terça-feira, 3 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9695: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte III) (Idálio Reis)



Guiné > Região de Tombali > Março de 1968 > CCAÇ 2317 (1968/69) > Após o Treino Operacional na região do Oio (Olossato e Mansabá), a Companhia segue rumo ao Sul da Província. Poucos dias em Guileje, para então nos coagirem a ir para as cercanias do "corredor da morte", a fim de se construir de raiz, um posto militar fixo, em Gandembel e Ponte Balana A primeira etapa foi por via fluvial e até Cacine, a bordo de uma LDG, aonde aportam a 19 de março de 1968.





Guiné > Região de Tombali >
Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) > Março de 1968 > Durante a permanência em Guileje, foi-se recolhendo algum material para a construção de Gandembel/Ponte Balana. É o caso do aproveitamento de palmeiras, de cujos espiques se extraíam os cibes Na foto, um aspecto do abate das palmeiras.





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) > Março de 1968 > Na fase de carregamento dos cibes.


Fotos (e legendas): © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos Direitos reservados.


1. Continuação do texto da autoria de Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69):


Os Gandembéis: O Nosso Cancioneiro, as nossas músicas, os nossos poetas (Parte III) (*) (**)


(...) Já se torna bastante diferente, a narrativa seguinte, que os autores apelidaram de “Os Gandembéis”. É escrita em circunstâncias inteiramente distintas das do Hino, onde o último local de permanência, em Nova Lamego, ofertava um clima de paz, de sossego e tranquilidade.



A sua leitura, feita nos dias de hoje, parece trazer uma inefável doçura, dada a exemplar ilustração da história da nossa Companhia.


Trata-se de um texto, composto e adaptado por ‘2 humildes anónimos’ [, um deles o saudoso João Barge (1944-2010), foto à esquerda, no nosso V Encontro Nacional, em 2010, uns meses antes de morrer],  que procurou fundamentalmente narrar a acção (épica), que um punhado de homens que então compuseram a CCAÇ 2317, tiveram que passar em terras da Guiné, mas onde prevalece pelas razões invocadas nestas memórias, os sítios contíguos ao rio Balana.








OS GANDEMBÉIS > Canto I


I
As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por sítios nunca dantes penetrados
Passaram ainda além do Rio Balana,
E em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
Entre gente remota edificaram
Novo Reino que depois abandonaram;


II
E também as memórias gloriosas
Daqueles heróis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
Do Olossato e Mansabá andaram conquistando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando;
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar engenho e arte.


III
Cessem do Corvacho e do Azeredo
As conquistas grandes que fizeram;
Cale-se do Hipólito e do Loredo (#)
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto os que não tiveram medo
A quem Nino e Cabral obedeceram.
Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que a dois três dezassete mais alto s’ alevanta.


IV
Por estes vos darei um Maia fero,
Que fez ao Moura e ao Calças tal serviço.
Um Nunes e um Dom Veiga (##), que de Homero
A Cítara para eles só cobiço;
Pois pelos Dois pares dar-vos quero
Os de Gandembel e o seu Magriço;
Dou-vos também o ilustre Goulart,
Que para si em Minas não tem par.


V
E, enquanto eu estes canto, e a vós não posso,
Bigodes Reis, que não me atrevo a tanto, (###)
Tomai as rédeas vós, do Grupo vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Começai a sentir o peso grosso
(Que pela Guiné toda faça espanto)
De RDMs e recusas singulares
De Gandembel as terras e do Carreiro os ares.(####) 


VI
E, o que a tudo, enfim, me obriga
É não poder mentir no que disser,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me há-de ficar ainda por dizer.
Mas, porque nisto a ordem leva e siga,
Segundo o que desejais de saber,
Primeiro tratarei da larga terra
Depois direi da sanguinosa guerra.


VII
Partiu-se de manhã, c’o a Companhia,(#####)
De Guileje o Moura despedido,
Com enganosa e grande cortesia,
Com gesto ledo a todos e fingido.
Cortam as viaturas a longa via
Das bandas do Carreiro, no sentido
De ir construir um quartel
Na inóspita e deshabitada Gandembel.


VIII
Já na estrada os homens caminhavam,
O intenso capim apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Nas viaturas as minas rebentando;
Da negra missão os soldados se mostravam
Decididos; e os aviões vão apoiando
A coluna com muita acrobacia
Porque no mais não passa de «fantasia.


IX
As roquetadas vêm do turra e juntamente
As granadas mortíferas e tão danosas;
Porém a reacção não consente
Que dêem fogo às hostes temerosas;
Porque o generoso ânimo e valente,
Entre gentes tão poucas e medrosas,
Não mostra quanto pode, e com razão:
Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.


X
Da bolanha escondida, o grão rebanho,
Que pela mata foi aparecido,
Olhando o ajuntamento lusitano
Ao soldado foi molesto e aborrecido;
No pensamento cuida um falso engano,
Com que seja de todo destruído.
E, enquanto isto no espírito projectava,
Já com morteiros e canhões atacava.


XI
E uma noite se passou nesta rota
Com estranha emoção e não cuidada
Por acharem da terra tão remota
Nova de tanto tempo desejada.
Qualquer então consigo cuida e nota
No inimigo e na maneira desusada,
E como os que na errada missão creram
Tanto por toda a Guiné se estenderam.

(Continua)

Notas de L.G.:

(#) Cap Eurico Corvalho, comandante da CART 1613 (Guileje, 1967/68), falecido a 22/12/2011.  Cap Carlos Azeredo, cmdt da CCAV 1616(BCAV 1879, que esteve no Olossato. Quanto ao Hipólito e ao Loredo, pede-se ao idálio Reis para identificar estes dois comandantes de companhia que, presume-se, andaram pela região do Oio, e devem ter pertencido ao BCAV 1879, 1966/68 (que, além da CCAV 1616, tinha ainda a CCAV 1615 e a CCAV 1617).

(##)  Cap Inf Jorge Barroso de Moura, cmdt da CCAÇ 2313 (hoje general reformado); Alf Mil At Inf Mário Moreira Maia; Fur Mil At Viriato Martins Veiga; Sold apont metralhadora Jerónimo Botelheiro Nunes (a confirmar), cujo municiador morreu a 28/3/1968, nas imediações de Guileje

(###) Alf Mil At Inf Idálio Rodrigues F. Reis (hoje, eng agron ref, membro da nossa Tabanca Grande, residente  em Cantanhede); Fur Mil At Inf Mário Manuel Goulart.

(####) Carreiro= Corredor de Guileje, corredor da morte...

(#####) Depois de passar, na IAO,  por Mansabá e Olossato (de 15/2 a 15/3/1968), a CCAÇ 2313 seguiu de LDG para Cacine, e esteve em Guileje por pouco tempo (aí fazendo colunas logísticas para Gadamael e cortando cibes). A 8 de Abril de 1968 foi destacada para Gandembel, com a missão de construir um aquartelamento de raíz. Mas a 28 de março, tem os seus dois primeiros mortos, o Domingos Costa (Olival/vIla Nova de Gaia) e Manuel Meireles Ferreira (Pópulo / Alijó). A 8 de abril participa na Op Bola de Fogo...


___________


Notas do editor:


(*) Últinmo poste da série > 29 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9676: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte II) (Idálio Reis)


(**) Fonte: REIS, Idálio - A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana. Ed. de autor, [Cantanhede], 2012, pp. 201-204. [Livro a lançar no dia 21 de Abril de 2012, em Monte Real, no nosso VII Encontro Nacional; um exemplar será oferecido pelo autor aos camaradas inscritos].

10 comentários:

Luís Graça disse...

Mensagem enviada esta manhã ao Idálio Reis:


Idálio: Estou no Porto, não tenho acesso à minha "biblioteca da guerra"... Não te importas de me identificar ou confirmar:

(i) o Hipólito e o Loredo (capitães de cavalaria da CCAV 1615 e 1617 ?) (estrofe III, p. 202);

(ii) o Nunes: Jerónimo Botelheiro Nunes, sold, apont metralhadora, cujo municiador morreu em 28/3/68 ?) (estrofe IV, p. 205)...

(iii) como se chama o furriel, professor primário, que ajudou na escrita dos Gandembéis ?


Telefonou-me há dias um homem teu, aqui do Porto, o Joaquim Gomes Soares. Vai ao nosso encontro, em Monte Real. Já temos 125, o nº de inscrições no ano passado... Até ao dia 14, ainda vamos ter mais...

Boa(s) e santa(s) páscoa(s). Luís Graça

Luís Graça disse...

recorde-se aqui a confidência que nos fez o Idálio, no primeiro poste desta série:

(...) "Quanto aos Gandembéis, obviamente que sabia da sua existência, mas só consegui obter uma cópia, já em período posterior aos meus apontamentos no Blogue.

"Como referes, é uma obra-prima. Está lá a história da Companhia, inclusive a do Bigode Reis, que pela Guiné toda faça espanto, de RDMs e recusas singulares, de Gandembel as terras e do Carreiro os ares. E há um fundo de verdade, nestas palavras.

"É uma obra que o apaziguador tempo de Nova Lamego proporcionou. Os seus autores, são anónimos e humildes. De todo o modo, faço-te a revelação: um deles, foi o malogrado e inesquecível João Barge, um filólogo de escol, e que decerto seria a única pessoa capaz de emprestar tanta arte e sensibilidade à sua pena.

"Ainda que tivesse surgido em Gandembel, nos finais de outubro/princípios de novembro [de 1968], e num período em que se vivia já numa situação de mais alívio, teve a ajuda de um dos pioneiros da Companhia, um ex-furriel que ao tempo já era professor primário". (...)

Anónimo disse...

LUIS

Uma questão a propósito das tuas notas a este Post 9695:

- O "Maia" referido no 1º. verso da IV estrofe não será o capitão Moreira Maia (comandante da minha CART 1689), agora general reformado, que foi comandante da Região Militar do Norte e que foi ferido em Gandembel?

Alberto Branquinho

Luís Graça disse...

Alberto:

Obrigado pela tua pertinente observação... Tu conheceste os "gandembéis", e andaste por lá, naquela "bola de fogo"... Na composição da CCAÇ 2313, há um Alf Mil At Inf Mário Moreira Maia... Estamos a falar do mesmo camarada ? Será que ele seguiu a "carreira das armas" ?

Não, não pode ser o mesmo: será o teu capitão Moreira Maia ? Que raio de coincidência... Mas o Idálio pdoe esclarecer melhor...

Pelo sentido, parece ser o teu capitão:

(...) "Cesse tudo o que a antiga musa canta
Que a dois três dezassete mais alto s’ alevanta.

"Por estes vos darei um Maia fero,
Que fez ao Moura e ao Calças tal serviço. (...).


Sabes quem era o Callças ?

Um abraço nortenho. Luis

Arménio Estorninho disse...

Do meu conhecimento presencial:

Aquando ao tempo de 1968/69, em Aldeia Formosa, eu vi os Galões de Major sobre os ombros de Carlos Azeredo "hoje General Aposentado";

Quanto a outra referência, em Julho de 1968, por determinação do "General ou ainda Brigadeiro" António de Spínola, tendo o "Coronel ou Ten. Coronel" Hipólito, incorporado a coluna-auto dos "três obuses" entre Buba e Aldeia Formosa.
Confirmo, porque estive a seu lado aquando de uma pausa de paragem da coluna.

Saudações Guinéuas
Arménio Estorninho
C.Caç.2381 "Os Maiorais"

Anónimo disse...

Luis

Nada sei sobre a CCAÇ 2317 antes do plano operacional da "Bola de Fogo".
Nós (CART 1689) saimos apeados de norte (Aldeia Formosa, provenientes de Buba) e atravessámos o Balana a juzante da Ponte, destruida, até ao local de encontro com a 2317 (onde deveria ser Gandembel).
A 2317 veio de sul (Guileje), em coluna auto, trazendo materiais e um carro de água.
Em Gandembel conheci somente o capitão da 2317, com quem tive um desaguisado depois de o meu capitão ser ferido. Reencontrei-o há cerca de uns vinte anos numa festa num "monte" nos arredores de Moura, quando ele era Comandante da Região Militar do Sul

Assim, nada sei sobre quem seja o referido "Calças"; "Moura" será o capitão da 2317 ?

Alberto Branquinho

Luís Graça disse...

Resposta do Idálio aos nossos pedidos de esclarecimento (LG):

Luís, quanto aos Gandembéis, é o seguinte:

(i) "Cessem do Corvacho e do Azeredo..." O saudoso Eurico Corvacho da CART 1613, e o Azeredo e Leme, tenente-general, ex-Chefe Militar do Presidente Mário Soares, e que se atravessou nos itinerários da Guiné em 2 sítios: no Olossato, comandando uma Companhia de Cavalaria, e em Aldeia Formosa, aquando do retiro de Gandembel, como comandante de um COP, já com a patente de major.

(ii)"Cale-se do Hipólito e do Loredo..." Este Hipólito refere-se ao comandante do BCAÇ 2834, Carlos Barroso Hipólito, mais afamado que o do meu BCAÇ. 2835, e com a particularidade de serem 2 Batalhões formados à mesma altura e na mesma unidade mobilizadora - o RI15. Quanto ao Loredo, diz respeito ao 2º comandante do meu Batalhão, de nome Cristiano da Silveira e Lorena. Por evacuação do Comandante inicial, Joaquim Esteves Correia, chegou a comandar o Batalhão durante um prolongado tempo, até à chegada do TC Pimentel Bastos (o nosso Pimbas), que se viu afastado do comando de um Batalhão mais recente que o nosso, por imposição de Spínola, e que regressaria connosco a caminho da Metrópole.


(iii) "Por este vos darei um Maia fero..." Trata-se de Mário Moreira Maia, alferes da minha Companhia, hoje advogado no Porto. Era o alferes mais antigo, pois que era de uma incorporação anterior à nossa. Substituiu já mesmo no findar da IAO em Santa Margarida, o camarada Moutinho, que passados apenas 3 meses viria a constituir a CCAÇ 2381. De sulinhar que este Moutinho, nada tem a ver com um dos seus comandantes de Companhia - o Moutinho dos Santos.

De referir ainda, que o comandante da CART 1689, do Alberto Branquinho, também era Maia, mesmo Moreira Maia, mas este é tenente-general a residir no Porto.

(iv) "Que fez ao Moura e ao Calças tal serviço..." Este Moura, é Jorge Barroso de Moura, que comandou a minha CCAÇ 2317, hoje tenente-general. O Calças, é o já citado major Lorena, pois que era apelidado do Calcinhas, talvez porque o uso sistemático dos calções, era o que mais se coadunava com o seu porte físico.


(v) "Um Nunes e um Dom Veiga..." Este Nunes, com desgosto, não sei de quem se trata. O nome que foi aflorado, não é de todo. E não me é lícito fazer quaisquer suposições. Já quanto ao Dom Veiga, trata-se de um dos furriéis da Companhia e do meu grupo, Viriato Martins Veiga (homem que andou por Coimbra, e que há anos lhe perdi completamente o rasto).

Torcato Mendonca disse...

O TC Pimentel Bastos que veio a ser o Comandante das tropas embarcadas, no Uíge, quando regressamos á Metrópole.

Era bom Homem.

Um abraço do T.

Anónimo disse...

Amigos!

Eu não sei nada de nada, só sei que adorei ler, isto que li...

Um épico com certeza!

Um épico vivido, a desfazer o sonho do passado: do passado, que criou o épico presente...

Os meus parabéns,Sr. Idálio Reis!

Felismina Costa

manuelmaia disse...

Idálio,


Simplesmente fabuloso.
obrigado-
manuelmaia