Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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terça-feira, 19 de agosto de 2025
Guiné 61/74 - P27131: Parabéns a você (2407): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)
Nota do editor
Último post da série de 18 de Agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27129: Parabéns a você (2406): Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso Editor Luís Graça
sábado, 31 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26867: Convívios (1035): Fotorreportagem do 61º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Algés, 29 de maio de 2025 (Manuel Resende / Luís Graça ) - Parte I
Foto nº 1 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > O régulo Manuel Resende visivelmente bem disposto por tudo ter corrido bem: ds 87 inscritos faltaram 4, por razões de força maior...
E neste convívio tinhamos um "magnífico" que veio de longe: o João Crisóstomo, nosso camarada, que vive em Nova Iorque.
Na foto, de pé à esquerda, o Luís Graça (Lourinhã) e à direita,a sentado, o Joaquim Pinto de Carvalho (Cadaval) (fez ntem anos, uma capicua, 77...). Quatro régulos, ao fim e ao cabo: da Tabanca Grande, da Tabanca da Diáspora Lusófona, da Tabanca da Linha e, por último, da Tabanca do Atira-te ao Mar e Não Tenhas... Medo!
Foto nº 2 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Aspeto parcial do 2º (e último) piso do restaurante que estava cheio (11 meses de 8 convivas)... Já há muito, desde antes da pandemia, que não se atingia praticamente a lotação máxima.
Foto nº 3 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > As "nossas mulheres grandes" (sempre "bajudas"!) desta vez responderam à chamada do nosso régulo: a sala estava muito bem composta...
Foto nº 4 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Outro casal amoroso, simpatiquíssimo, fotogénico, apanhado pelo nosso fotógrafo com um sorriso lindo: o José Diniz Souza Faro e a esposa (S. Domingos de Rana, Cascais)... (Foi fur mil art, 7.º Pel Art / BAC , Cameconde, Piche, Pelundo e Binar, 1968/70, tem 14 referências no nosso blogue, e é membro da nossa Tabanca Grande desde 23/05: é "magnífico" desde 15/5/2015).
Foto nº 5 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Outro "menino da Linha", o Mário Fitas, com a sua Helena.
Foto nº 6 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Já não nos víamos há muito tempo, desde os bons tempos antes da pandemia!... Teve um grande susto, quase a patinar, disse-me ele...Refiro-me ao António Alves Alves (Carregado, Alenquer), que é "magnífico" desde 15/11/2015...(Também não és "grão-tabanqueiro", temos de ver isso, camarada!)
Foto nº 8 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Foi uma grande alegria para todos nós (e para mim e a Alice, em especial) poder abraçar o Manuel Joaquim e a esposa... Problemas de saúde (do foro oftalmológico) tem-no impedido, há muito, de comparecer aos nossos convívios. Tem 110 referências no nosso blogue.É autor, como se lembram, de uma das mais belas histórias, com fim feliz, contadas no nosso blogue. Foi fur mil armas pesadas inf da CCAÇ 1419 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), hoje professor do ensino básico reformado: trouxe para a sua casa e educou, como padrinho, o "nosso minino Adilan", o Zé Manel, o José Manuel Sarrico Cunté...
Foto nº 9 > Magnífica Tabanca da Linha > 61º almoço-convívio > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 29 de maio de 2025 > Mais dois meninos (e uma menina) da Linha... Não precisam de apresentação... São veteraníssimos nestas andanças!... São "magníficos" da primeira hora e também membros da Tabanca Grande: António Marques e Gina (Cascais) e Armando Pires (Oeiras)...
Mais um convívio se realizou hoje no Restaurante Caravela de Ouro, foi o nº 61. As cadeiras ocupadas foram 83. Creio que fizemos uma boa manifestação de gratidão ao nosso camarada João Crisóstomo, que vive em Nova Iorque e que fizemos coincidir com as suas férias cá. Quem não souber quem é o Crisóstomo vá ao Blog Luis Graça e procure. Está lá tudo.
Como de costume, e para que fique registado, tirei algumas fotos que junto, clicando neste link.
2. Vamos selecionar algumas das mais de 6 dezenas de fotos do Manuel Resende, editá-las e legendá-las. Este é o primeiro poste.
Fica aqui também a minha / nossa gratidão ao "magnífico-mor".
Foi mais um almoço-convívio cuja organização esteve impecável e foi do agrado geral.
Sempre discreto, o Manuel Resende está em "todas" as funções que cabem a um "régulo": depois de ter convocado as "tropas", sempre com música suave ao ouvido (não precisa de berrar, vai atualizando o Facebook...), e de ter orientado as coisas com o restaurante, lá esteve ele, de novo, para nos nos receber, dar as boas vindas aos "piras" (7 desta vez vez!), receber a "guita", fazer as contas, pagar, etc.
Nunca tem tempo, coitado, para provar os aperitivos e come à pressa... Lá pega na máquina fotográfica e percorre as 11 mesas, tirando 61 chapas... em tempo recorde... E ainda por cima posando, com calma e pachorra, para os "telemóveis" que querem ficar com uma "selfie"...
Tudo começa antes das 12h30 para acabar mais ou menos às 15h00... Vamos ter saudades do nosso "régulo" quando ele se reformar (mas, felizmente, ainda falta muito...). Deus lhe dê muita saúde e longa vida, que ele merece as duas coisas... (LG)
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Nota do editor:sexta-feira, 23 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26835: Humor de caserna (199): O meu grande "bubu" azul!... Que pena não mo terem deixado levar, vestido, no avião da TAP, de regresso a casa !... (Jorge Cabral, 1943-2021)
Legendas:
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-fur mil OE/ Ranger, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

por Jorge Cabral (1943-2021)
Cheguei à noite, sentindo logo a África, no calor, na cor, na humidade. A bordo subiram militares, e o putativo marido da senhora, cuja profissão nunca descobri.
− Pel Caç Nat 63.
Desembarcado, apanhei uma boleia num camião militar carregado de batatas, que me deixou no "Biafra", depósito de alferes em trânsito por Bissau.
Talvez para impressionarem o periquito, todos se mostraram totalmente apanhados. Quanto ao meu destino foram animadores…
− É, pá, vais para um pelotão de nharros. É só embrulhar. Estás lixado.
Apresentado no Quartel-General, ordenaram-me a partida para o Xime. Tinha que tomar um barco no dia seguinte, às tantas horas.
− Começa mal! Está a pedir uma porrada. As ordens são para cumprir. Desapareça da minha vista!
Desapareci, e o certo é que fui de avião para Bafatá.
Muitos dias, muitos meses, mais de dois anos passaram e eu continuei no mato. (As cunhas funcionavam na perfeição. Chegados a Bissau, em rendição individual, podiam ser encaixados, sem grande escândalo, em qualquer Repartição.)
Entretanto o meu Pelotão foi para a ponte do rio Undunduma e a Missirá voltou o Pel Caç Nat 52, tendo eu permanecido mais três semanas e entrado ainda numa operação, na qual morreram dois soldados africanos que, indo a fumar o mesmo cigarro, accionaram uma mina antipessoal reforçada.
Finalmente, e após uns dias em Bambadinca, embarquei no Xime com destino a Bissau. Recusara à chegada, mas afinal regressava de barco… e ao "Biafra". Agora eu era o velhinho e o apanhado.
No dia da partida, eu que cismara aparecer em Lisboa vestido com o bubu azul, bordado a ouro, que comprara a um djila senegalês em Missirá, resolvera mandar encurtar a vestimenta a um costureiro de rua. Enquanto esperava, passou por mim um furriel conhecido, que me alertou: o voo havia sido antecipado.
Chegado ao aeroporto enverguei o meu traje, causando o espanto e o riso dos passageiros, militares. Eis que sou cercado por um coronel e dois majores, os quais em coro me determinam:
– Não pode ir assim, é uma vergonha, lembre-se que é um oficial....E blá, blá, blá…
Tento contestar:
− Se um fula pode embarcar com um fato europeu, porque não posso eu ir vestido à fula?
Nada feito, se persistir não vou e levarei uma porrada. Obrigado a obedecer, lá entro no avião, no qual segue também o coronel, o que impediu de me fardar a bordo.
Teimoso, porém, mal chego a Lisboa, envergo o grand boubou e é com ele vestido que abraço a família.
Num destes dias vou de novo vestir o meu grand boubou. Pode ser que tenha conquistado o direito a um pouco de loucura. Talvez…
Último poste da série > 11 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26677: Humor de caserna (198): Carlos Fabião, um oficial duplamente superior, grandalhão e brincalhão (António Novais, ex-fur mil trms, Cmd Agr 2951, Cmd Agr 2952 e Combis, Mansoa e Bissau, 1968/70)
quinta-feira, 3 de abril de 2025
Guiné 61/74 - P26646: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (36): Lamego, Amadora, Oeiras, Lisboa ... e depois Cufar ! (Mário Fitas)
(do nosso camarada e coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro)
Em Lamego aprende muito e sofre mais. Leva pancada por ignorância, ao tentar responder nos percursos fantasmas, só depois de muito levar compreende que o melhor é não tentar responder. Passa fome, sede, e é ensinado a matar. Com a faca aprende o golpe de cigano e com todo o tipo de armas aprende a tudo destruir, escola perfeita.(*)
Instrutores acabados de chegar do curso nos EUA, o Cobrinha e outros vão construindo máquinas de guerra. Na serra do Marão onde o sol qual bola de fogo, se esconde por sobre montes de róseo algodão ou alvo espelho de neve, apenas desflorados pelo saliente píncaro do Alto do Muel no Mesão Frio, à noite ouvem-se os lobos uivar. Na das Meadas, sobranceira à cidade e onde as noites gelam, as neblinas matinais, chuva miudinha “molha parvos” se infiltra pela roupa deixando os já pouco resistentes rangers como pintos de penas coladas, a quem meteram em alguidar de água. Não só estas mas também a serra do Poio e outras são calcorreadas dia e noite, socalco a socalco, até os pés sangrarem.
O rio Douro, desde o Pinhão até à Régua, é reconhecido palmo a palmo. As rochas duras buriladas por água mole da corrente nos rápidos, são acarinhadas por barcos de borracha, berços flutuantes que rodopiam e se esfregam nelas como anfíbios cachalotes em louco bailado de cio. Navegando, remada a remada, aqui se assiste à trágica manipulação dos homens ignorantes e medrosos. O barco rodopia e encalha num rápido, com catorze homens a bordo. Só três sabem nadar. Num segundo, o Resende entra em pânico, ajoelha no meio do barco e, numa cena trágico-marítima, grita para os céus:
– Senhor Jesus Cristo, valei-nos!...
– Salvai-nos, Senhor!...
– Assim perdeu meu pai a vida! ...
Chora como criança em plenos terrores nocturnos. Tarragona e Vagabundo saltam do barco com o Bracarense e, nadando, puxão para a esquerda, puxão para a direita, desencalham o barco e levam-no para a margem esquerda. Os não nadadores saltam todos e metem pernas ao caminho até à Régua. O barco não podia ser abandonado. Os três nadadores tomam o comando da enorme banheira de borracha. Maravilhoso! Parecem três putos, a quem deram desejado brinquedo.
As guerras académico-milicianas, entram no esquecimento, Bracarense e Tarragona interrompem as disputas de ginástica aplicada e forma-se a equipa. Bracarense à ré, faz de timoneiro, Vagabundo e Tarragona a meio do barco para melhor equilíbrio, vão remando quando necessário. Nos rápidos, ou quando a corrente é mais forte os três ficam mais próximos. O barco levanta a proa e atinge uma velocidade louca e estonteante que deixa os três rangers felizes. Divertindo-se, chegam à Régua como miúdos brincando com a loucura do rio.
Mais tarde, Tarragona será mostrado ao Mundo Português, recebendo a Torre e Espada no Terreiro do Paço. Oculta, ficou a estátua figura do capitão: pés decepados, gastrocnémios desfeitos por prostituta mina, erguendo-se sobre os sangrentos cotos ósseo-tibiais, e mesmo assim tentando continuar a comandar os seus soldados!
Nas escarpas do rio faz-se rapell e alpinismo. No rio Balsemão, volta-se a brincar para esquecer a dureza de Penude.
Há largadas em Resende, São João de Tarouca e noutros locais. A chegada a Penude não pode ser detectada. Por montes e vales, povoações, caminham só de noite e mesmo assim, o raio dos cães denunciando a malta. Salzedas, seis da madrugada. Abre-se uma porta, e uma mulher chama os três rangers que cautelosamente passavam pela rua.
– Os senhores são militares, não são?
– Sim, sim ... somos!
– São de Lamego?
– Sim!
– Deixai-me dar-vos um beijo e que a Senhora dos Remédios vos proteja, meus filhos. Entrem, comam qualquer coisa que vos aconchegue o estômago.
Abriu a porta e obrigou os três rapazes a sentarem-se a uma grande mesa de lavrador. Trouxe broa, presunto, salpicão e um jarro grande de vinho. A conversa da tropa começou, e ela foi dizendo que o seu António estava em Angola, escrevera havia dias e dizia estar muito bem, que faziam patrulhas como os de Lamego, e que tudo lhe corria maravilhosamente bem!
Como António, Vagabundo compreendeu mais tarde que também teria de mentir aos pais. O
presunto era maravilhoso e o vinho também. A senhora continuava a falar do filho mas os três rapazes tinham de partir. A senhora ficou à porta com as lágrimas caindo-lhe pelo rosto e pensando no seu filho António, enquanto os rangers alegres, contentes e de barriga cheia continuaram a caminhada. Vagabundo ainda pensou, quantos Antónios não darão a alegria do regresso a estas santas mães!?
À noite, em pleno jardim, das viaturas militares em andamento, saltam gandulos reguilas dando o seu grito de ranger. As miúdas deliram e os gandulos tornam-se uns heróis. Nos jardins e nas escadarias da Senhora dos Remédios, inebriados pelos odores das madressilvas e jasmins, eles embrenham-se entre etéreas promessas de amor incontidas, navegando em longos beijos de aventura!...
Os esgotos da cidade tomam-se caminhos conhecidos pela matula, em noites de percursos fantasmas, com petardos de trotil pelo meio. Aqui existe outra mulher especial na vida do ranger que consegue incutir força para a resistência. Apesar dos seus dezoito anos, Maria de Deus explica ao jovem militar a razão das coisas, mas não consegue influenciá-lo a fugir das terras para Norte.
Traição!... Como se sentiriam António e Francisca na sua terra com um filho traidor à Pátria? E seu avô? O velhote morreria de desgosto e vergonha. Fuga anulada! Vagabundo escolhe o cumprimento do dever jurado na parada de Tavira.
Como Niotetos, Maria de Deus insiste com Vagabundo. Ele é em espírito e corpo inteiro uma parte dela, nesta loucura entregou-se toda e tenta modificá-lo. Não dá, ele já é prisioneiro de si próprio e à sua volta criou uma barreira, um casulo de arame farpado.
Mais tarde, Maria de Deus, com apenas vinte e quatro anos, morre jovem na pujança da vida, brutal arrancar de botão de flor ainda não aberto. Obrigado, Mimê, por tudo o que por Vagabundo fizeste, mesmo pelas tontearias que tentastes e fizeste! Quem sou eu para não te aceitar como tu eras!? Que descanses em paz! Que Deus te tenha em bom lugar!
A vinte e três de setembro os rangers Vagabundo e Almeida, apresentam-se no RI1, na Amadora unidade mobilizadora, para fazerem parte de uma Companhia de Caçadores com destino à guerra no Ultramar.
A 19 de dezembro a CCAÇ 763 é mobilizada para o CTIG Comando Territorial Independente da Guiné. De farda amarela, o furriel miliciano, segue de comboio para passar o Natal na sua aldeia. O casal espanhol, companheiro de viagem, é extraordinário. O homem andará pelos cinquenta e poucos anos e a senhorita aparentava ser um pouco mais nova. Nota-se que têm a noção do que é a guerra e abordam um pouco a política. Falam com algum conhecimento de Salazar e Franco, o militar estando muito cru nesse aspecto aprende algumas coisas. Na despedida, desejam:
– Buena sorte! La guerra es una monstruosidade!...
É o único passageiro a tomar a camioneta na velha estação da CP. Inverno, oito da manhã, faz um frio de rachar e sopra aquele vento leste que se entranha na roupa e trespassa os ossos. É reconhecido pelo revisor, velho resistente ainda dos tempos em que Vagabundo era estudante.
– É verdade!
– Para onde?
– Guiné!
– Oh, pá!... Olha, boa sorte!
– Obrigado, ti Chico.
A camioneta pára em terras do lado Norte. Entram quatro pessoas desconhecidas. Passam pelo militar e olhando para a farda amarela, dão um bom dia de misericórdia como que a um pedinte em porta de igreja, ou, talvez interiormente desejem uma boa sorte como o Ti Chico, revisor. O militar olha pela janela tentando ver o impossível.
Natal sem sabor. O furriel tem de se apresentar no RAC (Regimento de Artilharia de Costa) em Oeiras, a dois de janeiro, onde aguardará embarque. A dezanove de janeiro, com toda a pompa militar, a CCAÇ 763 recebe o seu Guião com o lema «Nobres na Paz e na Guerra». À noite recorda-se que, no dia seguinte, comemora-se o Santo Mártir Sebastião, padroeiro de arqueiros e soldados, venerado em terras de lados do Norte.
Recordando, pega no bloco e começa a escrever uma carta de amor contra o esquecimento. Quando o sofrimento ultrapassa o medo, a submissão dissipa-se e relança-nos, geralmente em força para a conquista ou reconquista. Escrevendo, verifica que é um hino à Natureza aquilo que escreve e sente-o como se uma carta de criança. Revolta-se, rasga a carta e sai para ir para Lisboa, decidindo passar a noite com uma prostituta. Quando sai tem vontade de bater em tudo, no entanto o ar da rua faz-lhe bem. Na estação encontra o Carretas, de Almeirim, que pertence à Companhia que também aguarda embarque na Parede.
– E, pá. anda até ao Limo Verde, a malta vai lá juntar-se.
9 de fevereiro de 1965. Sobe a rua Morais Soares devagar, atravessa a Paiva Couceiro e entra na Mouzinho de Albuquerque, onde se encontram os pais em casa de sua irmã mais velha. António está a convalescer de uma operação delicada. Eles não sabem que seu filho, no dia onze pela manhã, embarcará no navio “Timor” com destino à Guiné. Mas apercebem-se que há algo estranho.
Como vai ser? Vagabundo não delineou nenhuma estratégia, mas há que resolver a questão. Entra um pouco nervoso, consegue manter conversa evitando o assunto. Sabe que sua irmã estará no Cais, mas de seus pais tem de se despedir sem o dizer. No dia seguinte seguirão de comboio, para a sua aldeia e levarão Pedrito. Mais umas palavras de circunstância, e já é hora de partir.
– Amanhã estarei no comboio!
Mas a experiência de vivência feita, não engana os velhotes. Eles sabem que o filho não está a dizer a verdade. Aguentam-se todos sabendo que estão a fazer jogo viciado e a mentir uns aos outros. Com as lágrimas de Francisca não há problemas. Sempre assim foi, mesmo que partisse para perto. Com António não, raras vezes tinha visto as pérolas rolando naquele rosto.
– Combinado? Amanhã lá estarei em Santa Apolónia, as melhoras e adeus!
Aguenta-se e sai. Pede a Amália para se segurar. Já no elevador não resiste, sente os olhos húmidos. Vai encontrar-se com Picolo e solicita-lhe que vá ele à estação dizer que está de serviço, pelo que não pode comparecer. Picolo, como sempre fixe, aguenta a barra.
47º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 16 de janeiro de 2020 > Da esquerda para a direita, Zé Carioca, Mário Fitas, dois "homens grandes" da Tabanca da Linha, com o nosso editor Luís Graça. (**)
Foto: © Manuel Resende (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(*) Postes anteriores da série:
1 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26637: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (34): Tavira... Nem bom cavalo, nem bom soldado! (Mário Fitas)
quarta-feira, 2 de abril de 2025
Guiné 61/74 - P26640: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (35): Elvas... Oh!, Elvas, oh!, Elvas, Badajoz à vista! (Mário Fitas)
Velha praça cercada de belas e antiquíssimas muralhas, sua segunda terra, aqui veio parar (recordar Vagabundo. Voltou a casa de seus tios, voltou a casa de seus segundos pais, vivendo)
Torna a subir ao fortim da Srª. da Conceição. Entra na capela e contemplativo, olha para a imagem da Santa e vê quão diferente se tornou, desde os tempos de estudante quando por ali passava. É gratificante por vezes ficarmos assim sós e repensar tudo o que se passou regredindo, ou sonhando tentando na futurologia adivinhar o amanhã.
Como antigamente, sobe às ameias, por sobre as muralhas da Cisterna e do Jardim das Laranjeiras, revê as eiras onde tantas vezes jogou futebol. Espraiando a vista pela cidade, fica tempos deliciando-se com os píncaros das igrejas e as pontas do forte de Santa Luzia em cujas grutas com Picolo, Orelhas de Camurça e outros, caçavam morcegos.
Alongando mais a vista pela planície, extasiava-se vislumbrando lá longe o fio de prata do Guadiana. Desce pela muralha, pára na velha Cisterna que resistente, continua a dar de beber à cidade. Revê a fonte ao fundo da rua dos Cavaleiros e o recanto onde tantas vezes jogou ao berlinde com Picolo. Vê a porta velha e os degraus da casa do Tio Pinga, e tem saudades dos seus tremoços. Enquanto desce até ao jardim das Laranjeiras, vai recordando os pregões típicos:
– Queijo assente Requeijão! Oh queijo assente!....
Relembra outros tempos de infância, e tantas figuras típicas desta sua segunda terra. Zé da Lorca, Tio Pinga, Isidro, Alcides e a sua galinha debaixo do braço, o Ica do Monte, o tio Rodas, o Matias à frente da Banda 14 de Janeiro, lançando foguetes em tardes de Pendões, a Sali Pompa na garagem do Painho, levantando as saias para a estudantada dar um tostão, e outros tantos mais, pessoas simples, desta maravilhosa cidade.
Que saudades!... Pontapeando as pedrinhas que encontrava, dava a volta até entrar novamente lá em cima nas Portas da Esquina e aí, então, admirava a magnificência do Aqueduto da Amoreira feito a custas do povo, pagando o selo real de imposto durante três gerações.
Demoradamente olhava!... por detrás do horizonte, sentia a sua terra e as terras do lado do norte. Endurecido resistia, mas no coração tinha um "bypass" não na veia mas de gravação: Tânia.
No fosso das velhas muralhas, tendo como fundo o belo Forte da Graça, os recrutas são ensinados, de uma forma humana e preparados para a guerra. Não é necessário tratá-los como animais. Há sã convivência e respeito mútuo. O pelotão tem como instrutores João Bar, Vagabundo e João Uva, que formam o trio "Locos". O pessoal pode rir quando a "égua" Luz aparece na muralha e João Bar alerta o cabo Monforte. Este raspa as botas da tropa na terra transformando-as em cascos e relincha como um garanhão com cio, enquanto a "égua" Luz se desmancha toda e bamboleia o traseiro.
O Tlinta e Tlês é aplaudido, quando se baba todo como um chibo, ao perder a virgindade com vinte anos. O trio paga todas as despesas da festa, e o Tlinta e Tlês quer mais! Faça-se a sua vontade, e a malta bate palmas e dá vivas ao herói nas casas próximo do Castelo.
– Nandinha! Sempre atenciosa e fogosa, foram tão simpáticas as noites e os momentos na tua casa. Nunca pensei que o João Uva ganhasse a aposta.
O trio não pára, de mota ou carro. Nos arredores da própria cidade, não há poiso certo. Os três são adorados pelos soldados básicos, na maioria do Baixo Alentejo. Não conseguem dar resposta aos convites para festins e patuscadas. Derivado dos transportes e ligações para as suas terras, toda a gente vai de fim-de-semana, com ou sem dispensa assinada, não interessa pois o código de honra é que manda. Segunda-Feira de manhã todos têm de estar presentes na chamada do pequeno-almoço. Não houve uma única falta em dezenas de homens! Felizes ficavam João Bar, Uva e Vagabundo.
Retorna a terras do norte mas clandestinamente. Fala sobre Tânia, mas mantêm-se firme. Os "Locos" mantêm-se unidos e convivem com as professoras de terras do Norte. Voltam os convívios com as miúdas da sua EICE - Escola Industrial e Comercial de Elvas. Os três entram nas brincadeiras. Há uma professora que se vê atrapalhada com as armadilhas, mas tudo na sã convivência. A professora cai no ardil montado pelo trio. As bonecas para a Mariazinha, pederasta, soldado lerdo das ideias e com a mania que era mulher, eram executadas na própria aula da Formação Feminina com conhecimento da professora.
No Luso colégio das freiras, Vagabundo arranja uma "girl friend".
– Fomos loucos, não fomos, Tuxa? Mas com a ajuda da Gény foram tempos agradáveis!
Tinha de resistir aos ventos que sopravam dos lados do Norte, que tomavam o coração tão fraco, tão fraco, que a luz da candeia de ténue chama de resistência, várias vezes tremeu e o enfarte do miocárdio esteve eminente.
– Atenção cabo miliciano Vagabundo, tem uma chamada telefónica!
– Atenção cabo miliciano João Uva, tem uma chamada telefónica!
– Atenção alferes miliciano João Bar, tem uma chamada telefónica!
Os microfones do BC 8 ecoavam pelo quartel. Os sargentos Correeiro e Serralheiro, nas suas oficinas comentavam:
– Lá estão eles outra vez! Passam mais tempo ao telefone do que a dar instrução. Juntou-se ali uma trempe e peras! Não param na “canastra”. E depois o capitão ainda lhes dá apoio!... Deram volta aos soldados, mas pelo menos aqui anda tudo certinho. Vá lá a gente entender estas coisas?!...
Loucuras de Vagabundo, sã amizade:
– Cély, foste simplesmente impecável, obrigado pela canção com o nome de Vagabundo. Foste recordada nos dias tristes de solidão e guerra.
– Teresinha da Praia, porquê?! Deliciosos tempos de gandulo, maravilhosos já de Vagabundo, fiquei em dívida para contigo por aquele lenço perdido no Circo.
– Tuxa! criança das loucuras! As contas dos bilhetes do cinema ficaram certas? Perdi-te a pista nas areias da Costa da Caparica. Fizeste bem em teres efectuado a substituição logo a seguir. A vida de Vagabundo também não valia muito.
Bons momentos, mas que iam cavando mais fundo a fossa em que o militar se afundava. A vida não pára e mais uma instrução básica, agora com o conterrâneo e amigo Zé Luís, do Rossio de Cima como aspirante miliciano a comandar o pelotão. Belos tempos!...
Este cabo miliciano tem boa pele para se lhe tirar, portanto o melhor é mandá-lo para Lamego para as Operações Especiais. Vai dar um bom Ranger. Segue as pegadas de João Uva que já tinha partido.
Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, Estoril, Cascais, 2000, com apop da Junta de Freguesia de Vila Fernando, 174 pp.,).
terça-feira, 1 de abril de 2025
Guiné 61/74 - P26637: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (34): Tavira... Nem bom cavalo, nem bom soldado! (Mário Fitas)
(...) "No seu livro 'Pami na Dondo' (2005) a partir de uma história verídica Mário Vicente ficciona as agruras, desventuras e algumas alegrias de uma jovem guerrilheira do PAIGC, capturada pelas tropas portuguesas em meados das décadas de sessenta.
O outro título saído da inteligência e da pena de Mário Vicente é 'Putos, Gandulos e Guerra' (2000). Reformulou, aumentou e melhorou esse texto e publica-o agora como 'Do Alentejo à Guiné, Putos, Gandulos e Guerra'.
"Com laivos e tintas biográficas, este livro fala-nos de um menino nado e criado na aldeia de Vila Fernando, no Alentejo profundo, Calças de Palanco – este o original nome do puto – que será o gandulo e o homem na esteira e por dentro da guerra na Guiné.
A pré-publicação desta versão, no nosso blogue, em formato digital, foi devidamente autorizada, na altura, pelo autor. No cap VI, ele, o Vagabundo, seu "alter ego", revisita as terras de Portugal por onde passou, na tropa, antes de ser mobilizado para o TO da Guiné:
- Tavira,
- Elvas,
- Lamego,
- Amadora
- Oeiras...
É membro da nossa Tabanca Grande desde 26/6/2007. Tem 164 referências no nosso blogue.
ÍNDICE > I Putos | II Putos, Gandulos e o Padre | III Metamorfose | IV Cepa do Zé de Varche | V Vagabundo | VI Por Terras de Portugal | VII Guerra 1 | VIII Brincadeira no Mato | IX Guerra 2 | X Miriam | XI Como se Constrói uma Capela | XII Guerra 3 | XIII Mamadu em Férias no Hospital Militar | XIV Regresso à Guerra | XV Adeus à Guerra | Glossário
A tua bela ilha de fina areia branca, afagada por salgadas ondas transparentes, onde nas dunas se espreguiçam lindas mulheres de tez escura, sangue mourisco e olhos amendoados, como moiras encantadas que de quando em vez se transformam em sedutoras sereias, deixando presos incautos marinheiros, melhor dizendo militares, atirados para a escola do CISMI, onde se perde a vergonha e se aprende a vivência no "Canil da Vida".
Chegou aqui criança, menino de coro virgem para a safadice! Daqui saiu sem vergonha e malandro, perfeitamente enquadrado com a vida militar, como Vagabundo. Confirmando, em pouco tempo, aquilo que o professor da Colónia lhe tinha aconselhado:
– Rapaz, olha e tem calma! Nem bom cavalo, nem bom soldado!... Se és bom cavalo, todos te querem montar. Se és bom soldado, todos te querem mandar.
Verdade matematicamente confirmada: dois mais dois, igual a quatro. A arte de como aprender a roubar foi facílima! Primeira revista à companhia de instrução. O protector de boca, da Mauser, tinha-se misteriosamente evaporado: foi ao ar. Para além de o pagar e comprar outro na Feira da Ladra, levou um corte de fim-de-semana.
Aprendeu nas salinas a mergulhar na lama! Desgraçados do cabo Baidalo, do Churro, e outros, já homens de certa idade, cabos aprovados que para singrarem na Guarda [Nacional] Republicana ou no Exército tinham de tirar a especialidade, assim eram integrados no Curso, juntos àquela malandragem toda. Coitados, já não tinham idade para entrar naquilo!
– O quê?
– Os gajos não querem? Malta, a eles! – incitava o Suiças, acabadinho de sair do tirocínio em Mafra.
Na Atalaia muitas coisas aprendeu para além da ordem unida e armamento. Aprendeu vendo! Como se destrói um homem, despersonalizando-o e transformando-o em farrapo. O tripeiro Pintainho com fobia das alturas, ser obrigado a subir ao muro alto, mão direita erguendo os restos de velha vassoura transformada em facho, lágrimas de raiva contida rolando pela face ser obrigado a gritar:
– Eu sou o Maior, eu sou o Melhor!
Degradante!... Vergonhoso, não só por ver um miúdo homem bom, sincero e honesto ser obrigado a descer tão fundo, anulação completa da sensibilidade humana!
– Não!
Com o ex-seminarista Clemente, frequentou nos primeiros tempos as belas igrejas de Tavira aos domingos. Entretanto, viu o Doutor, vindo do Instituto de Reeducação (onde esteve internado) metido nisto, fazendo leituras na missa misturado com a alta sociedade da terra. Achou demais para tal figurão e infelizmente acertou. Pouco tempo depois falou com o Doutor pelas grades da prisão e verificou que estaria com graves problemas. Só que ali já não seria a transferência para Leiria, mas sim o Forte da Graça em Elvas, ou outro presídio militar, o que seria bem mais complicado. Vagabundo teve pena do Doutor.
Na sua metamorfose constante, Vagabundo transforma-se em abutre. Monte Gordo! Marie Luise! Filha de mãe francesa e de pai emigrante português. Treinou um pouco o francês e não só. Momentos de loucura! A menina de Lyon, em férias e o militar Vagabundo, rolaram nas areias finas da praia e mergulharam nas quentes águas do Atlântico, influenciadas pelo Mediterrâneo. A sensibilidade de Marie Luise transformou Vagabundo, aprendeu comme il faut, doucement. L´étalon! Pourquoi être mâle latin!? [, Como mandava a puta da sapatilha, na maior... O garanhão ! Porquê ser macho latino ?!].
Em pouco tempo as reservas que tinha levado, evaporaram-se. Houve que mandar um SOS para os velhotes, solicitando papel. Neste espaço de pede e recebe, é apanhado por um fim-de-semana, completamente limpo. Com Abledu, saiu dando umas voltinhas pelos cafés junto ao jardim e um saltinho ao outro lado do Gilão, para visitar uns familiares do camarada e amigo elvense. Sábado à noite regressa sem dispensa de fim de semana e de recolher à sua caserna.
Conversa com Clemente, vai aos balneários e vê uma banca de batota montada. Lá estavam os amigos madeirenses doidos pelo jogo. Completamente limpo, volta para o beliche, e tenta cravar o ex-seminarista. Este adivinha do que se trata. Nega e dá-lhe um sermão. Insiste!
– Toma lá as cinco “croas”. Amanhã vamos almoçar a Vila Real [de Santo António], O.K.?
Universidade Aberta, vai aprendendo a sobreviver, no mundo cão. Razão tinha Niotetos (in "Pássaro fora da Gaiola"):
– Eu não devo nada ao cabrão do meu pai! Se sou o que sou, foi porque estudei. O gajo limitou-se a fazer-me numa noite de gozo.
Aula de táctica, mesmo com o estômago vazio, Vagabundo sentiu vómitos e uma forte dor no estômago. As entranhas embrulharam-se-lhe todas. Nunca tinha ouvido tal. Seria possível um indivíduo falar assim do próprio pai? Mais!... passeando com a mulher pela rua, virava-se para trás e, directamente para a malta, dizia:
– É boa, não é!?,,, Mas é minha!
Assim, com estes professores, ia sendo formado um futuro furriel miliciano do Exército Português, em África. Quando em Dezembro de 1963 o já cabo miliciano Vagabundo recebeu a guia de marcha para se apresentar no Batalhão de Caçadores n.º 8 em Elvas, onde tinha sido colocado, não ficava com muitas saudades do CISMI, antes pelo contrário criou uma certa alergia ao próprio Algarve.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
Guiné 61/74 - P26260: Humor de caserna (86): O ”turra” e a boina verde da enfermeira paraquedista (Maria Arminda, ex-ten graduada enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70)
Tancos > RCP (Regimento de Caçadores Paraquedistas) > 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: Maria do Céu, Maria Ivone (†) , Maria de Lurdes (Lurdinhas), Maria Zulmira (†) , Maria Arminda e o capitão pqdt Fausto Marques (Director Instrutor). Nota: Para completar o grupo das "Seis Marias", falta(va) a Maria da Nazaré (†) que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois.
1. A Maria Arminda Santos (tenente graduada enfermeira parquedista, 1961-1970) pertence ao grupo das Seis Marias, nome pelo qual ficou conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Paraquedistas portuguesas feito em 1961. Arminda Santos (n. 1937), nossa grã-tabanqueira nº 500 (desde 23 de maio de 2011), é agora a decana ou a matriarca das antigas enfermeiras paraquedistas: tem uma "memória de elefante" , é à sua "base de dados" que recorro sempre que tenho uma dúvida ou uma pergunta sem resposta sobre o "curriculum vitae" das suas colegas).
O ”turra” e a boina verde
da enfermeira paraquedista
por Maria Arminda
(…) Quase sempre, ao aproximar-me do DO-27 ou do AL III, para iniciar uma missão, ao chegar junto dele, instintivamente, dava-lhes duas palmadas na fuselagem, em jeito de saudação. Era assim como que a dizer-lhe: “Aqui estou eu! Leva-me em segurança”.
O incidente
que passo a relatar, ocorreu num DO-27.
Eu tinha sido destacada para uma base de operações, em Cufar, em alerta para
evacuação urgente de feridos. A operação desenrolava-se no Cantanhez, conhecida
pelo “Reino do Nino”. (**)
Surgiu então
uma missão de evacuação (…).
Havia três
feridos para evacuar, todos africanos, supostamente do recrutamente local,
todos metidos dentro do DO-27. Eu fiquei próxima do único que considerava estar
em estado grave, a fim de melhor o poder socorrer durante o percurso. (O que
aquele avião nos permitia fazer!)
Daqueles três
feridos, o mais grave, e que ia junto a mim, era combatente do inimigo, um “turra”
(…). Mesmo que não me tivessem previamente
informado desse facto ainda em terra, eu
facilmente chegaria a essa conclusão pela forma pouco amistosa com que os restantes dois feridos o encaravam e, por vezes, se lhe dirigiam, verbalmente.
O voo decorria com normalidade e eu ia, evidentemente, dispensando mais cuidados ao ferido “turra” por
ser o único grave. Mss era bem visível que esta minha atitude não agradava aos
outros, embora eu não entendesse bem o que eles diziam entre si.
Aí a meio da
viagem, o sol começou a incidir sobre a cabeça
do guerrilheiro e, não tendo eu mais nada para o proteger do sol, coloquei
a minha boina verde de paraquedista na cabeça dele.
Aí os outros
não aguentaram mais! E foi a revolta! Houve quase um motim a bordo!
Indignados,
gritavam para mim que ele, o guerrilheiro, era um “bandido”, e que não merecia um bom tratamento. E muito menos que lhe pusesse
na cabeça a minha boina militar!
Lá os
acalmei como pude, gritando um pouco também, e consegui sossegá-los. Já me não
recordo de que forma, e como o consegui, mas foi com alguma dificuldade, chegando mesmo a recear que eles agredissem o
guerrilheiro.
O final do motim ainda me deu tempo, até aterrarmos em Bissalanca, para meditar sobre a importância que aqueles africanos davam à boina de um militar. Tão grande, que era indecoroso ser colocada na cabeça de um guerrilheiro.
Consegui
acalmá-los com dificuldade, dizendo-lhes
a verdade: que para as enfermeiras paraquedistas, aquele guerrilheiro era apenas
mais um ferido, a necessitar de todo o
meu saber e empenhamento. E que, como era entre todos eles o mais grave, era a ele
que tinha de dispensar mais cuidados.
Mas a eles
pouco ou mesmo nada lhes interessavam estas teorias!

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, introdução: LG) (**)
Coautoras (das 30 da lista, com a Rosa Serra, editora literária, 18 são Marias...):
Maria Arminda Pereira | Maria Zulmira André (†) | Maria do Céu Policarpo | Maria Ivone Reis (†) | Maria de Lourdes Rodrigues | Maria Celeste Guerra | Eugénia Espírito Santo | Ercília Silva | Maria do Céu Pedro (†) | Maria Bernardo Teixeira | Júlia Almeida | Maria Emília Rebocho | Maria Rosa Exposto | Maria do Céu Chaves | Maria de Lourdes Cobra | Maria de La Salette Silva | Maria Cristina Silva | Mariana Gomes | Dulce Murteira | Aura Teles | Ana Maria Bermudes | Ana Gertrudes Ramalho | Maria de Lurdes Gomes | Octávia Santos | Maria Natércia Pais | Giselda Antunes (Pessoa) | Maria Natália Santos | Francis Matias | Maria de Lurdes Costa.
______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 23 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970
(**) Vd. poste de 29 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6487: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (14): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (2): Maria Arminda (Rosa Serra)