Foto nº 1 > Vilma Kracun Crisóstomo e João Crisóstomo, na Parada alusiva ao Dia de Portugal em Mineola, NY, 10 de junho de 2018: Fonte: www.lusoamericano.com~

1. Mensagem de João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, casado com a Vilma Kracun Crisóstomo, nossa grã-tabanqueira nº 900 (*):
Assunto - Vilma
Caro Luís Graça
Aqui estão algumas fotos que poderão ser aproveitadas ( ou não, que a qualidade deixa muito a desejar). E um texto que poderás aproveitar ou não. Segue, que pelo menos tu e a Alice gostarão o de ler.
Fotos têm sempre mais valor se a elas pudermos associar alguma coisa de interesse. E isto aplica-se bem ao caso da Vilma. A única razão para eu enviar a foto nº 2 é que esta é a única que tenho de quando ela era ainda menina e moça.
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Bandeira da Eslovénia (com três cores: branco, azul e vermelho) |
A Vilma, nascida em 1947, na Eslovénia (ainda então Federação da Jugoslávia, 1945-1991), é a mais velha das duas, sendo a outra criança a sua irmã mais nova, nascida em 1955.
Estas fotos referem-se sobretudo à Vilma, antes de eu a conhecer. A última foi tirada no dia em que nos reencontramos, já depois de eu a ter convencido a vir comigo para os Estados Unidos (foto nº 1).
Nem sei como hei-de começar, pelo que vou escrever conforme as lembranças do que ela me contou me vierem.
O castelo nesta foto nº 4 é o Grad Rajhenburg, ou "Brestanica Castel", que tem muito a ver com a Vilma e sua família. Está situado num monte nas margens do Rio Sava, como se pode ver na foto, onde se vê ao fundo, mesmo junto ao rio, ao longo do rio, o caminho de ferro que serve e atravessa a Eslovénia e alguns outros dos países que formavam a Jugoslávia antes do seu desmembramento.
Um dia, logo na primeira vez que fui à Eslovénia, ao olhar de longe para aquele imponente castelo, que como todos os outros na Eslovénia é muito diferente dos nossos, pois mais parece uma mansão fortificada, eu mesmo de longe, notei que o castelo tinha sido recentemente restaurado, o que ela confirmou acrescentando que as janelas do castelo ainda tinham as mesmas cores com que o pai dela tinha reparado e pintado. Fiquei curioso e pedi-lhe que me contasse essa história de ter sido o pai dela que tinha reparado e pintado aquelas janelas.
Depois dos alemães terem invadido a Eslovénia, contou-me ela, eles fizeram deste castelo um ponto de receção e redistribuição de prisioneiros de todas as espécies: uns prisioneiros eram “aproveitados’ como trabalhadores forçados em projectos relacionados com a guerra e outros eram levados para os campos de concentração dos quais geralmente não chegavam mais a sair.
O pai da Vilma foi prisioneiro neste castelo. Não o foi porque fosse político ou judeu, mas simplesmente porque, para um indivíduo desonesto e sem consciência que devia dinheiro ao seu pai, acusar o pai dela de ser antinazi foi o meio mais fácil de não ter de pagar o que lhe devia.
Valeu ao pai dela o facto de ser muito trabalhador e artista exímio de muitas profissões. Os seus muitos e variados talentos foram logo descobertos pelos alemães nazis que o começaram a aproveitar para tudo, desde trabalhos de alvenaria, carpintaria, pintura, limpezas, ajudante de cozinha e tudo o que fosse preciso fazer.
Foi durante uma visita ao castelo que deparei com uma foto que já me era familiar, mas que eu não esperava encontrar em lugar proeminente dentro do castelo. É uma foto da antiga casa da Vilma (foto nº 3), antes de lhes terem dado, nos tempos do Presidente Tito, a casa que ainda agora é a sua casa.
Os seus pais quando vieram para Brestanica encontraram esta casa vazia que logo arrendaram e mais tarde compraram. Anos mais tarde a cidade resolveu limpar e alargar o Rio Sava, o maior rio da Eslovénia, um dos afluentes do rio Danúbio. Isto exigiu a demolição de várias casas entre elas a sua casa, nas margens deste rio, que teve de ser expropriada e demolida. E foi nesta altura que lhes deram então a casa onde ainda agora habitam.
A razão que leva esta foto a estar no museu é a sua história e usos que teve, antes do pai dela aí se instalar: devido à sua situação esta casa tinha servido de uma espécie de grande azenha: as águas do rio foram desviadas para passar nesta casa, onde estavam turbinas que forneciam a energia eléctrica para o castelo e para os monges trapistas, situados atras do castelo, e que possuíam grandes extensões de cultivo agrícola, especialmente de uvas e frutas.
A Vilma ficou traumatizada com as histórias que lhe contaram sobre os tempos em que os nazis ocuparam a sua terra natal. E quando na "high-school” (liceu) lhe foi dado a escolher entre Françês e Alemão como uma segunda língua ela, ao contrário da maioria, recusou-se a aprender alemão.
Quando houve uma oportunidade resolveu ir para Paris, onde trabalhava como “nanny” ao mesmo tempo que frequentava a Sorbonne. Houve uma senhora amiga que descobriu que a Vilma tinha dotes para piano e começou a ajudá-la e a encorajar a Vilma nesse sentido. O piano na foto (nº 5), que ela de entusiasmada comprou, foi tirada nesta altura. Problemas de saúde obrigaram-na a desistir, embora ainda hoje ela goste de assistir a concertos de piano e sinta pena de não ser ela a dedilhar o teclado em vez de ser simples espectadora.
Foi em Paris, frequentando a "Alliance Française”, que a Vilma encontrou e se fez amiga duma portuguesa, que também frequentava a Alliance. Pelas datas eu devia estar a frequentar também a Alliance, onde vim a conhecer esta portuguesa com quem eu viria a casar em Londres, mas nunca ouvi falar da Vilma. Foi em Londres que a vim a conhecer pois foi esta portuguesa, minha futura esposa, que a ajudou a encontrar um trabalho de "Au Pair Girl" (ou "nanny") em Londres onde podia, repetindo o que fez em Paris, trabalhar e aprender a falar inglês. E foi em Londres que eu vim a conhecer a Vilma.
Graça à amizade que nutriam encontravam-se frequentemente e eu, fazendo companhia à minha namorada, encontrava-a de vez em quando. A sua companhia era agradável, mas nada mais do que isso, exceto que a minha esposa a convidou a ser a sua madrinha de casamento.
Passados dois anos decidiram ir cada uma para sua terra e foi nesta altura que a minha esposa perdeu contacto com a Vilma. Começamos a procurá-la e, mesmo depois de eu e minha esposa nos termos separado, eu continuei a procurá-la. Para mim era até uma razão de me manter em contacto com outros amigos que a conheciam de Londres.
Entretanto eu continuava procurando velhos amigos/as cujo contacto tinha perdido. Lembro três que reencontrei ao fim de 17 anos, 23 anos e 11 anos sem saber nada deles.
O caso da Vilma foi mais difícil: demorou quarenta anos. Quando me disseram do seu paradeiro aproveitei a minha ida a Paris para visitar um amigo também reencontrado ao fim de 23 anos e que estava muito doente e de quem eu tinha receio que não recuperasse mais, para lhe telefonar. Marcamos um encontro na casa desse meu amigo. E o inesperado aconteceu: amor à segunda vista. O resto já foi contado, creio, que esta abençoada Tabanca não nos deixou mais (**). E agora acaba de dar as boas-vindas à minha Vilma como Tabanqueira de pleno direito.
Bem hajam todos. É um prazer e grande honra para nós.(***)
Vamos estar em Portugal no mês de maio. Oxalá nesse mês se proporcionem ocasiões de ver e dar abraços aos nossos camaradas:
(i) em 25 de maio (Convento do Varatojo, Torres Vedras);
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 2 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26544: Tabanca Grande (569): Vilma Crisóstomo, esposa do nosso camarada João Crisóstomo, que se senta no lugar n.º 900 sob o nosso "poilão sagrado"
(**) Vd. poste de 23 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11448: Os nossos seres, saberes e lazeres (51): WE HAVE IT!!!.... Um linda história de amor, um reencontro ao fim de 40 anos, um casamento em Nova Iorque... E agora, que sejam felizes para sempre, meus queridos João (Crisóstomo) e Vilma (Kracum)! (Tabanca Grande)
(***) Último poste da série > 17 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26695: Histórias de vida (59): O meu amigo A..., do Café Cenáculo, no Porto, e depois alferes da Cheret no QG/CCFAG (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)