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domingo, 19 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25541: O Cancioneiro da Nossa Guerra (21): Os Gandembéis - Canto I, Estrofes de I a XI (CCAÇ 2317, Gandembel, Ponte Balana e Nova Lamego, 1968/69)



Leiria Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional da Tabanca Grande > A paixão do teatro e da Guiné juntaram o João Barge e o Carlos Nery (n. Funvchal, 1933).... "Os Gandembéis", poema de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana.

Infelizmente o João Barge iria morrer uns escassos meses depois, no príncipio de dezembro de 2010.(*)





Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010 > V Encontro Nacional  da Tabanca Grand3e > O saudoso João Barge (1944-2010), ao meio, com o Idálio Reis (à direita, segurando uma cópia das letras de "Os Gandembéis", o Cancioneiro de Gandembel, uma paródia de "Os Lusíadas", Canto I / 27 Estrofes, Canto II / 16 estrofes, Canto III / 8 estrofes e Canto IV / 11 estrofes) (**).

Do lado direito, o camarada Eduardo Moutinho dos Santos, ex-capitão miliciano (que comandou a CCaç 2381 "Os Maiorais", 1968/70),  hoje advogado e antigo presidente da Mesa da Assembleia Geral da ONG Tabanca Pequena (Matosinhos).

O João, já o conhecia, superficialmente, de um dos primeiros convívios da Tabanca do Centro. Natural de Aveiro, foi professor no Instituto Politécnico de Leiria. Agora, o que não imaginava é que ele era também um dos homens-toupeira de Gandembel e um dos dois famosos letristas de "Os Gandembéis".

  

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


Idálio Rodrigues F. Reis,
hoje eng. agr. ref.,
foi alf mil at inf, CCAÇ 2317 / BCAÇ 
2835 (Bissau, Bula, Mansabá,
 Guileje, Gandembel, Ponte Balana,
Aldeia Formosa, Buba,
Nova Lamego e Cansissé,
jan 68/ dez 69)

1. Não há nada parecido, até agora,  com a letra de "Os Gandembéis", dentro de "O Cancioneiro da Nossa Guerra"... É uma magnífica paródia de "Os Lusíadas", a obra-prima da  nossa literatura.

Arte, mestria, drama, tragédia, epopeia, humor de caserna!... Jã há muito que o dissemos: esta ma obra-prima mete o Cancioneiro do Niassa a um canto (sem desprimor para os anónimos autores, dos 3 ramos das forças armadas, da base de Metangula, que escreveram as letras das cerca de 4 dezenas de canções que integram o cancioneiro moçambicano).

Sabemos, pelo "cronista" da CCAÇ2317, o Idálio Reis, que estas estrofes foram  escritas, ou ou melhor, ultimadas, em 1969, já não no calor da batalha de Gandembel / Balana (abr 68 / jan 79), mas na retaguarda, na região de Gabu, para onde a companhia acabou a sua comissão de serviço no CTIG, em finais de nov 69)... 

Em todo o caso, ainda os bravos de Gandembel / Ponte Balana cheiravam a pólvora, a sangue, a suor e 
a  lágrimas:

(...) "Em Gandembel, tanta tormenta e tanto dano,
Tantas as vezes a morte apercebida,
No arame farpado, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida;
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida ?
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno. (...)

(Os Gandembéis, Canto II, Estrofe I. In: REIS, Idálio; A CCAÇ 2317, na guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana, ed. autor,. s/l, 2012, pág. 209)

Não temos dúvidas que isto foi escrito por gente com talento (literário), cultura, sensibilidade e... muitos dias de sofrimento e de insónias!!!

Quem foram os seus autores ? O Idálio Reis esclareceu algumas das nossas dúvidas, em mensagem datada de 10 de março de 2012 (**):
 
(...) "Quanto aos Gandembéis, obviamente que sabia da sua existência, mas só consegui obter uma cópia, já em período posterior aos meus apontamentos no Blogue. Como referes, é uma obra-prima. Está lá a história da Companhia, inclusive a do Bigode Reis, que pela Guiné toda faça espanto, de RDMs e recusas singulares, de Gandembel as terras e do Carreiro os ares. E há um fundo de verdade, nestas palavras.

"É uma obra que o apaziguador tempo de Nova Lamego proporcionou. Os seus autores, são anónimos e humildes. De todo o modo, faço-te a revelação: um deles, foi o malogrado e inesquecível João Barge, um filólogo de escol, e que decerto seria a única pessoa capaz de emprestar tanta arte e sensibilidade à sua pena.

"Ainda que tivesse surgido em Gandembel, nos finais de outubro/princípios de novembro [de 1968], e num período em que se vivia já numa situação de mais alívio, teve a ajuda de um dos pioneiros da Companhia, um ex-furriel que ao tempo já era professor primário." (*) (...)

O nosso blogue já tinha dado a conhecer ao mundo, uns anos antes, em 2007,  "o suplício de Sísifo" de Gandembel na série Fotobiografia da CCAÇ 2317 (***)...

Esta republicação, agora na série "O Cancioneiro da Nossa Guerra" (****), é uma homenagem a todos os "homens de nervos de aço", os "homens-toupeira",  que construiram e aguentaram, heroicamente, Gandembel, e muito em particular à memória do João Barge (1944-2010), que foi professor em Leiria, primeiro do ensino secundário (Escola Secundária Rodrigues Lobo, Leiria) e depois do ensino superior politécnico (Instituto Superior Politécnico de Leiria).  (Haveremos entretanto de descobrir quem foi o  coautor da letra, o furriel miliciano que era professor primário; merece também o nosso apreço e homenagem.)



Guiné > Região de Tombali > Gandembel  (vd. carta de Guileje, 1956, escala 1/50 mil)> CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969) > 1968 > Não confundir "Os Gandembéis" com o "Hino de Gandembel"; e apropósito,  será este o misterioso autor da letra (e da música) do Hino de Gandembel ? 

Podemos imaginar que sim... Aí está o homem-toupeira, o homem de nervos de aço de Gandembel/Ponte Balana, fazendo da pá de trolha a viola de baladeiro, e ensaiando as primeiras notas e o primeiro verso do Hino de GandembelÓ Gandembel das morteiradas, /Dos abrigos de madeira / Onde nós, pobres soldados, /Imitamos a toupeira.(...). 

Um hino que o Idálio Reis e os seus camaradas da CCAÇ 2317 irão transformar mais  em Hino da Alegria  por ocasião dos seus convívios anuais...

Foto (e legenda): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


OS GANDEMBÉIS > Canto I (Estrofes, de I a XI)


I
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por sítios nunca dantes penetrados
Passaram ainda além do Rio Balana,
E em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
Entre gente remota edificaram
Novo Reino que depois abandonaram;


II
E também as memórias gloriosas
Daqueles heróis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
Do Olossato e Mansabá andaram conquistando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando;
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar engenho e arte.


III
Cessem do Corvacho e do Azeredo
As conquistas grandes que fizeram;
Cale-se do Hipólito e do Loredo (1)
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto os que não tiveram medo
A quem Nino e Cabral obedeceram.
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que a dois três dezassete mais alto s’ alevanta.


IV
Por estes vos darei um Maia fero,
Que fez ao Moura e ao Calças tal serviço.
Um Nunes e um Dom Veiga (2), que de Homero
A Cítara para eles só cobiço;
Pois pelos Dois pares dar-vos quero
Os de Gandembel e o seu Magriço;
Dou-vos também o ilustre Goulart,
Que para si em Minas não tem par.


V
E, enquanto eu estes canto, e a vós não posso,
Bigodes Reis, que não me atrevo a tanto, (3)
Tomai as rédeas vós, do Grupo vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Começai a sentir o peso grosso
(Que pela Guiné toda faça espanto)
De RDMs e recusas singulares
De Gandembel as terras e do Carreiro os ares.(4)


VI
E, o que a tudo, enfim, me obriga
É não poder mentir no que disser,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me há-de ficar ainda por dizer.
Mas, porque nisto a ordem leva e siga,
Segundo o que desejais de saber,
Primeiro tratarei da larga terra
Depois direi da sanguinosa guerra.


VII
Partiu-se de manhã, c’o a Companhia,(5)
De Guileje o Moura despedido,
Com enganosa e grande cortesia,
Com gesto ledo a todos e fingido.
Cortam as viaturas a longa via
Das bandas do Carreiro, no sentido
De ir construir um quartel
Na inóspita e desabitada Gandembel.


VIII
Já na estrada os homens caminhavam,
O intenso capim apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Nas viaturas as minas rebentando;
Da negra missão os soldados se mostravam
Decididos; e os aviões vão apoiando
A coluna com muita acrobacia
Porque no mais não passa de "fantasia".


IX
As roquetadas vêm do turra e juntamente
As granadas mortíferas e tão danosas;
Porém a reacção não consente
Que deem fogo às hostes temerosas;
Porque o generoso ânimo e valente,
Entre gentes tão poucas e medrosas,
Não mostra quanto pode, e com razão:
Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.


X
Da bolanha escondida, o grão rebanho,
Que pela mata foi aparecido,
Olhando o ajuntamento lusitano
Ao soldado foi molesto e aborrecido;
No pensamento cuida um falso engano,
Com que seja de todo destruído.
E, enquanto isto no espírito projectava,
Já com morteiros e canhões atacava.


XI
E uma noite se passou nesta rota
Com estranha emoção e não cuidada
Por acharem da terra tão remota
Nova de tanto tempo desejada.
Qualquer então consigo cuida e nota
No inimigo e na maneira desusada,
E como os que na errada missão creram
Tanto por toda a Guiné se estenderam.


(Continua)

(Revisão / fixação de texto: IR / LG)
___________

Notas de IR/LG:

(1) Cap Eurico Corvalho, comandante da CART 1613 (Guileje, 1967/68), falecido a 22/12/2011. 

 Cap Carlos Azeredo, cmdt da CCAV 1616 (BCAV 1879, que esteve no Olossato. 

Quanto ao Hipólito... Presumimos que fosse o ten cor inf  Carlos Barroso Hipólito, cmdt do BCAÇ 2834 ( Bissau, Buba e Aldeia Formosa, jan 68 / nov 69)

Quanto ao Loredo... Não descobrimos ninguémcom este apelido, podendo ser erro de transcrição. (Seria Moreno ou Loreno ?... Mas Loredo rima com medo...)

(2) Cap Inf Jorge Barroso de Moura, cmdt da CCAÇ 2313 (hoje tenente general reformado); Alf Mil At Inf Mário Moreira Maia; Fur Mil At Viriato Martins Veiga; Sold apont metralhadora Jerónimo Botelheiro Nunes (presume-se), cujo municiador morreu a 28/3/1968, nas imediações de Guileje

(3) Alf Mil At Inf Idálio Rodrigues F. Reis (hoje, eng agron ref, membro da nossa Tabanca Grande, residente em Cantanhede); Fur Mil At Inf Mário Manuel Goulart.

(4) Carreiro= Corredor de Guileje, corredor da morte...


(5) Depois de passar, na IAO,  por Mansabá e Olossato (de 15/2 a 15/3/1968), a CCAÇ 2313 seguiu de LDG para Cacine, e esteve em Guileje por pouco tempo (aí fazendo colunas logísticas para Gadamael e cortando cibes). 

A 8 de Abril de 1968 foi destacada para Gandembel, com a missão de construir um aquartelamento de raíz. Mas a 28 de março, tem os seus dois primeiros mortos, o Domingos Costa (Olival/Vila Nova de Gaia) e Manuel Meireles Ferreira (Pópulo / Alijó). A 8 de abril participa na Op Bola de Fogo

Esclarecimentos adicionais do Idálio Reis, emcomentário ao poste P9695:

Luís, quanto aos Gandembéis, é o seguinte:

(i) "Cessem do Corvacho e do Azeredo..." 

O saudoso Eurico Corvacho da CART 1613, e o Azeredo e Leme, tenente-general, ex-Chefe Militar do Presidente Mário Soares, e que se atravessou nos itinerários da Guiné em 2 sítios: no Olossato, comandando uma Companhia de Cavalaria, e em Aldeia Formosa, aquando do retiro de Gandembel, como comandante de um COP, já com a patente de major.

(ii) "Cale-se do Hipólito e do Loredo..." 

Este Hipólito refere-se ao comandante do BCAÇ 2834, Carlos Barroso Hipólito, mais afamado que o do meu BCAÇ. 2835, e com a particularidade de serem 2 Batalhões formados à mesma altura e na mesma unidade mobilizadora - o RI15. 

Quanto ao Loredo, diz respeito ao 2º comandante do meu Batalhão, de nome Cristiano da Silveira e Lorena. Por evacuação do Comandante inicial, Joaquim Esteves Correia, chegou a comandar o Batalhão durante um prolongado tempo, até à chegada do TC Pimentel Bastos (o nosso Pimbas), que se viu afastado do comando de um Batalhão mais recente que o nosso )o BCAÇ 2852), por imposição de Spínola, e que regressaria connosco a caminho da Metrópole.


(iii) "Por este vos darei um Maia fero..." 

Trata-se de Mário Moreira Maia, alferes da minha Companhia, hoje advogado no Porto. Era o alferes mais antigo, pois que era de uma incorporação anterior à nossa. Substituiu já mesmo no findar da IAO em Santa Margarida, o camarada Moutinho, que passados apenas 3 meses viria a constituir a CCAÇ 2381. De sublinhar que este Moutinho, nada tem a ver com um dos seus comandantes de Companhia - o Moutinho dos Santos.

De referir ainda, que o comandante da CART 1689, do Alberto Branquinho, também era Maia, mesmo Moreira Maia, mas este é tenente-general a residir no Porto.

(iv) "Que fez ao Moura e ao Calças tal serviço..." 

Este Moura, é Jorge Barroso de Moura, que comandou a minha CCAÇ 2317, hoje tenente-general. O Calças, é o já citado major Lorena, pois que era apelidado do Calcinhas, talvez porque o uso sistemático dos calções, era o que mais se coadunava com o seu porte físico.

(v) "Um Nunes e um Dom Veiga..." 

Este Nunes, com desgosto, não sei de quem se trata. O nome que foi aflorado, não é de todo. E não me é lícito fazer quaisquer suposições. Já quanto ao Dom Veiga, trata-se de um dos furriéis da Companhia e do meu grupo, Viriato Martins Veiga (homem que andou por Coimbra, e que há anos lhe perdi completamente o rasto).

3 de abril de 2012 às 19:47 
 

(*) Vd. poste de 7 de deembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7399: In Memoriam (66): A morte dolorosa de um dos últimos homens a chegar a Gandembel, o ex-Alf Mil João Barge (1944-2010)

Mensagem de Idálio Reis (...) O Barge chega a Gandembel, em rendição individual, para substituir o Francisco Trindade, atingido gravemente por uma mina anti-pessoal no fatídico local de Changue-Iaia. Estava-se em meados de Outubro de 1968, quando um estudante de Coimbra quase a finalizar o seu curso, chega àqueles aterradores confins de África.

Tendo sido bem recebido por todos, soube adaptar-se com enorme senso ao seu grupo de combate. Felizmente que a situação geral de Gandembel/Ponte Balana havia melhorado substancialmente, graças à acção notável que os pára-quedistas tinham conseguido levar a efeito.

Nos outros lugares, Buba e Nova Lamego, o João Barge haveria de continuar com a sua CCAÇ. 2317, até esta acabar a sua comissão. E a ele, faltava-lhe contar os últimos meses, agora em Bissau e entregue à parte logística de envio de víveres para as forças de quadrícula disseminadas pela Província.

No Gabú, onde a guerra se nos arredou em definitivo, relembro a sua intensa azáfama em preparar as últimas cadeiras do curso, que após o seu regresso definitivo, haveria de concretizar muito rapidamente.

Só nos viemos a reencontrar há cerca de 3 anos, já ele estava aposentado após um desempenho brilhante como Professor do Instituto Politécnico de Leiria. E a partir daqui, íamo-nos encontrando ainda que esparsamente, e uma das últimas vezes em que o instiguei a estar presente, foi ao último convívio da Tabanca Grande. Aqui, uma malta contemporânea de Buba, com o Carlos Nery a merecer justa honra de capitanear, viríamos a preencher uma mesa em franca confraternização. (...)

 

(****) Último poste da série > 18 de maio de  2024> Guiné 61/74 - P25538: O Cancioneiro da Nossa Guerra (20): Nemíades e bolanhíades, as "ninfas" ao estilo camoniano imaginadas pelos "Cobras" da CCAÇ 2549 (Cuntima, Nema e K3 Farim, 1969/71), do ex-cap inf Vasco Lourenço

quinta-feira, 23 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24165: Facebook...ando (73): "Palco Sombrio", de Alice Caetano (Almada, Emporium Editora, 2020, 276 pp.): Uma narrativa dinâmica centrada nos relatos do homem de teatro e ex-cap mil, Carlos Nery, CMDT da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)



Capa do livro de Alice Caetano, "Palco Sombrio:  Guiné - Guerra Colonial e Actos Cénicos" (Almada, Emporium Editora, 2020, 276 pp.)


1. Mensagem de Alice  Caetano Tabanca Grande Luís Graça, com data de ontem, 19h00:

Boa tarde. Escrevi este livro recentemente. Intitula-se "Palco Sombrio: Guiné . Guerra Colonial e Actos Cénicos". Para a sua construção contei com a contribuição de algumas entrevistas a antigos militares, entre as quais a Carlos Nery, obtendo o seu maior contributo. Havendo interessados em adquiri-lo, enviarei pelo correio. Obrigada.


2. Sinopse do livro:

Com a Guerra Colonial na Guiné em pano de fundo, “Palco Sombrio” é uma narrativa dinâmica centrada nos relatos do capitão miliciano e ator, Carlos Nery de Araújo. Nunca será demais desconstruir, desmistificar e descolonizar o pensamento, repor a verdade e a mentira de histórias de sofrimento e coragem. Num magistral jogo de alternância entre o histórico, o biográfico e o ficcional, Alice Caetano transporta o leitor para coreografias de vida e teatros de guerra, palcos de irreversíveis ações individuais e coletivas onde, para o bem e para o mal, tantos gestos de amor e de ódio aconteceram.

Fonte: Emporium Editora (com a devida vénia...)


Leiria Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional da Tabanca Grande > A paixão do teatro e da Guiné: o João Barge (e o Carlos Nery... (*).  "Os Gandembéis", poema de autoria coletiva (mas com forte contributo do poeta João Barge, 1944-2010), escrito em 1969, retrata a epopeia da CCAÇ 2317 em Gandembel e Ponte Balana. 

Infelizmente o João Barge iria morrer uns escassos meses depois, no príncipio de dezembro de 2010.(**)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. Sobre o Carlos Nery, que vai fazer 90 anos  no próximo mês de maio:

O Carlos Nery Gomes de Araújo, meu vizinho de Alfragide, natural do Funchal, onde nasceu em 1933 (vai fazer 90 anos em maio próximo), bancário do Banco de Portugal, 
reformado, homem do teatro amador (como ator e encenador na Companhia Maior), foi Cap Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)... 

Tem 36 referências no nosso blogue e várias histórias publicadas... Um grande senhor e bom camarada... Apresentou-se à Tabanca Grande em 18/4/2010:



Obrigado, Alice Caetano, pela notícia do livro (***). Um abraço ao nosso camarada e teu sogro Carlos Nery. Diz-lhe que queremos associar-nos à festa dos seus 90 anos!... E dispõe do nosso blogue, agora que és amiga da nossa página no Facebook, Tabanca Grande Luís Graça.

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24078: O que é feito de ti, camarada ? (17): Hugo Guerra, ex-alf mil, Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje cor inf ref, DFA

VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Lendo (e comentando para mim, LG) o livro do Idálio Reis.. O Hugo Guerra é  um dos bravos de Gandambel / Ponte Balana (esteve lá de agosto de 1968 até ao fim, janeiro de 1969)... Veio acompanhado da sua esposa, Ema Guerra, que tinha acabado de  concluir,  com sucesso, a sua licenciatura em serviço social. É uma mulher de armas!... Do Porto...

VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> Sessão de lançamento do livro do Idálio Reis,  "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana" > Duas  ex-enfermeiras parquedistas Natércia Neves (à direita) e Giselda Pessoa (à esquerda), ambas do mesmo curso. Nenhuma delas conheceu a Gandembel/Ponte Balana do tempo da CCAÇ 2317... (Em São Domingos, o Hugo Guerra e o Manuel Seleiro foram assistidos pela Ivone Reis, 1929-2022.)

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2012)  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Guiné > Região de Tombali > Ponte Balana > Dezembro de 1968 > Da esquerda para a direita, os alf mil Hugo Guerra e João Barge (1945-2010), com os respetivos "lavadeiros (graduados em alferes)"...

Foto e legenda): © Hugo Guerra (2007).  Todos os direitos reservados.
 [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Há muito, desde 2013, que não temos notícias (*) do Hugo Guerra, que comandou o Pel Caç Nat 55 (Gandembel e Balana) e depois o Pel Caç Nat 60 (São Domingos), entre 1968 e 1970. Temos-lhe dado os parabéns pelo seu aniversário a 27 de abril (nasceu em 1945) e pouco mais.

Em 21 de abril de 2012, participou no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande em Monte Real, acompanhado da sua esposa Ema Guerra. (**)

O último poste da sua autoria, aqui publicado, remonta a 2013 (***). Entrou para a Tabanca Grande em 2008 (****). Tem cerca de 4 dezenas de referências no blogue. Tem página no Facebook mas é pouco ativo.

2. Quando se apresentou à Tabanca Grande em 2007, escreveu sobre ele o seguinte:

(...) Chamo-me Hugo Guerra, nasci em Estremoz em abril de 1945 e estudei na Escola de Regentes Agrícolas de Évora onde acabei o meu curso em 1964. 

Em agosto de 1968, sem perceber bem como (depois hei-de contar), estava no Ana Mafalda a caminho da Guiné em rendição individual e, como a sorte nunca me bafejou, quando desembarquei já tinha guia de marcha para Gandembel onde fui comandar o Pel Caç Nat 55 que estava adstrito à CCaç 2317 [Gandembel/Balana, 1968/69].

Passei por Aldeia Formosa, num heli, e aterrei, ainda em agosto, em Gandembel. Passei a maior parte do tempo em Ponte Balana e estava lá quando fechámos a porta em Janeiro de 1969 (...).

 [ Foto à esquerda, com uma granada ao cinto e toalha ao ombro e sabonete na mão, ia tomar banho num regato perto de Gandembel; e à direita, em Balana, 1968].

Nessa altura, e porque a sorte continuava alheia à  odisseia, fiquei num destacamento logo a seguir, de nome Chamarra. A CCAÇ 2317 foi para Buba e mais tarde foram acabar a sua martirizada comissão em território menos hostil.

Eu tive, mais tarde, uma passagem rápida por S. Domingos no comando do Pel Caç Nat 60 mas o suficiente para ficar ferido com o rebentamento duma mina anti-pessoal, salvo erro a 13 de março de 1970.

Sou hoje DFA e Coronel. (...)

Moro em Lisboa e o meu contacto de (...) telemóvel: 960 085 289. /...)

[ Foto à direita em São Domingos, com o 1º Cabo Manuel Seleiro, que ficou gravemente ferido no mesmo rebentamento que o Hugo Guerra, em 11 de março de 1970... O  Seleiro perdeu as duas vistas e ambas as mãos; o Guerra perdeu uma vista.].


3. No seu último poste,  P11142 (**), o Hugo Guerra falou-nos depois do rumo que a sua vida tomou, indo parar a Angola e, 
após o 25 de Abril e o regresso à metrópole, enveredar pela carreira militar:


(...) Depois de ser ferido em São Domingos em março de 1970 (*****), fiz-me à vida e fui trabalhar e viver para Angola em setembro desse mesmo ano.

Como era Regente Agrícola de formação, não tive qualquer dificuldade em arranjar bons empregos e por lá estive até agosto de 1974, quando optei por reingressar no Exército e vir prá Capital.

Corri Angola de Norte a Sul, exceptuando as Terras do Fim do Mundo, e depois da experiência traumatizante que foi Gandembel/Ponte Balana e São Domingos,  tive oportunidade de formar opinião comparativa entre as três colónias.

Também passei algum tempo em Moçambique. (...)


4. Sobre a sua "vivência" em Angola, deixou-nos aqui uma "saborosa" história que vale a pena relembrar (***):

- Como está, Senhor Capitão? E os senhores Alferes,  sentem-se bem? Está uma óptima tarde para o nosso chazinho, só tenho pena que não possamos ficar mais tempo aqui fora porque os mosquitos não nos largam... Vamos entrar.

Assim falava a Dona, mulher do Gerente da Fazenda Tabi,  a maior produtora de banana do Norte de Angola com o à-vontade do seu estatuto,  dirigindo-se depois ao subgerente e à mulher deste que também faziam parte deste ritual.

Com o grunhido de assentimento do marido, homem feito nas roças de cacau um São Tomé sempre de chibata na mão e acompanhado do seu fiel cão, entrámos.

Um dos criados, fardado de branco e com luvas da mesma cor, habituado a estas andanças, providenciou as bebidas para todos em copos de cristal e um dos Alferes dirigiu-se ao piano e dedilhou qualquer melodia, que já se sabia fazia os encantos da Dona.

A conversa naquele dia girou à volta do acidente que poucos dias antes tivera lugar, quando um Unimog carregado de militares havia sido alvo de uma emboscada no percurso para as salinas a poucos quilómetros da sede da Companhia, tendo os soldados sido apanhados à mão ( parece que levavam as armas debaixo dos bancos) e, não podendo resistir,  foram dizi
mados e a viatura queimada.

-  Uma desgraça… Um lamentável acidente…

- Um enorme desleixo - disse eu, ainda fresquinho de dois anos de porrada na Guiné.

- Mas eles não foram culpados -  logo se levantou a Dona.

Pois não, a culpa é da bandalheira a que se deixa chegar esta situação nas Fazendas onde os Senhores Oficiais são tratados a uísque, gin e tapas, onde os Furriéis têm um belo bar com piscina,  jogos de cartas ou de mesa e onde as patrulhas são efectuadas por civis armados.

O ambiente ficou de cortar à faca. Veio-me à cabeça que àquela hora, na Guiné estariam a começar os ataques aos desgraçados que iriam passa a noite em claro a levar e dar porrada e sem lhe passar pela cabeça que noutras paragens como aquela onde agora eu me encontrava, se jantava com todos os requintes, se bebiam os melhores vinhos de mesa com café, conhaque e charutos.

Se não estou pirado, esta cena passou-se em Outubro de 1970. (...)

5. Comentário do Zé Teixeira ao poste P24074 (*****):

(...) Tenho acompanhado com muita emoção todo este sangrento filme que envolveu o Manuel Saleiro e o Hugo Guerra que conheci na sua passagem por Mampatá. Aquele jovem alferes que foi enviado para Gandembel,  chegadinho da Metropole. Ali viveu momentos terríveis que punham aos saltos o nosso coraçaão, apesar de estarmos a mais de 10 Km, "passeou" por campos de minas que o guerrilheiro Braima Camará ia semeando, conforme me contou em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje.  

Depois, quando Gandembel foi abandonado, foi para o Norte e caiu com a Manuel Saleiro.

Doi muito, ainda hoje, tomar conhecimento destas tristes realidades de uma guerra que não queríamos. Parece que estou a ver e a ouvir os lamentos do Hugo, quando em Mampatá se apercebeu do que o esperava.

Ao Manuel Saleiro um abraço sentido de admiração pela sua força anímica. Ao Hugo Guerra cujo Facebook está parado, mas creio que está vivo,  um abraço de solidariedade e amizade.

(***) Vd. poste de 21 de fevereiro de  2013> Guiné 63/74 - P11132: Vivências em tempo de guerra (Hugo Guerra)

(****) Vd. poste de 29 de novembro de  2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

(*****) Vd. poste de 17 de fevereiro de 2023 >  Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20333: Notas de leitura (1235): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (1): “Astronomia”; Publicações Dom Quixote, 2015 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2019:

Meu caro Mário Cláudio,

Saúde e um abraço de parabéns pelos cinquenta anos da sua vida literária.
"Astronomia" é um livro assombroso, junto esta pérola a outras suas, você escreve maravilhosamente. Vai seguir-se o "Tiago Veiga", quando estava a ler "Astronomia" pressenti que iria aproveitar aquele folheto sobre as doenças da Guiné algures, ou já tinha aproveitado. Lendo "Tiago Veiga", percebi que já tinha aproveitado. É sobre esse assunto que vem a recensão que se segue.

Gostava agora de saber, se me permite a franqueza, se há outras obras, outros belos parágrafos, que possam ser dados à estampa para um blogue que também lhe pertence, e onde eu escrevo regularmente: Luís Graça e Camaradas da Guiné. Este blogue é o maior acervo fotográfico de toda a guerra, supera, e de longe, o que existe no Arquivo Histórico-Militar ou em poder de qualquer instituição. Se entender que lá deve colaborar, por exemplo, publicando as fotografias da sua comissão, seria um grande orgulho para nós.

Renovando as minhas felicitações e pedindo-lhe a amabilidade de cuidar do meu pedido, receba um abraço muito fraterno do
Mário Beja Santos


Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária: 
Um notável escritor que é nosso camarada da Guiné (1)


Beja Santos


Mário Cláudio
Há uns bons meses atrás, descobri por puro acaso que o escritor Mário Cláudio fez a sua comissão na Guiné. Já estava formado em Direito pela Universidade de Coimbra, as suas competências foram aproveitadas como jurista em Bissau. Através do seu editor, chegámos à fala. Gentilmente, indicou-me títulos das suas obras onde há referências à Guiné. Comecemos por “Astronomia”, Publicações Dom Quixote, 2015, um belíssimo romance, galardoado com o Grande Prémio de Literatura 2017 e Prémio D. Diniz 2017.

É marcadamente autobiográfico e em dado passo (página 244 em diante) marcha para o destino e escreve:

“Na madrugada do aeroporto da capital do império, cumprindo um ritual que vem da Ilíada, e que se ilustra nas letras, nas artes plásticas, e na música, o rapaz abraça a noiva numa longa e lenta despedida. Não aperta ao coração o companheiro distante, a quem apenas telefonicamente diz doloroso adeus, e embarca no avião que o transporta para a guerra insólita, ignorada pelo mundo, e continuada na obstinação do instinto suicida. Escala numa outra ilha, e esta tropical, onde não chove, há décadas e décadas, povoada por cabras que se alimentam a papel de jornal, e que lhe oferece como lenitivo para a sede uma laranjada tão quente como uma canja de galinha. Sobrevoa depois o território bélico, esponja verde e saturada de águas verdes, enumeráveis que se revelam os pântanos em que boiam punhados de terra de luxuriante vegetação. E à chegada apanha o murro que excita os europeus de sempre, fantasiosamente rendidos àquilo a que chamam ‘o feitiço de África’, e que consiste em odores, o da poeira vermelha, o dos frutos que se decompõem, o do suor que abrilhanta os negros rostos, e o das explosões de morteiros, intervalados por fulgurantes derrames de napalm sobre a copa dos palmares. Previnem-no contra as atrocidades de espécies entomológicas variegadas, e contra as mais diversas castas de ofídios, e aprende assim a munir-se de chanatas de borracha durante os contínuos duches, defendendo-se de que um animalesco sinuoso, veio colado pelas linfas, se entranhe na planta do pé, e o corroa até não restar mais do que uma geringonça de olhos esburgados. Coalha-se-lhe o novo céu de helicópteros imparáveis na evacuação dos feridos em combate, ouve-se o estrondo dos rebentamentos na margem oposta do rio grosso, a correr em lamas, e esbarrondam-se-lhe à volta os exaustos camaradas, broncos na permanente borracheira, e aptos a abalar para o mato em colunas que fatalmente pisam a mina que os fazem fanicos. Sentado à mesa metálica da sua burocrática função, analisa processos e processos que se ocupam de desastres em serviço, violações de nativas, furtos de viaturas, orgias homossexuais, e actos de insubordinação, e que propõem para as mais altas condecorações da Pátria heróis que esmagam a cabeça dos meninos no capô do Unimog, ou que espetam a faca de mato na barriga das grávidas”.

E, mais adiante:

“Na Secção de Justiça, onde serve, alojada num quartel-general que fervilha de entradas e saídas de militares na sua lida de guerra, reina um misto de circunspecção e estouvamento. Mercê daquilo que se considera produto do clima dos trópicos, voam amiúde esferográficas de secretária para secretária. Propulsiona-as um ímpeto infantil de libertação, a interromper a aturada análise dos processos-crime, ou meramente disciplinares, pontuados pelas convencionais expressões tabeliónicas, ‘Chamei à minha presença’, ‘E ao ser interrogado’, ‘Em cumprimento de’. Ao longo da semana inteira, compreendendo sábados e domingos, e apenas com o breve intervalo para almoço e sesta, o rapaz labuta, partilhando com o escasso punhado de milicianos-juristas a responsabilidade da proposta de soluções para os desmandos praticados pela desorientação da soldadesca”.

Por último:

“E os aviões rasgam o pardo céu que cobre o território empapado, descolando em todas as direcções da rosa-dos-ventos, e produzindo a paisagem de aldeias carbonizadas, de mães que expiram, cingidas às crias que amamentam até à eternidade, e de velhos que expõem às varejas a chaga do incessante bombardeamento. Pelo início da sesta a lavadeira indígena, única ninfa consoladora da angústia, e do medo, do tédio, e do rancor, espreita para as trevas da casamata. Abre as firmes coxas a um alferes estremunhado e acolhe-o no lento sorriso dos lábios azuis, e na distraída queda das pálpebras acetinadas. Tombam na incandescência do horizonte os que perdem pernas e braços e genitais, e que navegam depois numa cadeira de rodas, ou naufragam na cama da mulher que não têm tempo de conhecer. E o rapaz espera, apega-se a si mesmo, e não desiste do trato epistolar com a noiva, isto como se constituísse o milagre uma banalidade, até que se apercebe ela do cadáver do futuro. Rugem os canhões das margens palustres que circundam a cidade-reduto, permanentemente transpirada, ressonando o odor da polpa dos frutos que apodrecem, e sobrevoada pelos jagudis atentos ao quadrúpede esventrado que fervilha de larvas. O rapaz interrompe a análise num processo mais, o que cuida do furto-de-uso do camião que transporta metralhadoras, e da bebedeira do soldado que o enfia pelo mato adentro, soltando o berro dos que enfrentam o descarnado rosto da morte (…). 

Traz em si uma ferida de guerra, a subir como um animal omnívoro, do abismo das entranhas, e manifestando-se nos dedos de unhas roídas. Assalta-o um tremor na presença de estranhos, e sobretudo no acto de com eles partilhar as refeições, o que ameaça produzir o derrame do vinho de um copo, ou da sopa de uma colher, quando não, a sumária queda de garfo e faca com que se escala o peixe, se corta a carne, ou se descasca a fruta. E o medo de incorrer assim numa falta irreparável impele-o progressivamente se afastar dos lugares de convívio, circunscrevendo-o à casa, e ao trato com os mais chegados, a fim de se sentir livre da tensão que se desencadeia em contextos amplamente sociais. Uma deriva sub-reptícia para o álcool assegura-lhe a temporária estabilidade das mãos, expulsando por instantes o terror que se lhe abriga no coração. E desagua a torrente de emoções em lágrimas de choro convulso, povoado por um soldado que a morte escolhe, em consequência de um acaso por que ele próprio, o rapaz, se considera responsável, e vislumbra na insónia que o toma viúva e órfãos que lhe pedem contas, e a mãe velhinha que reza às almas do Purgatório à beira do lume apagado, implorando a Deus, Nosso Senhor, que a leve também”.

(continua)

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2 - Notas do editor:

1 - Mário Cláudio, pseudónimo literário de Rui Barbot (ex-Alf Mil na Secção de Justiça/QG/CTIG), foi trazido até nós pelo ex-Cap Mil Carlos Nery[1].

2 - Breve nota biobliográfica de Mário Cláudio, pseudónimo de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, baseada em elementos fornecidos pelo próprio e/ou recolhidos pelo editor L.G, na Internet ou nos livros do escritor.

[ P - Neste momento, estou a falar com o Mário Cláudio ou com o Rui Barbot Costa? 
R - Está a falar com os dois ao mesmo tempo, embora a segunda entidade a que se referiu tenda a desaparecer cada vez mais, porque, entretanto, se avolumou o autor.

Excerto de uma entrevista, em 2/2/2009, ao JN- Jornal de Notícias ]

(i) Nasceu no Porto [, em 1941]. ["Não sou um escritor do Porto. Sou um escritor no Porto, que é uma coisa diferente".]

(ii) ["Mário Cláudio é o pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de Novembro de 1941, no seio de uma família da média-alta burguesia industrial portuense de raízes irlandesas, castelhanas e francesas, e fortemente ligada à História da cidade nos últimos três séculos"].

(iii) [Fez o liceu no Porto; em seguida, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tendo depois se transferido para a Universidade de Coimbra]; 
(iv) Licenciou-se, em 1966, em Direito, pela Universidade de Coimbra;

(v) É igualmente diplomado com o Curso de Bibliotecário-Arquivista, pela mesma Universidade, Master of Arts em Biblioteconomia e Ciências Documentais, pela Universidade de Londres [, em 1976];

(vi)  ["Pelo meio, a Guerra Colonial e uma mobilização para a Guiné, na secção de Justiça do Quartel General de Bissau. Antes de partir, em 1968, entrega ao pai, pronto para publicação, o seu primeiro livro de poemas, 'Ciclo de Cypris', publicado no ano seguinte".]

(vii) Ficcionista, poeta, dramaturgo, ensaísta e tradutor, é autor, entre outros, dos volumes de poesia Estâncias e Terra Sigillata, dos romances Amadeo, Guilhermina, Rosa, A Quinta das Virtudes, Tocata para Dois Clarins, As Batalhas do Caia, O Pórtico da Glória, Peregrinação de Barnabé das Índias, Ursamaior, Oríon, Gémeos, Camilo Broca e Boa Noite, Senhor Soares, e das peças de teatro Noites de Anto, O Estranho Caso do Trapezista Azul e Medeia

(viii) Tem numerosíssima colaboração dispersa por jornais e revistas, portugueses e estrangeiros. 

(ix) Está traduzido em inglês, francês, castelhano, italiano, húngaro, checo e serbo-croata. 

(x) Recebeu os seguintes galardões: 

Grande Prémio de Romance e Novela (1984), da Associação Portuguesa de Escritores;
Prémio de Ficção, da Antena 1;
Prémio Lopes de Oliveira;
Prémio de Ficção, do PEN Clube Português;
Prémio Eça de Queiroz, da Câmara Municipal de Lisboa;
Grande Prémio da Crónica, da Associação Portuguesa de Escritores;
Prémio Pessoa (2004);
Prémio Vergílio Ferreira (2008);
Prémio Fernando Namora (2009).

(xi) Foi galardoado pelo Presidente da República com a Ordem de Santiago da Espada [, em 2004,] e pelo Governo Francês com o grau de Chevalier des Arts et des Lettres.

3 - Carlos Nery, Rui Barbot e João Barge, levaram à cena a peça "A Cantora Careca", de Eugene Ionesco, estreada em Bissau no dia 5 de Abril de 1970[2].
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Notas do editor:

[1] - Vid. poste de 23 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6630: Tabanca Grande (227): Rui Barbot / Mário Cláudio, ex-Alf Mil, Secção de Justiça do QG, Bissau (1968/70)

[2] - Vid. poste de 4 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6935: A Cantora Careca, estreado em Bissau no dia 5 de Abril de 1970 (Carlos Nery)

Último poste da série de 8 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20324: Notas de leitura (1234): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (31) (Mário Beja Santos)

sábado, 14 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18520: Inquérito 'on line' (128): "Este ano vou a Monte Real, ao XIII Encontro Nacional"... Resultados das primeiras 30 respostas: 50% dizem que "sim", 13% estão "indecisos" e os restantes (37%) não vão, por razões de conflito de agenda, de saúde, económicas ou outras... O prazo de resposta ao inquérito termina na segunda-feira, dia 16, às 22h32... O prazo de inscrição termina no dia 30 de Abril ou quando se esgotarem os 200 lugares da lotação da sala Dom Dinis, do nosso Palace Hotel Monte Real


Foto nº 1 > Aspeto geral dos "aperitivos", na varanda da sala D. Dinis


Foto nº 2 > Em primeiro plano, o Jorge Narciso e o Victor Tavares


Foto nº 3 > O Sousa de Castro com um emissor-recetor AVP1. Foto: Sousa de Castro (2010)


Foto nº 4 > João Barge (1944-2010) e Carlos Nery


Foto nº 5  > O guineense António Estácio


Foto nº 6 > A prof Maria João Figueiras, dourorada em piscologia clínica (2000), esposa do camarada e editor Jorge Araújo. Na foto, está a folhear o livro autobiográfico do nosso saudoso Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015)

Imagens de arquivo do V Encontro Nacional da Tabanca Gande, Monte Real, o primeiro que se realizou no Palace Hotel Monte Real, 2m 26 de junho de 2010.

Recorde.se que o I Encontro Nacional foi na Ameira, Montemor-o-Novo, em 2006: o II em Pombal; o III e o IV, na Ortigosa, Monte Real, Leiria... Desde 2010, a 5.ª edição, mudámos para o Palace Hotel Monte Real. Até hoje... O XIII será de novo no mesmo sítio, no dia 5 de maio de 2018.

Estão a decorrer as inscrições. Lotação máxima: 200 lugares (Sala Dom Dinis, Palace Hotel Monte Real)

Fotos: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)


1. Inquérito 'on line':

"Este ano a vou a Monte Real, ao XIII Encontro Nacional" (Resposta única)

Resultados preliminares (até 17h de hoje)


Sim, vou > 15 (50,0%) 

Talvez, ainda não decidi > 4 (13,0%)


Não vou > 11 (37,0%) 


Total > 30  (100,0%)


2. Os que respondem  "Não" (n=11), é por razões:

(i) de conflito de agenda  > 1 (3,0%)
(ii) de saúde  > 2 (6,0%)
(iii)  económicas > 2 (6,0%)
(iv) outras > 6 (20,0%)


3. O prazo para responder ao inquérito termina dia 16, segunda-feira, às 22h32.


Quanto à inscrição, no XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande, camaradas e amigos/as, podem fazê-lo até pelo menos ao fim do mês de abril (ou até ao limite dos 200 lugares).

Até sábado de manhã estavam  inscritos 85 amigos e camaradas da Guiné, 42,5% da lotação máxima.

Mas, por favor, aproveitem esta oportunidade... histórica. É que a Tabanca Grande é terna... mas não eterna.

Voltam a reproduzir-se aqui, hoje, algumas fotos de encontros anteriores, neste caso o V Encontro Nacional (2011). Na foto nº 5,  vemos o saudoso João Barge (1944-2010) a falar com o ex-cap mil Carlos Nery.
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(**) Vd. psste de 8 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17833: Inquérito 'on line' (127): Num total de 64 respondentes, mais de um 1/3 diz que não há (ou não sabe se há) um monumento aos combatentes do ultramar no concelho onde mora...

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14920: Notas de leitura (739): Parabéns ao nosso camarada Mário Cláudio / Rui Barbot Costa [, ex alf mil, secção de justiça, QG, Bissau, 1968/70], Grande Prémio de Romance e Novela APE/ DGLAB - 2014, atribuído ao seu último livro "Retrato de rapaz"

© Mário Cláudio.
Cortesia de Bookoffice
1. Parabéns ao Mário Cláudio, pseudónimo literário do nosso camarada e membro da nossa Tabanca Grande, Rui Barbot Costa  [, nascido no Porto, em 1941,  ex-alf mil, na secção de justiça, QG, Bissau, 1968/70, foto atual à direita], chegado até nós pelo braço de outros dois camaradas, o Carlos Nery e o saudoso João Barge (1944-2010)...  Recorde-se que os três participaram num espectáculo teatral, inédito em Bissau, estreado em 5/4/1970: a peça de Ionesco, "A Cantora Careca", encenada pelo Carlos Nery.

A Associação Portuguesa de Escritores (APE) acaba de atribuir o Grande Prémio de Romance e Novela APE/ DGLAB - 2014, ao livro Retrato de Rapaz, editado sob a chancela da Dom Quixote.

Capa do livro, editado pela Dom Quixote,   
Segundo notícia da própria APE,  o júri, constituído por José Correia Tavares, que presidiu, Ana Paula  Arnaut, Isabel Cristina Mateus, Maria João Cantinho, Miguel Miranda e  Miguel Real, ao reunir pela 3.ª vez, deliberou maioritariamente, pois  Isabel Cristina Mateus e Maria João Cantinho votaram em Impunidade,  de H. G. Cancela (Relógio D’Água).

Mário Cláudio já tinha sido premiado, há 30 anos, com o livro Amadeo. Junta-se assim a  Vergílio Ferreira, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís e Maria  Gabriela Llansol, únicos autores que entretanto bisaram.

Foram admitidos 86 livros a concurso, de 64 homens (1 com 2 romances) e 21 mulheres, com a chancela de 35 editoras.  Na 2.ª reunião,  o júri já destacara 5 finalistas.

Desde que foi instuído em 1982, o prémio já foi atribuído a 28 autores (15 homens e 13 mulheres), de 18 editoras. O seu valor é de 15 mil euros.

O Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLAB, teve, nesta 33.ª edição, o patrocínio da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, Fundação Calouste Gulbenkian, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Instituto Camões e Sociedade Portuguesa de Autores. (***).

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Notas do editor

(*)  Mário Cláudio > Biografia >

(...) Mário Cláudio é o pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de Novembro de 1941, no seio de uma família da média-alta burguesia industrial portuense de raízes irlandesas, castelhanas e francesas, e fortemente ligada à História da cidade nos últimos três séculos. Filho único, foi primeiro instruído por um professor particular, tendo prosseguido os estudos, até à conclusão do liceu, sob a rígida batuta dos padres do Colégio Almeida Garrett (actual Teatro do Bolhão, no Porto). 

Começou o curso de Direito em Lisboa e terminou-o em Coimbra (1966), onde viria a diplomar-se novamente, em 1973, com o Curso de Bibliotecário-Arquivista. Pelo meio, a Guerra Colonial e uma mobilização para a Guiné, na secção de Justiça do Quartel General de Bissau. Antes de partir, em 1968, entrega ao pai, pronto para publicação, o seu primeiro livro de poemas, Ciclo de Cypris, publicado no ano seguinte.

Pouco depois de assumir a direcção da Biblioteca Pública Municipal de Vila Nova de Gaia, foi bolseiro da Fundação Gulbenkian, tendo obtido o título de Master of Arts em Biblioteconomia e Ciências Documentais (1976), pela Universidade de Londres, defendendo uma tese que seria parcialmente publicada com o título Para o Estudo do Analfabetismo e da Relutância à Leitura em Portugal, o único livro que assinou com o seu nome civil. 

Ainda durante a década de 70 publica dois livros de poesia, um romance, uma novela, um livro de viagens em colaboração e uma antologia de textos sobre Gaia. Pertenceu sucessivamente à Delegação Norte da Secretaria de Estado da Cultura, ao inacabado Museu da Literatura e à direcção da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Em 1985, iniciou-se como professor na Escola Superior de Jornalismo do Porto e, actualmente, é professor convidado da Universidade Católica do Porto e da Fundação de Serralves.

Em 1984, por convite de Vasco Graça Moura, escreve Amadeo, biografia do pintor futurista Amadeo de Souza-Cardoso – ou «psico-socio-biografia», nas palavras do autor – e início da premiada Trilogia da Mão, na qual o escritor abordou a vida e obra de outras duas figuras artísticas nortenhas, a violoncelista Guilhermina Suggia (Guilhermina) e a barrista Rosa Ramalha (Rosa). Através dos três artistas, tipificou distintos estratos sociais (aristocracia, burguesia, povo) e o «imaginário nacional», entre o virar do século XIX e meados do século XX. Nesta primeira trilogia, o autor romanceia o próprio processo de biografar, através de uma escrita fragmentada, mais sensorial que objectiva. 

Seguiu-se a publicação de um segundo tríptico (A Quinta das Virtudes, Tocata para Dois Clarins e O Pórtico da Glória), onde a História volta a cruzar a ficção, mas desta feita incorrendo na autobiografia familiar. Entre 2000 e 2004 publicou uma outra trilogia, composta por Ursamaior, Oríon e Gémeos, e que é descrita pelo autor como relacionada com «situações de alguma marginalidade» e «discurso problemático com o poder», transversais a três gerações de personagens, uma por volume.

A História, a Cultura, a Pátria, a Identidade Nacional e Pessoal são o coração das aturadas pesquisas do escritor Mário Cláudio, resultando em obras que dificilmente podem ser rotuladas de «romances históricos», correspondendo antes à preocupação de revisitar, ou mesmo rever, episódios marcantes da cultura portuguesa, e onde os factos reais são inspiração e ponto de partida para imaginativas demonstrações. Melhor dizendo, para usar palavras do autor: «toda a biografia é um romance».

O autor está traduzido em inglês, francês, castelhano, italiano, húngaro, checo e serbo-croata. Foi condecorado com a Ordem de Santiago de Espada e, em 2004, recebeu o Prémio Pessoa.
Centro de Documentação de Autores Portugueses
02/2005

(Excerto, reproduzido com a devida vénia do sítio DGLAB - Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas)

Para saber mais sobre Mário Cláudio e a sua já vastíssima obra, clicar aqui em Bookoffice. Vd. também, uma entrevista recente dada ao Público. 27/3/2015.

(**) Sinopse da obra (144 pp.)

Retrato de Rapaz - CLÁUDIO, MÁRIO
Um discípulo no estúdio de Leonardo da Vinci

Um discípulo no estúdio de Leonardo da Vinci.

Farto do descaminho de Giacomo, o pai vem deixá-lo ao estúdio de banho tomado, mas ainda com andrajos e piolhos, para que o artista que exuma cadáveres e constrói máquinas voadoras o endireite e faça dele seu criado. A beleza do rapaz impressiona, porém, Leonardo, que logo pensa nele para um anjo, concluindo porém que lhe assentam melhor corninhos de diabrete, e assim o rebaptizando como Salai. Serão, de resto, os pecadilhos do rapaz que o farão cair nas boas graças do amo e o elevarão à categoria de aprendiz sem engenho mas com descaramento para emitir opiniões, borrar a pintura, traficar pigmentos e até surripiar desenhos. E, num jogo de pequenas traições mútuas, vai-se criando entre Salai e o pintor uma cumplicidade que os aproximará como se fossem pai e filho. Mas eis que irrompem na vida de ambos Três Graças viciosas que semeiam a discórdia e o ciúme, ameaçando fazer esmorecer a estrela que os reuniu…

Retrato de Rapaz é uma novela fulgurante sobre a relação entre mestre e discípulo, nem sempre isenta de drama e decepção, e sobre a criatividade de um artista genial em tudo, mesmo na gestão dos seus afectos. Com a presente obra, Mário Cláudio compôs, com a arte e a mestria a que nos habituou, um retrato belíssimo que pode ser apreciado como uma pintura.

Fonte: Cortesia de Leyaonline

sábado, 21 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9778: O Cancioneiro de Gandembel (8): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte VIII): Nova Lamego e Cansissé, a " Ilha dos Amores" do pessoal da CCAÇ 2317 (Idálio Reis)






Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Mais fotos do álbum de Idálio Reis: Uns dias antes do abandono de Gandembel / Balana, Spínola também por lá, pela segunda vez, para se despedir... NO seu livro, Idálio Reis mostra uma grande gratidão á FAP e ao BCP 12. Os pára-quedistas foram parte integrante  da epopeia de Gandembel, infligindo pesadas baixas à tropa de 'Nino' Vieira... 

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

























Guiné > Região de Tombali (Gandembel) e Região de Quínara (Buba) > CCAÇ 2317 (8 de abril de 1968 a 28 de janeiro de 1969) > Mais fotos do álbum de Idálio Reis: depois do abandono de Gandembel, a 28 de janeiro de 1969, o pessoal da CART 2317 fica 3 meses em Buba, até 14 de maio, integrando as forças que montavam segurança aos trabalhos de construção da nova estrada Buba - Aldeia Formosa. O problema mais grave eram  as minas A/P. Na altura, o major Carlos Fabião comandava o COP 4.Todos os dias aterrava um T 6 em Buba. Um dia houve um que aterrou mal...

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




1. Resposta do Idálio Reis, a um pedido de esclarecimento meu, com data de 17 do corrente ["Idálio: Como se chama (ou chamava...) o furriel, professor primário,  que, com o João Barge, compôs Os Gandembeis ?...Queres e podes revelar ? Há mais detalhes sobre o "making of" desta magnífica peça ? ... Abraços, Até Monte Real. Luis] (*)


Caro Luís


Torna-se demasiado evidente que a Ilha dos Amores [, Canto IX, Os Lusíadas, de Luís de Camões], tem nesta fase final uma emulação muito mais forte. E não poderia ser doutra forma, porquanto a nossa guerra de Nova Lamego também não tinha cotejo com a de tempos anteriores.


Há uma forte razão para que entre um certo sentimento de lascívia neste poiso. A grande generalidade da Companhia, antes de chegar a Nova Lamego, não tinha visto uma qualquer mulher. A guerra tinha facetas pérfidas.


Em Gandembel, não havia população, e a visão de um rosto feminino só era propiciado aquando de alguma evacuação, onde ia sempre uma enfermeira pára-quedista. Grotescamente, lembro que quando havia evacuações em que o pessoal sentia que o evacuado era um ferido ligeiro, tal até era motivo para que surgisse um maior aglomerado em torno do helicóptero, para bem visualizar a doce face da enfermeira.


Depois a tabanca de Buba era pequena, e atendendo à muita tropa que por lá andava, tudo estava sob controlo apertado. E um dia Spínola, a queixas do malogrado Fabião que lhe foi dizer que havia elementos da população que prestava informações ao IN., o que até era verdade, fez um discurso inflamado à população traidora, e manda vir uma LDG, despachando-a rumo aos Bijagós. O nosso sueco Belo, com mais tempo do que eu em Buba, talvez saiba melhor contar o enredo de tudo isto.


E depois a Companhia arriba a Nova Lamego, e houve forrobodó. Eu não fui com a Companhia para Nova Lamego, pois fiquei em Buba na entrega do material. Fi-lo voluntariamente, porquanto Carlos Fabião era um homem/militar excepcional; a sua conduta no PREC, revela essa sua faceta humanista, e vem a acabar por ser postergado.


Fiquei talvez duas semanas em Buba, mais uma em Bissalanca nos Páras (foram as minhas férias), e quando arribo a Nova Lamego, a primeira notícia que recebo, é a seguinte:
- Meu alferes, metade da Companhia apanhou a venérea!


Os cuidados médicos lá foram sarando essas feridas. Sei de um que teve de ser evacuado para Bissau, e que de imediato foi recambiado para Lisboa. Como foi um homem que nunca mais deu notícias, não sabemos o que lhe aconteceu.


Mas Nova Lamego recuperou energias, aumentou consideravelmente a nossa auto-estima, éramos gaiatos felizes. E as narrativas que impendem sobre aquela vila, tem forçosamente de conter essa situação de jovens, com pouco mais de 20 anos, a enlear-se com o sexo oposto, após 15/16 meses sem essa benesse. E nos nossos convívios, vem sempre uma história de uma bajuda.



 Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Mesmo junto à parte oriental da povoação, situava-se a fonte de Cam - Sissé (Semba Uala), com data de construção de 1959. Era conhecida vulgarmente pela Fonte dos Fulas, como se constata no celebérrimo banho à fula que estas duas bajudas estão a tomar.


Foto: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




(ii) Quanto ao ajudante do Barge na elaboração dos Gandembéis, o furriel que o ajudou na escrita - tinha de ser um das origens [da Companhia e do início da epopeia de Gandembel] -, e que inclusive já te aflorei o nome num dos últimos e-mails, diz-me que não se lembra dessa sua acção de colaboração. Os Gandembéis são obra de 2 humildes anónimos. 


E se não foi o tal professor primário, quem seria então? O Barge tinha, no seu grupo, um furriel donde brotou uma forte amizade, e que até foi ao seu funeral, e poderá ser esse: um amigo e conterrâneo do JERO [, natural de Alcobaça]. Mas terei que indagar. E se souber, dir-te-ei.


Luís, naquilo que escrevo, peço-te para usares a tua censura, no que julgares como importuno.


Até breve. Um caloroso abraço do Idálio Reis


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Nota do editor:


(*) Último poste da série > Guiné 63/74 - P9754: O Cancioneiro de Gandembel (7): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte VII)