1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Março de 2016:
Queridos amigos,
Estamos sempre a aprender, estes seis irmãos experimentaram a guerra e juntaram os relatos que forçosamente nos tocam pela ausência de redundâncias e arrebiques, não há para aqui declarações de valentia nem a descarga de azedumes, as coisas foram assim, e ninguém encenou bravatas, há mesmo a propensão para as horas de folia, até há uma descrição humorada de um amanuense que viu em Cacine os lances dramáticos, as sequelas dos ataques a Gadamael, naqueles bravios meses de 1973.
Honra aos Magro, pelo que se lê vieram de boa saúde e guardam o que há de melhor nos tempos de camaradagem que a guerra permite.
Um abraço do
Mário
Os seis irmãos Magro deixaram a casa e foram à guerra
Beja Santos
Trata-se de uma narrativa cativante à volta de seis irmãos nascidos entre 1936 e 1951 que foram até Angola, Moçambique e Guiné participar na guerra, cada um na sua especialidade. Não sei se existe outra família com tal historial. Juntaram memórias que primam pela singeleza e economia descritiva nas diferentes abordagens. Nada de grandes amarguras, nada de mistificações, sente-se que os Magro são folgazões e não querem fazer alarido de bravuras que não viveram. Fazem parte de um arco familiar que nunca foi esquecido, como escrevem:
“Uma casa repleta de juventude e movimento ficou, no espaço de dois ou três anos, vazia, fria, envolta em tristeza, albergando apenas o pai, já viúvo. A mãe, doente, vira partir e apenas regressar um. Foi duro. Já não viu partir o sexto”.
Do mais velho já aqui falámos, o Capitão Miliciano de Artilharia Fernando Magro, que teve responsabilidades em Bissau pelas obras dos ordenamentos. Tinha prestado serviço militar entre 1958 e 1960, foi repescado em 1968. Com a saúde precária, foi colocado em Bissau nos Serviços de Reordenamentos Populacionais, chefiando depois os Serviços do Batalhão de Engenharia 447, tendo acumulado atividades extras. Retomando um texto publicado, lembra-nos que a rapaziada da Engenharia que tinha como funções dar apoio às tropas aquarteladas na Guiné, promovendo o fornecimento de geradores elétricos, orientando e apoiando as obras de reordenamentos populacionais, construindo estradas, pontes e portos de atracagem e até quarteis, também corriam perigos, como nos conta os acontecimentos vividos pelo Furriel Miliciano de Engenharia Pedro Manuel Santos, constante do livro
“A Engenharia Militar na Guiné”, uma emboscada sofrida entre Piche e Nova Lamego, em 22 de Março de 1974, seguiam na coluna militar elementos do Batalhão de Engenharia. Escreve Pedro Manuel Santos:
“Nesta emboscada tivemos 6 mortos, 16 feridos muito graves e 3 feridos ligeiros. Tenho na memória alguns camaradas a respirar pelas costas e já sem vida. Alguns completamente desfeitos. Quando regressei à metrópole senti-me completamente abandonado e entregue a mim próprio. Ninguém me perguntou se estava bem ou mal, se precisava ou não de qualquer tipo de ajuda. Tinha de recomeçar a minha vida”.
A seguir a Fernando vem Rogério, Furriel Miliciano Atirador de Infantaria, em Angola, 1967/1969.
“O Rogério foi dos seis irmãos que prestaram serviço nas ex-províncias ultramarinas o que certamente teve o percurso militar mais duro, como maiores privações e que enfrentou maiores perigos”. Depõe sobre os seus dias em Lumbala, 48 dias a comer rações de combate, não faltaram emboscadas, relata histórias de solidariedade e até ordem de prisão. Para nunca mais esquecer foi uma história vivida em Maio de 1968 em que o mandaram levantar o dinheiro para pagar os ordenados da CCAÇ 1719, andou com a pasta apavorado uma série de dias, um pesadelo quando podiam ter sido alguns dias de férias no Luso.
O terceiro irmão chama-se Dálio, Alferes Miliciano de Engenharia, andou por Moçambique, em Marrupa, entre 1970 e 1972. A despeito da canseira das colunas e dos ataques de abelhas, é o Magro que terá levado a comissão com a maior carga de otimismo e bonomia. Temos depois o caso de Alberto, Especialista da Força Aérea, cumpriu seis anos de serviço militar entre Tancos, Angola e S. Jacinto. Guarda recordações das evacuações, das idas à caça e da operação Siroco, que envolveu tropas especiais.
O mano seguinte é Álvaro, Primeiro-Cabo Auxiliar de Enfermagem, começou em Mansambo, participou numa operação militar, adormeceu e quando acordou viu-se sozinho. O irmão Fernando, Capitão em Bissau, tudo fez para o trazer para o Hospital Militar de Bissau. É por esse tempo que morre a mãe dos Magro, ainda muito nova, foi um abalo para aquela ninhada de oito irmãos.
O último dos Magro, de nome Abílio, foi Furriel Miliciano Amanuense. Deixa-nos um registo do Major Leal de Almeida, amigo do irmão Fernando. Viveu a contragosto o período turbulento dos ataques a Gadamael e de toda aquela gente que se foi recolher a Cacine. Não esqueceu as bombas em Bissau, no café Ronda, no autocarro da Base Aérea e o dia 25 e 26 de Abril em Bissau. Mas divertiu-se imenso, gostou de aprender crioulo, é um belíssimo relato. No termo destas memórias, fecha-se o arco familiar falando dos pais, Acácio Lamares Magro e Adelina de Pinha Valente. Seis irmãos que andaram por várias paragens e que passaram a limpo as suas memórias, sem prosápia nem farronca; dá gosto esta leitura de gente que não precisa de fazer alarde nem teatro nem fantasia do que experimentaram e guardaram para nos contar.
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Nota do editor
Último poste da série de 14 de março de 2016
Guiné 63/74 - P15855: Notas de leitura (816): "Seis irmãos em África", edição de autor, Porto, 2016... Um excerto: "Perdido no mato de Mansambo... por uma hora!" (Álvaro Magro, ex-1º cabo aux enf, CART 3494, Mansambo, e HM 241, Bissau, 1971/74)