terça-feira, 18 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2664: Os Cães de Guerra (Mário Fitas e Carlos Filipe, ex-Fur Mil, CCaç 763, Cufar, 1965/66)

Elementos da CCaç 763 em Cufar: Mário Fitas é o 2º da direita).




Companhia de Caçadores 763

Guiné 1965/1966

História da criação da Secção de Cães de Guerra



Texto de Mário Fitas * e Carlos Filipe.

Fotos: © Mário Fitas. Direitos reservados.

Para nos revermos, e ter fundamentos para esta experiência de introdução de Cães de Guerra na contra-guerrilha em terras da Guiné, há que remontar a 1961/1962. O então Cap Inf Carlos da Costa Campos, a prestar serviço em Moçambique, foi indigitado para se deslocar a Pretória, África do Sul, a fim de durante seis meses, lhe ser administrado um curso de Cinotécnia.



Para o efeito, adquiriu três cachorros Pastor Alemão, para melhor entrosamento do seu curso aos quais pôs os nomes: Cadete e Punch (Machos) e Carhen (Fêmea).




O Cadete em pose.

Após a formação técnica recebida em Pretória, o capitão Costa Campos regressou a Moçambique, onde foi incumbido da instalação do Centro de Treino e Instrução de Cães de Guerra de Boane. A partir deste momento estava criado o 1º Centro de Cinotecnia do Exército Português. (**)

Regressado à Metrópole, foi mobilizado para comandar a CCAÇ 763 em Setembro de 1964, tendo aquela companhia como unidade mobilizadora o RI 1 na Amadora. Conhecedor da mais-valia que o Cão de Guerra, quando devidamente treinado, poderia dar às Forças Armadas, em patrulhas, guarda, sentinela, esclarecedores no terreno, ataque e combate, decidiu particularmente, e por conta própria, formar uma Secção de Cães com os três que já possuía e com a aquisição de mais cinco.

Porquê a escolha da raça Pastor Alemão?


Por reunir as melhores condições para o Cão de guerra, pelas razões que se descrevem:
- Aprende e pensa rapidamente;
- Tem o ouvido mais apurado do que qualquer outra raça;
- O seu faro é melhor que qualquer outra raça do mesmo tipo:
- É extraordinariamente ágil e rápido ;
- Come pouco em relação ao seu tamanho;
- O seu pêlo confere-lhe protecção contra o calor ou frio, picadas de insectos e mordeduras de outros animais;
- Demonstra elevado moral sobre desordeiros ;
- Domina com facilidade quem se lhe oponha.

Tendo consciência que este seu projecto implicaria custos não só na aquisição de animais como em todo o equipamento necessário (trelas, coleiras, açaimes, material de limpeza e cirúrgico/veterinário de Laboratório, para além de material de treino) e não dispondo de qualquer dotação para a alimentação e outros gastos, o capitão Costa Campos resolveu, mesmo assim, avançar com a formação da secção em várias etapas.

1ª. Fase:

Selecção do graduado que ficaria com a responsabilidade de administrar a formação e que ficaria como comandante da Secção. Havendo vários candidatos entre os Furs Mil fazendo parte dos quadros da Companhia, a escolha recaiu no Fur Mil Carlos Filipe pelo facto de ter o curso de Engº Técnico Agrário, reunindo portanto conhecimentos de veterinária através da Zootecnia.

2ª. Fase:

Formação dada ao comandante da secção através de fichas e práticas, utilizando para o efeito demonstrações com o Cadete, a Carhen e o Punch.
3ª. Fase:
Selecção dos tratadores, os quais deveriam possuir as seguintes qualidades: Ser amigo de cães, paciente, perseverante, inteligente, expedito e desembaraçado, imaginativo, com capacidade de coordenar física e mentalmente e dispor de boa resistência física.

A secção ficou com a seguinte formação:

Cadete - tratador 1º. Cabo Galaio
Punch - idem, 1º. Cabo Madeira
Carhen - idem, Soldado Ruiz
Fado - Idem, Sold Montijo
Bissau - Idem, 1º. Cabo Galvão
Dick - Idem, Sold Pernas
Lady - Idem, Sold Bordadágua
Guiné - Idem, Sold Galaio



Secção de cães da CCaç 763


4ª. Fase:
Treino dos cães em equipa já com os respectivos tratadores.
Treino de Obediência – com aprendizagem da voz do comando:

Neste período, o animal aprendeu a colocar-se junto ao tratador, a deitar-se, a pôr-se de pé, a ladrar, a estar quieto, a conduzir objectos, a rastejar, a progredir, a interromper a marcha, a executar acções de busca, a atacar, etc.

Físico – (obstáculos)
Treino Básico

Treino Específico – patrulha, guarda, sentinela, busca e pisteiro.


Exercícios físicos e de perseguição

Ultrapassadas que foram as dificuldades da viagem para a Guiné, dada a inexistência de condições no N/M Timor, para o seu transporte, a secção de cães voltou ao seu treino em Bissau no antigo BCAÇ 600, enquanto a CCAÇ 763 recebia todo o equipamento para partir para Cufar.

Acção Operacional

Algumas dificuldades surgiram, na actuação dos cães no teatro de guerra da Guiné, e que levaram a alterações na utilização do Cão de Guerra e que se especificam:

- A existência de abundantes bandos de macacos cães que pela sua extrema agressividade enfrentavam os cães com grande alvoroço e agitação, o que permitia a fácil detecção das nossas forças pelo IN;
- O aparecimento de várias infecções nas patas dos cães, que se verificou serem causadas pela existência de vasta vegetação arbórea constituída por espécies com espinhos.


Estes factos limitaram a utilização dos cães principalmente em operações, cuja natureza requeria a surpresa, nomeadamente em assaltos a acampamentos IN. A redução da utilização do cão Patrulha levou a que o treino e utilização fosse intensificado na utilização como cão Pisteiro e Sentinela.

Como cão Sentinela, a sua prestação foi extraordinária, dando a possibilidade de poupança de meios humanos, e melhor garantia de alerta pela grande capacidade de faro e audição. Foi de reconhecido mérito, a sua utilização, quando na pista de Cufar por qualquer motivo teria de pernoitar qualquer aeronave.



O Fado vigia a passagem de mulheres para a pesca no rio Manterunga.

Como cão Pisteiro, teve uma grande prestação, no controlo das populações, a Sul de Cufar, não só na detecção de material como de pessoas que, escondendo-se, tentavam fugir à vigilância das nossas tropas. Aqui pode referir-se a captura de guerrilheiros e controleiros do PAIGC.

Refira-se também a utilização do cão como guarda de prisioneiros.


Poder-se-iam narrar casos. Por exemplo, o Punch rastejar junto ao seu tratador numa emboscada, descobrir munições e pessoas escondidas em depósitos de arroz ou telhados de moranças etc.

Embora com os contratempos descritos e que impediram a utilização plena do Cão de Guerra, pode afirmar-se que foi uma experiência bastante positiva levada a efeito pela CCaç 763 o que permitiu ser conhecida na Região, para além dos Lassas, como a Companhia dos Cães.

Poderemos considerar que com estes valiosos animais a CCAÇ 763 contou com mais oito elementos de grande valia. Um testemunho, que os grupos armados do PAIGC que operavam no sector nessa altura, poderiam dar.

Foi-nos comunicado por testemunha idónea que, em 1999, trinta e quatro anos depois, ao passar por aquela Zona, ouviu referenciar a Companhia dos Cães.

__________

Notas de vb:

(*)  Mário Fitas foi Fur Mil Op Esp, da CCAÇ 763 (Cufar 1965/66). É autor dos dois romances sobre a guerra da Guiné: Putos, Gandulos e Guerra e Pami Na Dondo A Guerrilheira (este transcrito aqui no blogue).
ver artigos de

11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2257: Convívios (34): CCAÇ 763 (Cufar 1965/67) (Mário Fitas)

(**) Ou Cinotécnica = Conjunto de técnicas para criação e treino de cães.


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