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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5870: Tabanca Grande (205): Pedro Cruz, ex-Alf Mil IOL, Guidaje e Bafatá (1972/74)

1. Mensagem de Pedro Cruz (ex-Alf Mil IOL, Guidaje e Bafatá, 1972/74), com data de 22 de Fevereiro de 2010:

Camarada Carlos
É com bastante gosto que participo no blogue.

Como o solicitado, em anexo, conto uma pequena história da minha vida militar, naturalmente com mais incidência sobre a Guiné - Guidage e durante o período crítico de 72 a 74.

Não encontrei mais fotografias de momento! Ainda vou fazer mais uma busca! Se recolher mais material eu envio-te para colocares na "minha" página!

Um abraço
Pedro Cruz


A Guidage...

Na Guiné...


Antes de iniciar a minha “coluna” sobre a minha passagem pela Guiné-Guidage gostaria de fazer uma pequena introdução relatando o meu início do serviço militar.

Fui fazer a Instrução, com início em Outubro de 1971, para Mafra. Terminada a Instrução em Dezembro fui em Janeiro de 1972 iniciar a Especialidade para Vendas Novas. Saiu-me em rifa a Especialidade de IOL (Informação, Observação e Ligação).

Esta Especialidade era própria numa guerra clássica, pois ela consistia em, utilizando meios aéreos, comandar as baterias de obuses e a sua consequente regulação de tiro.

Dei uma volta de avioneta mas a observação do tiro foi um desastre pois tive um grande enjoo. A especialidade citada foi reconvertida em PCT (Posto, Comando de Tiro), uma Especialidade já de acordo com a guerra de guerrilha que tínhamos em África. Depois de ter um mês e pico na Figueira da Foz em espera para embarcar para a Guiné, a meados de Junho, por volta das 23 horas lá dei uma volta na pista do Aeroporto de Lisboa e fui encaminhado para o Depósito de Adidos na Ajuda, pois foi declarada uma avaria técnica na aeronave. Finalmente, no dia seguinte e sensivelmente à mesma hora lá embarcamos para a terrinha do PAIGC.

Claro que a disposição não era muita, mesmo indo conhecer uma cidade nova, num país novo!

Quando estávamos a sobrevoar a cidade de Bissau fiquei logo muito “contente“ pela linda vista da cidade e até da cor do rio Geba... enfim, uma tristeza a somar aquela que levava...

Fomos, os artilheiros, encaminhados para a nossa base de artilharia (GA7) que ficava por trás do Quartel-General e em frente ao Comando de Transmissões.

Estivemos lá aproximadamente uma semana em formação. No fim da semana foi sorteada a localidade que iríamos dar apoio. Depois de Guilege tinha que me sair em rifa – Guidage.

Como é óbvio deprimido a monte…!

Vamos avançar…

Cheguei a Guidage no inicio de Julho de 72 e penso que a uma quinta-feira pois era nesta dia da semana que a tabanca recebia a DO (meio aéreo).

Fui render um alferes, que não me recordo o nome, mas lembro-me que era de S. João da Madeira. Foi um amigo pelos conselhos e indicações dadas.

Comecei, então, a minha comissão de serviço na altura que o meu colega partiu em coluna para Bissau.

Passei a dormir dentro da secção do obus que comandava. Por volta das 7 horas da manhã passava para o meu quarto para fazer a higiene pessoal.

O Pelotão de Artilharia que me foi destinado, tinha na sua guarnição à volta de 15 africanos, 2 cabos brancos e ainda um furriel miliciano da “metrópole”.

Até Maio de 1973 penso que só fomos flagelados três vezes e à distância.

A seguir a uma delas, e no dia seguinte, por ordem de Bissau, através do meu capitão foi me dito para “enviar” umas obusadas para Casamansa - Senegal, pois considerava-se que os “amigos” que nos tinham dado fogo dirigiam-se para o local atrás citado.

Posteriormente chegou a informação que as obusadas limparam o sarampo a duas vacas.

Pela análise das acções desenvolvidas pelos terroristas (na época era o nome que se lhes davam) pude constatar que em 72 o maior assédio foi antes das chuvas, por isso de meados de Maio até fins de Junho. Como não estava interessado em fazer parte do grupo que iria dar as “boas-vindas” aos “nossos amigos” tratei de meter férias na metrópole para o período anterior à chegada dos amigos do comandante Nino.

Em meados de Maio, numa quinta-feira, dia de vinda da avioneta que me levaria para Bissau, estava eu a cantarolar no meu quarto a fazer a barba por volta das 7 horas da manhã começo ouvir um grande barulho. A cançoneta acabou logo aí passados 1 ou 2 segundos não havia dúvidas os nossos “amigos” estavam a nos saudar junto ao arame.

É lógico que mesmo dentro do quarto comecei a rastejar. Mandei-me para a vala junto à porta.

Fui rastejando até ao fim da vala que ficava a uns 30 metros de um dos obuses.

Quando sentimos que o fogacho já vinha do lado do Senegal e mais longínquo do arame entrei para a guarnição do obus onde com dois africanos começamos a fazer fogo para a copa das árvores do lado do Senegal.

O ataque provocou alguns feridos. Passados uns minutos vimos qual foi o propósito deste tipo de ataque e o porquê da hora escolhida! Pelas Transmissões soubemos que tinham sido abatidos os dois Fiats que vinham em nosso auxilio. Antes ou depois do abate dos Fiats foi abatida também a avioneta da “quinta-feira” que trazia um grande amigo o 2.º sargento do patacão.

Este foi um dia bastante triste para todos.

Neste dia o Spinola acabou com o apoio aéreo aos aquartelamentos.

Passados uns cinco dias depois destes acontecimentos a Companhia fez uma coluna para Binta e de seguida para Farim.

É esta coluna que eu integro para me deslocar para Bissau.

Ia muito perto da cabeça da coluna quando ouvimos um grande rebentamento. Pusemo-nos em posição de defesa nas bermas da picada. O meu amigo Alf Mil Leitão* que comandava a coluna comunicou-nos que tinha rebentado uma mina antipessoal picada por um soldado.

Disse-nos que iria ser levantada uma mina anticarro que estava junto aquela rebentada.

Inexplicavelmente, sempre pronto a ajudar, o 2.º Sargento Horta (grande amigo) ofereceu-se para desmontar a mina. Em má hora. Estava ele a fazer as primeiras limpezas, eu estaria deitado na picada a uns 4 metros dele, quando se deu um grande rebentamento. Muito pó escuro no ar e também, infelizmente, o grande amigo Horta. O Horta, que estava de joelhos, para chegar mais perto da mina anticarro deitou-se de barriga para baixo. Estava lá mais uma mina antipessoal. Ponto final neste episódio.

Estive aproximadamente 40 dias fora de Guidage. Em casa, na Foz do Douro, em alguns dias, recebia más noticias do aquartelamento.

Quando cheguei de férias a Bissau, o Comandante do GAA7 disse-me que não iria de férias para Portugal se tivesse bilhete dois dias depois daquele que parti!

Despachou-me no dia seguinte a este comentário para Farim. Às 8 horas da manhã fui levado para o cais de Pigiquiti. Estava à minha espera uma caixa de ferro, que nós os operacionais, designávamos como LDM (lancha de desembarque média).

Tive o gosto e o prazer de conhecer um grande amigo, o furriel Conceição, que foi despachado para um aquartelamento vizinho de Farim. Perdi o contacto deste camarada. Na época não havia télélés. Fomos-nos confortando para a situação que estávamos a passar, sempre na esperança que aquela chapita (4 a 6mm) fosse suficiente para nos proteger dos roquetes inimigos. O amigo Conceição era de Portimão (Praia da Rocha(?) e começou profissionalmente a estar ligado à restauração (se algum amigo estiver a conhecer o camarada mande um dica para ele “visitar” a Tabanca Grande”).

De Farim fui para Binta nesse mesmo dia, localidade mais próxima de Guidage! Na madrugada desse dia, fomos em coluna para Guidage, a corta mato. Quando chegamos a Guidage, não foi supresa, mas não tínhamos nem a população nem os nossos camaradas à espera! O flagelo vivido recomendava recato. Como estava “folgado” da guerra parei junto à Secretaria a contemplar a Parada. Fui chamado a atenção para sair de lá pois era perigoso em campo aberto. A minha Secção de Obus foi mudada. Estava muito referenciada. O meu anterior abrigo foi atingido.

Um camarada alferes da Companhia começou a construir um novo abrigo tendo eu depois continuado com a tarefa pois ele foi evacuado para Bissau. Finais de Outubro de 73 veio a minha recompensa! Fui chamado a Bissau para mudar de aquartelamento. Camaradas alferes do GA7 deram-me a informação que iria para Bafatá pois não sabia jogar Bridge para ficar em Bissau.

Passado uma semana em Bafatá dei graças a Deus por não me meter dado dotes de jogador de bridge!

Até Junho de 74 foi paz e descanso. Depois da escrita para os meus queridos pais e para a namorada, a simpática menina 3R`s, era só “xonar”! A partir das 17 horas vínhamos para a cidade e para o petisco.

Finalmente uma palavra de saudação para todos os meus colegas e amigos com que convivi. Bem gostaria de salientar todos aqueles que foram e se tornaram grandes companheiros de luta, mas 36 anos passados já é o seu tempo…! O Matos, o Furriel Mecânico Auto (de Setúbal?) e o meu barbeiro (o Cabo do bar) são aqueles que ainda tenho presente os muitos passos do dia a dia que tínhamos em conjunto.

Obrigado a todos! Até sempre!
Pedro Manuel Ribeiro Freitas Cruz
Alferes Cruz (72-74)

*Para todos o meu contato: dragão.pedro@gmail.com

Na fotografia, já bastante deteriorado com o tempo, o nativo que me acompanha era o chefe da Tabanca





Comentário de CV:

Caro Pedro Cruz
Segundo os nossos registos oficiosos, és o 400.º tertuliano do nosso Blogue. Não terás direito a nenhum brinde, a não ser a amizade dos outros 399 da lista.

A nossa Caserna Virtual, por ter esta característica, não tem portas nem janelas, logo qualquer lugar que escolhas para nela permaneceres é exactamente igual aos dos atabancados há mais tempo. Espero que deduzas com estas minhas palavras que no nosso Blogue não há classes de tertulianos. Não distinguimos os antigos postos, as habilitações, o sexo, as orientações políticas e religiosas, etc.

Se alguma vez achares que um trabalho que enviaste não foi publicado no tempo que achaste razoável, só tens que notificar os editores do atraso para levares de volta umas palavrinhas a abater... muito trabalho, falta de tempo e outras desculpas. Nunca por nunca te sintas rejeitado.

Como também terás reparado, até pela leitura dos nossos postes, no nosso Blogue tratamo-nos todos por tu pela simples razão de que nos une o mesmo passado enquanto ex-combatentes da Guiné. Este tipo de convivência não interfere no respeito mútuo e na aceitação de opiniões contrárias, desde que a discussão se mantenha dentro da cordialidade.

Posto isto, resta-me deixar-te um abraço de boas-vindas de toda a tertúlia e esperar de ti a melhor colaboração no sentido aumentares este espólio de histórias contadas por quem as viveu.

Recebe um abraço pessoal de
Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5847: Tabanca Grande (204): Humberto Carneiro Fernandes Duarte, ex-Fur Mil Op Esp / RANGER do BCAÇ 4514, 1973/74