia em que também entrou na "romaria" (para não ficar "infoexcluído"...), com uma sábia autojustificação: "Não negues à partida uma 'ciência' que desconheces"...



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > s/l (Cumbijã > 1973 > "Escrevendo um aerograma, para casa, nas matas da Guiné em 1973"


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > s/l (Cumbijã > c. 1973/74 > Sem legenda... | 21 de setembro de 2023, 11:32


Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Joaquim Costa é "periquito" nas andanças do Facebook (*)... Entrou há coisa de um ano, já depois de se ter feito membro da nossa Tabanca Grande, onde se sentou à sombra no nosso poilão, no lugar nº 826, em 30/1/2021... E neste entretanto já escreveu e publicou um livro, "filho da pandemia"...

No Facebook, tem até ao momento 315 amigos (98 em comum com a Tabanca Grande Luís Graça). Na sua página tem partilhado alguns das coisas de que mais gosta: o Minho, o seu Porto (a cidade e o FCP), o seu rio Douro, a sua terra natal, Famalicão, a música (popular e erudita), as suas memórias de infância e adolescência, o seu passado como militar no TO da Guiné e, depois da "peluda", como professor (que andou de terra em terra até acabar a carreira como diretor do agrupamento de escolas de Gondomar, nº 1) (**)...

Não tem, infelizmente, muitas fotos do tempo da guerra... Nos sítios desgraçados pro onde andou, na guerra da Guiné, na região de Tombali, no sul, não havia muitos fotógrafos, nem máquinas fotográficas, e muito menos vontade de "tirar uma chapa",,, (Em contrapartida, havia bons barbeiros, a avaliar pelo foto nº1, que reprodizimos acima). 

Recorde-se que ele foi fur mil at armas pesadas inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74). Tem já 7 dezenas de referências no blogue, boa parte das quais são postes da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)", de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022).

Esta série transformou-se, em boa hora,  em livro ("Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp).

Ele deu-me a honra de lhe escrever uma pequena "nota final" no seu livro... Recordo aqui um excerto (***):

(...) "O Joaquim Costa é mais um talento literário que o nosso blogue veio revelar, com a particularidade de, sendo um bom minhoto, a sua prosa ter também belos nacos do português camiliano, a começar pela ironia, o humor e até o sarcasmo, tão bem patentes na reconstituição de algumas das suas memórias de infância e na evocação da sua família, bem como na descrição de cenas da vida castrense.

"Já tive ocasião de lho dizer, e agora passo a partilhá-lo com os seus futuros leitores: Joaquim, quisestes escrever um livro com uma parte da tua história de vida, que é também a de muitos de nós, e que quiseste dedicá-lo aos que te amam e estimam. A tua narrativa tem momentos portentosos sobre a epopeia de Cumbijã e de Nhacobá, os seus bravos e as suas vítimas. Um dia, quando fizermos uma antologia dos nossos melhores textos, o teu testemunho, na 1ª pessoa, sobre a Op Balanço Final (17-23 maio 1973), por exemplo, terá que lá figurar, com toda a justiça." (...)

2. Da sua página no Facebook, tomo entretanto a liberdade de lhe "retirar" duas fotos e a seguinte apresentação:

Professor do ensino secundário
Orientador Pedagógico - 3 anos
Diretor da E.S. Gondomar (AEG n.º 1) - 20 anos


Estudou em ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto

Andou na escola Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Famalicão

Vive em Rio Tinto, Porto, Portugal

De Vila Nova de Famalicão

Aqui fica também um apontamento da sua humildade e do seu sentido... de humor:

"Meus amigos!A todos vos escrevo, agradecendo as palavras amigas que me dirigiram. Estou num processo de aprendizagem nestas coisas das redes sociais.

Sempre as neguei, mas: “Não negues à partida uma 'ciência' que desconheces"...

Uma coisa é certa: Foi bom rever gente boa… e linda, que há muito não via.

Beijos e abraços.

Foto nº 1 (acima): Escrevendo um aerograma, para casa, nas matas da Guiné em 1973 | sábado, 7 de janeiro, 12:28 "

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24834: Facebook...ando (45): António Medina, um bravo nativo da ilha de Santo Antão, que foi fur mil na CART 527 (1963/65), trabalhou no BNU em Bissau (1967/74) e emigrou para os EUA, em 1980, fazendo hoje parte da grande diáspora lusófona - VI (e última) Parte

(**) Vd. poste de 15 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24956: E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas (Joaquim Costa) - Parte IV: Enfim, em casa!... Famalicão, a minha terra...

(***) Vd. poste de 31 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22861: Notas de leitura (1404): Joaquim Costa, "Memórias de guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina. Guiné: 1972/74", Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp. - Parte I: "E tudo isto, a guerra, para quê ? Não sei"...

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23495: Notas de leitura (1471): "Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2022 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Joaquim Costa teve a amabilidade de me oferecer as suas memórias de Cumbijã, edição Lugar da Palavra Editora (telef 220994591/ telem 915416141), tocaram-me pela singularidade com que homenageia pais e irmãos, como faz a apologia da camaradagem sem precisar de bater as palmas e a discrição com que narra a criação de um quartel em terra de ninguém, tudo com o objetivo de procurar asfixiar a prazo a presença do PAIGC na região sul, designadamente naquelas reentrâncias da mata do Cantanhez. A epopeia dos homens ficou lavrada, mas em 1973, ali bem perto, no mês de maio, Guileje cedeu, nada ficaria como dantes, e a Operação Grande Empresa esmoreceu, o 25 de Abril foi a última gota. Foi bom que Joaquim Costa deixasse o seu testemunho, todo ele de emoção contida.

Um abraço do
Mário



Recordar Cumbijã, um dos pilares da Operação Grande Empresa

Mário Beja Santos

O livro de Joaquim Costa, largamente referenciado em textos do blogue, é credor da nossa elevada consideração, a diferentes níveis: a tocante homenagem que presta a pais e irmãos, se é certo que há testemunhos de arromba sobre estas memórias afetivas, inescapáveis, o que Joaquim Costa nos oferece é tocante como homenagem do seu coração. 

Não me recordo de tal texto ter aparecido no blogue, se não estou enganado, incito-o a dá-lo à estampa, a nossa assembleia merece; se é certo que ele nos vai dar um itinerário muito comum de recruta e especialidade, subidas e descidas por quartéis até à formação da unidade que irá partir para a Guiné, também aqui ficam uns pingos de camaradagem da melhor água, uma camaradagem que percorre transversalmente a sua narrativa; e para quem ainda não atendeu às diferentes facetas da Operação Grande Empresa, destinada a reocupar o Cantanhez, o testemunho de Joaquim Costa é vibrante quanto ao confronto com os grupos do PAIGC instalados na região, quase desde a primeira hora, Spínola intentava provocar um cerco a “lugares santos”, impedindo abastecimentos, circulação de pessoas, fuga de populações, foi uma operação de sangue, suor e lágrimas que não pôde completar-se devido aos acontecimentos que envolveram Guileje, Gadamael e Guidaje. O que se passou no Cumbijã foi uma pequena epopeia de que Joaquim Costa deixa um relato singelo.

Primeiro, a homenagem à família, ele é o sétimo filho de José e de Gracinda, um casal que viveu a miséria em tempos conturbados, o pai Zé trabalhou numa pedreira, abriu uma pequena mercearia/taberna, ele não esqueceu uma viagem que fez na sua companhia até Ermidas do Sado para ir visitar o irmão Manuel, que estivera na Guiné e regressara com uma grande pneumonia; a mãe Gracinda é a imagem da devoção maternal, levanta-se pela alva para preparar os comes, tudo sem um queixume. E fala-nos do mano mais velho, o Eduardo, da sua paixão pelos pombos, da Maria, a irmã mais velha, uma cúmplice deste furriel do Cumbijã. E deixo ao leitor a faculdade de saber mais sobre o Avelino, o Manuel, o João, a Noémia, o Joaquim, os sete manos vão aparecer em bela fotografia, há mesmo casacos e gravatas para se entender que o clã lutou pela vida para conhecer dias mais risonhos.

Segundo, a ficha curricular, com todas aquelas peripécias nos coube experimentar, no caso dele Caldas da Rainha, Tavira, é um sargento de armas pesadas que vai dar instrução a Chaves, segue-se Estremoz (que lhe deixou imensas saudades), já está delineada a CCAV 8351, os Tigres de Cumbijã, tendo como maestro Vasco Augusto Rodrigues da Gama, a quem tive a honra de dar instrução em Mafra e de descrever em sede própria que daria um competentíssimo comandante de companhia. 

Ainda há Portalegre pelo caminho, toma-se um avião, há uma curta passagem pelo Cumeré, segue-se a Aldeia Formosa depois de uma viagem até Buba. Festa de Natal com repasto de macaco-cão assado. Não são esquecidas as peripécias com lavadeiras e roupas dispersas.

Terceiro, cumprida a missão de proteger colunas para Buba e dar proteção ao grupo de Engenharia na construção da estrada Mampatá-Nhacobá, vamos ao âmago da história, toca a marchar para Cumbijã, o PAIGC não queria abrir mão de Nhacobá, não bastava a estrada a partir de Mampatá, havia que estender o cerco. Chega-se a Cumbijã e levantam-se cerca de 30 minas, assim vai começar o calvário dos estropiados e mortos, as imagens são eloquentes, faz-se um quartel de raiz, ele diz com simplicidade: 

“Ao mesmo tempo que avançava a construção para Nhacobá e os trabalhos da adaptação do Cumbijã para receber e unir definitivamente toda a família da CCAV 8351, ia-se criando, em cada um de nós, a sensação, agridoce, de que estávamos a construir a nossa modesta casinha, porventura no sítio menos aconselhável.” 

Alimentação a rações de combate, flagelações constantes, fazer tijolos e erguer casas. Visita de Spínola, apresenta-se a lista de reclamações, o Comandante-Chefe responde positivamente. Passa a haver segurança e mesmo casernas com conforto básico. Chega a hora da operação “Balanço Final”, o assalto a Nhacobá, encontrou-se gente, documentação, muito arroz, há tiroteios, Spínola chega a fazer uma visita relâmpago a Nhacobá, visita rápida, já que o rebentamento de uma mina provocada por uma máquina de Engenharia projetou uma enorme quantidade de terra que atingiu ao de leve o general. 

Se Cumbijã já era um descampado, preparar o terreno em Nhacobá para novo quartel não foi pequena a odisseia. Estamos nisto quando se dão os acontecimentos do ataque a Guileje, que Joaquim Costa esmiúça. Vem de férias e no regresso a Bissau tem más notícias do que se passa em Cumbijã e arredores. O autor aproveita um texto do nosso confrade António Murta, repescado do nosso blogue para se voltar à operação “Balanço Final”.

Assim se chegou ao 25 de Abril, é o regresso a casa, as durezas da adaptação. E há os acasos da sorte, Joaquim tem o filho a trabalhar na Guiné na construção da Ponte S. Vicente, é o regresso, a vida continua, o Cumbijã não lhe sai da memória, vai trabalhar como professor, orientador pedagógico e dirigente escolar. 

E assim aconteceu, talvez fruto da pandemia, o Furriel Pequenina deu à costa com as suas memórias de guerra, teve a gentileza de me contactar para me oferecer o seu livro, li-o de um só fôlego, confessei-lhe a admiração pelo modo como trata pais e irmãos, como hasteia a bandeira da camaradagem e é sóbrio descrever os episódios do Cumbijã. E muito contente fiquei quando descobri que ele e eu éramos devotos admiradores daquele Vasco da Gama que em vez de ir à Índia esteve brioso a comandar o que a ele dizia respeito ali perto do rio Cumbijã naquela operação tão promissora mas que já não tinha força para reverter os ventos da História.

O destacamento de Cumbijã, região de Tombali, em 1973. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Tabanca de Nhacobá, região de Tombali, ocupada num “golpe de mão” pela CCAV 8351 no dia 17 de maio 1973 na operação Balanço Final (17 a 23 maio 1973). Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali > Construção da estrada Mampatá / Cumbijã, no fim de mais um dia de trabalho. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
Região de Tombali, Cumbijã > O capitão da CCAV 8351 (Os Tígres de Cumbijã) e o Sargento Redondeiro. Foto gentilmente cedida por Joaquim Costa.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23480: Notas de leitura (1470): Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23345: Humor de caserna (55): O anedotário da Spinolândia (VI): no Cumbijã ouvi o nosso general a utilizar mais do que uma vez "a palavra que imortalizou Cambronne", para recriminar um oficial superior (Vasco da Gama, ex-cap mil cav, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > Da direita: para a esquerda, o cap mil  cav Vasco da Gama, o general Spínola, o cap inf José Malheiro,  da CCaç 3399, de Aldeia Formosa, e o  comandante do BCaç 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73). Spínola visitiu três vezes a CCAV 8351 (em Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá). 

Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2009). Todos os direitos reservados Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É uma boa história, um bom naco de humor de caserna, que nos ajuda a compreender melhor  a personalidade e a conduta do gen Spínola enquanto foi comandante-chefe e governador geral da Guiné, entre meados de 1968 e meados de 1973.

Foi contada aqui há mais de 13 anos pelo comandante dos Tigres do Cumbijã, cap mil cav  Vasco da Gama, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), os bravo de Nhacobá. 


Visita do General Spínola a Cumbijã em 14 de abril de 1973

por Vasco da Gama


Vasco da Gama
(...) Terminei o último capítulo da história da minha Companhia com o relato de um ataque ao arame no dia 9 de Abril de 1973, a um arremedo de aquartelamento que era o Cumbijã: duas fiadas de arame farpado, quinze ou vinte tendas de campanha, valas para protecção de eventuais ataques e uma cozinha de campanha. (...)

No dia 14 de Abril de 1973, mais uma vez recebemos a visita do General Spínola.

Parei este texto neste parágrafo, vai para mais de quinze dias. Problemas da vida pessoal, mas fundamentalmente o medo de não saber expressar, ou fazê-lo de forma menos correcta, os sentimentos acerca do General Spínola, homem controverso que suscitou, e pelos vistos continua a suscitar, sentimentos de amor e desamor, tão depressa acusado como louvado, que na guerra tentava encontrar soluções ou pela via diplomática junto de Senghor, ou invadindo países vizinhos, como aconteceu com a Operação Mar Verde, autor de "Portugal e o Futuro" (mais vale tarde que nunca), abandonando o Guileje ou pelo menos não lhe dando hipóteses de uma defesa racional, recusando o convite de Marcello Caetano para ministro do Ultramar em finais de 1973, recusando-se também e juntamente com o General Costa Gomes a fazer parte da Brigada do Reumático que foi prestar vassalagem a Caetano. 

Este homem, que foi também o primeiro Presidente da República,  após o dia da libertação – 25 de Abril de 1974  , este homem heterodoxo, será no decurso da história que vou escrevinhando acerca da minha Companhia, analisado apenas e só através de um discurso substantivo que se limitará a descrever a vivência que os Tigres do Cumbijã com ele tiveram.

No dia 14 de Abril de 1973 recebemos então a visita do General Spínola. Recordo-me da primeira pergunta que me fez:

−É do quadro ou miliciano?

Recordo-me da resposta imediata e eventualmente atrevida que lhe dei:

− Neste buraco?… Sou miliciano.

Vi nele o esboço de um sorriso, seguido de nova questão:

− Falta-lhe alguma coisa?

− Tudo |

− Tudo, o quê?

Seria fastidioso continuar esta conversa em discurso directo, pelo que os meus camaradas e amigos que são conhecedores das condições desumanas em que vivíamos, facilmente adivinharão o que durante alguns minutos lhe fui solicitando: 
  • cimento para construirmos casernas;
  • chapas de bidão cortadas;
  • apoio da Engenharia para que as coisas andassem mais rapidamente;
  • arcas frigoríficas a petróleo, pois não tínhamos direito a uma cerveja fresca;
  • um gerador;
  • e obuses, já que o apoio da artilharia quando éramos atacados nos era dado ou por Mampatá ou Aldeia Formosa, não tenho a certeza. 

A sua resposta ficou célebre entre os Tigres:

− Terá tudo isso na próxima LDG. Os obuses já estão tratados, o resto, repito, chega a Buba na próxima LDG, incluindo as arcas frigoríficas, nem que tenha de as ir buscar à messe dos oficiais de Bissau.

A parte final da frase obviamente era escusada, mas não imaginam a alegria que todos os soldados, e não só, sentiram ao ouvi-la. 

O General Spínola era exímio neste tipo de tiradas e nunca o ouvi a recriminar nenhum soldado, mas vi-o zangado com um grande do quadro, utilizando por várias vezes no seu discurso a palavra que imortalizou Cambronne (***), apesar da minha presença. 

Visitar-nos-ia ainda em Nhacobá, mas aí não houve tempo para discursos.

Só quero acrescentar que na LDG seguinte o prometido chegou! (...)

[ Seleção / revisão e fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG]
___________

Notas do editor:


(***) Pierre Jacques Étienne Cambronne (1770 – 1842), francês, general de brigada do Primeiro Império, 1º Visconde de Cambrone, ficou célebre pelas palavras que terá  proferido na batalha de Waterloo, em 1815, à frente dos granadeiros da Velha Guarda de Napoleão.  Em inferioridade numérica,  cercado pelas pelas tropas do general inglês Charles Colville,  quando instado a render-se, com honra, ficou na história com a sua réplica: "La Garde meurt et ne se rend pas!" (A Guarda morre e não se rende!)... E terá acrescentado:  "Merde!", um típico vocábulo vernáculo dos gauleses... 

A expressão "a palavra que imortalizou Cambronne" (neste caso, "merde")  é um eufemismo, um figura de estilo com que se disfarçam as ideias desagradáveis ou as palavars grosseiras por meio de expressões ou palavaras  mais suaves...

terça-feira, 22 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23100: In Memoriam (433): Joaquim Bonifácio Brito (1950-2022), um Tigre do Cumbijã (CCAV 8351, 1972/74), que ficou em Bissau até à guerra civil de 1998, como empresário na área da restauração, e que agora vivia no Algarve (Joaquim Costa)



Joaquim Bonifácio Brito (1950 - 2022)


1. Mensagem do Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, autor do livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74" (Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.)

Data - 22 mar 2022 00h42
Assunto - Mais um Tigre do Cumbijã que nos deixou

Amigo Luís, 

Recebi hoje a triste notícia que mais um dos bravos Tigres de Cumbijã. Joaquim Bonifácio Brito (*), a viver no Algarve, acabou de falecer.

Uma semana atrás tinha falado com ele a propósito do meu livro e continuava entusiasmado com a vida,  dando-me a conhecer alguns projetos na área da restauração.

Este camarada, da minha companhia (CCav 8351), e do meu pelotão, não regressou com a companhia, ficando em Bissau abraçando uma nova vida como empresário da Restauração.

Manteve-se na Guiné, resiliente, não obstante os vários episódios de tentativas quase mensais de golpe de Estado.

Já não resistiu à guerra civil, entre os fiéis a Nino Vieira e Ansuname Mane, sendo resgatado com toda a família, apenas com a roupa que tinham vestido, na operação Crocodilo (junho de 1998).

Tudo lá deixou, depois de 25 anos de trabalho no país que adotou, pois segundo ele o seu restaurante servia uma média de 100 refeições por dia.

Contudo sempre manteve um carinho muito especial pela sua Guiné. Nos encontros anuais de 2007 a 2009, sempre me procurava a saber notícias de Bissau sabendo que o meu filho Tiago Costa  fazia parte da equipa que estava a construir uma ponte no Cacheu, em São Vicente.

Sendo o nosso Blogue uma fonte de informação que chega a todos os cantos do mundo, gostaria de lhe deixar, aqui, a minha pequena homenagem a um homem que amou a Guiné.

As minhas condolências à família

Camarada Tigre, Joaquim Brito, estejas lá onde estiveres, espero que estejas em Paz.(**)

Joaquim Costa

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Notas do editor:

Último postea da série > 

(*) 12 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23072: In Memoriam (432): António Brandão de Melo (1950-2022), ex-Fur Mil Inf da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22954: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXIII: Velhice vai no Bissau, Ó-lé-lé...lé-lé...


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Buba > CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74 > 27 de Junho de 1974> O pessoal  "instalado" na LDG batizada com o nome do nosso capitão, Vasco da Gama, a caminho de Bissau... “Tudo ao molho e Fé em Deus”... Nada de euforias!


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 >  25 de Junho de 1974 > Aqui vamos nós… sem euforias... a caminho de casa
 
Fotos (e legendas): © Carlos Machado / Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto 3 > Guiné > Bissau > c. 1960/70 > Vista aérea de Bissau. Ao centro, o Palácio do Governo e a Praça do Império. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 118". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL). (Cortesia do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondamar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor.

Já saiu o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua.
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (*)



Paz &  Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (**)

Parte XXIII - … VELHICE VAI NO BISSAU, “Ó-LÉ-LÉ-LÉ-LÉ…”


Entretanto, lá chega o dia, há muito desejado, de deixarmos o Cumbijã, com destino a Bissau (riscando o último “pau” na caserna), em trânsito para a peluda.

Coisa estranha!,  na partida não se sentia o entusiasmo normal destas situações. Compreensível, tendo em conta o fim (ainda que tacitamente) das hostilidades.

Deixamos o Cumbijã à guarda da companhia que havia abandonado Guileje, a CCAV 8350. Um reencontro, fraterno, mas estranho, depois de Estremoz. O normal seria a nossa substituição por periquitos e não por alguém tão velhinhos quanto nós, como era o caso da CCav 8350. Estava, obviamente, em curso algo de injusto para uma companhia que passou por um dos momentos mais dramáticos da guerra na Guiné.

Ao passarmos o cavalo de frisa, abandonando definitivamente Cumbijã, uma lágrima senti ao canto do olho. Não sei se de alegria pela partida, se de tristeza pelas perdas e sofrimento de tantos camaradas e elementos nativos, questionando-me: porquê?

Afinal tudo se resolveu da noite para o dia (de 24 para 25 de Abril de 1974)!? Eu, só sei que não sei! Alguém que me explique,  que eu estou muito cansado...

Ao fazermos o caminho de Cumbijã para Buba  (Foto nº 1) para apanharmos a LDG para Bissau, junto à bolanha das “Touradas”, um grupo de elementos do PAIGC emerge da mata, armados até aos dentes e nós já completamente desarmados (senti arrepios na espinha), acenando com as mãos e as armas. 

Foi um momento muito estranho, dava a sensação que do dia para a noite o mundo tinha virado do avesso. Ficamos na dúvida se foi um gesto fraterno ou de alívio (passe a presunção). Grupos do PAIGC tinham já ido, creio eu, a todos os aquartelamentos da zona numa visita de cortesia e ao mesmo tempo para falarem com as populações sobre os rápidos desenvolvimentos que iriam conduzir à independência.

Vivi com alguma perplexidade, a forma como gerimos o fim das hostilidades. Esta feliz fotografia publicada no Blogue (paradigma do momento) fala por si!


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974: visita de Bunca Dabó e do seu bigrupo, fortemente armado... Ao centro, o nosso amigo e camarada Jorge Pinto, então alf mil, em farda nº 2, desarmado, fazendo as "honras da casa" (*). O aquartelamento e a povoação foram ocupados pelo PAIGC apenas em 2 de setembro de 1974. (Natural de Turquel, Alcobaça, o Jorge Pinto é professor do ensino secundário, reformado.)

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Um dos beligerantes sempre se apresentando armado até aos dentes enquanto o outro, completamente desarmado, de mãos nos bolsos e de palito ao canto da boca.

Muita... muita negligência, muita descontração e muita “fé...zada” que o Natal é todos os dias…

Nunca a companhia se encontrou ou falou com grupos do PAIGC, nem nunca fomos contactados para os receber (talvez porque não tínhamos população?). Soubemos que passados uns dias depois da nossa saída, estes entraram, a seu pedido, em Cumbijã.

Em Bissau foi descanso, muitos bifes com batatas fritas, muita...muita ostra, com cerveja e ás vezes, imaginem! vinho verde branco fresquinho.

A minha perceção, chegado a Bissau, era o de um clima de “fim de guerra” e ao mesmo tempo tenso.

Só conheci Bissau, fugazmente, nos momentos de partida e regresso de férias, pelo que não dava para comparar. Contudo, era evidente um ambiente de descompressão, que sempre acontece com o fim da guerra, por parte dos militares, mas, ao mesmo tempo, de um nervosismos indisfarçável dos europeus aí residentes: quadros de empresas, funcionários públicos e principalmente comerciantes. O semblante do proprietário da escola de condução, meu instrutor, onde tirei a carta, gritava através do seu silêncio ensurdecedor em cada aula.

Quanto à população em geral a vida continuava, nas suas rotinas de sempre, como se nada tivesse acontecido… ou estivesse para acontecer.

Deu para comprar um terço de um carocha (o carro pertencia a 3), onde o Gouveia me ensinou a conduzir, e um relógio “Citizen” (excelente relógio que ainda hoje funciona) para gastar os últimos pesos

Deu ainda para tirar a carta de condução, em tempo recorde, graças às lições do Gouveia (no meu ⅓ de carocha), com exame no dia anterior ao embarque para Portugal. Incumbi o camarada Mourato, furriel periquito do meu pelotão, para me enviar a dita carta logo que estivesse pronta. 

A carta tardou tanto a chegar que resolvi inscrever-me numa escola de condução para tirar uma nova. Felizmente, antes do exame lá recebi o dito papel com as desculpas do Mourato que não a enviou, por correio, com receio que a mesma não chegasse ao destino dada a anarquia reinante de fim do império. Acabou por ma enviar já em Portugal.

Galinha Gorda... por muito dinheiro

Já em Bissau (a conhecer e a viver um pouco do seu dia dia), éramos chamados a fazer proteção à cidade.

Bissau, em grande parte do seu perímetro, tinha uma proteção de arame farpado com vários pontos de vigia ao longo do seu percurso.

Quando entrava de serviço, uma das funções era fazer a ronda, de jipe com um condutor, por todos os postos de vigia assegurando que todos os soldados estavam nos seus postos e em alerta. Era evidente o desleixo nos postos de vigia dado que se tinha já interiorizado que a guerra tinha acabado.

Num dos postos de vigia, da responsabilidade de soldados da companhia, parei para conversar um pouco. Logo me arrependi porque de imediato vem na minha direção uma mulher esbaforida, a queixar-se de não sei do quê, não conseguindo perceber absolutamente nada do que dizia dada a pressa com que falava. Apercebo-me que os soldados,  em vez de ficarem comigo para me protegerem daquele “ataque” de fúria da mulher, todos se afastam, com um sorriso entre dentes.

Percebi logo que havia história. A mulher, um pouco mais calma, vai ao chão e pega numa pena de galinha e aponta para os soldados. Mistério fácil de desvendar, para este “Sherlock Holmes” do Cumbijã. Estamos perante um crime cheio de rabos de palha: o rancho do almoço estava intacto e junto ao posto de vigia uma fogueira ainda mal apagada.

Exerci a minha autoridade (?) fazendo uma acareação entre as partes. Dizia a mulher: "Estes militares foram à minha tabanca, roubaram, mataram e comeram a minha galinha".

Os soldados afirmaram: "Concordamos com tudo o que a mulher disse menos o rouba da galinha já que foi a mesma (a galinha) que entrou, sem autorização, no nosso posto de vigia, pondo em risco a nossa segurança"…

Assim se chegou à reconstituição do “crime”: Um soldado, que já tinha feito ali serviço, tomou de ponta aquela galinha. Trouxe umas sementes da caserna para a aliciar a entrar na guarita seguindo o carreiro de sementes, deixadas por ele, da tabanca até à guarita, acabando aqui por a matar. Perante a galinha morta, depois de conferenciarem, tomaram a decisão mais sensata de assá-la e comê-la.

Todos assumiram o pecado da “gula” ao afirmarem: "Assámos a galinha e todos a comemos. Soube-nos também como se fosse roubada... mas não foi!"

Afinal não foi nada fácil atribuir culpas, pelo que fui colocando pesos (dinheiro) na mão da mulher até ela se calar. Ou seja: Paguei, mas não comi… mas também não pequei de gula!

Continua...


.

Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.(*)

O livro, saído neste último Natal de 2021, aguarda a melhor oportunidade para a sua apresentação ao público. 

Mas podem desde já serem feitos pedidos ao autor: valor 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro.

Os pedidos devem ser feitos para o e-mail: jscosta68@gmail.com, indicando o endereço postal.
__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 31 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22861: Notas de leitura (1404): Joaquim Costa, "Memórias de guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina. Guiné: 1972/74", Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp. - Parte I: "E tudo isto, a guerra, para quê ? Não sei"...

(**) Último poste da série > 16 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22911: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXII: Os torneios de futebol e a Cilinha que não veio, e a notícia do 25 de Abril que só chegou a 26...

Postes anteriores (faz agiora um ano que começámos a publicar esta série, que já deu um livro):

20 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22824: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI: A "marcha louca" na véspera do Natal de 1973

26 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22754: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XX: outras guerras, outros protagonistas: os mosquitos, as abelhas, as formigas, as matacanhas...

12 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22711: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIX: As hortinhas... dos "durões"

2 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22682: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVIII: A ração de combate

11 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22621: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVII: a minha "bigodaça”... que tanto incomodou os senhores da guerra

22 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22561: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVI: O regresso de férias e o terceiro murro no estômago

31 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22499: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XV: Férias em julho/agosto de 1973... e o teste da cerveja

25 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22482: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIV: " Bora lá... para a nova casa, Nhacobá" (Op Balanço Final)


8 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22350: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XII: A primeira noite em Nhacobá (Op Balanço Final)

23 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22308: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI: Op Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o dia mais longo

7 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22261: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte X: a segunda "visita dos vizinhos" (com novo ataque ao arame)

26 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22225: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IX: O primeiro murro no estômago

1 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22159: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VIII: A primeira visita... dos "vizinhos", com ataque ao arame!

13 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22100: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VII: Cumbijã: a nossa modesta casinha, os picadores e a crueldade das minas

24 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22032: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VI: (i) batismo de fogo... com a reza do terço; e (ii) uma patuscada... de gato por lebre!

23 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22028: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte V: As nossas lavadeiras... e o furriel 'Pequenina'

12 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21996: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IV: O embarque, as 'hospedeiras'… e África Minha

27 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21953: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte III: Depois de Chaves, Estremoz, RC 3, onde fomos formar companhia...

13 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21893: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte II: A minha passagem pela maravilhosa cidade de Chaves depois do martírio de Tavira

3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21844: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 3851, 1972/74) - Parte I: Caldas da Rainha (A chegada às portas da tropa: um fardo pesado); Tavira (Amor, ódio e... trampa)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22824: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI: A "marcha louca" na véspera do Natal de 1973



Foto nº 1 


Foto nº 1A

Foto nº 1 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > c. Natal de 1973 Algures entre Cumbijã e Nhacobá > Base de lançamento das granadas de canhão sem recuo do IN contra o Cumbijã... São bem visíveis  duas valas cavadas feitas à medida do apontador e do municidor do canhão s/r  (Foto nº 1A) > Foto: Cortesia de Carlos Machado 



Foto nº 2

Foto nº 2A

Foto nº 2 B

Foto nº 2 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã >  CCAV 8351 (1972/74 >  c. Natal de 1973  > Pelotão da “Marcha Louco” > Marchar, marchar… até encontrar o covil do IN e seu amigos Cubanos... 2º pelotão sendo eu o primeiro de pé à esquerda  (Foto nº 2A) e o líder “louco” da marcha, alferes Afonso, o primeiro de pé à direita (Foto nº 2B).



Foto nº 3 


Foto nº 3 A

Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > 1974 > Algures entre Cumbijã e Nhacobá: Os furriéis: Machado e Costa... Na base móvel do PAIGC utilizada com sucesso nos ataques ao Cumbijã com canhóes sem recuo. O Machado tentando encontrar o local das minas por ele colocadas depois deste ser alvo de uma queimada, fazendo desaparecer as referências da sua localização. Esta desminagem ocorreu já depois do 25 de Abril de 74, com o objetivo de sinalizar o local com tampas de “bidon” pintadas (Foto nº 3A). Na altura o Furriel Machado já usava calças da moda, rotas nos joelhos! 

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua. 
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI




“A MARCHA LOUCA” 
(para garantir que não haveria “fogo de artifício” no dia de Natal)




Não tenho nenhuma memória do meu segundo Natal no TO da Guiné (1973), contudo julgo que esta “marcha louca” teve lugar nas vésperas desta quadra, tendo em conta o redobrar dos esforços no sentido de garantir alguma tranquilidade neste dia, do qual a tradição não fala de fogo de artifício...

As nossas rotinas continuavam: Patrulhamentos de reconhecimento e proteção na mata, fazer segurança aos trabalhos da estrada, levantar minas e proteger pontões, e, aceitar como fizesse parte destas rotinas as recorrentes flagelações com canhão sem recuo.

Sempre que as flagelações atingiam em pleno o perímetro do destacamento não descansávamos até encontrar o local do lançamento das mesmas, que mais tarde ou mais cedo lá conseguíamos.

Não estávamos preparados para aceitar mais mortes dentro do próprio destacamento com estas flagelações!

Não tínhamos dúvidas que os operadores destes canhões sem recuo eram elementos cubanos,  muito bem preparados tecnicamente. Impressionante a forma como à segunda ou terceira tentativa as metiam quase todas dentro do destacamento. Contudo, é minha convicção que algo mais havia para além da competência técnico dos operadores… “No creo em las brujas, pero hay”.

Enquanto as granadas caiam fora do destacamento,  lá íamos tolerando a ousadia do IN (e seus amigos cubanos). Contudo, quando começavam a cair dentro do perímetro do destacamento a coisa “piava mais fino” e todas as contas eram feitas no sentido de confirmar a direção das mesmas e aferir a distância do local, tendo em vista a sua “caça”.

Geralmente o ataque começava ainda com a luz do dia e acabava já noite posta. Sempre assim atuavam. A noite sempre foi a “praia” do IN, deslocando-se, montando minas e infiltrando-se para o interior do território sem nenhum obstáculo a não ser uma ou outra emboscada noturna e uma ou outra granada de obus.

Os ataques nesta “nesga” de tempo tinha como objetivo evitar a nossa perseguição bem como não denunciar a sua posição,  tendo em conta o clarão provocado pela saída das granadas. Contudo, as últimas canhoadas, já com a noite a cair, acabavam por denunciar a sua direção. Quanto à distância? Alguém disse com toda a propriedade: “é só fazer as contas”, sabendo que a velocidade do som é de 340 m/s...

Já dois pelotões tinham saído com o objetivo de encontrar a base de lançamento das granadas de canhão sem recuo. Nada foi encontrado, pelo que chegou a nossa vez de tentar a sorte. Nesta altura já estava no meu pelotão o meu grande amigo “alfero” Afonso (amigo para a vida), que, não tendo passado todo o calvário da companhia até aí, estava, contudo, imbuído de uma determinação, quase doentia, em encontrar o local do ataque. Na saída vira-se para mim e diz-me com toda a convicção: "Costa, só regressamos ao destacamento depois de encontrarmos a base". Ao que eu repliquei: "Então era melhor reforçarmos as rações de combate !"

Inicia-se assim a “marcha louca”, atravessando trilhos, bolanhas e rasgando a mata com a faca de mato na direção do objetivo que o homem tinha gravado na sua cabeça, sem o auxílio de mapas ou bússolas, que segundo ele só complicavam.

Assumiu a dianteira, substituindo-se ao guia, tornando-se cada vez mais difícil acompanhar o seu andamento. A determinação era tanta que nem nos apercebemos que já estávamos a algum tempo a andar em círculo, com o primeiro da coluna a juntar-se ao último (perante o susto e a estupefação dos dois), caminhando em passo cada vez mais acelerado, mas não saindo do mesmo sítio.

Todas estas voltas se justificavam já que o seu “GPS” marcava que tínhamos chegado ao destino/objetivo. Este estava bem dissimulado na mata. “Manga de ronco”, o nosso homem conseguiu!

Encontramos o local junto a um Baga Baga com duas valas cavadas para se protegerem das nossas granadas de obus (Foto nº 1).

Regressamos ao Cumbijã,  eufóricos e só não demos uma medalha ao nosso “herói” porque foram todas gastas no torneio de futebol inter- turmas (pelotões).

Se o Marcelo da altura fosse o Marcelo de hoje, havia medalha!

No dia seguinte um outro pelotão foi ao local minar a zona, tendo encontrado uma das valas minada.

Felizmente tivemos sossego durante algum tempo, ao fim do qual a rotina voltou…

Continua...

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Nota do editor:

Último poste da série > 26  de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22754: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XX: outras guerras, outros protagonistas: os mosquitos, as abelhas, as formigas, as matacanhas...