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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26280: Humor de caserna (88): Será que no Pu...erto, no Natal de 2024, ainda se fala "grosso" como no nosso tempo da tropa ? Aqui vai um excerto do "dicionário Lisboa-Porto" (com a devida vénia ao doutor José João Almeida, da Universidade do Minho, autor desse livro meritório e patriótico , que é o "Dicionário de Calão e Expressões Idiomáticas", Lx., Guerra e Paz, 2019, 192 pp.)

1. Na Guiné toda malta do Sul (genericamente, os "mouros") achavam piada aos nossos camaradas do "Pu...erto" e arredores, o mesmo era dizer do Norte.  

Nesse tempo viajava-se pouco. Afinal, quem tinha carro ? E graveto ? E estaleca ? E namorada a 300 km de distância ? 

A malta só se conhecia quando havia guerra, e os do Sul iam pró Norte e os do Norte pró Sul... Era preciso a tropa (e a guerra) para uns e outros começarem  a gostar-se mutuamente, a namorar-se (salvo seja!), a casar e a misturar os genes... 

A emigração também foi um bom laboratório para a miscegenação: uns e outros encontravam-se em Paris, Luxemburgo, Estrasburgo, Toulouse, Lyon, Bruxelas, Toronto, Nova Jérsia, etc. 

E antes disso a CP - Caminhos de Ferro de Portugal... Aponta aí a CP, que uniu o Norte e o Sul, o litoral e o interior...Os gaj0s de Baião iam p'ró Barreiro e os da Fuseta para o Pocinho... Factores, manobradores, um ou outro maquinista, chefe de estação, revisor, inspetor, etc.

E, não sejamos injustos, o Movimento Nacional Feminino e os milhões de madrinhas de guerra que a "Cilinha" arranjou para os nossos bravos do Ultramar...600 milhões de cartas e aerograms baralharam línguas, corações, SPM, topónimos, rua, largos, praças, pracetas, lugares, casaism aldeias, vilas, cidades... E às tantas eles elas já trocavam os pés pelas mãos, e os vês pelos bês...E as alftacinhas passaram a amar o Porto que os primos e amigos, com dor de corno, diziam que era uma cidade de granito, escura, austera, suja e fria...

De facto, até então, até à tropa, até ao grande êxodo rural, até à emigração, à CP e a à Cilinha,  quem é que, do Sul, sabia onde ficava a Pasteleira e a Ribeira?!... E os gajos do Norte ainda não tinham o mapa do Google, nem muito menos GPS,  para descobrir a localização do Casal Ventoso ou de Alfama ou de Cacilhas... 

Resultado: o desconhecimento mútuo era atroz, alfacinhas e tripeiros falavam sozinhos quando, de repente, embarcaram nos T/T Niassa, Uíge, Ana Malfada, etc.,  a caminho da Guiné... E viram-se à brocha, de G3 em punho contra as Kalash do 'Nino'...

Mas uma vez lá, aprenderam a falar crioulo, p0nto de partida para começarem a entender-se minimamente... embora com recurso, de vez em quando, ao "Dicionário de calão e expressões idiomáticas" (Lisboa, Editora Guerra e Paz, 2019, 192 pp),  do José João Almeida, da Universidade do Minho, finalmente editado em livro, uma obra meritória e patriótica, que há 50/60 anos ou mais deveria já a ser livro obrigatório na Academia Militar, bem como nos centros de instrução militar...

Em formato digital, em pdf, a obra está também disponível (para os falantes, estudiosos e curiosos) em:

Almeida, José João - Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas (recolha de José João Almeida,. Universidade do Minho. 2024, 287 pp.
Disponível em https://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/calao/dicionario.pdf
 

2. E aqui vai um "cheirinho", uma "prendinha e Natal", tudo "por  mor" da melhoria da comunicação Norte-Sul e vice-versa... Excerto pp. 84.

dicionário Lisboa Porto

Lisboa: 

– Não tenho a certeza se vai ser possível!

 Porto: 

Nem que tu te f*das!

Lisboa: 

 – A sério? E incrível! Diria mesmo impressionante!

 Porto: 

– P*ta que o p*riu!

Lisboa: 

– Claro que isso não me preocupa!

Porto: 

Tou-me a c*g*r e a andar!

 Lisboa: 

Eu não estava envolvido nesse projeto!

 Porto: 

Mas que c*r*lho é que eu tenho a ver com essa m*rda?

 Lisboa: 

Interessante, hein?

 Porto: 

F*da-se!

 Lisboa: 

Será difícil concretizar a tarefa no tempo estipulado!

 Porto: 

Não vai dar nem que me f*da todo!

Lisboa:  

– Precisamos melhorar a comunicação interna!

Porto:

 – P*ta de m*rda!... Não há nenhum c*ralho que me responda???

 Lisboa: 

Talvez eu possa trabalhar até mais tarde!

 Porto:

 – E no c*?... Não queres levar no c* também???!!!

 Lisboa: 

Não está familiarizado com o problema!

 Porto:

 Cala-te, c*r*lho!

Lisboa: 

– Desculpe!

Porto:

 – Vai pá p*ta que te p*riu!

 Lisboa: 

 Desculpe, senhor!

 Porto: 

Vai pá p*ta que te p*riu, seu p*neleiro!

 Lisboa: 

Acho que não posso ajudar!

Porto:

 – F*de-te praí sozinho!

 Lisboa:

 Adoro desafios!

Porto:

 –  P*ta trabalhinho de c*rno!

  Lisboa:

 Finalmente reconheceram a tua competência!

 Porto: 

Foste ao c* a quem?

Lisboa: 

É necessário um treino para o pessoal antes de ligarem a máquina!

Porto: 

– Vou partir os c*rnos a quem mexer nesta m*rda!

Lisboa: 

– Eles não ficaram satisfeitos com o resultado do trabalho!

Porto: 

– Bando de filhos da p*ta!

Lisboa: 

– Por favor, refaça o trabalho!

Porto: 

Enfia  essa m*rda no c*, está uma bela m*rda!

Lisboa: 

– Precisamos reforçar nosso programa de treino!

Porto: 

– Se sei quem foi o filho da p*ta que fez isso...!

◦ Lisboa: 

E necessário melhorarmos nossos índices de produtividade!

Porto: 

E se fossem bater a p*nheta pró meio da rua???!!!

 Lisboa: 

Que pena. Teremos outra não conformidade!

Porto: 

C*r*lho! vai sair c*g*da outra vez!

Lisboa: 

Vamos negociar o projecto com mais determinação!

Porto: 

Vou enfiar isto pela goela abaixo desses filhos da p*ta!

Lisboa: 

Desculpe, eu poderia ter avisado!

Porto: 

Eu sabia que ia dar m*rda!

Lisboa: 

Os índices de produtividade da empresa estão a apresentar uma queda sensível!

Porto: 

Esta m*rda tá a ir pró c*r*lho!

Lisboa: 

Esse projecto não vai gerar o retorno previsto!

Porto: 

 Tá tudo f*dido!

(Seleção, Revisão / fixação de texto, asteriscos, negritos, itálicos: LG)


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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26274: Humor de caserna (87): A virilidade lusitana: das bagas do Sambaro ao estoicismo do Sousa (Jorge Cabral, 1944-2021)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26272: Notas de leitura (1755): "Lavar dos Cestos, Liturgia de Vinhas e de Guerra", por José Brás; Chiado Books, 2024 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
O José Brás/Filipe Bento volta a vindimar com a sua escrita assombrosa, creio que traz recados e avisos solenes de que isto de fazer a vindima vai até o lavar dos cestos, ou seja, que nós combatentes não fiquemos no belo recato de ler o que os outros escrevem atirando para trás das costas as tais memórias da guerra colonial que não se apagam. É um livro comprometedor, a arquitetura vem dos tempos do seu belíssimo romance Vindimas no Capim, mas o que agora nos oferece é mais o sinal dos tempos, constrói-se pelo poder da memória, revisitam-se lugares, gentes, pesadelos e solidariedades e posso-vos dizer que dentro deste processo de escrita onde se fala em termos litúrgicos, como antífona, a oração sobre as oblatas, a oração dos fiéis, despede-se de nós com um solene aviso: compete-nos também o registo de deixar para os outros aquilo que sentimos não foi em vão que por ali andámos a penar para tudo cair no esquecimento.

Um abraço do
Mário



Filipe Bento volta a fazer vindima e diz-nos que do capim há memórias que não se apagam (1)

Mário Beja Santos

A década de 1980 revelou que a literatura da guerra colonial estava a dar um salto qualitativo, entrara-se num período de acalmia e o pulsar da memória levedou numa quase inesperada ficção, podia aqui citar um conjunto de influentes romances, até ensaios, obras de historiografia, poesia, alguma investida memorial, mas fixo-me num surpreendente romance, justamente premiado pela Associação Portuguesa de Escritores, "Vindimas no Capim", de José Brás, então um autor desconhecido. Tratava-se de um romance de formulação invulgar, uma permanente conversa com o leitor, como se estive a acirrá-lo com perguntas, dando ele próprio respostas exclamativas, uma autobiografia de alguém que passara a sua juventude em meios agrícolas, e depois no Sul da Guiné, aqui as vindimas foram outras, havia Guileje, Mejo, Gandembel, lá ao fundo, sempre próximo do Corredor da Morte, havia Cacoca, Sangonhá e Cameconde, lá em cima Balana e, claro está, Aldeia Formosa, Filipe Bento estacionará em Mejo e noutros lugares de permanente sobressalto, confessará as suas dores e amargores, escreverá de forma inequívoca aquilo que muitos de nós já sabíamos e que se veio a comprovar: há memórias da guerra colonial que não se apagam. Mas nas "Vindimas no Capim" sentia-se aquela onda de calor em comunicar a quem quer que seja que aqueles jovens saídos de terras pobres, ordenados numa vida áspera, tinham sido lançados na defesa de uma parcela colonial, acoitados nuns fortins improvisados, a experimentar as penas do inferno. E Filipe Bento perguntava vezes sem fim porque é que tinha andado naquela vindima de pesadelo e porquê tudo por que passara estava agora tão esquecido, quem iria ganhar com o desmemoriamento de tanta luta inglória.


É nisto que o octogenário José Brás salta do esquecimento em que caiu tanta vindima e nos vem alertar do seguinte modo: “Na liturgia das vinhas a vindima seria o seu último salmo. Todavia, na voz do povo se diz que não acaba a missa no corte do último cacho; na derradeira lagarada; no bago que fecha o tonel, e que muita vindima há ainda por fazer até ao lavar dos cestos. Nas courelas que restaram deste anacrónico império, depois da colheita, quantos cestos continuam melados com o mosto das repisadas uvas brancas e tintas?” Presumo que aquilo que ele nos quer dizer é que temos todos a obrigação de fazermos a nossa vindima até ao lavar dos cestos, é assim o dever de memória para que as novas gerações guardem na sua identidade um sofrimento inaudito dos seus ancestrais, participantes num desastre anunciado.

Temos agora o "Lavar dos Cestos", José Brás e Chiado Books, 2024, Filipe Bento regressa ao Sul da Guiné, quartel de Guileje, estão a ouvir-se estrondos em Gandembel, quem aqui está vive o pesadelo, um quotidiano de infortúnio, fez-se um octógono que até parece inexpugnável, ali no Corredor da Morte, o PAIGC não se intimida com aquele fortim solitário, espicaça quem lá vive com tormentosas flagelações, Filipe acordou arrelampado com tanto estrondo, reflete em voz alta:
“Mejo e Guileje, buracos abertos na mata subtropical do Sul da chamada província ultramarina da Guiné, quadrados de cem, cento e poucos metros de lado, paliçada a todo o perímetro construída por duas paredes de cibes, rijíssimas árvores cortadas a propósito e sobrepondo-se, tronco deitado sobre tronco, deitado até uma altura de um homem baixo, separadas as ditas paredes por cerca de um meio metro de vazio que seria cheio de terra, finalmente, quando não mesmo, muitas vezes ainda, e com isso, nesses casos, lá fica desasada a palavra finalmente, muitas vezes ainda, volto a dizer, cosida exteriormente a chapa dos dois lados, lata recuperada dos bidões de duzentos litros da gasolina que alimentava as viaturas, unimogs, jipes e GMC’s, e o gerador elétrico do local destas praças militares portuguesas intervaladas por postos e aquartelamentos do inimigo a escassas distâncias, quatro, cinco, sete quilómetros de mata densa e alta.”

Pode parecer absurdo um inimigo, feroz e destemido, altamente motivado, estar posicionado a tão curta distância, mas as coisas passaram-se assim, aquele corredor da morte era um cordão umbilical para abastecimentos do PAIGC, de gentes, armamento, coisas de hospital e farmácia e mantimentos para a boca. E Filipe Bento já sonha com a passagem para Bolama, mas para ali chegar há que percorrer uma boa distância até Gadamael-Porto, e então, por lancha ou batelão e rio abaixo até Bolama. Mas, ó gente, vamo-nos preparar porque Filipe Bento tem histórias passadas para contar, fez recruta e especialidade, passou pela Carregueira, vai-nos contar ao pormenor e com palavreado da caserna, tudo quanto ali viveu, nas Caldas da Rainha ou em Tavira, entra em cena o major Leiria, associado àquele território onde ele passou a juventude, o pessoal das vinhas. O segredo desta vibração da escrita passa pela recuperação da arquitetura que o José Brás já utilizara em "Vindimas no Capim", a interpelação que tanto desassossega o leitor, ora estamos no quartel ora na taberna, e até se aproveita a circunstância para se dar ensinamento ao leitor urbano:
“Se vocês pensavam que uma enxada era assim uma coisa tão simples, só uma enxada, sem mais nada, a bendizer só a palavra, desenganem-se!
Enxada de dois ferros, um pouco mais curta na chapa, a fim de realizar uma cava mais funda com duas enxadadas no mesmo exato lugar. Enxada de um ferro, mais compridita para cavar num só golpe, não tão fundo, mas envolvendo uma amplitude maior de terra. Enxada de dois bicos que, como o nome indicia, alongava a meia-lua nos bicos, mais grossa e pesada, com um cabo direito para cavar terra seca e amontoar levas atrás do cavador a fim de facilitar a entrada da luz do Sol até mais fundo.”


Umas vezes estamos lá na terra das vindimas, outras vezes nas Caldas, em Tavira ou em Caçadores de Infantaria. Mas importa que se saiba onde vivia Filipe Bento antes de pegar em armas:
“A aldeia é pequena. Apesar de ser sede de Freguesia, de ter igreja paroquial, procissão dos passos anualmente, duas mercearias, festas de verão, escola de rapazes e raparigas, tem apenas a rua principal que sobe desde o cemitério, mesmo ao pé das abegoarias do Manel, outro Manel, Cortador, dono do talho, perto também da forja do Tóino Ferreiro, e passa pela farmácia, à esquerda, sempre a subir e do mesmo lado, a loja debaixo, o casarão apalaçado do Zé Fernandes, os Figueiras com a padaria.” E a descrição vai até ao largo, ficamos também a saber que o caminho que nos levaria à Seteirinha se à Seteirinha quiséssemos ir, tínhamos duas casas grandes do lado direito de quem entra, subindo como vínhamos subindo, olhando as fachadas, tentando perceber a gente que atrás delas vive. No canto direito do limite do largo, a loja de cima que fica por baixo da escola dos rapazes.

E depois, o Filipe Bento vai-nos falar de vinhas e enxertias e até de podas, prepare-se o leitor para uma exaltação das magnificências do que se extrai da terra, que beleza de escrita.
Lisboa, Casa do Alentejo, dia 1 de Dezembro de 2024 > Lançamento do livro "Lavar dos Cestos", por José Brás > Aspecto geral da Sala
Lisboa, Casa do Alentejo, dia 1 de Dezembro de 2024 > Lançamento do livro "Lavar dos Cestos", por José Brás > Intervenção do Coronel Carlos Matos Gomes
Lisboa, Casa do Alentejo, dia 1 de Dezembro de 2024 > Lançamento do livro "Lavar dos Cestos", por José Brás > Intervenção do nosso camarada Mário Beja Santos


Lisboa, Casa do Alentejo, dia 1 de Dezembro de 2024 > Lançamento do livro Lavar dos Cestos, por José Brás > Actuação do Grupo Coral Fora D'Oras

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26125: Agenda cultural (865): Convite para o lançamento do livro "Lavar dos Cestos - Liturgia de Vinhas e de Guerra", da autoria de José Brás, a levar a efeito no próximo dia 1 de Dezembro, pelas 15h00, na Casa do Alentejo, Rua das Portas de S. Antão, 58 - Lisboa. Com a participação do Coronel Carlos Matos Gomes, representante da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo e do Grupo Coral Fora D'Oras (Cante)

“LAVAR DOS CESTOS - Liturgia de Vinhas e de Guerra” pode ser adquirido na rede de livrarias independentes espalhadas por todo o país;
É também comercializado Online na seguinte rede:
- AtlanticBookshop.pt
- Fnac.pt
- Bertrand.pt
- Wook.pt
- e ainda a pedido via mensagem na página Facebook do autor ou e-mail jasbras1@sapo.pt e enviado via correio CTT.

Último post da série de 13 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26263: Notas de leitura (1754): Ex-combatentes açorianos da Guiné falam das suas tatuagens (Mário Beja Santos)

sábado, 30 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26218: Lembrete (50): Lançamento do livro "Lavar dos Cestos - Liturgia de Vinhas e de Guerra", da autoria de José Brás, a levar a efeito amanhã, dia 1 de Dezembro, pelas 15h00, na Casa do Alentejo, Rua das Portas de S. Antão, 58 - Lisboa

L E M B R E T E




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"LAVAR DOS CESTOS – Liturgia de Vinhas e de Guerra"

JOSÉ BRÁS

SINOPSE


Protagonista e espectador de si próprio e da forte realidade no centro da mata sub-tropical do sul da Guiné, ainda, então, colónia portuguesa à força do regime de Salazar, neste caso, contra um Exército de Libertação aguerrido, bem treinado e habilmente liderado por Amílcar Cabral que tinha já como zonas libertadas extensas partes da colónia e populações, ocupando com guerrilheiros muitas e importantes localidades do pequeno território, Filipe Bento, mais tarde confundido com Arnaldo Matos e mesmo por vezes com José Brás, inicia uma viagem de vai e vem, contra a linearidade da acção e mesmo do espaço e do tempo, que o irá retirar do agressivo lugar de guerra da zona de Medjo-Guiledje-Gandembel-Gadamael Porto, navegando à sorte pelo Rio Cacine, por Catió, por outras zonas de guerra, até Bolama, até Bissau, tendo em mira a volta a Lisboa e ao Quartel de Caçadores de infantaria, onde, equivocado, julga ir deixar os restos de si dos últimos dois anos.

Mas não acaba em Caçadores de infantaria esta sua viagem de ida e volta. Na aldeia descobre que pouco mudou, apesar da aparência dos bairros novos que alargam a cidade nos despojos que a guerra oferece a quem a serve de livre vontade; apesar da fuga dos ranchos das beiras para paragens mais distantes e europeias; apesar da transformação dos meninos guerreiros de retornados da guerra em serventes de pedreiro nos arrabaldes da cidade, em motoristas, em padeiros, em polícias, em porteiros de prédios novos.

Filipe Bento anseia encontrar os meninos da sua aldeia e não os encontra. Busca perceber como é que esses companheiros nascidos já escravos das vinhas, se haviam transformado em soldados prontos a marchar de G3 para uma quente terra e uma guerra de que pouco ou nada conheciam. Em que escola, em que catequese, em que relações de poder envolvendo gente sem terra, ganhões de jorna pouca, pequenos agricultores, GNR’s, negociantes, armazenistas, caciques locais e land lords de extensas vinhas e grandes adegas, com interesses económicos já noutros negócios, patrões a quem começavam a faltar a mão de obra local e os beirões para tratar de suas terras.

E, na sua busca, Filipe Bento volta a viver Bissau, volta ao mato do sul da Guiné, às emboscadas, às patrulhas, às flagelações sobre miseráveis aquartelamentos onde vivera, volta a Guiledje e a Medjo, e ao Rio Balana, e ao Corredor da Morte, aos amigos feridos e mortos. E retorna ao Cais da Rocha e a Caçadores de Infantaria, e a Tavira; às vinhas de seus avós e à ingenuidade de mosca que eram na base do sistema, presas na teia da pirâmide de um Poder e de um regime que se mantinha no mito do Império que nunca foi, descobrindo que alguns desse meninos que reencontra, começavam a aprender sobre a guerra em África, o que não sabiam quando para lá partiram.

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Notas do editor

Vd. post de 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26125: Agenda cultural (865): Convite para o lançamento do livro "Lavar dos Cestos - Liturgia de Vinhas e de Guerra", da autoria de José Brás, a levar a efeito no próximo dia 1 de Dezembro, pelas 15h00, na Casa do Alentejo, Rua das Portas de S. Antão, 58 - Lisboa. Com a participação do Coronel Carlos Matos Gomes, representante da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo e do Grupo Coral Fora D'Oras (Cante)

Último post da série de 28 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26210: Lembrete (49): Tabanqueiros/as do Centro, que não vos falte o fôlego para apagar amanhã as 100 velas do bolo!

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26125: Agenda cultural (865): Convite para o lançamento do livro "Lavar dos Cestos - Liturgia de Vinhas e de Guerra", da autoria de José Brás, a levar a efeito no próximo dia 1 de Dezembro, pelas 15h00, na Casa do Alentejo, Rua das Portas de S. Antão, 58 - Lisboa. Com a participação do Coronel Carlos Matos Gomes, representante da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo e do Grupo Coral Fora D'Oras (Cante)

C O N V I T E


JOSÉ BRÁS

Nasceu no concelho de Alenquer em 1943, estudou e trabalhou em Vila Franca de Xira, onde participou ativamente na animação da secção cultural da União Desportiva Vilafranquense, praticou remo de competição e pegou toiros integrado no Grupo de Forcados local.

Mobilizado para a Guiné, aí fez a guerra colonial entre 1966 e 1968. Regressado, entrou para os quadros da TAP como Comissário de Bordo. Fez teatro em grupos de amadores, foi ativista associativo e animador cultural. Eleito Presidente do Conselho Municipal de Loures, foi responsável pela organização do pelouro da cultura e desporto na Câmara Municipal entre 1974 e 1981, tendo sido posteriormente, eleito como Presidente da Junta de Freguesia de Loures até 1985.

Em 1986 foi galardoado com o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura, na modalidade de ficção narrativa com o livro “Vindimas no Capim”, editado pela Europa-América.

Em 1989 foi eleito Presidente da Direção do Sindicato do Pessoal de Voo da Aviação Civil, cargo que exerceu até 1997, tendo, na sequência, exercido a coordenação da Frente Sindical da TAP constituída por 16 sindicatos, até 1995.

A viver desde 1997 em Montemor-o-Novo, fundou uma escola de pilotagem e exerceu as funções de instrutor de voo, tendo encerrado a escola em 2008.

Livre de outras atividades, dedicou-se de novo à escrita, colaborando com blogs na área da poesia e da “blogoterapia” da guerra, e, dessa colaboração, tem, sem intenção de edição, “No Bin Fala Mantenha”, textos de debate sobre as particularidades do colonialismo português e sobre a Guerra Colonial.

Com chancela Chiado Editora, apresentou em janeiro de 2011 novo trabalho de ficção narrativa com o título “Lugares de Passagem”. Na área da composição lírica, tem reunido a sua produção em edições pessoais que oferece a amigos via NET, desinteressado da edição no mercado.

“Itinerân(s)ias”, “Na Volta do Correio”, POESIA quase… quase ERÓTICA”, “Poesia da Guerra Colonial” “Litania de um Tempo de Dúvidas”, são títulos não editados para o mercado, reunindo conjuntos de textos seus.

Tem ainda poemas seus incluídos em várias Antologias.

É, desde 2017, membro do Coral Fora D’oras, grupo de CANTE alentejano de Montemor-o-Novo.



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"LAVAR DOS CESTOS – Liturgia de Vinhas e de Guerra"

SINOPSE


Protagonista e espectador de si próprio e da forte realidade no centro da mata sub-tropical do sul da Guiné, ainda, então, colónia portuguesa à força do regime de Salazar, neste caso, contra um Exército de Libertação aguerrido, bem treinado e habilmente liderado por Amílcar Cabral que tinha já como zonas libertadas extensas partes da colónia e populações, ocupando com guerrilheiros muitas e importantes localidades do pequeno território, Filipe Bento, mais tarde confundido com Arnaldo Matos e mesmo por vezes com José Brás, inicia uma viagem de vai e vem, contra a linearidade da acção e mesmo do espaço e do tempo, que o irá retirar do agressivo lugar de guerra da zona de Medjo-Guiledje-Gandembel-Gadamael Porto, navegando à sorte pelo Rio Cacine, por Catió, por outras zonas de guerra, até Bolama, até Bissau, tendo em mira a volta a Lisboa e ao Quartel de Caçadores de infantaria, onde, equivocado, julga ir deixar os restos de si dos últimos dois anos.

Mas não acaba em Caçadores de infantaria esta sua viagem de ida e volta. Na aldeia descobre que pouco mudou, apesar da aparência dos bairros novos que alargam a cidade nos despojos que a guerra oferece a quem a serve de livre vontade; apesar da fuga dos ranchos das beiras para paragens mais distantes e europeias; apesar da transformação dos meninos guerreiros de retornados da guerra em serventes de pedreiro nos arrabaldes da cidade, em motoristas, em padeiros, em polícias, em porteiros de prédios novos.

Filipe Bento anseia encontrar os meninos da sua aldeia e não os encontra. Busca perceber como é que esses companheiros nascidos já escravos das vinhas, se haviam transformado em soldados prontos a marchar de G3 para uma quente terra e uma guerra de que pouco ou nada conheciam. Em que escola, em que catequese, em que relações de poder envolvendo gente sem terra, ganhões de jorna pouca, pequenos agricultores, GNR’s, negociantes, armazenistas, caciques locais e land lords de extensas vinhas e grandes adegas, com interesses económicos já noutros negócios, patrões a quem começavam a faltar a mão de obra local e os beirões para tratar de suas terras.

E, na sua busca, Filipe Bento volta a viver Bissau, volta ao mato do sul da Guiné, às emboscadas, às patrulhas, às flagelações sobre miseráveis aquartelamentos onde vivera, volta a Guiledje e a Medjo, e ao Rio Balana, e ao Corredor da Morte, aos amigos feridos e mortos. E retorna ao Cais da Rocha e a Caçadores de Infantaria, e a Tavira; às vinhas de seus avós e à ingenuidade de mosca que eram na base do sistema, presas na teia da pirâmide de um Poder e de um regime que se mantinha no mito do Império que nunca foi, descobrindo que alguns desse meninos que reencontra, começavam a aprender sobre a guerra em África, o que não sabiam quando para lá partiram.

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Nota do editor

Último post da série de 7 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26124: Agenda cultural (864): Convite para o lançamento do livro "Um Grande Militar Português - General Bethencourt Rodrigues" da autoria de António Pires Nunes, a levar a efeito no próximo dia 5 de Dezembro, pelas 17h30, no Auditório das Instalações do Instituto Universitário Militar, em Pedrouços. A obra será apresentada pelo Major-general João Vieira Borges

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26054: Agenda cultural (862): Lançamento do livro Poemas de Han Shan (edição bilingue, seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu): 19 de outubro, sábado, 17h00 | Casa do Comum, Bairro Alto, Lisboa



Capa do livro "Han Shan: Poemas": seleção, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Edição bilingue. Lisboa, Grão-Falar, 2024 (*)


Lançamento do Livro "Poemas de Han Shan" | 19 de Outubro  | 17h00 | Casa do Comum | Bairro Alto, Lisboa (**)



“Lê os verdadeiros escritores, lê Balzac, Han Shan, Shakespeare, Dostoieveski.”

Jack Kerouac

O homem que um dia se chamou Han Shan, ninguém sabe quem foi. Quando alguém o via, considerava-o um doido, um pobre diabo. Vivia retirado na montanha Tiantai, sete léguas a oeste do distrito de Tangxing, num lugar chamado Han Shan (Montanha Fria), entre rochas e falésias. Daí descia frequentemente para o templo de Guoqing, ao encontro do seu amigo Shi De, encarregado da limpeza da cozinha do mosteiro que lhe guardava restos de comida em malgas feitas com cana de bambu.

Lu Qiuyin (Séc. IX)

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas do budismo chan, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo.

 António Graça de Abreu

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António Graça de Abreu

O escritor, tradutor e nosso
camarada António Graça
de Abreu com a esposa,
Hai Yuan

  • nasceu no Porto, em 1947; 
  • licenciado em Filologia Germânica, mestre em 
  • História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses
  • foi professor de Português em Pequim e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras;
  • viveu em Pequim e Xangai entre 1977 e 1983;
  • foi professor do ensino secundário e assistente convidado leccionando Sinologia no Instituto de Estudos Orientais  da Universidade Nova de Lisboa, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e na Universidade de Aveiro;
  • traduziu para português a peça de teatro Xi Xiang Ji (O Pavilhão do Ocidente), de Wang Shifu (1260?-1320?), editada em 1985 pelo Instituto Cultural de Macau;
  • e também as antologias Poemas de Li Bai, Poemas de Bai Juyi, Poemas de Wang Wei, Poemas de Han Shan e Poemas de Du Fu publicadas em Macau, respectivamente, em 1990, 1991, 1993, 2009 e 2015;
  • traduziu também o Tao Te Ching, editado em Portugal pela Vega Ed., 2013;
  • o seu livro Toda a China I e II, 2013 e 2014, é um extenso conjunto de textos sobre as suas muitas viagens e vivências exactamente por todo o território da República Popular da China, mais Taiwan, Hong Kong e Macau;
  • historiador e poeta, é também autor da biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim (1751-1808), co-autor dos dois volumes da Sinica Lusitana, 2001 e 2004, e dos livros de poesia China de Jade, China de Seda, Terra de Musgo e Alegria, China de Lótus, Cálice de Neblinas e Silêncios, A Cor das Cerejeiras e Lai Yong, Bernardo e outros Poemas;
  • publicou ainda o Diário da Guiné, o relato da sua experiência de guerra durante os anos 1972/1974; e dois livros de viagens, sobre as suas duas voltas ao mundo, Notícias Extravagantes de uma Volta ao Mundo e Odisseia Magnífica;
  •  entre 1996 e 2002 pertenceu ao Board da European Association of Chinese Studies (Heidelberg, Edimburgo e Turim);
  • com a tradução dos Poemas de Li Bai, obteve o Prémio Nacional de Tradução 1990, do PEN Clube Português/Associação Portuguesa de Tradutores.


(aberto, sábado, das 12h00 às 2h00)  

(...) A Casa do Comum, projecto da Ler Devagar e imaginado por José Pinho, inaugurado a 31 de outubro de 2023, no Bairro Alto, é um espaço que se propõe como um ponto de encontro da cidade com a cultura.

Num edifício com 3 pisos coexistem uma sala de espectáculos com possibilidade de apresentação de cinema, artes performativas, concertos e conferências, uma livraria generalista, uma livraria alfarrabista e um bar, devolvendo ao Bairro Alto a sua participação na cena cultural da cidade e restituindo aos residentes da cidade um espaço que alia a fruição cultural à vida social no centro histórico. (...)


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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 12 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26039: Agenda cultural (861): Convite para o lançamento do livro "CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA, de Joaquim Costa, a ter lugar no próximo dia 9 de Novembro, pelas 16h00, na Bibliotaca Municipal de Gondomar, Av. 25 de Abril. Apresentação do livro a cargo do Dr. Manuel Maria

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26031: Roteiro dos museus e outros lugares de memória e cultura, abertos (ou a abrir) ao "antigo combatente" (1): Museu Militar de Lisboa e seus núcleos museológicos (Sala dos Gessos, OGFE, e PC-MFA)



Museu Militar de Lisboa (Foto:  cortesia de: www.exercito.pt )




Museu Militar de Lisboa > O fabuloso Pátio  dos Canhões  (Fonte: cortesia da página do Facebook)


1. A propósito de museus e monumento nacionais... a que têm acesso (gratuito) os antigos combatentes (*). 

Vamos abrir aqui uma campanha de informação e sensibilização para que o nosso benefício (social) se alargue também, pelo menos (e para já), aos museus municipais, sociais e privados... Há pequenos museus muito interessantes, espalhados por esse país fora, de Norte a Sul, de Oeste a Leste...

O Juvenal Amado, o Eduardo Estrela e outros camaradas que mostraram interesse por esta temática (*), com a nossa ajuda, podem identificá-los e ajudar a "sensibilizar" os proprietários e gestroes desses museus e núcleos museológicos (autarquias, misericórdias, Igreja, etc.) para a discriminação de que somos vítimas... 

É uma boa pergunta, a do Juvenal..,. Afinal, quantos somos ainda ? 500 mil, apontas ele ? Falamos de  um universo inicial de 800 mil (não contando com os nossos camaradas do recrutamento de Angola, Guiné, Moçambique e por aí fora, juntemo-lhes aí mais uns 200 mil)... Quantos não terão  já terão morrido ? 300 mil ? É mais de um terço, são 37,5%... Mas ninguém sabe ao certo... 

Teríamos  que incluir a diáspora lusófona, os nossos camaradas do continente e "ilhas adjacentes" (Açores e Madeira) que deixaram a terra ingrata e foram para o Brasil, a Venezuela, os EUA, o Canadá, a França, a Alemanha, o Luxemburgo, a Suiça, o Reino Unido, a Austrália, a África do Sul, e por aí...

2, Não há estatísticas seguras, mas no Portal do Governo, pode ler-se (informação do histórico XXIII Governo - República Portugal):

2023-09-01 às 12h41 : Emitidos mais de 409 mil Cartões de Antigo Combatente

(...) Estatuto do Antigo Combatente entrou em vigor há 3 anos. Já foram emitidos mais de 409 mil cartões de Antigo Combatente e enviadas quase 148 mil insígnias desde a entrada em vigor do Estatuto do Antigo Combatente, há três anos, e estão a aumentar os indicadores de acesso aos benefícios e direitos nele consagrados.

Ao assinalar esta data, a Defesa Nacional renova o seu compromisso com o aprofundamento dos direitos e benefícios consagrados no Estatuto. (...)

Trata-se de continuar a reconhecer e dignificar os Antigos Combatentes e valorizar os benefícios proporcionados a mais de 400 mil pessoas: no seu reconhecimento, na sua mobilidade, em situações mais extremadas de necessidade de apoio (como as de sem-abrigo), no acesso a museus públicos e na preservação da memória." (...)


Principais indicadores:

(i) cartão de Antigo Combatente: emitidos 409.721 cartões (95% dos pedidos registados);

(ii) insígnia de Antigo Combatente: enviadas 147.822 insígnias;

(iii) trransportes públicos gratuitos: 51.474 "passes de Antigo Combatente" ativos em Lisboa e Porto, mais 59; e nas restantes comunidades intermunicipais,
102,

(iv) o número acumulado de carregamentos naquelas áreas metropolitanas quase duplicou no último ano, e registou-se um aumento superior a 12 mil títulos nas comunidades intermunicipais.

(v) entrada gratuita em museus e monumentos nacionais: 6.495 bilhetes de Antigo Combatente em museus e monumentos sob alçada do Estado.

(vi) Rede Nacional de Apoio aos militares e ex-militares com perturbação psicológica crónica: 162 utentes integrados na rede após a entrada em vigor do Estatuto, num total de 852 pessoas em acompanhamento.

(viii) apoios prestados no âmbito do Plano de Ação para Apoio aos Deficientes Militares: 435 deficientes militares e 44 cuidadores abrangidos desde a implementação do Estatuto; estão em acompanhamento 1.770 pessoas.

(viii) Plano de Apoio Social aos Antigos Combatentes em Situação de Sem-Abrigo: 29 pessoas em acompanhamento.

(ix) isenção de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS): abrange o universo de Antigos Combatentes. (...)

Em resumo, 410 mil cartões passados (95% dos pedidos registados), 6,5 mil bilhetes emtidos para entrada em museus e monumentos nacionais... Dá c. 1,6% de visitantes (admitindo que cada entrada corresponde a um antigo combatente)...

Estamos convencidos que este "privilégio" que reivindicamos (a isenção para todos os museus e monumentos, tutelados pelo Estado e demais entidades, incluindo autarquias, privados, etc.) aumentaria a frequência destes lugares de memória e cultura... 

Muitos dos antigos combatentes já têm uma autonomia e mobilidade mais reduzida, não lhes sendo fácil ir a Lisboa, Porto, Coimbra e outras cidades onde se concentram uma grande parte dos principais museus e monumentos nacionais...


3. Vamos listar aqui alguns desses museus e monumentos, começando pelos museus "militares": 

Localização: Largo do Museu da Artilharia 1100-366 Lisboa (em frente da Estação de Santa Apolónia).

Horário: de terça-feira a domingo| 10h00 – 17h00 (Últimas admissões: 16h15).


Entrada livre aos domingos e feriados até às 14h00, para todos os cidadãos residentes em território nacional.

O Museu encerra às segundas-feiras, e ainda em: 1 de janeiro, domingo de Páscoa, 1 de maio e 25 de dezembro.

Acesso: Gratuitidade aos Antigos Combatentes (AC e viúvas de AC, detentores dos cartões previstos nos artigos 4º e 7º do Estatuto do Antigo Combatente (Art.º 18 do Anexo I da Lei n-º 46/2020 de 20 de agosto).


​​​4. Missão:

(...) "O Museu Militar de Lisboa (MusMil Lisboa) promove a valorização, o enriquecimento e a exposição do património histórico-militar a si atribuído, onde se inclui o Núcleo Museológico do Buçaco, o Núcleo Museológico da Artilharia de Costa, o Espaço Museológico do Movimento das Forças Armadas e o Núcleo Museológico de Fardamento e Equipamento." (...)

​Hierarquicamente, está dependente da Direção de História e Cultura Militar​que, além deste, tutela ainda os seguintes museus mlitares e outras unidades:



5. De acordo com a Wikipedia, o Museu Militar de Lisboa, que está sob a tutela do Exército Português, é o maior museu militar em Portugal e um dos mais antigos da cidade de Lisboa. É possuidor de um vasto e valioso património museológico.

Encontra-se classificado, desde 1963,  como Imóvel de Interesse Público.

Começou a ser organizado em 1842, no Arsenal Real do Exército, pelo Barão de Monte Pedral, com a finalidade de guardar e conservar material bélico. O museu contém uma grande exposição de armas, uniformes e documentos militares históricos.

No reinado de D. Maria II, em 1851, o edifício passou a denominar-se por  Museu da Artilharia , nome que conservaria até 1926, data em que passou a ter a actual designação.

Nos finais do Séc. XIX e início do Séc. XX, o seu primeiro director, general José Eduardo Castelbranco, para apoiar a exposição das peças, fez decorar novas salas com trabalhos dos nossos melhores artistas da época.

 O Museu tem desde 1998 um espaço nas Caves para a realização de exposições temporárias e outros eventos culturais.


6. Coleções do Museu Militar de Lisboa:

(i) Peças de artilharia em bronze;  é considerada uma das mais completas coleções  a nível mundial:  as peças são preciosos documentos históricos, tanto pelas suas inscrições e símbolos heráldicos, como pelas ornamentações bem ao estilo das épocas das respectivas fundições.

(ii) Azulejaria:  é constituída por vinte e seis painéis de azulejos, dos séculos XVIII, XIX e princípios do século XX que representam os factos mais notáveis da história nacional decorrido entre 1139 e 1918. São da autoria dos artistas:

  • José Estêvão Cancela, 
  • Vítor Pereira, 
  • Gustavo Bordalo Pinheiro
  •  e Leopoldo Batistini.

(iii) Quadros: estão aqui representado alguns dos nomes mais aclamados da pintura portuguesa de finais do século XIX e início do século XX, tais como;

  • Adriano Sousa Lopes, 
  • Columbano Bordalo Pinheiro, 
  • José Malhoa, 
  • Carlos Reis, 
  • Veloso Salgado, entre outros.
(iv)  Escultura: destaque também para obras dos esculyores:

  •  Delfim Maya, 
  • Rafael Bordalo Pinheiro
  •  e José Núncio.

As colecções do museu são apresentadas em 33 espaços expositivos. Na visitam destaca-se:
  •  a sala Vasco da Gama com uma coleção de antigos canhões e murais modernos representando a descoberta do caminho marítimo para a Índia;
  • no primeiro andar,  as salas dedicadas à Primeira Grande Guerra;
  • outras salas descrevem a evolução das armas em Portugal, desde as lâminas de sílex, às lanças e às espingardas;
  • o pátio dos canhões (vd. foto acima), conta a história de Portugal em 26 painéis de azulejos, desde a Reconquista cristã à Primeira Guerra Mundial;
  • há ambém uma sala com peças miniaturas; 
  • o museu tem cerca de 26 mil peças. 

Na parte mais antiga do museu, a secção de artilharia portuguesa, exibe o carro usado para o transporte das colunas do Arco da Rua Augusta, em Lisboa.


6 . Núcleos museológicos do Museu Militar de Lisboa:

(i) Sala dos Gessos

  • aqui estão reunidas vários moldes para estatuária de figuras relevantes de Portugal, nomeadamente o molde da estátua de D. José I, localizada na Praça do Comercio);
  • localização: Campo de Santa Clara 1100-453 Lisboa;
  • horário: Segunda-feira a sexta-feira, das 10h30 às 12h00 e das 14h00 às 16h00;
  • visitas só com marcação prévia: Telefone 218 842 569. E-mail: musmillisboa@exercito.pt
  • Entrada gratuita

(ii) Núcleo Museológico do Fardamento e Equipamento (OGFE)


  • localização: Campo de Santa Clara, 1100-353 Lisboa;
  • visitas só com marcação prévia: 218 842 569. E-mail: musmillisboa@exercito.pt.
  • entrada gratuita.

(iii) Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas (PC-MFA)

  • localização: Quartel da Pontinha, Av. do Regimento de Engenharia n.º 1 - 1675-103 Pontinha.
  • visitas só com marcação prévia: Telefone: 219 320 000. E-mail: geral@cm-odivelas.pt.
  • entrada gratuita.

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Nota do editor:

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26004: O melhor de... A Marques Lopes (1944 - 2024) (12): Uma noite no "Comodoro" com o Herculano Carvalho , da 3ª CCmds("Cabra Cega", 2015, pp. 442/443 e 452/461)





Lisboa > Praça D. João da Câmara, nº 20> Restaurante-bar "Comodoro" > C. 1960 > Cortesia do blogue "Restos de Cokleção" > 16 de outubro de 2018



Notícia da inauguração do restaurante-bar "Comodor0" > Diário de Lisboa, 
5 de fevereiro de 1960, pág. 15.


1. Mais um excerto das melhores partes do livro de memórias do A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Editora, 2015, pp. 442/443 e 451/461 (com a devida vénia...) (*)


Sabendo do prognóstico reservado da doença de evolução prolongada que o iria vitimar,e  apesar do seu apego à vida, e do seu franco otimismo, o A. Marques Lopes quis partilhar, anmtes de morrer,  muitas das melhores páginas do seu livro de memórias, "Cabra Ceba", acabando por assumir que era a sua autobiografia... Terá sido uma espécie de último testamento. Replicar aqui alguns dssses excertos é homenagear a sua memória. Ele foi um dos primeiros camaradas da Guiné a dar cara no nosso blogue, logo em 2005. Tem mais de 280 referências

Seguimos o seu texto, respeitando a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, nas postagem de 19 de maio de 2023, 19:20.
  

O Herculano de Carvalho, da 3ª CCmds, e o "Comodoro"...

por A. Marques Lopes (1944-2024) (*)

 

Já no hospital militar da Estrela encontrei lá o Herculano (**) logo no primeiro dia. Andava nos tratamentos.

  Vais ficar aqui? 
  perguntou-me.

 − Tem que ser, não é?

 − Pelo teu aspeto, pelo tipo de ferimentos que tens até te mexes bem, parece-me que não tem que ser. Tens cá família?

 − Tenho os meus pais, moram em Lisboa.

 −  Então faz como eu. Quando cá cheguei disse-lhes que tinha família na Amadora e eles deixaram-me ir para casa deles. Só venho cá aos tratamentos. E já me disseram que não vão durar muito porque isto não tem cura, qualquer dia vou a uma junta médica e mandam-me embora. E, olha, até te vão agradecer porque precisam de camas para casos mais graves e para gajos que são da província.

Fiquei encantado com a ideia e fui com o Herculano aos serviços administrativos. Ficou assente que podia ir para casa e que devia estar no hospital todas as segundas, quartas e sextas, às nove horas, para tratamentos.

O Herculano levou-me no seu Citroen 2 cavalos até à porta da casa dos meus pais.

 
 − Está aqui o meu telefone   − disse-me ao despedir-se.   − Dá-me um toque para combinarmos ir dar uma volta por aí.

 − Claro, podes ter a certeza. (...)

(...) No dia seguinte telefonei-lhe.

 
− Queres ir dar uma volta esta noite? Ou tens que ir ao hospital amanhã?

 − Não, não tenho. Olha, ainda bem que me ligaste porque precisava de falar contigo. Mas aonde é que estás a pensar ir?

  Não vou aos fados, pá, nem penses. Quero ir ao "Comodoro", é um sítio porreiro e já tenho saudades daquilo.

Era verdade. Não tinha lá ido ainda desde que traçara o plano de tratamento. Fora a outros mas àquele não.

 
 − Hui, isso é muito chique, de gente fina! Há outros sítios de gente mais como nós. Além disso, não podes antes encontrar-te comigo esta tarde?

Falava alto pra caraças. Não estava a perceber as reticências dele. Já tínhamos andado os dois por vários lados, por onde o ele queria. Fora num deles que o ligara à organização. Achou que desta vez era eu a decidir.

 
 − Não, não pode ser  − disse-lhe.   − Já tenho o meu esquema montado. Tenho uns filmes para ver e estou mesmo decidido a ir ao "Comodoro". E fala-me mais baixo, pá. Tirei os tampões para te ouvir. Os tímpanos par ecem estar melhor, não me dês cabo deles agora.

- Desculpa lá. Então está bem, vamos ao "Comodoro".

Encontraram-se à meia-noite junto ao  D. Maria . Foram até ao "Comodoro" e tocaram à campainha. O porteiro abriu a porta solicitamente. Foi o que nos pareceu, mas mal. Depois de os mirar de alto abaixo inquiridoramente, disse-lhes com ar de cepo:

 − Não podem entrar. É reservado.

O Herculano ficou calado mas eu perguntei-lhe em voz alta:

 − O que é isso de reservado?

− É só para clientes e seus acompanhantes.~

Fiquei fulo e levantei mais a voz:

 
− Eu sou cliente! Vim aqui várias vezes antes de ir para a guerra. Andei lá a defender isto! Agora que vim de lá ferido já não sou cliente, é?!

O Herculano só dizia "deixa lá, deixa lá, vamos a outro lado". Mas o porteiro estava roxo de enrascado e já falava como lírio do campo.

 
− O senhor desculpe, mas são as normas. Se conhece alguém…

− Claro que conheço! O Zeferino do bar e o gerente.

Não conhecia nada o gerente, só de vista e nunca tinha falado com ele. Mas o Zeferino, sim. Nas várias horas passadas no bar tinha tido conversas com ele. Era o típico barman confidente de uísques  e gins tónicos.

Pareceu-me que a minha voz alta já tinha chegado lá dentro pois apareceu à porta um tipo de fatinho azul e todo engravatado. Era o gerente, topei-o.

 
− O que se passa, Romeu?  − perguntou ao porteiro.

Está calado, Romeu, agora sou eu. Não o deixei falar:

 
− Eu e o meu amigo aqui viemos feridos da Guiné e queríamos entrar, mas o senhor Romeu diz que não pode ser. Eu sou alferes da companhia do capitão Guimarães. Vim aqui várias vezes com ele, lembra-se?

Vi logo que tinha dado um golpe certeiro. O homem ficou sério.

− Ah, o capitão Guimarães, claro que me lembro. Sei que morreu lá, coitado.(***)

Não se havia de lembrar, não. E a morte dele custou-lhe muito, claro. Grande sacana é o que ele era. O gerente virou-se para o porteiro:

 
− Romeu, deixa estes senhores entrar.

Conduziu-nos até ao bar.

 
− Zeferino, serve uma bebida a estes senhores. É por conta da casa. Estejam à vontade.

Afastou-se e eles sentaram-se. O Zeferino chegou-se e perguntou-lhes o que queriam. Ri-me para ele.

 
− Ó Zeferino, não me digas que te esqueceste das minhas preferências.

O barman olhou, interrogativamente primeiro, mas depois de uns momentos abriu-se num sorriso e estendeu-lhe a mão.

− Ah!...Como está? Então por cá?!

 
− É verdade. Não como eu queria, mas estou cá.

O Zeferino serviu-lhe um uísque com gelo e o Herculano também quis um. Contaram que tinham sido evacuados, falaram sobre a guerra, eu sobre a morte do Guimarães também, o Zeferino disse que já sabia. Como estava a mulher e os filhos dele, enfim, coisas do costume e normais. Quando os copos estavam a ficar vazios perguntei-lhe:

 Ouve lá, o capitão Guimarães não deixou aí nenhuma garrafa?

 
− Não há nenhuma. Se deixou já desapareceu. Sabe como estas coisas são...

Tinham-na gamado, claro. O gerente pensou que homem morto não bebe mais.

 Claro – compreendera. 
  Então traz uma de Dimple para aqui que eu pago.

 Para que é isso, pá? Não vamos beber uma garrafa inteira.

 
− Ó Herculano, claro que não. Vou fazer como o Guimarães. Ele tinha sempre uma garrafa reservada para se servir quando cá vinha. Esta vai ficar para quando voltarmos aqui. É o esquema, pá.

O Zeferino estava a servir dois clientes que se tinham também chegado ao balcão. Virámo-nos para observar a sala. Eu já sabia como era. Um ou dois gajos em cada mesa, e em todas elas uma ou mais mulheres, bem aconchegadas de vestimentas mas todas com ar de profissionais.

 Lá estava o filho da puta do banqueiro todo enleado com três. Uma delas olhou para eles, cochichou para as outras e para o banqueiro. Viraram-se todas e riram. Não reagi porque me palpitou da razão do riso delas. Era melhor sair dali.

– Há ali uma mesa vazia naquele canto  
− disse ao Herculano.  − Vamos para ali.

O Zeferino fez sinal a um empregado para lhes levar os copos, o balde do gelo e a garrafa. Quando já sentados dei um toque com o cotovelo no Herculano e apontei-lhe com a cabeça a mesa onde estavam as mulheres que se riram.

 
− Aquele engravatadinho com cara de fuinha é banqueiro.

 − Como é que ele se chama?

 − Não sei. O Guimarães disse-me o nome dele mas já não me lembro.

 Passa aqui as noites, e sabes qual é o divertimento dele?

 − Anda a comer as gajas, não?

 
− Qual quê, pá! Não vês que ele já está com os pés para a cova?! O que faz, não sei se já fez isso esta noite, se calhar não, é cedo, ainda estão poucas na mesa dele. Agarra uma nota de mil na mão e pergunta-lhes par ou ímpar? Aquela que primeiro adivinhar o último algarismo do número da nota ganha. Passa-lhe a nota para a mão e os olhos brilham-lhe de felicidade. É assim que ele se vem, acho eu.

− Filho da puta! − o Herculano estava escandalizado.

 − Dizes bem, também já lhe chamei isso. Mas há mais. Nas vésperas de embarcarmos para a Guiné viemos todos aqui, os alferes e o capitão. Ele é que o conhecia e esteve uma data de tempo a falar com ele. Olha, nessa altura mamámos quase uma garrafa inteira do Guimarães. Passado tempo veio ter connosco e disse-nos que o banqueiro, porque íamos para a guerra, tinha pago às cinco que estavam na mesa com ele para irem connosco.

O Herculano ia beberricando e olhava-o fixamente com os olhos de camaleão.

– E fomos mesmo  
− continuei  − para uma casa de uma delas, precisamente da que olhou há pouco para nós e que pôs as outras a rir, eu bem a topei. Começámos com um jogo a que elas chamaram “tira”. Quem perdia tinha de tirar uma peça de roupa. Íamos bebendo, jogando, despindo. Passada mais de uma hora, sei lá, já não havia noção de nada e foi a desbunda completa, cada um com a sua pelos quartos que havia e pelos cantos da casa.

Ele olhou-me reprovadoramente.

 
− É pá, porra, como é que vocês entraram numa coisa dessas?

Não gostei.

- O que é que querias que fizéssemos? Que fôssemos a Fátima rezar o terço? Tás maluco. Nós já sabíamos que íamos para o mato e que mulher era zero. Não íamos ter a sorte que os comandos tinham, uns saltos ao mato e depois era passar o tempo em Bissau para andar atrás das putas. Sim, foram meses no mato e zero, zero, assim  
− juntei o indicador e o polegar −,  tás a ver?

Para ele até não fora totalmente zero, mas fora para os dos destacamentos. Calou-se porque ele lhe fizera sinal para baixar a voz e viu que olhavam para eles das outras mesas. O gerente, ao pé de uma delas, estava com cara de poucos amigos. Teve tempo para pensar que tinha feito mal com aquela dos comandos. O Herculano tinha sido comando e também viera evacuado.

Desculpa lá, exaltei-me 
  disse-lhe.

− Eu não estou contra vocês terem ido com elas. É outra coisa. Nós andamos na guerra por causa do banqueiro e outros da laia dele. E dão um rebuçadinho, às vezes, que é para nós irmos e estarmos lá todos contentinhos. Foi o que ele vos fez.

Sabia que ele tinha razão. Ainda estive para lhe dizer que uma oportunidade daquelas não se podia perder, apesar disso. Mas não, pareceu-me que era melhor acabar ali aquela conversa.

 
− Ouve lá. Quando te liguei disseste-me que estavas a pensar falar comigo. O que era?

 Aqui não dá. Isto deve estar cheio de bufos e de pides. Eu levo-te a casa e no carro logo falamos.

Levei a garrafa, entreguei-a ao Zeferino e recomendei-lhe que a guardasse. À saída fiz um aceno de despedida ao gerente. Não é que o gramasse, mas era bom para o futuro.

Já íamos no carro e ele:

− O que eu te queria dizer é que temos que nos encontrar amanhã com outros camaradas e era preciso uma casa para isso. Na da minha tia não dá porque há lá sempre muita gente e estava a pensar na tua. Será que pode ser?

 E a que horas é?

 − Às dez da manhã.

 
− A essa hora tenho de estar no hospital. Só se forem vocês e depois falas comigo sobre o que decidiram. O meu pai e a minha irmã estão a trabalhar e a minha mãe vai a uma consulta ao hospital. Eu dou-te a chave de casa.

−  Está bem. Falamos os dois depois.


Chegámos, entretanto, ao largo da Calçada da Patriarcal. Parou o carro ao pé das árvores. Lembrei-me duma coisa.

− Mas espera aí, ó Herculano. Não sei se é o melhor ser em minha casa. É que, em tempos, apareceu lá na caixa do correio uma carta para um tal Aníbal de São José Lopes. A minha mãe foi perguntar à vizinha se não seria para ela. E a vizinha disse-lhe que era um gajo da PIDE que tinha antes lá morado mas que, agora, estava em Angola.

Ele ficou calado, parecia apreensivo.

 
− Mas há quanto tempo é que ele morou lá?  acabou por perguntar.

− Não sei. Mas, como os meus Pais já moram lá há mais de cinco anos, foi há mais tempo.

−Então deixa estar. Dá cá a chave. Até tem piada. Mas, olha, já agora outra coisa. A semana passada fui a uma junta médica e os gajos deram-me como inapto para a tropa. Isto da hemofilia não tem remédio.

− Porreiro, Herculano! Então estás livre da guerra ?!

 − Não é nada porreiro. Sabes muito bem que a orientação é não fugir à guerra. É lá com os outros que temos de estar, é lá que podemos influenciar, não é fugindo para França. Mas, paciência, comigo já não há hipóteses. Para compensar pus-me a delegado de propaganda médica, dá-me para andar por aí e desenvolver o trabalho clandestino.

 − Mas deves concordar que é melhor do que estar na guerra.

 − Claro. Mas lá também se pode trabalhar, e é muito importante.

Concordei com ele e despedi-me. Toquei à campainha e tive de dizer à minha mãe que me tinha esquecido da chave. (...)


(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

_______________


(**) Vd. biografia do Herculano de Carvalho (1943-1976)

O Herculano de Carvalho já era conhecido do A. Marques Lopes, da  EPI, Mafra... Voltaram a encontrar-ase no HMP, Estrela, Lisboa...

(...) Encontrei lá o meu amigo Herculano de Carvalho. Fora meu colega no 2º pelotão do COM de Mafra. Magro, louro, olhos azuis grandes, era um aventureiro, uma máquina em todos os exercícios. Mas foi sempre um bom companheiro, diferente de outros que lá andavam a armar-se em bons e achavam, por isso, ser superiores. Eu sabia que ele, depois da especialidade de atirador, tinha sido mandado para os comandos, e nunca mais soubera dele. Foi um grande abraço. Perguntei-lhe:

− O que é que andas aqui a fazer?

− Ando em tratamento.

− A quê?

−  Tenho hemofilia.

Fiquei banzado. Como era possível um tipo hemofílico ser enviado para os comandos!? Mesmo para a guerra. Mas para os comandos ainda por cima... Então não tinham visto isso antes?

− Parece que não te lembras como era aquilo em Mafra. Além da injecção cavalar, que diziam dar para todos os males, não se preocupavam em saber mais nada. Menos, é claro, em ver aqueles que tinham cunhas para ir para os serviços auxiliares.

− É verdade, eu sei bem. Deves lembrar-te que desde o início sabíamos que o nosso curso estava destinado para uma fornada de atiradores. Até pensei que ia gozar com os gajos dos psicotécnicos quando me puseram um papel à frente e me disseram par escolher a especialidade. Pus lá que queria ser atirador mas eles é que se riram de mim. Mas diz lá, então, como é que descobriram isso.

 
− Eu estava na 3ª Companhia de Comandos na Guiné e… (...)

 (Fonte: Excerto de: Página do Facebook do A,. Marques Lopes, 24 de agosto de 2023, 14;00)

(***) Vd. poste de 10 de maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1745: Eu e o meu capitão e amigo Guimarães, morto aos 29 anos, na estrada de Geba para Banjara (A. Marques Lopes, CART 1690)

(...) O capitão Manuel Carlos da Conceição Guimarães era do quadro de Artilharia. Nas circunstâncias do regime, tinha estado como tenente na esquadra da PSP do Calvário, em Lisboa, depois de ter feito parte da Companhia de Polícia Móvel que esteve em Bissau.

Nesses contextos da juventude formou a sua mentalidade. Rigidez ideológica, fidelidade cega aos desígnios dos mandantes da guerra, alheamento total dos problemas, sentimentos e ambições das populações no terreno. Completa incompreensão das razões da guerra, nem desejo algum de as tentar compreender. Muitos houve assim naquela fase (1967). Ao longo do tempo de guerra muitos foram mudando, e penso que ele também teria mudado.

Mas eu fui amigo dele e acompanhei-o desde o princípio, fui o seu braço direito. Tive a incompreensão dos outros alferes, meus amigos de coração actualmente e eu deles (há 38 anos que nos encontramos - os sobreviventes - três vezes por ano, pelo menos, no Restaurante Colina, em Lisboa). Eles compreendem, agora, as razões dessa minha actuação, pala formação que eu tinha, pelos objectivos que queria conseguir.

O Guimarães foi promovido a capitão e mobilizado para a Guiné. Conhecêmo-lo em 4 de Dezembro de 1966, no RAL1, aquando da formação da companhia (CART 1690) e durante a instrução da especialidae no GACA2, em Torres Novas (de 6 de Dezembro de 1966 a 23 de Fevereiro de 1967).

Lembro-me bem que partíamos os dois, aos fins-de-semana, no Alfa Romeo Sprint Special dele até Lisboa. Loucuras, sem auto-estrada! Grandes noites na Cave, D. Quixote, Comodoro... A experiência dele na polícia abria todas as portas (as raparigas abraçavam efusivamente o Carlinhos).

Nas vésperas de embarcarmos no Ana Mafalda (...), fomos todos ao Comodoro. Um homem, já velho, que conhecíamos por ser frequentador, administrador de um banco qualquer (não me lembro), e que costumava jogar ao par ou ímpar com as raparigas (mostrava uma nota de mil e perguntava qual era o número - par ou ímpar? -, se uma dela adivinhava entregava-lhe a nota... e muitos jogos fazia), disse-nos assim: - Vocês vão para a guerra, para se portarem bem peguem lá - deu-nos várias notas de mil - e vão com estas cinco. - E fomos (alferes e capitão) e foi uma noitada. Era assim, a guerra estava paga. 

Era bom homem, o Cap Guimarães. Filho de um Sargento-Ajudante, sobrinho da Beatriz Costa (estive com ele, depois, e chorou a sua morte), morreu aos 29 anos na estrada de Geba para Banjara, a 21 de Agosto de 1967 (...). Lamentou-se-me o pai, que me visitou, estava eu ferido no hospital, que o filho (solteiro) era o sustento de duas irmãs de 14 anos que andavam a estudar, e que a vida dele estava complicada. (...)