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quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27225: Memórias dos últimos soldados do império (4): os "últimos moicanos" - Parte I (Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, CSJD/QG/CTIG, Bissau, mar 1973/ set 74)





Guiné > Região do Oio > Mansoa >9 de setembro de 1974   > Uma foto para a história: o ex-fur mil op ersp / ranger, Eduardo Magalhães Ribeiro,. hoje nosso coeditor, CCS/BCAÇ 4612/74 (Mansoa, abr - out 1974), a arriar a bandeira verde-rubra, na presença de representantes do PAIGC (incluindo a viúva de Amílcar Cabral) e de autoridades militares do CTIG.


Foto (e legenda): © Eduardo Magalhães Ribeiro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

1.   "O Prisioneiro da Ilha das Galinhas", da autoria do Abílio Magro,  é uma das crónicas "divertidas" da série "Um amanuense em terras de Kako Baldé" (de que se  publicaram  15 postes enter janeiro de 2013 e março de publicada em 2016, e que estamos agora a revisitar). 

O título é enganador: o "prisioneiro" personifica aqui, metaforicamente falando, o "último dos moicanos"... 

A cena passa-se em Bissau, em finais de setembro de 1974, com os últimos militares portugueses a fazerem  a "comissão liquidatária" do impériom (a destruir papéis, a arrumar caixotes, a deitar fora a tralha da guerra, a transferir serviços, a fazer as malas para regressar a casa, a beber as últimas "basucas", etc.).

 Faz sentido republicar agora,  na efenéride dos 51 anos, esta história na série "Memórias dos últimos soldados do império" (*)

A República da Guiné-Bissau já tiha sido reconhecida por Portugal, "de jure et de facto", em 10 de setembro. O brigadeiro graduado Carlos Fabião, último governador e comandante-chefe,  ainda era, até 14 de outubro desse ano, formalmente, o representante do Governo português, do território. 

Sabe-se que  No dia 14 de Outubro, pelas 3 da manhã, o comandante-chefe Carlos Fabião partiu do aeroporto de Bissalanca, juntamente com os comandantes do CTIG, da Zona Aérea, do seu Estado-Maior (onde se encontrava também o seu CEM, Henrique Gonçalves Vaz) e os oficiais da Comissão Coordenadora do MFA na Guiné. Este voo representou o penúltimo contingente das nossas tropas, e não o último. No aeroporto encontravam-se representantes do PAIGC em Bissau, nomeadamente Juvêncio Gomes, Vítor Monteiro, Constantino Teixeira, Paulo Correia e Silva Cabral (nome de guerra, "Gazela").

O então Comodoro Vicente Manuel de Moura Coutinho de Almeida D´ Eça tinha passado a ser, entretanto,  a partir de 14 de Outubro, à uma hora, o  comandante de todas as forças dos três Ramos presentes no TO da Guiné.  

Na manhã do dia 14 de outubro realizou-se a entrega do Palácio do Governo, tendo assistido a esta cerimónia o comodoro Vicente Almeida d' Éça, em representação do Governo Português (segundo Jorge Sales Golias, este foi o último acto oficial antes da retirada de todas as Forças Portuguesas) (**)

O comandante das Forças Terrestres a embarcar foi o coronel de infantaria António Marques Lopes: este sim o último contingente militar a abandonar o TO da Guiné, no T/T Uíge,  em 15 de outubro (chegado a Lisboa, a 20; nele veio também o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro) (*).


2. Recordemos a cronologia desses últimos dias do Império, no que diz respeito à Guiné... Garantida a independência pela Lei n.º 7/74, o período (de 30 de julho a 15 de outubro de 1974) foi caracterizado por "ausência significativa de pressão política ou militar", destacando-se no entanto, as seguintes acções mais relevantes (estamos a citar a CECA- Comissão para o Estudo das Campanhas de Ágfrica) (***)

(i) desmobilização, até fianl de agosto,  das forças de recrutamento local, que lutaram a nosso lado contra o PAIGC, razão pela qual o seu desarmamento e desmobilização constituíram período crítico na fase final da nossa permanência na Guiné;

(ii) a retirada das nossas forças do teatro de guerra, sua concentração em Bissau e transporte das últimas unidades para Lisboa, em 15 de Outubro;

(iii) neste período, o potencial relativo de combate das NT  relativamente às do PAIGC era-nos desfavorável, pelo que se tornou necessário gerir o evoluir da situação com o maior tacto político e militar, garantindo sempre o máximo possível de segurança para as nossas tropas.

Recorde-se as datas-chave:;

  •  26 de agosto, em Argel, assinatura do acordo entre o Governo Português e o PAIGC para a independência da Guiné-Bissau, tendo-se assentado nos seguintes pontos essenciais: (a) independência em 10 de setembro de 1974; (b) retirada das Forças Armadas Portuguesas até 31 de outubro; (c) cessar fogo "de jure" desde a mesma data;
  • de 4 a 9 de setembro, chegada a Bissau de vários membros do Governo e responsáveis do PAIGC; no dia 9, chegou também o primeiro contingente militar do novo Estado;
  • 10 de setembro, em Lisboa, cerimónia formal de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal;  na mesma data, em Bissau, iniciava-se a transferência dos principais serviços públicos para a responsabilidade da administração do novo Estado;
  • 15 de outubro, retirada dos últimos contingentes das forças militares portuguesas estacionadas em Bissau; regresso nos TAM e no T/T Uíge e navios da marinha;
  • no total, regressaram a Lisboa cerca de 23.800 combatentes do efectivo metropolitano.

  Os nossos "cronistas" desse tempo são o Eduardo Magalhães Ribeiro, o Albano Mendes de Matos e... o Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina (CSJD),  QG/CTIG, março 1973/ setembro 1974).  

O Abílio Magro também  um dos últimos "moicanos" (leia-se: soldados do império), tendo regressado  a caso em fins de setembro, nos TAM. O ten cor Albano Mendes Matos, a 14, também de de avião. O Eduardo, a 15, no T/T Uíge.

O Abílio Magro é o nosso grão-tabanqueiro nº 600, tendo ingressado formalmente no blogu em 13/1/2013. Tem 73 referências.




Os "últimos moicanos" - Parte I

por Abílio Magro


A azáfama fazia lembrar uma tarde de fim de feira numa qualquer terra do interior de Portugal, onde as embalagens vazias de cartão se amontoam ao lado de cada tenda e os feirantes se apressam a recolher os artefactos e produtos não transacionados para, na madrugada seguinte, regressarem à estrada e ocupar novamente as “montras” numa outra feira qualquer.

Estávamos em finais de setembro de 1974 e o recinto da “feira” era a pequena “parada” defronte do edifício do QG/CTIG.

Com efeito, havia muita movimentação de pessoas e bens e o asseio parecia ter sido algo descurado. Notava-se algum nervosismo e pressa em fazer malas. Lembrava o término de um qualquer período de férias de Agosto no Algarve em que havia necessidade de andar lesto, a fim de se evitar as longas filas de trânsito das estradas algarvias daqueles tempos.

As entradas e saídas do Quartel-General eram constantes e respirava-se, efetivamente, um fim de feira com desfazer de tendas. A grande maioria das Unidades Militares que tinham estado sediadas no interior do território, já tinha regressado à Metrópole e era agora chegado o momento dos últimos “moicanos”, nomeadamente os militares metropolitanos que se encontravam presos na Ilha das Galinhas.

A pequena Ilha das Galinhas, com apenas 50 km² de área,  é uma das oitenta e oito ilhas que compõem o Arquipélago de Bijagós. Durante o período colonial funcionou nesta ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas".

Esta colónia estava destinada, essencialmente, a presos políticos, incluindo elementos do PAIGC, alguns dos quais ali estariam em trânsito para a prisão do Tarrafal (Ilha de Santiago, Cabo Verde).

Os prisioneiros andavam soltos pela ilha e a maioria trabalhava na bolanha (cultivo de arroz) e nas plantações de ananás e mancarra (amendoim) que havia pelo campo.

Nos finais de setembro de 1974, um desses prisioneiros, militar metropolitano, andava por ali no recinto da “feira” do QG/CTIG a aguardar não se sabia muito bem o quê.

Fazia-se acompanhar por um corpulento macaco-cão que segurava por uma trela de corrente de aço.
Este “prisioneiro à solta” apresentava uma tez bastante avermelhada, indiciando excesso de sol recente (ou algum excesso de aguardente) e trajava de um modo demasiadamente informal para um militar naquele local; camisa, calções e sapatos de ténis militares. Na cabeça, sempre descoberta, ostentava uma farta cabeleira arruivada e encaracolada e, nas pernas e coxas, várias tatuagens “pornográficas” a necessitarem de “bolinha vermelha”.

Era de poucas falas e parecia andar por ali apenas com o intuito de desafiar “altas patentes”, digo eu.

Com efeito, dava-me um certo gozo ver majores, tenentes-coronéis, coronéis, etc., que entravam ou  saíam do QG, depararem-se com aquela figura acompanhada do “seu animalzinho de estimação” e, pasmados, fitando o “moicano”, receberem em troca um olhar ostensivamente desafiador que os desarmava por completo e os “aconselhava” a prosseguir o seu caminho, o que faziam sem pestanejar.

Com muito custo lá conseguimos chegar à fala com o “moicano” e, segundo recordo, ele aguardava autorização para trazer o “companheiro” para a Metrópole, mas, confrontado com a nossa convicção de que isso não seria possível, logo afirmou que “então cortava o pescoço ao símio!”

Eram dias de muita rebaldaria e, lá fora, na estrada que passava em frente ao QG/CTIG, era constante o movimento de negros alombando para suas tabancas “troféus de guerra” diversos, tais como: colchões, frigoríficos, aparelhos de ar condicionado, etc.

Alguns capitães conduziam jipes bastante “mal-tratados” que avariavam constantemente e era vê-los a empurrar a “sucata” com a ajuda de um ou outro militar…

Enfim, imagens vivas do fim do Império Colonial Português!

Uns dias depois é chegada a hora do meu regresso a casa e lá estava no aeroporto de Bissalanca o “moicano”, sem macaco. Viajou connosco e disse-nos que o tinha matado (??).

Abílio Magro

(Revsião / fixação de texto, título: LG)


2. Na altura,  o editor LG tinha deixado o seguinte comentário no  poste P15618;


Há algo de pungente na tua descrição, tão singela, ingénua e ao mesmo tempo tão realista e quase cinematográfica dos últimos dias de Bissau... São pinceladas, são apontamentos, são "flashes", são pequenos detalhes de uma atmosfera, única, a da véspera de se partir, definitivamente, para casa e deixar atrás a tralha da História, e as ruínas de uma guerra, que vai, contudo, continuar a arder em lume brando...

Acho que, quem como tu, foi um dos últimos guerreiros do império, mesmo tendo sido um honestíssimo e patriótico amanuense, não mais poderia esquecer esses últimos dias, essas últimas horas...

O teu "prisioneiro da ilha das Galinhas" é um "boneco" bem apanhado!... Estou a imaginar a cara de desagrado, confusão e impotência dos nossos "maiores" (tenentes coroneis e majores) ao tropeçar, à portas do QG, com o teu "moicanho"... Mas todos foram, "chefes e índios", tristes figurantes do filme em que os "tugas" sairam de cena... daquela parte de África aonde justamente tinham sido os primeiros, dos europeus, a chegar, em meados do séc. XV!...

Obrigado, mano Magro, por mais este delicioso naco de prosa!..

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016 às 22:04:00 WET 
____________


(...) Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 420/423-

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27214: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXVIII: Mansoa, sector O4




Foto nº 1A,1, 1B, 1C: Hastear da bandeira










Foto nº 2, 2A, 2B, 2C, 2D > Bairro dos soldados africanos 


Foto nº 3 > TCor Inf João Pedro do Carmo Chaves de Carvalho (n. 1923), cmdt do BCAÇ 2885  (Mansoa, 1969/71)






Foto nº 4, 4A, 4B > Campo de arroz: o capelão Zé Torres Neves, à esquerda, e em segundo plano a ponte velha sobre o rio Mansoa




Foto nº 5: > "Djubis" na rua principal de Mansoa


Foto nº 6 > Marcas de canhoada em edifício exterior


Foto nº 7 > Marcas de canhoada na caserna, junto a uma cama





Foto nº 8~, 6A, 6B > Dança de miúdos balantas


Foto nº 9 > 1º Cabo, não identificado, com tubo de morteiro 81


Fot0o nºç 10 >O nosso capelão com o tubo do morteiro 81

Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) 

Fotos do álbum do Padre José Torres Neves, antigo capelão militar.

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Alf capelão graduado José Torres Neves,
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), natural de Penamacor;
missionário da Consolata, reformado


1. Mais um conjunto de fotos enviadas no passado dia passado dia 2 de agosto pelo nosso camarada e amigo Ernestino Caniço;

(i) ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, fev 1970/fev 1971, hoje médico, a residir em Tomar; o Ernestino Caniço fez amizade com o Zé Neves, e este confiou-lhe o seu álbum fotográfico da Guiné, que temos vindo a publicar desde março de 2022; são cerca de duas centenas de imagens, provenientes dos seus diapositivos, digitalizados; uma coleção única, preciosa;

(ii) o Ernestino Caniço tem sido o zeloso e diligente guardião do álbum fotográfico da Guiné, deste padre missionário da Consolata, José Torres Neves, natural de Meimoa, Penamacor, merecendo os dois os nossos melhores elogios e saudações.

(iii) o Padre Neves, nosso grão-tabanqueiro, reformou-se recentemente de uma vida inteira, generosa,  abnegada, dedicada às missões católicas, nomeadamente em África; tem já cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue


Guião o BCAÇ 2885, "Nós Somos Capazes"  (Mansoa, 1969/71)


2. Ficha de unidade > Batalhão de Caçadores nº 2885

Identificação:  BCaç 2885
Unidade Mob: RI 15 - Tomar
Cmdt: TCor Inf João Pedro do Carmo Chaves de Carvalho
2.° Cmdt: Maj Inf Valentino Diniz Tavares Galhardo
OInfOp/Adj: Maj Inf Alfredo José
Cmdts Comp:
CCS:.Cap SGE Abílio do Nascimento Castro
CCaç 2587:Cap Mil Art Lourenço Gomes de Campos
CCaç 2588:Cap Inf Fernando do Amaral Campos Sarmento | Cap Inf Luís da Piedade Faria | Cap Mil Art Armando Vieira dos Santos Caeiro | 
CCaç 2589:Cap Inf Francisco António Mendonça Martins Vicente | Cap Mil Art Jorge Manuel Simões Picado

Divisa: "Nós Somos Capazes"

Partida: Embarque em 07Mai69; desembarque em 13Mai69 | Regresso: Embarque em 25Fev71

Síntese da Actividade Operacional

(i) em 14Mai69, rendendo o BCaç 1912, assumiu a responsabilidade do Sector 04, com sede em Mansoa e abrangendo os subsectores de Porto Gole e Mansoa;

(ii) em 230ut69, por extinção do Sector 03, a zona de acção foi aumentada do subsector
de Mansabá, o qual lhe foi novamente retirado em 11Nov70, após reactivação do COP 6;

(iii) em 290ut69, o subsector de Porto Gole, foi reduzido da área de Enxa1é, que passou a ser integrada no sector do BCaç 2852 (Bambadinca,m Sector L1);

(iv) em 15Nov69, por ajustamento do dispositivo, foi criado o subsector de JuguduI

(v) as suas subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do batalhão;

(vi) desenvolveu intensa actividade operacional, efectuando numerosas operações e acções, golpes de mão, emboscadas, escoltas e patrulhamentos;

(vii) colaborou ainda na protecção e segurança dos movimentos das colunas de transporte dos meios de pavimentação e asfaltagem da estrada Mansabá-Farim e na segurança e protecção dos aldeamentos e organização dos sistemas de autodefesa e promoção sócioeconómica das populações;M
 
(viii) em 14Fev71, foi rendido no Sector 04 pelo BCaç 3832 e recolheu a Bissau para embarque.

(ix) de entre o armamento capturado mais significativo, salienta-se: 
  • 3 metralhadoras pesadas, 
  • 1 pistola-metralhadora,
  •  8 espingardas
  • 28 granadas de armas pesadas
  •  50 minas detectadas e levantadas.

Fonte: Excertos:  Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp.  133/134-

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26863: Casos: a verdade sobre... (53): o ataque do PAIGC a Bissássema em 3 de fevereiro de 1968: entre a propaganda e o "apagão"



Guiné > Região de Quínara > Tite > Bissássema > 10 de março de 1968 > CCAÇ 2314 > Destruição, pelas NT, da tabanca, antes da retirada.  Très anos depois será reocupada e nela construído um reordenamento.


Guiné > Região de Quínara > Tite > Bissássema > s/d > 10 de março de 1968 > CCAÇ 2314 > Destruição, pelas NT, da tabanca, por ocasião da retirada.


Guiné > Região de Quínara > Tite > Bissássema > s/d >  c. 3 fev / 10 mar 68 > CCAÇ 2314 >  O alf mil at inf José Manuel Pais Trabulho.

Fotos do álbum do cor GNR ref Pais Trabulo, disponíveis na página do facebook da CCAÇ  2314 - Age quod agis, 9 de dezembro de 2020 (com a devida vénia...)



Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 04325.001.006 | Título: PAIGC - Communiqué | Assunto: Amílcar Cabral, Secretário-Geral, informa que o PAIGC, no combate de 03.FEV.1968 em Bissássema, a 12 km de Bissau, fez 3 prisioneiros portugueses, da companhia sediada em Tite. Terão direito ao tratamento previsto pelas convenções internacionais. | Data: Segunda, 19 de Fevereiro de 1968 | Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade | Tipo Documental

Citação:
(1968), "PAIGC - Communiqué", Fundação Mário Soares / Arquivo Mário Pinto de Andrade, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_84046 (2025-5-30)


(Reproduzido com a devida vénia...) Vd. tradução para português a seguir:


PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cbo Verde


Comunicado


No dia 3 de fevereiro do corrente, na sequência de um combate que opôs uma unidade do nosso Exército regular a um contingente colonialista, perto da tabanca de Bissássema, a 12 km de Bissau, na margem esquerda do rio Geba, foram feitos prisioneiros os elementos do exército colonial português, de que se apresenta a seguir a identificação:
  • Alferes de infantaria, António Júlio Rosa;
  • 1º cabo nº 093526/66, Geraldino Marques Contino;
  • Soldado nº 034680/66, Victor Manuel de Jesus Capítulo.
Todos os três pertencem à companhia 1743, estacionada em Tite.

Na sequência do mesmo confronto, 18 soldados inimigos foram postos fora de combate.

O inimigo, que retirou em debandada para o campo fortificado de Tite, abandonou no terreno uma grande quantidade de material, incluindo 8 aparelhos emissores-recetores de campanha, de fabrico inglês,

De acordo com os princípios do nosso Partido, estes novos prisioneiros terão direito ao tratamento previsto pelas convenções internacionais

Amílcar Cabral, Secretário Geral





Guiné > Região de Quínara > Carta de Tite (1955) (escala 1/50 mil) > Posição relativa de Tite, Jabadá, Enxudé, rio Geba e Bissássema (a sudoeste de Tite)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Já aqui o dissemos: tanto as NT como o PAIGC parece terem feito um "apagão" da batalha de Bissássema (que, em rigor, vai de 31 de janeiro, início da operação para reocupar Bissássema, a 10 de março de 1968, altura em a tabanca foi queimada e abandonada pelas NT, para renascer três anos depois com o gen Spínola  a mandar fazer um grande reordenamento de 100 moranças mais os equipamentos coletivos habituais: escola, posto sanitário, lavadouros, mercado, etc.) (*)


Na riquíssima e incontornável plataforma Casa Comum, desenvolvida pela Fundação Mário Soares e Maria Barroso, que reúne diversos arquivos, surpreendentes e relevantes para a documentação e o conhecimento da guerra colonial (nomeadamente, o de Amílcar Cabral e o Mário Pinto de Andrade), há uma única referência a Bissássema, num comunicado assinado por Amílcar Cabral, em francês,  datado de 19/2/1968, quinze dias depois dos acontecimentos, sobre o grande "ronco" do dia 3; omite-se, portanto, os desaires que o PAIGC sofreu, nesse e nos dias seguintes. 

Cabral era perito em tirar o melhor partido dos sucessos militares e hábil em ignorar ou escamotear os revezes (tal como, de resto,  os nossos comandantes, o que é "humano", afinal não somos heróis nem santos, isto é, "semideuses"...).

Por sua vez, no livro da CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). , 6º Volume: Aspetos da Atividade Operacional, na Guin+e  no período de 1967/70, só há 5 referências a Bissássema: omite-se a acção do PAIGC, ocorrida em 3/2/1968 (*), de que resultaram 3 prisioneiros portugueses, da CART 1743, sediada em Tite.  Lapso ?  "Branqueamento" ou "apagão" ? 

Há uma referência, mas com outra data (8/2/1968), no cap II (Atividade operacional, relativa ao 1º semestre de 1968)

(...) Zona Sul

Acção - 08Fev68

Forças da CCaç 2314 e 2 Gr Comb/CArt 1743, que ocupavam temporariamente Bissássema, SI, em reação ao ataque desencadeado sobre a povoação, expulsaram e perseguiram o ln que já havia penetrado em dois pontos do perímetro defensivo, causando-lhe 15 mortos e muitos feridos em número não estimado e apreendendo:

1 LGFog
2 Pistolas metralhadoras PPSH;
7 Gran LGFog;
Munições e material diverso. (...)


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pág. 166 (Com a devida vénia...)

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

Pergunta-se; será que o ataque a Bissássema, de 3 /2/1968 foi deliberadamente omitido pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (CECA) ? (**)

À partida, julgamos que não faria sentido essa omissão, mais de  4 décadas depois  do fim da guerra e da independência da Guiné-Bissau...  Mas confirmamos que a CECA também não refere, por exemplo, o ataque do PAIGC a Cantacunda, dois meses depois,  em 10/11 de abril de 1968, de que resultaram 1 morto e 11 "elementos retidos pelo IN" (prisioneiros de guerra, levados para Conacri, e só libertados, tal como os de Bissássema na sequência da Op Mar Verde, em 22 de novembro de 1970).

Em conclusão, no volume nº 6, Tomo II, Guiné, Livros I, II e III, a CECA centra-se apenas na atividade operacional das NT e só esporadicamente refere a atividade IN.

O hoje cor GNR ref Pais Trabulo (ex-alf mil até inf, CCAÇ 2314, Tite, 1968/69)  escreveu (*):

(...) "Ainda hoje, temos no nosso pensamento a visão dolorosa do estado dos nossos camaradas em fuga para Tite, bem como as lágrimas que corriam nas suas faces, os olhos cobertos de lama e a maioria descalços, ou mesmo nus, parecendo figuras de filmes de terror, apenas com forças para agarrarem, desesperadamente, a arma, a sua única salvação para manter a vida, quando em redor somente havia a morte…

Sabe-se que esta intervenção, em Bissássema, foi um fracasso para ambos os lados e que o PAIGC sempre ocultou no seu historial:

(i) se, pelo lado português, para além dos três prisioneiros e dois desaparecidos e feridos, não se conseguiu concretizar os objetivos propostos;

(ii)  para o lado do PAICG, o elevado números de baixas levou a que sempre escondesse as suas consequências, tendo, inclusivamente, sido considerado por alguns, como um dos maior desaires que sofreu o movimento de libertação da Guiné." (...)

Esperemos que o nosso novo grão-tabanqueiro nº 905, o Joaquim Caldeira, nos possa akjudar a responder a algumas das nossas dúvidas.


 (seleção, revisão / fixação de texto, tradução,  edição de fotos: LG)

________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


24 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26839: Facebok...ando (79): Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - Parte II: a tragédia de 3 de fevereiro de 1968 e dias seguintes, que a NT e o PAIGC tentaram esquecer


quinta-feira, 22 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26832: Facebok...ando (78): Bissássema (cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo, ex-alf mil, CCAÇ 2314, Tite e Fulacunda, 1968/69) - Parte I: Fichas de unidade: BCAÇ 2834 e CCAÇ 2314

1. Temos apenas 7 referências à CCAÇ 2314 (e nenhum representante na Tabanca Grande, até agora, mas  o ex-fur mil Joaquim Caldeira já aceitou ser o primeiro, o que muitos nos honra, a todos nós amigos e camaradas da Guiné: vai sentar-se no lugar nº 904, à sombra do nosso poilão).

Por sua vez, há uma página do Facebook CCAÇ 2314 - Age Quod Agis (o lema da companhia que, em latim, quer dizer "faz o que tens a fazer", ou "faz bem o que fazes").

Foi nesta página que li uma série de postagens sobre a história (trágica) de Bissássema, da autoria do cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo (que esteve na CCAÇ 2314, como alf mil at inf),

Um poste recente, do nosso camarada Aníbal Silva chamou-nos a atenção para esta CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834, a que pertenceu o fur mil Joaquim Caldeira (*). E o Aníbal trouxe-nos o Joaquim, uma grande história de camaradagem e amizade.

2. Para já vamos conhecer as fichas de unidade do BCAÇ 2834 e da CCAÇ 2314:

Ficha de unidade > Batalhão de Caçadores nº 2834

Identificação: BCaç 2834

Unidade Mob: RI 15 - Tomar

Cmdt: TCor Inf Carlos Barroso Hipólito | 2.0 Cmdt: Maj Inf Rui Barbosa Mexia Leitão | OInfOp/ Adj: Maj Inf Albino Simões Teixeira Lino

Cmdts Comp: CCS: Cap SGE António Freitas Novais | Cap Mil Art António Dias Lopes | Cap Inf Eugénio Baptista Neves
CCaç 2312: Cap Mil Inf Júlio Máximo Teixeira Trigo
CCaç 2313: Cap Inf Carlos Alberto Oliveira Penim
CCaç 2314: Cap Inf Joaquim de Jesus das Neves

Divisa: "Juntos Venceremos" - "Para vencer, convencer"

Partida: embarque em 10Jan68; desembarque em 15Jan68 | Regresso: embarque em 23Nov69 

Síntese da atividade operacional

(i) em 16Jan68, rendendo o BArt 1904, assumiu a responsabilidade do sector de
Bissau, com a sede em Bissau e abrangendo os subsectores de Brá, Nhacra e
Quinhámel, comandando e coordenando a actividade das subunidades ali estacionadas, por forma a garantir a segurança e defesa das instalações e populações da área; as suas subunidades foram então atribuídas a outros sectores;

(ii) em 24Jun68, foi substituído no sector de Bissau pelo BCaç 1911 e assumiu
em 25Jun68 a responsabilidade do Sector S2, com sede em Buba e abrangendo
os subsectores de Sangonhá, que viria a ser extinto em 29Ju168, Gadamael,
Cameconde, que desde 28Dez68, passou a subsector de Cacine, Guileje,
Gandembel e Buba, onde rendeu o BArt 1896;

(iii) de 20Ag068 a 07Dez68, a sua zona de acção foi reduzida dos subsectores
de Guileje e Gandembel, que foram atribuídos temporariamente ao COP 2;

(iv) em 15Jan69, a sua sede foi transferida para Aldeia Formosa, onde substituíu
COP1 e sendo então o subsector de Aldeia Formosa, incluído na sua zona de
acção;

(v) em 29Jan69, o subsector de Gandembel foi extinto e em 19Jan69, o
subsector de Buba foi atribuído ao COP 4, então criado;

(vi) em 10Ju169, por transferência da sede do COP 4 para Aldeia Formosa, o batalhão deslocou a sua sede para Gadamael, abrangendo nesta altura os subsectores de Guileje, Cacine e Gadamael;

(vi) desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, reconhecimentos, emboscadas e segurança e controlo dos itinerários, bem como operações e acções sobre as linhas de infiltração e bases inimigas, orientada para a desarticulação dos grupos inimigos que procuravam fixar-se na sua zona de acção e ainda para a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Buba-Aldeia Formosa;

(vi) dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 2 pistolas-metralhadoras, 1 espingarda, 115 granadas de armas pesadas, 20 cunhetes de munições de armas ligeiras e 92 minas anticarro e antipessoal, destas, parte detectada e levantada nos itinerários;

(vii) em 30Set69, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso,
sendo a sua zona de acção integrada no Sector S3, então sob responsabilidade
do BArt 2865.
 
Ficha de unidade > CCAÇ 2314

(i) a CCaç 2314 seguiu em 15Jan68 para Tite, a fim de efectuar a adaptação operacional sob orientação do BArt 1914 e seguidamente reforçar este batalhão,  depois o BCav 2867, como subunidade de intervenção e reserva do sector, tendo realizado patrulhamentos e acções ofensivas nas regiões de Jufá, Bissilão e Nova intra, entre outras e guarnecendo, temporariamente, a povoação de Bissássema, de 03Fev68 a 03Mar68, na sequência de frequentes ataques inimigos;

(ii) em 06Ag068, rendendo a CCaç 1624, assumiu a responsabilidade do subsector de Fulacunda, no mesmo sector, vindo a ser substituída mais tarde na
intervenção pela CArt 2414;

(iii) entretanto, pelotões seus colaboraram ainda em operações efectuadas noutras regiões, ou em reforço temporário de outras guarnições, nomeadamente em Bedanda, Xitole, Nova Sintra e Jabadá e também na organização das autodefesas de Cansonco e Chumael, de princípios de Jan69 a 24Fev69, no sector do BCaç 2852;

(iv) em 30Jun69, por troca com a CCav 2482, voltou a Tite, onde assumiu a
responsabilidade do respectivo subsector;

(v) em 290ut69, iniciou o deslocamento por fracções, para Bissau, sendo substituída em Tite por três pelotões da CCav 2484, até à chegada da CCav 2443, após o que se manteve aguardando o embarque de regresso.
____________

Observações - O BCAÇ 2834 tem História da Unidade (Caixa nº 71 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM). As CCaç 2312, CCaç 2313 e CCaç 2314 têm História da Unidade (Caixa n.º 76 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM). 

Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, 
pp. 104-106.

3. Desta subunidade fazia parte o hoje cor GNR ref João Manuel Pais Trabulo. 

Natural de Meda, onde nasceu em julho de 1945, foi alf mil at inf da CCAÇ 2314. Enveredou depois pela carreira mitar, primeiro no Exército e depois na GNR, onde se reformou com o posto de coroenl, em 2008. Atualmente, na situação de reforma, vive na cidade de Gouveia, desde 1984. É o Presidente do Núcleo de Meda da Liga dos Combatentes. Tem hoje como centros  de interesse a rádio, a investigação histórica e a fotografia. 

(Fonte: Correio da Guarda, 02.06.21)

Em próximo poste apresentaremos um apontamento do Pais Trabulo sobre "a tragédia de Bissássema", da qual ainda sabemos pouco...

Sobre o o topónimo "Bissássema" temos apenas 14 referências. Os camaradas que lá lutaram, sofreram, morreram e, por fim, venceram (o PAIGC), merecem mais! A começar pelos prisioneiros que o PAIGC fez, em 3 de fevereiro de 1968, todos da CCAÇ 1743, estacionada em Tite, e só libertados na sequência da Op Mar Verde, em 22 de novembro de 1970:

  • António Júlio Rosa, ex-alf mil inf (Mangualde, 1946- Lisboa, 2019);
  • Geraldino Marques Contino, , ex-1º cabo nº 093526/66,
  • Victor Manuel de Jesus Capítulo, ex-sold nº 034660/66, 
(**) Último poste da série >14 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26797: Facebook...ando (77): 24º encontro anual da 26ª CCmds (Brá, 1970/72), na Quinta do Paúl, Ortigosa, Leiria ... Homenagem poética à "Geração Afro" (Angelino Santos Silva)

domingo, 4 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26762 Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte VI

Foto nº 1 > O alf mil Jorge Pinto, de oficial de dia



Foto nº 2 e 2A > A brigada de limpeza


Foto nº 3 e 3A > A equipa de manutenção e reparação da rede de arame farpado. O alf mil Jorge Pinto "fiscaliza" o trabalho.


Foto nº 4 e 4A > Uma saída para o mato


Foto nº 5 > Regresso de um patrulhamento ofensivo no subsetor de Fulacunda. O militar da frente transporta, ao ombro esquerdo, duas granadas de morteiro 60.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Mais fotos sobre o quotidiano dos militares no aquartelamento de Fulacunda: limpeza da parada, manutenção e reparação da rede de arame farpado, patrulhamentos ofensivos... Tudo isso está bem documentado nestas excelentes imagens, obtidas a partir dos "slides", digitalizados, do Armando Oliveira.

Fotos (e legendas): © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. O marcoense Armando Oliveira foi 1º cabo at inf, 3ª C/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74), tendo pertencido ao 3º Pelotão, comandado pelo nosso amigo, camaradada e grão-tabanqueiro Jorge Pinto. Era o apontador da metralhadora pesada Breda, instalada no alto do fortim. Também exercia, no quartel, a sua profissão de barbeiro. E, como "hobby", fazia fotografia.

É membro recente da nossa Tabanca Grande (nº 901). Tem página do Facebook. Mora no Porto. Já voltou à Guiné-Bissau 4 vezes, tendo sempre passado por Fulacunda. Pretende voltar lá em 2026

Como na maior parte dos casos as fotos que ele nos disponibilizou,  não trazem legendas, temos que as tentar reconstituir, e contar com a ajuda dele como dos outros camaradas "fulacundenses" que também fazem parte da Tabanca Grande: o Jorge Pinto e o José Claudino da Silva. (Bem como do Fernando Carolino, que ainda está com um pé dentro e outro fora.)

2. Mais um apontamento sobre Fulacunda e o seu historial... Recorde-se que ainda antes do ínicio da guerra (que, segundo a "narrativa" do PAIGC, começaria com o ataque a Tite em 23 de janeiro de 1963), as regiões do sul, Quínara e Tombali, a partir de meados do ano anterior, já eram  alvo de sabotagens de linhas telefónicas, cortes de estradas e destruição de pontes, além de outras "atividades subversivas" (c0mo a propaganda, o aliciamento e a intimidação das populações). 

Fulacunda acabou por ficar isolada, perdeu o estatuto de sede de circunscrição (transferida para Tite) e a sua população ficou dispersa,  a maior parte no mato, sob controlo do PAIGC Em 3 de julho de 1963, na estrada Fulacunda-São João, o IN colocou a primeira mina A/C.

De acordo com a Directiva nº 3 do Comandante-Chefe, de 22 de maio de 1963, "as  regiões de Quinara e Fulacunda estão, na sua quase totalidade, fora do controlo das autoridades dada a intensa actividade desenvolvida pelo lN"

Mais concretamente:
  • "Grande maioria das tabancas estão abandonadas refugiando-se a população no mato, embora recolha durante a noite a algumas das não destruídas;
  • A população, em parte coagida, em parte de livre vontade, colabora com os terroristas, nomeadamente na colocação de abatizes e no racionamento de géneros alimentícios, este para fazer face às dificuldades que certamente surgirão na época das chuvas que se aproxima;
  • Tem criado dificuldades à movimentação das NT pela obstrução sistemática das vias de comunicação e montagem de emboscadas;
  • Tem atacado embarcações civis e até militares.
  • Já saquearam casas comerciais (S. João)." (...)

Os principais chefes de guerrilha referenciados na altura eram o Arafan Mané, o Gibril, o Malan Sanhá e o Quemo Mané. Em termos de armament0, o lN já dispunha "de pistolas e pistolas metralhadoras em quantidades apreciáveis e de elevado número de granadas de mão de muito boa qualidade".

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, 2014), pp. 100/101.
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 1 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26751: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte V

segunda-feira, 17 de março de 2025

Guiné 61/74 - P25592: O melhor de ... Mário Gaspar (1943-2025) - Parte II: "Todas as vezes que via o alferes Gouveia, olhava-o bem nos olhos e dizia: – Você matou o Pestana e o Costa!... Mais tarde o ex-cap mil Mansilha informou-me: – O Gouveia suicidou-se na ilha da Madeira. Lançou-se ao mar de um penhasco!... Respondi-lhe: – Sou o único culpado!"





Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > Monumento aos Combatentes do Ultramar > Memorial dos Mortos do Ultramar > c. 2018 > O Mário Gaspar aponta os nomes dos seus camaradas António Lopes Costa, soldado, natural  de Vila Real,  e Victor José Correia Pestana, furriel, natural de Santarém, mortos em "acidente com arma de fogo", em 12 de outubro de 1967, perto de Ganturé, junto à fronteira com a República da Guiné-Conacri.


Fotos (e legenda) : © Mário Gaspar (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Mário Gaspar (Sintra, 1943 - Lisboa, 2025) teve, depois da "peluda", pelo menos duas grandes paixões (além de Alhandra da sua infância e adolescência): 

(i) a DIALAP- Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, onde foi lapidador, sindicalizado, e delegado sindical (ficou desempregado, em 31/5/1996, por extinção do posto de trabalho); 

e (ii) a Apoiar - Associação de Apoio Aos Ex-Combatentes Vítimas de Stress de Guerra, de que foi sócio fundador e dirigente. Temos que relembrar, proximamente, estas duas facetas do nosso "Zorba".

Tanto quanto a sua saúde o permitiu (era DFA - Deficiente das Forlas Armadas, com 40% de incapacidade, e nos últimos conheceu o calvário dos lares, clínicas e  hospitais, sofrendo de problemas do foro cardíaco), teve uma presença ativas nas redes sociais (em particular no nosso blogue e na sua por vezes atribulada página do Facebook: queixava-se que lhe cortavam inúmeros comentários). 

Tinha um humor instável e truculento; detestava que lhe chamassem Mário Gaspar ou Mário Vitorino. Era o Mário Vitorino Gaspar.  Sofreu muito em vida.

Recorde-se que o Mário Gaspar, ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68),  era, como gostava de ser conhecido, "Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado"; e ainda "cofundador e dirigente da associação Apoiar"...

Tinha, além disso,  o curso de minas e armadilhas. E terá sido em Tancos e depois no teatro de operações no sul da Guiné que ele afinal iria descobrir o seu talento para o trabalho minucioso,paciente e... arriscado de lapidador de diamantes.

É autor do livro de memórias "Corredor da Morte" e da série, publicada no nosso blogue, "Recordações de um Zorba". Republicamos, dele, mais um poste, em que conta como é que a burocracia da tropa o matou (ou deu-o como morto) e relata  a tragédia da morte de três Zorbas, o Pestana, o Costa e o Gouveia. (*).



"Todas as vezes que via o alferes Gouveia, olhava-o bem nos olhos e dizia:  – Você matou o Pestana e o Costa!... Mais tarde o ex-cap mil Mansilha informou-me: – O Gouveia suicidou-se na ilha da Madeira. Lançou-se ao mar de um penhasco!... Respondi-lhe:  – Sou o único culpado!"    

por Mário Vitorino Gaspar (1943-2025)  (**)


Que interesse têm os portugueses de saberem que existiu uma Guerra Colonial? Já basta o “A
aquecimento global”, que nem sequer sabemos ao certo o que é, ainda para cúmulo essa guerra onde os nossos pais ou avôs combateram. Pois vou narrar-lhes aquilo que me sucedeu, talvez em agosto, no período das férias de 1969.

– Foi precisamente no dia 12 de o
utubro de 1967 que morri (*). Não sei como! Se por doença: paludismo; matacanha; outra.

– Mas o que é isso do paludismo ou matacanha? Compreendia antes se fosse da saudade!

– Esquece!

Morri, curiosamente só tive conhecimento de tal, no dia do meu casamento. Inicialmente fiquei preocupado, quando o padre na igreja de São João de Brito disse:

– Estou a casar o morto vivo!

– Se morreste, não compreendi essa, estás aqui, e vivo… Como a sardinha da Costa!

Sorri e tudo se sumiu como espuma!

Pois no dia que me desloco à sacristia para levantar a certidão de c-asamento, recordei aquele episódio rocambolesco na greja. Parei no topo da escadaria e abri a sinistra caderneta m-ilitar que deixara para que fossem feitas as alterações necessárias: data do casamento e mudança de residência.

Primeira surpresa. Leio, esfregando os olhos: 

 "Baixa de Serviço: – por falecimento a 12 de outubro de 1967!" ... Algumas páginas a seguir: "Morto a 12 de outubro".

Tudo sem explicações: quem o fez tinha plena consciência daquelas asneiras, podia no mínimo ressalvar esta «morte», uma mentira cruel, e um padre que tinha a obrigação de fazer menos comentários.

Verdade é que ia caindo na escadaria e rebolado até ao “passeio português”. Tinha consciência que da tropa podia esperar um pouco de tudo, agora matarem um combatente com tinta parker azul permanente…

Tive de saber o que estava por detrás daquela historieta.

Nas férias em agosto dirigi-me ao quartel mobilizador, o Regimento de Artilharia de Costa (RAC), em Oeiras. Encontrava-se na secretaria o major (julgo ser ainda major), o oficial que me colocara de sem erviço no último domingo que tinha a oportunidade de estar com a família antes de embarcar para a Guiné.

Quando lhe dei para as mãos a caderneta logo me arrependi. Leu e disse:

– Que mal faz estar aqui dado como morto? -Ao senhor pouco ou nada importa!

Interrompi-o ao escrever na caderneta com uma bic azul e outra vermelha.

– Mas você não pode, nem deve fazer emendas ou ressalvas. Nesse caso as rasuras faço eu. Não tem o direito.

Tirei-lhe a caderneta das mãos. Tinha sublinhado de um lado e fez uma ressalva.


Fotocópia da folha da caderneta militar, do Mário Gaspar, correspondente à página das "ocorrências extraordinárias", onde é de novo referida a sua morte...




Tratei-o mal, chamando a atenção àquilo que me fizera colocando-me no domingo anterior à partida de serviço:

– Sargento de Dia ao Regimento!

Ninguém aceitou fazer esse serviço por mim por ameaça a todos que de algum modo fizessem esse serviço, inclusive eu pagava bem.

Passado algum tempo desloquei-me ao departamento do Arquivo Geral do Exército que funcionava no antigo quartel na Avenida de Berna e nos dias de hoje emprestado à Universidade NOVA de Lisboa. Segundo consta, o imóvel foi vendido, esse quantitativo serve para o Fundo dos Combatentes.

Interessa neste caso a explicação sobre a minha morte. Logo que disse a razão da minha ida ,
os três indivíduos riram. Entreguei a caderneta e logo vi segurar uma pasta, diferente das outras, estava toda agrafada. Disse:
-
– Vi que tenho toda a razão: morri a 12 de outubro de 1967!

O sargento tirou os agrafos – eram os três sargentos – e referiu logo:

– Olhem, este camarada era nosso vizinho na Guiné!

Disse-me junto ao balcão:

– Aquele estupor esteve comigo em Guileje e o outro do canto era de Mejo.

Curioso, estivemos todos juntos. Respondi:

– Agora estou a reconhecê-los, estivemos mais de uma vez a comer juntos.

Referiram estar tudo na ordem, com o inconveniente de estar registado na caderneta. Não compreendiam a razão do major em Oeiras ter feito esta gatafunhada. Ninguém o autorizou.


O jovem Mário Vitorino Gaspar






Ainda fui a programas de Rádio; dei entrevistas para jornais e fui a dois programas de televisão. Um deles, da Fátima Lopes.

Talvez tivesse algo a ver com esta asneira, terem morrido o meu Amigo, vítima do rebentamento de uma granada armadilhada, o furriel miliciano Vítor José Correia Pestana, de Abitureiras, Santarém.  e o soldado António Lopes da Costa, de Cerva, Vila Real. Ambos mortos por acidente, um acidente, e grande, era estarmos na guerra.

Quando gozei férias fui entregar à família do Vítor pequenos utensílios que lhe pertenciam. Como o Vítor falasse muito no Mário, trataram-me como sendo o filho, primo, etc.. Custou-me imenso. 

Como tivessem morrido num período em que eu não estava, fui verificando não me terem narrado tudo sobre ambas as mortes, por saberem sermos muito amigos. A razão de tal é termos cumprido grande parte do serviço militar juntos.

Um dia insisti com um camarada que a chorar pelo telemóvel me contou. A CART 1659 iniciou uma patrulha até à fronteira com o fim de montarem armadilhas, o que foi feito. Esta patrulha era sempre no mesmo sentido, nunca no contrário nem com regresso pelo mesmo lado.

O alferes Gouveia que comandava, já na fronteira deu ordens para regressarem pelo mesmo trajeto da ida e o Vítor Pestana referiu ter feito o croqui mas no sentido da ida, não possuía pontos de referência no sentido contrário.

 Insistiu o alferes, eram ordens. O Costa disse ao furriel que o acompanhava, os dois avançaram. Pára o Pestana, olhando para os pés. Não podia escapar e lançou-se sobre a granada armadilhada que rebenta. O Costa fica encostado a uma árvore, parecia descansar, nem sequer tinha sinais de ter sido atingido, estava morto. O Pestana tinha braços e pernas seguros do restante corpo por linhas. No peito um buraco. Estava vivo. Ainda chegou vivo a Gadamael Porto e foi visto pelo médico do batalhão que se encontrava perto.

O Pestana pedia, e por favor, aos furriéis milicianos, que lhe dessem um tiro na cabeça. Morreu. Tive só conhecimento da sua morte ao regressar de licença de férias. A história que me contam é sobre o local das mortes e das ordens que recebeu.

Todas as vezes que via o alferes Luís Alberto Alves de Gouveia, olhava-o bem nos olhos e dizia:

– Você matou o Pestana e o Costa!

Ele nunca me respondeu. Anos depois, encontrei-me com capitão miliciano de infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha [nosso antigo comandante] que me informou:

– O Gouveia suicidou-se na lha da Madeira. Lançou-se ao mar de um penhasco!

Respondi-lhe:

– Sou o único culpado.


(Revisão / fixação de texto, título: LG)


2. Comentário do editor LG:

Faço questão de repetir aqui o que disse em 2018, em comentário ao poste P19093 (**),  mesmo sabendo que o Mário, lá no além, já não me pode ler nem muito menos responder:

Mário, é bom voltar a "ver-te" aqui na Tabanca Grande. Já tinha estranhado o teu silêncio. Esta "macabra" efeméride, já a tinhas relatado há uns anos atrás... Mas agora percebe-se melhor a origem do erro: em 12 de outubro de 1967, morrem os teus dois camaradas, no acidente com a granada armadilhada. Um deles, o Victor Pestana, é furriel... Houve uma troca de identidades... Lamentável, mas aconteceu, e seguramente que não foi caso virgem...

Quanto ao eventual suicídio do Gouveia, seria "monstruoso" tu assumires a "culpa" desse ato, tantos anos depois... Tira-me isso da cabeça!... Um grande abraço, Luis.

2018 M10 12, Fri 14:36:09 GMT+1
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Ficha de unidade >  Companhia de Artilharia n.º 1659

Identificação: CArt 1659
Unidade Mob: RAC - Oeiras
Cmdt: Cap Mil Art Manuel Francisco Fernandes de Mansilha
Divisa: "Os Homens não Morrem" - "Zorba"
Partida: Embarque em 11jan67; desembarque em 17Jan67 | Regresso: Embarque em 300ut68

Síntese da Actividade Operacional

Em 19jan67, rendendo a CCaç 798, assumiu a responsabilidade do subsector de Gadamael, com um pelotão destacado em Ganturé, e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1861 e depois do BArt 1896 e ainda do BCaç 2834.

Em jul68, face à intensificação da actividade de patrulhamento de itinerários e emboscadas na linha de infiltração inimiga na região de Guileje, o destacamento de Ganturé foi reforçado, temporariamente, por outro pelotão da companhia.

Em 20out68, foi rendida no subsector de Gadamael pela CArt 2410 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa nº 81 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 448

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26586: O melhor de... Mário Gaspar (1943-2025), ex-fur mil, MA, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) - Parte I: "Estou cego, cego..., não vejo, nada, merda!"


(**) Vd. poste d12 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19093: Efemérides (291): Faz hoje 51 anos: 12 de outubro de 1967, o dia em que eu morri....Por outro lado, sou o "único culpado" do suicídio do ex-alf mil, madeirense, Gouveia (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)