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domingo, 30 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10459: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (2): A cidade moçambicana da Beira,berço do Mário Sasso (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)




Moçambique > Cidade da Beira > c. 1905 > Rua Conselheiro [António] Ennes > Foto do domínio público, cortesia da Wikipedia ("View of Rua Conselheiro Ennes, Beira, Mozambique. Photograph of original postcard c1905, published by The Rhodesia Trading Co. Ltd., Beira"). A capital da província de Sofala tem o estatuto de cidade a partir de 1907. É hoje a maior cidade de Moçambique, a seguir a Maputo (antiga Lourenço Marques).

António José Enes  (Lisboa, 1848 / Queluz, 1901), mais conhecido por António Enes, diplomado com o Curso Superior de Letras, foi um político, jornalista, escritor e administrador colonial português:  destacou-se  em Moçambique,  onde exerceu as funções de Comissário Régio durante a rebelião tsonga,  na região sul daquele território. Foi o principal organizador da expedição de Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque contra o Império de Gaza, e que levou à prisão de Gungunhana, em 1895.

Enes defendera,  em 1870, a ideia dos Estados Unidos da Europa, temendo que Portugal fosse absorvido pela vizinha Espanha. Foi membro destacado do Partido Histórico e da Maçonaria. Exerceu as funções de deputado, de bibliotecário-mor da Biblioteca Nacional de Lisboa (1886) e de Ministro da Marinha e Ultramar na primeira fase do governo extrapartidário de João Crisóstomo de Abreu e Sousa. Era amigo pessoal de D. Carlos, que lhe atribuiu a grã cruz da Torre e Espada pelos seus "grandes e relevantes serviços", prestados à Pátria e ao ao seu Rei,  em África.

É autor, entre outras obras, de A Guerra de África em 1895. Prefácio de Afonso Lopes Vieira. Lisboa: Prefácio, 2002. 507 pp. [1º edição, 1898].  Fonte: Wikipédia e LG].


A. Continuação da nova série (*) do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) [, foto à esquerda, em Catió, assanaldo com um círculo a vermelho].


B. Ficou um palmeirim nas bolanhas da Guiné > (**)

2. A Cidade Moçambicana da Beira

Situada na costa leste de Moçambique, lá em cima, à borda do Índico, a cidade da Beira, de traçado geométrico, foi a encruzilhada onde se fixaram tanto as gentes do oriente amarelo como as do ocidente, negro e de feição europeia, por efeito da colonização ocidental, secular.

Indianos e malabares, asiáticos e gente de toda a orla mediterrânica, foram-se implantando, ao longo da costa de África, colorindo-a de matizes étnicos originais e muito singulares. Mesmo os que mantinham as linhas fisionómicas europeias comungavam, todos, de um mesmo tipo, anímico, resultante dessa peculiar mistura, visivelmente marcado pelos traços da grandeza ilimitada dos elementos geográficos que a todos abraçava.

Ali arribou, em tempos, gente vinda das costas do Adriático. Os Balcãs foram sempre um sítio sujeito a inesperadas convulsões, radicadas em rivalidades étnicas e religiosas, nunca bem resolvidas. 

Uma dessas famílias dava pelo apelido desconhecido, que não suscitava qualquer significado no linguajar típico, misto de português e de falares, indígenas. Era o ramo dos Sassos, oriundo da Eslovénia. Pacatos, com visível espírito de iniciativa e trabalhadores. Ficaram deslumbrados com a abundância natural que encontraram naquelas paragens. Depressa se tornaram, não só, queridos no meio, como assumiram um papel de dinamização daquelas terras. Desde as pequenas lojas de comércio, sempre a abarrotar das coisas mais modernas e de úteis utensílios, já consagrados nas terras balcânicas, às primeiras empresas empregadoras, em moldes nunca vistos.

O trabalhador duma casa dos Sassos tornava-se, a breve trecho, se demonstrasse razões de confiança, num elemento participativo integral, nos ganhos e nas perdas. A prosperidade florescia, de dia para dia, enquanto os Sassos se afirmavam como indispensáveis à vida e harmonia da cidade.

Foi assim até à 3ª geração. Eslovénia ou Jugoslávia, escondidas para lá do Adriático, já não diziam nada aos netos dos primeiros. Nunca lá foram. Era só o que os velhotes saudosistas iam tartamudeando sobre as velhas lembranças da mocidade difícil que tinham tido, há tanto tempo. Eram ferretes cravados na cabeça que só eles enxergavam.

Quando o Mário fez e 7º ano do liceu, ali na Beira, sem grandes novidades, no dia a dia, tudo era igual, nunca mais largou o pai, a chagá-lo com a de querer ir estudar para Lisboa, da Europa…. Seria talvez o apelo telúrico europeu que lhe corria no sangue a ditar toda a teimosia, que chegava a ser irritante. Tinha lá uns tios a viver. Já não era tão difícil. Na cabeça delirante do puto, tudo girava em turbilhão, à procura de uma porta aberta.

Quis o destino encarregar-se de lhe fazer a vontade. Naquele ano, os tios de Portugal foram passar férias à Beira. Em casa deles. Durante os 3 meses de verão. Fartou-se de acompanhar os primos que lhe encharcaram a cabeça com loas das ruelas e coisas de Lisboa. O Castelo de Lisboa, Sintra e arredores, a vida nocturna de fado, nos românticos bairros alfacinhas…Até a fala típica alfacinha deles o seduziam. Sabe-se lá porquê.

O certo foi que o vapor que os trouxe de volta, teve mais um passageiro a bordo. O Mário, de grandes orelhas e olhos bogalhudos, uma boca com uns lábios grossos que até chateavam…e cabelos lisos, demasiado compridos, atrevidos, à boa maneira dos futuros Beatles, até seriam da mesma idade… Havia de facto, uma certa semelhança entre ele e os futuros reis da fama. Com as suas guedelhas de rebeldia, haveriam de revolucionar o mundo inteiro.

Deixar os pais em África, a dizer adeus, chorosos, no cais da Beira, foi coisa de somenos importância. Eles ficavam bem e o Mário, ainda ia melhor, na ânsia de ver Lisboa, a mítica Coimbra ou as terras verdes do norte.

Que diferença. Uma terra, já com uns bons séculos de existência e a Europa, civilizada, à espreita, a dois passos. França ou Inglaterra eram já ali, para quem estava habituado às distâncias negras africanas… A África era demasiado natural, nas suas florestas carregadas de vida, e de liberdade, nos rios da fartura e muito francos, nas gentes pacatas e sem histórias, sempre iguais… Sentia um certo enjoo de tanta fartura!…

A atracção pelo desconhecido e pela aventura corria-lhe no sangue. Se possível, viver duas vidas numa só…era seu modo de estar, irresistível, sem saber porquê. (Continua)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 25 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10430: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (1): A origem do nome, Palmeirins (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)


(**) Dedicada à memória do alf mil Mário Sasso, da CCAÇ 728, morto em combate no Cantanhez, em 5 de desembro de 1965