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sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26104: Notas de leitura (1739): João Barreto, o que ainda falta saber da sua vida intelectual e científica (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Nunca imaginei que me iria dar a esta investigação sobre a vida e obra de João Barreto. O Dr. Google, sempre tão prazenteiro, fechou-me todas as portas, mas foi ali, depois de muita divagação, que cheguei ao Arquivo Histórico da Presidência da República onde, pasme-se, estava o nome de João Vicente Sant'Ana Barreto, que tivera uma proposta de condecoração para Cavaleiro da Ordem de Avis. Felizmente que havia um dossiê e nele fiz a primeira descoberta de que João Barreto fora promovido a tenente-médico em 1916 e enviado para Cabo Verde. Depois houve que folhear o Boletim Oficial da Colónia e descobrir a sua chegada, o seu estágio na cidade da Praia e os anos que passou na ilha do Fogo.Há ainda que vasculhar na imprensa cabo-verdiana da época se escreveu textos sobre a sua arte, a epidemiologia. No início de 1919 chega à Guiné, percorrerá vários lugares e localidades até assentar em Bolama e dirigir o laboratório central de análises do Hospital Civil e Militar, foi aí que começou a sua vida de autor, um cientista muito comunicativo, capaz de escrever artigos de divulgação, de comprovado rigor. Reformou-se por razões de saúde em outubro de 1931, vou agora começar à procura do que é que ele fez de 1932 a 1940, ano em que faleceu, com 52 anos.

Um abraço do
Mário



João Barreto, o que ainda falta saber da sua vida intelectual e científica

Mário Beja Santos

Quando apresentei na Sociedade de Geografia de Lisboa, no passado dia 10 de outubro, o meu estudo sobre João Barreto adverti quem me escutava que já sabia um pouco mais sobre a sua vida e obra, mas persistiam lacunas e um ambiente de nevoeiro à volta dos seus últimos anos de vida.

Permitam-me que vos conte os primórdios desta investigação. O editor e nosso confrade Daniel Gouveia telefonou-me um dia a perguntar se eu ia ao lançamento de um estudo sobre a História da Guiné de João Barreto, respondi que nada sabia, senti a curiosidade acicatada, perguntei-lhe a quem me devia dirigir, que eu contatasse a Casa de Goa, local do lançamento do trabalho. Dado o consentimento, lá fui para os lados de Alcântara, nem pressentia que iria conhecer um edifício em vias de demolição devido às obras do metro. Tocou-me a explanação do neto de João Barreto que só soubera da existência da História da Guiné há muito pouco tempo, adquirira um dos exemplares num alfarrabista que mandara fazer uma edição fac-similada para distribuir por familiares e amigos. Vi-me de repente instigado a perorar sobre o conteúdo da História da Guiné, aliás a única História até hoje existente, edição de 1938, obviamente a sofrer as rugas do tempo, poucos anos depois da edição de autor começavam os trabalhos de Vitorino Magalhães Godinho, Duarte Leite, Fontoura da Costa, Teixeira da Mota e Damião Peres, entre outros, que alteraram profundamente os conhecimentos sobre a nossa presença, o acervo literário, mexeram-se nos arquivos, sabe-se hoje muito mais, embora quem quer que se venha a acometer ao estudo da História da Guiné deverá futuramente que fazê-lo em equipa multidisciplinar envolvendo a Guiné-Bissau, Cabo Verde, Portugal, Senegal, Guiné Conacri, todos estes países deixaram rasto na chamada Senegâmbia.

Foi então que o neto de João Barreto, Aires Barreto me perguntou se eu tinha disponibilidade para investigar o que este médico epidemiologista, licenciado em 1913 na Escola Médico-Cirúrgica de Nova Goa, com altíssima classificação, fizera na Guiné e, se possível, qual a sua atividade em Portugal, depois de reformado. Aceitei o desafio e estou agora em condições de dizer que este médico nascido em Margão foi professor universitário em Nova Goa, aí apresentou, com recurso a moderníssimas técnicas de investigação, um estudo sobre a peste na Índia Portuguesa, fez estudos complementares em Lisboa, onde obteve boa classificação (área em que ainda há lacunas), foi nomeado tenente-médico para o Quadro de Saúde de Cabo Verde em Guiné, em junho de 1916, trabalhou em Cabo Verde de 1916 a início de 1919, na cidade da Praia e na ilha do Fogo, não se lhe conhece obra científica, a não ser os relatos mensais exigidos por lei sobre o estado da saúde pública na ilha onde passou tanto tempo. Na Guiné exerceu vários mistérios, em Bafatá, Cacheu, Farim, Bissau e Bolama. Enquanto delegado de saúde em Cacheu, foi louvado por ter coordenado com êxito uma campanha contra a peste. Dirigiu o laboratório central de análises de Bolama, encontram-se as suas apreciações em vários Boletins Oficiais da província da Guiné. Por volta de 1926 começa a publicar relatórios e artigos, é submetido a uma Junta de Saúde em 1931, e reformado.

Há passos da sua vida que me parecem inexplicáveis. O antigo governador da Guiné, Leite Magalhães, a quem prefacia a sua história e refere somente 12 anos de Guiné; em vários currículos também só se fala da sua presença na Guiné, parece que o autor pretendeu um manto de silencia sobre a sua estadia em Cabo Verde. Só conhecia uma fotografia dele, já na maturidade, era então para os seus familiares a única fotografia conhecida, veio publicada num conceituado jornal goês, Diário da Noite, no início de 1941, o seu falecimento (faleceu em Lisboa em 1 de dezembro de 1940, com 52 anos).

Há tempos, a bibliotecária da Biblioteca da Sociedade de Geografia trouxe uma história da Escola Médico-Cirúrgica de Goa sobre os seus vultos mais relevantes. Foi com enorme satisfação que encontrei um jovem médico, indumentado com bata profissional, já a enviei ao neto, que rejubilou. Prometo dar mais informações sobre o que se vier a descobrir quer quanto ao que se escreveu e não vier mencionado, e sobretudo, saber se este médico e investigador amador, difundiu nos anos que viveu em Lisboa entre 1932 a 1940, mais informações sobre a Guiné que seguramente muito amou – 12 anos ali não é amor impune.

A cidade de Bolama dos tempos de João Barreto
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Nota do editor

Último post da série de 28 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26088: Notas de leitura (1738): Quando se ensinava a literatura da Guiné-Bissau nas escolas portuguesas (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26055: Agenda cultural (863): Rescaldo da sessão de apresentação do livro "O (Ainda) Enigma da Vida Intelectual e Científica de João Barreto", de Mário Beja Santos, levada a efeito no passado dia 10 de Outubro de 2024, na Sociedade de Geografia de Lisboa

Apresentação do novo livro de Mário Beja Santos
na Sociedade de Geografia de Lisboa

O colunista do Mais Ribatejo, Mário Beja Santos, apresentou no dia 10 de outubro, a sua mais recente obra na Sociedade de Geografia de Lisboa, numa sessão que contou com a presença de diversos convidados e estudiosos da história da Guiné.

O livro foca-se na figura de João Vicente Sant’Ana Barreto, distinto aluno da Escola Médico-Cirúrgica de Nova Goa e autor da única História da Guiné, publicada dois anos antes de falecer.

A apresentação do livro contou com a participação do Embaixador da Guiné-Bissau em Portugal, Artur Silva, do neto de João Barreto, Aires barreto, e de Valentim Viegas, professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da universidade de Lisboa.

A sessão, precedida por uma visita à Sala da Índia e à Sala de Portugal da Sociedade de Geografia, onde se encontram valiosos tesouros artísticos da Índia portuguesa, teve início pelas 16h00. Valentino Viegas, professor universitário aposentado, e o bisneto do biografado, Aires Barreto, acompanharam o autor na apresentação e nos comentários finais sobre o legado científico e histórico de João Barreto.

A obra explora a carreira notável deste epidemiologista, desde o seu trabalho pioneiro sobre a peste na Índia portuguesa até ao seu envolvimento em projetos científicos e de saúde pública na Guiné. João Barreto foi louvado pelo seu papel no combate à peste em Cacheu e tornou-se uma figura de grande relevância na saúde pública de Bissau. A sua trajetória, no entanto, ainda apresenta lacunas que o livro de Mário Beja Santos procura esclarecer, oferecendo uma nova perspetiva sobre o contexto histórico em que viveu e trabalhou.

No final da sessão, foi oferecido um Porto de Honra e, por decisão do autor da edição, todos os participantes receberam um exemplar gratuito da obra.

Texto e fotos: jornal Mais Ribatejo, com a devida vénia
Fixação do texto, selecção e edição das fotos: Carlos Vinhal

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Notas do editor:

Vd. post de 19 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25958: Agenda cultural (859): Convite para a sessão de apresentação do livro "O (Ainda) Enigma da Vida Intelectual e Científica de João Barreto", de Mário Beja Santos, dia 10 de Outubro de 2024, pelas 16h00, na Sociedade de Geografia de Lisboa

Último post da série de 12 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26039: Agenda cultural (861): Convite para o lançamento do livro "CRÓNICAS DE PAZ E DE GUERRA, de Joaquim Costa, a ter lugar no próximo dia 9 de Novembro, pelas 16h00, na Bibliotaca Municipal de Gondomar, Av. 25 de Abril. Apresentação do livro a cargo do Dr. Manuel Maria

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26022: Lembrete (47): Sessão de apresentação do livro "O (Ainda) Enigma da Vida Intelectual e Científica de João Barreto", de Mário Beja Santos, a ter lugar no próximo dia 10 de Outubro de 2024, quinta-feira, pelas 16h00, na Sociedade de Geografia de Lisboa

C O N V I T E


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2024:

Meus caros,
Meti-me numa alhada que não sei como é que vai acabar, já gastei a ponta dos dedos a folhear Boletins Officiais de Cabo Verde e da Costa da Guiné e também da Província da Guiné, até já pedi ajuda ao Philip Havik por causa da Escola de Medicina Tropical, e tenho que saber o que é que este meco andou a fazer desde que se reformou (1931), a única coisa que sei é que viveu sempre em Lisboa até que partiu para as estrelas em 1 de dezembro de 1940. Não me podia ter metido noutra alhada maior, eu que andava com o Boletim Official da Província da Guiné à volta de 1890... Peço, pois, a amabilidade de fazerem a notícia nos próximos dias e um pouco antes do 10 de outubro. Grato.

Um abraço do
Mário



CONVITE

O que falta saber sobre a obra científica do autor da única História da Guiné, apresentação do livro na Sociedade de Geografia de Lisboa, 10 de outubro, pelas 16h00.

João Barreto (de seu nome João Vicente Sant’Ana Barreto) foi aluno distintíssimo da Escola Médico-Cirúrgica de Nova Goa, ali lecionou cerca de um ano, antes de partir para Lisboa apresentou um trabalho de estrutura invulgarmente moderna sobre a peste na Índia portuguesa. Continuará os seus estudos em Lisboa, parte em 1916 para Cabo Verde, onde permanecerá durante toda a Primeira Guerra Mundial. Segue depois para a Guiné, é louvado pelo seu desempenho no combate à peste em Cacheu, exerce outros cargos em Bafatá, em 1923 é nomeado delegado na Junta de Saúde de Bissau. Parte para a Índia, onde permanecerá cerca de meio ano. É no seu regresso à Guiné que os seus trabalhos científicos ganham reconhecimento. É então enviado para a Presidência da República uma proposta de condecoração como Cavaleiro da Ordem de Avis.

É uma parte deste percurso que este estudo aprecia, há ainda significativas lacunas a preencher, haverá que decifrar o que vai levar este notável epidemiologista a lançarse num empreendimento da única História da Guiné, que dará à estampa dois anos antes de falecer.

A pedido de um seu bisneto, lancei-me neste empreendimento, é empolgante tudo quanto escreveu (fora o que ainda não se conhece), incluindo os seus comentários quando foi delegado de saúde na Ilha do Fogo, no auge do conflito mundial.

A apresentação deste estudo será precedida, em homenagem à sua memória, a uma visita à Sala da Índia, seguindo-se uma passagem pela Sala de Portugal para visitar os tesouros artísticos da Índia portuguesa, visita que decorrerá entre as 15h30 e as 16h00.

A sessão de apresentação contará com Valentino Viegas, professor universitário aposentado, o autor e o comentário final de Aires Barreto, bisneto do biografado.

Seguir-se-á um Porto de Honra.

Por decisão do autor da edição, os participantes receberão gratuitamente um exemplar da obra.
Bolama no tempo em que lá viveu João Barreto, ali se tornou cidadão emérito
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Notas do editor:

Vd. post de 19 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25958: Agenda cultural (859): Convite para a sessão de apresentação do livro "O (Ainda) Enigma da Vida Intelectual e Científica de João Barreto", de Mário Beja Santos, dia 10 de Outubro de 2024, pelas 16h00, na Sociedade de Geografia de Lisboa

Último post da série de 4 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25713: Lembrete (46): Últimos dias! Viagem de grupo à China com o acompanhamento do Prof. Dr. António Graça de Abreu - 01 a 12 Setembro 2024

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25958: Agenda cultural (859): Convite para a sessão de apresentação do livro "O (Ainda) Enigma da Vida Intelectual e Científica de João Barreto", de Mário Beja Santos, dia 10 de Outubro de 2024, pelas 16h00, na Sociedade de Geografia de Lisboa

C O N V I T E


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2024:

Meus caros,
Meti-me numa alhada que não sei como é que vai acabar, já gastei a ponta dos dedos a folhear Boletins Officiais de Cabo Verde e da Costa da Guiné e também da Província da Guiné, até já pedi ajuda ao Philip Havik por causa da Escola de Medicina Tropical, e tenho que saber o que é que este meco andou a fazer desde que se reformou (1931), a única coisa que sei é que viveu sempre em Lisboa até que partiu para as estrelas em 1 de dezembro de 1940. Não me podia ter metido noutra alhada maior, eu que andava com o Boletim Official da Província da Guiné à volta de 1890... Peço, pois, a amabilidade de fazerem a notícia nos próximos dias e um pouco antes do 10 de outubro. Grato.

Um abraço do
Mário



CONVITE

O que falta saber sobre a obra científica do autor da única História da Guiné, apresentação do livro na Sociedade de Geografia de Lisboa, 10 de outubro, pelas 16h00.

João Barreto (de seu nome João Vicente Sant’Ana Barreto) foi aluno distintíssimo da Escola Médico-Cirúrgica de Nova Goa, ali lecionou cerca de um ano, antes de partir para Lisboa apresentou um trabalho de estrutura invulgarmente moderna sobre a peste na Índia portuguesa. Continuará os seus estudos em Lisboa, parte em 1916 para Cabo Verde, onde permanecerá durante toda a Primeira Guerra Mundial. Segue depois para a Guiné, é louvado pelo seu desempenho no combate à peste em Cacheu, exerce outros cargos em Bafatá, em 1923 é nomeado delegado na Junta de Saúde de Bissau. Parte para a Índia, onde permanecerá cerca de meio ano. É no seu regresso à Guiné que os seus trabalhos científicos ganham reconhecimento. É então enviado para a Presidência da República uma proposta de condecoração como Cavaleiro da Ordem de Avis.

É uma parte deste percurso que este estudo aprecia, há ainda significativas lacunas a preencher, haverá que decifrar o que vai levar este notável epidemiologista a lançarse num empreendimento da única História da Guiné, que dará à estampa dois anos antes de falecer.

A pedido de um seu bisneto, lancei-me neste empreendimento, é empolgante tudo quanto escreveu (fora o que ainda não se conhece), incluindo os seus comentários quando foi delegado de saúde na Ilha do Fogo, no auge do conflito mundial.

A apresentação deste estudo será precedida, em homenagem à sua memória, a uma visita à Sala da Índia, seguindo-se uma passagem pela Sala de Portugal para visitar os tesouros artísticos da Índia portuguesa, visita que decorrerá entre as 15h30 e as 16h00.

A sessão de apresentação contará com Valentino Viegas, professor universitário aposentado, o autor e o comentário final de Aires Barreto, bisneto do biografado.

Seguir-se-á um Porto de Honra.
Por decisão do autor da edição, os participantes receberão gratuitamente um exemplar da obra.
Bolama no tempo em que lá viveu João Barreto, ali se tornou cidadão emérito
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Nota do editor

Último post da série de 22 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25868: Agenda cultural (858): O nosso camarada Fernando de Jesus Sousa, (ex-1.º Cabo At Inf DFA da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71), vai estar presente no próximo dia 24 de Agosto, sábado, às 18 horas, na Feira do Livro do Porto, Jardins do Palácio de Cristal, para uma sessão de autógrafos no Pavilhão 118

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25732: Historiografia da presença portuguesa em África (431): João Vicente Sant’Ana Barreto, e o estado da Saúde na Guiné, vai para um século (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Foi uma surpresa, numa memória destinada a uma exposição internacional, o oficial médico João Barreto, autor da única História da Guiné na área da Saúde, redige um curto ensaio sobre a climatologia e nosografia (classificação das doenças) na Província da Guiné, num impressionante desacordo do que redigiu, por exemplo, no seu relatório apresentado em 1927 à direção dos Serviços de Saúde e Higiene, houvera uma missão para averiguar se a doença do sono existia ou não entre as populações indígenas da colónia, e ao mesmo tempo proceder a inquéritos sobre outras doenças, tendo concluído que na circunscrição de Buba a doença do sono existia de uma forma endémica, a extensão da tripanossomíase era enorme, havia casos de lepra em Bolama, como de elefantíases, ora o que o leitor tem pela frente nesta memória é uma imagem tranquilizadora e de uma quase inexistência de doenças, estamos a falar do mesmo médico no referido relatório apresentado em 1927, propõe a criação de uma brigada médica com caráter permanente, de forma indispensável a erradicar a tripanossomíase. Fica-se com a ideia que o Dr. João Barreto, por iniciativa própria ou a pedido, resolveu uma imagem altamente positiva da profilaxia, do sistema de vacinação e do bom funcionamento dos serviços. Felizmente que está escrito o contraditório...

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, e o estado da Saúde na Guiné, vai para um século

Mário Beja Santos

No mesmo ano em que Armando Augusto Gonçalves de Moraes e Castro publica o anuário da Guiné de 1925, é dado à estampa uma memória da sua responsabilidade destinada à Exposição Colonial Interaliada de Paris. É no âmbito dessa publicação que aparece um texto da responsabilidade de João Vicente Santana Barreto, oficial médico, diretor do Laboratório de Análises do hospital civil e militar de Bolama. A sua intervenção intitula-se Climatologia e Nosografia. Começa por referir que a província apresenta os característicos dos climas tropicais, a média da temperatura atmosférica, à sombra, em mês algum é inferior a 20º C; não há altitudes ou ocidentes geográficos notáveis; do ponto de vista térmico podem distinguir-se na Guiné uma zona marítima, compreendendo o arquipélago dos Bijagós, a qual se faz sentir a ação moderada do oceano, e uma zona continental em que a média de temperaturas máximas é mais elevada, assim como a diferença entre estas e as mínimas. Dá conta do funcionamento do observatório meteorológico de Bolama, dirigido por um oficial da Marinha, o resumo das observações é publicado no mapa mensal no Boletim Oficial da Colónia; alude seguidamente às duas épocas bem distintas (seca e chuvas), tece observações sobre a temperatura atmosférica e as chuvas, é com base nestes elementos que elencas as seguintes considerações:
“Podemos concluir que esta Província não tem condições muito favoráveis para aclimatação e fixação definitiva do elemento europeu, mas nada há que obste a sua permanência mais ou menos prolongada nesta colónia, quer como funcionário quer como colono, sobretudo depois dos melhoramentos sanitários introduzidos nos últimos anos e com uma compreensão mais nítida dos deveres da profilaxia individual.
Verifica-se que não existe na Guiné muitas das endemias que em geral se encontram nas regiões tropicais. Os principais factores que se opõem à fácil aclimatação do europeu nesta colónia são o elevado grau de temperatura e humidade atmosférica e o paludismo endémico.
É evidente que um individuo da raça branca adaptado ao clima temperado ou frio e transportado para um meio em que raras vezes o termómetro chega a 22º C, não pode deixar de manifestar sinais de anemia e debilidade nervosa, que se traduzem por uma rápida diminuição da atividade funcional e das faculdades de trabalho.

É o paludismo a doença que mais de perto interessa o imigrante europeu. Felizmente a luta contra esta endemia é relativamente fácil na Guiné, porque a grande parte da sua população, que é indígena, conserva-se totalmente indemne às febres palustres. A malária domina entre os imigrantes estranhos à colónia, os europeus, os cabo-verdianos e em especial entre as crianças mestiças. São essas crianças o principal reservatório do hematozoário que nelas se desenvolve admiravelmente, favorecido pela ausência da higiene e profilaxia antipalustre e ainda pela falta de tratamento convenientemente dirigido. Sob o ponto de vista restrito da malária, as crianças mulatas são o reservatório permanente do parasita que o Anófeles vai buscar para o inocular nos imigrantes.”
E refere as medidas especiais para combater a endemia palustre, enunciado os diplomas.

E repertoria as principais doenças existentes na Guiné: varíola - não é endémica, só aparece sob a forma de pequenas epidemias localizadas a uma ou mais tabancas (o indígena aceita a vacinação preventiva sem relutância); peste - não é nem nunca foi endémica, em 1921 esta doença foi importada do Senegal e localizou-se na vila de Cacheu, a partir dessa data até hoje não se encontraram quaisquer indícios da doença, quer no homem quer nos animais; cólera - não consta ter havidos casos dessa doença; febre amarela - o vómito negro não é nem foi endémico nesta província; lepra – existem algumas dezenas de indígenas portadores da doença; elefantíase - encontram-se exemplos notáveis de portadores dessa enfermidade entre os Manjacos da Costa de Baixo e regiões vizinhas, fora das quais é mais raro encontrarem-se casos em número apreciável; tripanossomíase - não consta ter-se verificado a existência da doença do sono, quer pela observação clínica, quer pelos exames laboratoriais; parasitas intestinais - além das vulgares lombrigas, encontram-se amibas disentéricas; febres tifoides e paratifoides - nas estatísticas nosológicas da Guiné encontram-se um ou dois casos de febres tifoides, mas é fácil verificar que se trata de doentes importados, casos autóctones de febres paratifoides só se registaram três, em 1921, na vila de Cacheu.

“De tudo isto é lícito concluir que a malignidade do clima da Guiné é uma lenda que tende a desfazer-se com o conhecimento mais exato da verdadeira situação da colónia.”


Bissau - Residência do Governador na Fortaleza
Bafatá, utensílios fabricados por indígenas
Bafatá - Rua principal
Bissau - Fábrica de cerâmica
Cacheu - O antigo Forte
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Nota do editor

Último post da série de 3 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25711: Historiografia da presença portuguesa em África (430): João Vicente Sant’Ana Barreto, médico em Bolama (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25711: Historiografia da presença portuguesa em África (430): João Vicente Sant’Ana Barreto, médico em Bolama (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Entrei nesta busca de documentos de João Barreto depois de ter participado numa cerimónia evocativa do autor da única História da Guiné na Casa de Goa. O seu neto Aires Barreto bem procurou saber mais informações sobre este avô que deixou a avó Julieta e a filha Genoveva em transe quando vinda de Margão até Lisboa descobriram que o médico partira para a Guiné com outra companhia. Só se encontrou esta fotografia de João Barreto que aqui se mostra, bem procurei mais elementos, nada se encontrou, é sabido que labutou na Guiné 12 anos, dali partiu altamente considerado, terá sido em Lisboa que pesquisou documentação e escreveu a sua História da Guiné, de que pouco se fala, injustiça habitual, não é recomendável louvarmos os pioneiros... As peças científicas existentes é este relatório de 1927, o artigo que escreveu sobre a doença do sono da Guiné em 1926 para a revista da Agência Geral das Colónias e a sua colaboração para um artigo sobre craniometria na Guiné Portuguesa, terá sido o fornecedor da matéria-prima, recolhida no cemitério de Bolama.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, médico em Bolama (2)

Mário Beja Santos

O primeiro trabalho que se conhece de João Barreto é o seu relatório apresentado em 1927 à Direção dos Serviços de Saúde e Higiene, será publicado pela Imprensa Nacional da Guiné, Bolama, em 1928. Ele é diretor do laboratório de análises do Hospital Civil e Militar de Bolama. Barreto faz parte de uma missão que procedeu a estudos que tinham por fim averiguar se a doença do sono existia, ou não, entre as populações indígenas da colónia; e, ao mesmo tempo, praticar a vacinação antivariólica e proceder a inquéritos sobre outras doenças tais como lepra, filarioses, bilharzioses, etc.

Confesso que me dou muito bem com estilo narrativo de João Barreto, este seu relatório sobre a doença do sono, apresentado à Direção dos Serviços de Saúde e Higiene da Guiné, é um modelo de rigor e até de divulgação científica: explica a missão, quem nela intervém, os inquiridos e aonde, o que historicamente se conhece da doença do sono, as outras doenças tropicais com que os médicos da missão se confrontarão, desde as elefantíases à lepra, o modo como se executou a missão diante colheitas de sangue, vacinação antivariólica, captura de insetos hematófagos. E para comprovar que conhece o contexto em que está a trabalhar não só descreve ao pormenor a demografia da circunscrição de Buba como esclarece que naquele local ocorreu uma guerra devastadora, a do Forreá, que teve um impacto económico medonho, arrasou as grandes promessas de uma agricultura próspera no Sul.

Este gosto pela análise histórica e observação social a propósito da demografia levam-no a escrever as razões do despovoamento e abandono daquele território da circunscrição de Buba, onde encontraram grande número de crianças doentes, e nem sempre é claro que uma boa parte dessas manifestações de doença possam ser atribuídas à doença do sono. E escreve:
“Os poucos elementos por nós colhidos não nos habilitam a tirar conclusões se há um parasitismo crónico entre os Fulas de Buba e se esta endemia contribuiu para o abandono da região. No entanto, há um facto que não podemos deixar de prestar atenção.
Dentro da colónia da Guiné notam-se duas regiões em que o decrescimento da população se acentua progressivamente não tendo até hoje quaisquer medidas de ordem administrativa conseguido evitar o seu lento abandono.

Estas zonas estão situadas uma, ao Norte do rio Cacheu, compreendendo quase toda a circunscrição de S. Domingos, e, outra, entre as sedes administrativas de Buba e Cacine, abrangendo os territórios banhados pelos rios Bolola, Tombali, Cumbijã e Cacine. Ora é precisamente nestas duas zonas desabitadas pelos indígenas que a produção e desenvolvimento das glossinas parece ter atingido o máximo da sua intensidade; e esta aparição exagerada da mosca, quer a consideremos como mera coincidência quer como elemento causal do despovoamento, não é de molde a favorecer a fixação do indígena.”


Este relatório vai culminar com a apresentação de providências sanitárias, que João Barreto enumera assim:
“Reconhecida a existência da tripanossomíase humana dentro das nossas fronteiras, cabe-nos o dever de organizar um plano de combate dessa endemia. Não vamos enumerá-las, uma por uma, porque nos parece desnecessário transcrever para aqui aquilo que já está escrito e assente entre os tratadistas.
Podemos estabelecer um programa completo de campanha anti-hipnótica socorrendo-nos das lições que as autoridades sanitárias portuguesas têm colhido com a prática destes serviços nas colónias de Angola, S. Tomé e Príncipe.

A execução destas providências na colónia está dependente de uma medida fundamental, que é a criação de uma Brigada Médica com caráter permanente, especialmente destinada a este fim, tornando-se, porém, obrigatória a inclusão da respetiva verba no orçamento ordinário da colónia. Esta Brigada Sanitária, constituída por um médico, dois enfermeiros e pessoa auxiliar, fixaria a sua sede em Cacine ou Buba, teria por missão, percorrer especialmente ao longo da fronteira, as circunscrições de Buba, Cacine, Gabu, Bafatá, Farim e S. Domingos, a fim de descobrir e tratar os indígenas atacados da doença do sono, executar as medidas agronómicas para a destruição ou afastamento das glossinas, mosquitos e outros insetos hematófagos; defender a fronteira terrestre contra a invasão de moléstias contagiosas, podendo também auxiliar a Polícia Pecuária contra a importação das epizootias; proceder à vacina antivariólica; tratar as doenças endémicas como, por exemplo, a boba e sífilis.”


Recorde-se que João Barreto já escrevera grande parte destas sugestões para limitar a doença do sono no artigo intitulado “Doenças do sono na Guiné Portuguesa” publicado no Boletim da Agência Geral das Colónias, ano 2.º, n.º 11, mais de 1926.

Temos agora a referência à sua colaboração no trabalho “Contribuição para o estudo antropológico da Guiné Portuguesa”, publicado em Coimbra na Imprensa da Universidade em 1932, onde se diz expressamente ser o primeiro trabalho acerca da craniometria dos indígenas da Guiné Portuguesa. Recorde-se que nesta época existia doutrina, hoje totalmente contestada e abolida, que a craniometria permitiria conhecer as diferenças rácicas, chegar ao conhecimento dos indicadores de inteligência, etc., houve filosofia nazi neste sentido, o objetivo era conhecer as características dos homens superiores e das raças inferiores. O capitão médico João Barreto foi o fornecedor de um conjunto de crânios que os outros dois autores do artigo, Pires de Lima e Constâncio Mascarenhas, introduziram informação de índole craniométrica.

Nada mais conhecemos da obra científica de João Barreto, muito se agradece se o leitor puder contribuir com quaisquer informações sobre outros trabalhos deste historiador amador, autor da única História da Guiné.

Trata-se da única fotografia que se conhece do médio João Barreto, imagem que me foi amavelmente concedida pelo historiador Valentino Viegas aquando do lançamento o opúsculo que lhe dedicou o seu neto Aires Barreto
Mapa étnico da Guiné, seguramente enviado por João Barreto aos seus colegas
Doente portador da doença do sono
A lepra, um flagelo que ainda não está completamente erradicado
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Nota do editor

Último post da série de 26 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25685: Historiografia da presença portuguesa em África (429): João Vicente Sant’Ana Barreto, médico em Bolama (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25685: Historiografia da presença portuguesa em África (429): João Vicente Sant’Ana Barreto, médico em Bolama (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
A partir da circunstância de ter comparecido a uma homenagem dedicada a João Barreto pelo seu neto Aires Barreto e historiador Valentino Viegas, que ocorreu na Casa de Goa, deu-me para procurar conhecer melhor a atividade deste facultativo que veio de Margão para Bolama, e tudo leva a crer que teve um comportamento admirável, de tal sorte que quando partiu para Lisboa foi tratado como cidadão de mérito bolamense. Só encontrei dois trabalhos a que o seu nome está ligado, este relatório sobre a doença do sono, onde a tendência para a investigação histórica já é patente, a ponto, como aqui se faz notar, ele parece um historiador a descrever a guerra do Forreá, e dá razões quase de caráter sociológico para a localização da doença do sono; e outro trabalho que é o primeiro que se escreveu acerca da craniometria dos indígenas da Guiné Portuguesa. Se algum leitor conhecer outra obra de João Barreto, peço-lhe o favor de me informar.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, médico em Bolama (1)

Mário Beja Santos

O primeiro trabalho que se conhece de João Barreto é o seu relatório apresentado em 1927 à Direção dos Serviços de Saúde e Higiene, será publicado pela Imprensa Nacional da Guiné, Bolama, em 1928. Ele é diretor do laboratório de análise do Hospital Civil e Militar de Bolama. Barreto faz parte de uma missão que procedeu a estudos que tinham por fim averiguar se a doença do sono existia, ou não, entre as populações indígenas da colónia; e, ao mesmo tempo, praticar a vacinação antivariólica e proceder a inquéritos sobre outras doenças tais como lepra, filarioses, bilharzioses, etc. Barreto trabalhava com outro facultativo, Fernando Leite Noronha, andaram durante algumas semanas na circunscrição de Buba e concluíram que a moléstia do sono existia entre os indígenas de uma forma endémica. Escreverá mesmo que a extensão da tripanossomíase era enorme. Começa por informar que a referência mais antiga que encontrou da doença do sono na Guiné vinha num relatório enviado em 1885, da autoria de João Pedro Esmael Moniz, descrevendo três moléstias tropicais: a tripanossomíase, a uncinária e a bilharziose. Dirá depois que irão encontrar situações de anasarca, anemia palustre, caquexia palustre, disenteria crónica, doença do sono, febre perniciosa, febre renitente palustre e febre biliosa hematúria. Barreto faz um vasto reportório de informações retidas de diferentes serviços sanitários, à escala internacional.

Deverá ter incomodado os decisores políticos da época ao dizer coisas como estas: “Pode dizer-se que, até aqui, a função dos médicos na Guiné se tem limitado a assistência clínica à população civilizada e pouca aos indígenas. A parte puramente de investigação científica tem sido bastante descurada, há pouco mais do que a higiene e o saneamento da colónia.”

A missão médica começou os trabalhos em meados de maio de 1927, visitaram primeiramente povoações indígenas da ilha de Bolama, uma inspeção superficial a Mancanhas, mas a repartição de saúde deu instruções para marcharem imediatamente para Buba. “No desempenho das nossas funções clínicas tivemos conhecimento de três casos de lepra na ilha de Bolama, casos de elefantíases, admitia-se haver casos de tuberculose e não se encontraram casos de bilharziose.” Visitaram em Buba quase todas as tabancas, procedendo à inspeção médica dos indígenas para a verificação clínica da doença do sono, elefantíase, lepra e qualquer outra doença suspeita; fizeram colheitas de sangue, procedeu-se à vacinação antivariólica e à captura de insetos hematófagos, em especial, glossinas.

João Barreto não deve ter resistido à ideia de que cabia ali lugar apresentar dados de investigação histórica, dado o quadro demográfico da região em análise, a circunscrição de Buba, quis fazer a quem o lia um relato da história recente, vale a pena lê-lo com atenção:
“Entre os diferentes fatores que podem contribuir para a despopulação de um território, cremos que na circunscrição de Buba deveriam ter atuado dois mais importantes: um ligado à política e à administração indígena, e outro, à insalubridade da região. É de data recente a infiltração dos Fulas-Forros entre os Biafadas do Corubal. Tendo-se estabelecido pacificamente como colonos, tributários daqueles, os Fulas foram aguardando uma ocasião oportuna para se libertarem dos seus senhores e essa ocasião foi-lhes proporcionada por um régulo Biafada que solicitou auxílio dos Fulas para castigar a rebeldia da tabanca de Bacar Guidali, construída em 1852 por uma fidalga Biafada. Os Fulas-Forros não só prestaram auxílio na destruição da tabanca referida, mas acabaram por expulsar os Biafadas de uma e de outra margem do Corubal, organizando um regulado independente a que deram o nome de Forreá, isto é, terra de liberdade.
Mas no intuito de satisfazer os principais cabos de guerra, a região foi dividida entre os chefes, Bacar Guidali, Bacar Demba (eleito régulo), Sambel Tombon e Ogô Maná, de que resultou, como era de prever, uma série interminável de lutas e rivalidades.

Alguns comerciantes portugueses estabelecidos de 1874, na margem direita do rio Bolola, lembraram-se então de, para garantia das suas vidas e haveres ameaçados, pedir ao Governo de Bissau uma força armada em 1879, datando desse ano o estabelecimento de presídio militar de Buba.
Não tardou, porém, que as dissidências entre os Fula-Forros, Fulas-Pretos, Futas-Fulas e Biafadas destruíssem esta relativa prosperidade. Desde 1880 a 1890, poucos meses decorreram sem que os comandantes militares de Buba tivessem de registar assaltos às tabancas, raptos de mulheres, roubos de gado, mortos, assassinatos e guerras, entre as diversas tribos capitaneadas por Bacar Guidali, Paté Coiada, Paté Bolola, Daman Iaiá e outros. Essas lutas, pondo a região toda em estado permanente de guerra, acabaram por dizimar uma grande parte da população pela morte, fome e fuga, e só tiveram fim depois da derrota de Paté Coiada por intervenção do Governo português. Pode-se, por isso, dizer que há pouco mais de 20 anos esta região entrou num período de normalidade.
Os factos que acabamos de expor parece-nos terem sido causa principal dos despovoamento e abandono desse território aliás fértil.”


E muda de linha de observação, temos agora o médico tropicalista: “Há nesta região um outro facto que chama desde logo a atenção do observador: é o grande número de crianças portadores de poliadenites e de cicatrizes da extração de gânglios submaxilares. As adenites suboccipitais observadas nessas crianças poder-se-iam em grande parte às dermatoses do couro cabeludo. Quanto à hipertrofia dos gânglios cervicais e submaxilares observada em 80% das crianças examinadas, não nos foi fácil encontrar uma explicação plausível e parece-nos que este assunto tem de ser estudado demoradamente. Os indígenas atribuem-na invariavelmente à doença do sono. Até que ponto é verdadeira esta hipótese?”

Barreto procura uma explicação para esses fenómenos, há um facto merecedor de atenção, como ele pretende analisar:
“Dentro da colónia da Guiné notam-se duas regiões em que o decrescimento da população de acentua progressivamente, não tendo até hoje quaisquer medidas de ordem administrativa conseguido evitar o seu lento abandono e despovoamento.
Estas zonas estão situadas uma ao norte do rio Cacheu, compreendendo quase todas a circunscrição de S. Domingos, e outra, entre as sedes administrativas de Buba e Cacine, abrangendo os territórios banhados pelos rios Bolola, Tombali, Cumbijã e Cacine. Ora, é precisamente nestas duas zonas desabitadas pelos indígenas que a produção e desenvolvimento das glossinas parece ter atingido o máximo da sua intensidade; e essa aparição exagerada da mosca, quer a consideremos como mera coincidência quer como elemento causal do despovoamento não é de molde a favorecer a fixação do indígena nem tão pouco dos seus rebanhos, pela facilidade da transmissão das tripanossomíases animais, podendo ser que este último facto tenha levado os indígenas a procurarem de preferência localidades menos visitadas pelas glossinas.”

Trata-se da única fotografia que se conhece do médico João Barreto, imagem que me foi amavelmente concedida pelo historiador Valentino Viegas aquando do lançamento o opúsculo que lhe dedicou o seu neto Aires Barreto
Mapa étnico da Guiné, seguramente enviado por João Barreto aos seus colegas
Crânios enviados por João Barreto para o trabalho de equipa, tratou-se de um artigo em homenagem ao professor J. Leite Vasconcelos

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 19 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25659: Historiografia da presença portuguesa em África (428): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (7) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25659: Historiografia da presença portuguesa em África (428): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (7) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Deu-me grande satisfação reler esta obra, a primeira e única História da Guiné, isto a despeito de algumas sínteses que lamentavelmente não têm merecido a devida ênfase, como as de Alberto Banha de Andrade e José da Silva Horta e Eduardo Costa Dias, por exemplo, isto para já não falar no trabalho de Teixeira da Mota, no âmbito de uma monografia de 1954, que continua a ser um trabalho de referência. João Barreto era um médico tropicalista, com o posto de capitão, trabalhava nos serviços de saúde em Bolama, ao fim de 12 anos de Guiné veio para Lisboa, aqui escreve a sua História da Guiné. Revela dedicação e esforço documental. É evidente que aos olhos de hoje são facilmente detetáveis as lacunas e imprecisões, ainda não havia no seu tempo o vasto reportório das literaturas de viagens, nomeadamente dos séculos XVI e XVII, veio depois ao de cima a documentação constante no Arquivo Histórico Ultramarino sobre o período de Cacheu, mas vê-se que trabalhou afincadamente para nos dar uma imagem diacrónica da nossa presença, nunca escondendo que foi ténue até ao século XIX, que a metrópole para ali mandava o rebotalho social para as praças e presídios, que demorou tempo demais a adaptar a economia findo o comércio negreiro. E mais do que a título de curiosidade, vamos agora conhecer a sua obra de médico em Bolama.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (7)

Mário Beja Santos

Data de 1938 a História da Guiné, 1418-1918, com prefácio do Coronel Leite Magalhães, antigo governador da Guiné. Barreto foi médico do quadro e durante 12 anos fez serviço na Guiné, fizeram dele cidadão honorário bolamense. Médico, com interesses na Antropologia e obras publicadas sobre doenças tropicais, como adiante se falará.

Já estamos sob o regime republicano, é nomeado o Segundo-Tenente Carlos Almeida Pereira, a Guiné mostra entusiasmo pelo novo regime, irá criar-se a Liga Guineense destinada a promover ideais republicanos. Dar-se-ão alterações, decorrentes do que se modificara nos Códigos Civil e Penal, nas relações da Igreja com o Estado, na reforma ortográfica, até no descanso semanal. Ocorre em maio de 1911 uma epidemia de febre amarela, será considerada extinta no mês de julho seguinte. Carlos Pereira revela-se muito ativo, serão derrubadas as muralhas de Bissau, é feito um contrato com uma empresa britânica para a construção da ponte-cais de Bissau em cimento armado, etc.

Mas as sublevações não dão descanso às autoridades de Bolama. Em 1913, Teixeira Pinto inicia campanhas não só na ilha de Bissau, como em Mansoa, Bissorã e Oio. A última fase acontecerá em 1915, uma coluna de operações contra os Papéis de Bissau, acontecimento que dará imensa controvérsia, serão muitas as queixas de gente lesada com os atos de rapina e destruições perpetradas pelas tropas irregulares de Abdul Indjai, a Liga Guineense critica abertamente Teixeira Pinto, será extinta.

O primeiro conflito mundial abala a economia da colónia, inicialmente, pelo adiante será superada a depressão com o aumento de receitas públicas. Uma nota curiosa deixada na obra de Barreto é esta informação: “Convém acentuar que as operações militares dirigidas por Teixeira Pinto não trouxeram grandes encargos ao tesouro, visto que o emprego dos auxiliares indígenas restringiu consideravelmente as despesas, e estas foram pagas em parte pelos espojos tomados às tribos rebeldes, ao contrário do que aconteceu com as outras campanhas anteriores e posteriores.” E, mais adiante, Barreto observa que o fim da Grande Guerra coincidiu com o fim da ocupação completa de todos os territórios da Guiné, estavam criadas as condições para o seu completo desenvolvimento político, social e económico.

Um ponto curioso desta obra é o capítulo exclusivamente dedicado à atividade militar de João Teixeira Pinto na Guiné. Importa reproduzir o que ele escreve:
“A obra de ocupação completa do território realizada por Teixeira Pinto compreende quatro campanhas: a primeira, de abril a agosto de 1913, contra o gentio de Oio; a segunda, de janeiro a abril de 1914, contra os Papéis e Manjacos de Cacheu; a terceira, de maio a julho, contra os Balantas de Mansoa e finalmente a última, contra os Papéis de Bissau, de maio a agosto de 1915.” Tece comentários acerca do estratagema que ele adotou para conhecer a região de Oio e como se socorreu dos auxiliares de Abdul Indjai e da colaboração de Fulas e Mandingas, caso do régulo Mamadu Sissé, dá-nos conta da pacificação de Cacheu e Costa de Baixo, é minucioso no detalhe, incluindo no relato sobre a derrota dos Papéis de Bissau.

Os três últimos capítulos da obra de Barreto são dedicados à administração da Justiça, às missões religiosas e às finanças. Faz o historial da administração da Justiça a partir do século XV, no final de 1876 começa propriamente a autonomia dos serviços judiciais da Guiné, haverá magistrados em Bolama e em Bissau. Em fevereiro de 1930, o território da Guiné foi desdobrado em duas comarcas, diploma não executado; e em 1933, a sede da comarca da Guiné foi transferida de Bolama para Bissau, “baseado no parecer do Conselho Superior Judiciário, dada a circunstância da quase totalidade do movimento judiciário pertencer à cidade de Bissau e à área da sua influência.”

O capítulo sobre as missões religiosas terá dado seguramente trabalho a João Barreto, ele faz a cronologia dos bispos da Ribeira Grande, da atividade da Companhia de Jesus, como se procurou recuperar o espírito missionário depois da Restauração; os primeiros anos da República foram desfavoráveis ao espírito missionário, mas a partir de 1919 o Governo autorizou a fundação de um estabelecimento católico para a formação de pessoal das missões religiosas. A situação só se inverterá a partir da Ditadura Nacional, a ação dita civilizadora das missões será uma realidade.

Depois de escalpelizar as finanças e a fiscalidade da colónia, entende João Barreto pôr uma nota final onde diz que o presente trabalho é o primeiro livro que pretende abranger todo o passado histórico da província da Guiné, “a nossa terceira colónia em extensão territorial e recursos naturais”. Despede-se do leitor resumindo a história política da Guiné onde ele considera haver cinco períodos. No primeiro, abrangendo cerca de dois séculos, vai de 1446 até à Restauração, 1640 – não houve ocupação territorial nem representantes da Autoridade Real, os Rios da Guiné foram considerados como simples anexo e prolongamento da capitania e Governo de Cabo Verde. O período seguinte compreende também perto de dois séculos que decorrem desde a fundação da capitania de Cacheu até 1834, ano em que a administração da colónia foi centralizada em Bissau. O terceiro período vai de 1834 até à constituição do Governo autónoma da Guiné, em 1879. Começa este período com a ação desenvolvida por Honório Pereira Barreto para a ocupação pacífica do território, e caracteriza-se sobretudo pelas grandes tensões com os franceses no Casamansa e com os ingleses em Bolama. O quarto período decorre de 1879 até 1918, é a fase da ocupação militar, sustenta-se uma luta quase permanente em todos os pontos do território, e quase sempre com falta de recursos. E, por último, a época contemporânea já com a pacificação completa do território.

Finda a apreciação da História da Guiné de João Barreto, vamos agora dedicar atenção à sua obra científica, que incide fundamentalmente nas doenças tropicais e no seu contributo para a antropologia.

Rua de São José, na região da Alfândega, em Bissau, na década de 1890, fotografia da época
Imagem da fortaleza de Cacheu, 2005
Monumento aos heróis da pacificação de Canhabaque, imagem retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, fotografia de Francisco Nogueira, Edições Tinta-de-China, 2016, com a devida vénia
Primeiras instalações do Banco Nacional Ultramarino em Bissau
Ações militares-navais de pacificação realizadas pela Marinha na Guiné
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Nota do editor

Último post da série de 12 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25635: Historiografia da presença portuguesa em África (427): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (6) (Mário Beja Santos)