Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 4 de setembro de 2024
Guiné 61/74 - P25908: Parabéns a você (2308): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 / BCAV 490 (Mansoa, Bafatá e Jumbembém, 1963/65) e José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Mata dos Madeiros, Bassarel e Tite, 1971/73)
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Nota do editor
Último post da série de3 de Setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25906: Parabéns a você (2307): Luís Gonçalves Vaz, Amigo Grã-Tabanqueiro, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)
domingo, 18 de agosto de 2024
Guiné 61/74 - P25856: Humor de caserna (69): Na Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques na praia, com uns bons nacos de vitela, uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga (Excerto de Armor Pires Mota, "Tarrafo", 1965, pp. 52/53)
Guiné > Região de Tombali > NRP Fragata Nuno Tristão > 14 de janeiro de 1964 > A caminho da ilha do Como, a "ilha maldita". Foi utilizada em apoio de fogo e posto de comando das forças empenhadas na Operação Tridente (jan-mar 1964) para reocupação da ilha de Como.
1. Armor Pires Mota, que nos honra com a sua presença na Tabanca Grande, tem no nosso blogue 100 referências. Para além de ter sido camarada nosso, é um hoje um escritor consagrado, com cerca de 3 dezenas de títulos, entre crónica, poesia, romance e ensaio, um parte dos quais sobre a sua experiência humana e operacional no T0 da Guiné, entre junho de 1963 e junho de 1965.
(i) nasceu a 4 de setembro de 1939, em Águas Boas, freguesia de Oiã, Olivceira do Bairro;
(ii) estudou no Seminário de Aveiro, tendo chegado a cursar teologia;
(iii) abandonou a carreira eclesiástica, em 1961, ano em que revelou o seu talento lietrário com o livro Cidade Perdida;
(iv) enquanto frequentava o ensino liceal em Sangalhos, foi chamado a cumprir o serviço militar;
Alguns dos seus melhores livros, além de Tarrafo - Crónica de Um Alfe5rs na Guiné (2013): A Cubana que Dançava Flamenco (2008); Estranha Noiva de Guerra (2010).
(...) As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.
"Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha". (...)
Reproduzimos hoje duas páginas deliciosas da edição de 1965 (pp. 52/53), em que o Armor Pires Mota também revela o seu talento como humorista... Afinal, no decurso da Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques, com uns bons nacos de vitela, uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga...Nem tudo foi só guerra na ilha do Como que o PAIGC, com a sua habitual lata, chegou a proclamar como território da República Independente da Ilha do Como.
E, às vezes, até dá para rir.
− Agarra! Pega essa!
Fonte: In: Armor Pires Mota: Tarrafo: crónica de guerra. Aveiro, 1965, edição de autor (livro retirado do mercado, por ordem da censura), pp. 52-53. Excerto da parte 2 [Operação Tridente, Ilha do Como, Janeiro-Março de 1964]. Cortesia do autor.
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Último poste da série > 27 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25689: Humor de caserna (68): Passa-palavra, furriel Canhão à frente! (Alberto Branquinho)
sexta-feira, 12 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25737: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte II: 15 minutos, de ferro e fogo, no K3, em meados de 1963
Foto nº 6B
1. O José Álvaro Carvalho, 85 anos, natural de Reguengo Grande, Lourinhã, entrou recentemente para o nosso blogue. Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*).
Não dispondo da sua caderneta militar (diz que nunca a teve), o Zé Álvaro (como eu o trato, afetuosamente), não sabe exatamente em que data chegou ao CTIG, para render um alferes de uma companhia de intervenção, sediada em Bissau. Aponta para a primavera de 1963, escassos depois da guerra ter "oficialmente" começado, na "narrativa" do PAIGC, com o ataque a Tite, na região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963.
Já estava há 26 meses na tropa. E deve ter cumprido mais uns 26 ou 27, no CTIG, entre o primeiro trimestre de 1963 e o segundo semestre de 1965. Passou por Bissau, Olossato e Catió, aqui já a comandanr um Pel Art / BAC, obus 8.8 (a duas bocas de fogo).
O alf mil Maurício Saraiva, nascido em Sá da Bandeira, quando ainda frequentava o curso de comandos, em Luanda, em 1963. Foto de Virgínio Briote (2015) |
Pelas nossas contas (e apenas com base dos livros da CECA), essa companhia para a qual ele terá ido, inicialmente, em rendição individual, pode ter sido a CCAÇ 273 (mobilizada pelo BII 17, Angra do Heroísmo): esteve no CTIG desde janeiro de 1962 e acabou a comissão em janeiro de 1964. (Nessa altura, a comissão na Guiné era de 24 meses.)
"Após confirmar por rádio para o QG as ordens que acabara de receber, desviou a marcha no sentido da povoação de O[lossato] , entrando na região onde a guerrilha tinha começado a atuar recentemente e era constituída por um polígono com cerca de 120 kms de comprimento na sua maior dimensão e oitenta na outra , cuja principal estrada, que o atravessava em diagonal, estava obstruída por árvores derrubadas assim como todos os pontões e pequenas pontes já destruídas que atravessavam as linhas de água, que eram muitas em todo o território por ser este a foz dum rio importante, que se dividia por grandes e pequenos canais que se ligavam e entrelaçavam entre si." (...)
Guiné > Carta da Província (1961) (Escal: 1/500 mil) > Posição relativa do Olossato, em pleno coração da região do Oio... Do Olossato a K3 / Saliquinhedim eram c. 20 km por estrada. (A ocupação de Saliquinhedim ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá foi feitta pela CCaç 1421 no final do ano de 1965.)
− Eles aí estão, meu Alferes!!!
Choviam tiros por todo o lado. As metralhadoras dos postos principais matraqueavam o mais que podiam à medida que aumentavam os pec-bum dos disparos contrários.
Pegou numa granada de mão e, curvado, correu para o posto mais próximo.
−Deixem-nos vir!!!
As metralhadoras calaram-se. As palmeiras suavam humidade, indiferentes aos homens e aos ruídos da noite.
Ouviam-se rebentamentos ao longe.
− Estão a estoirar com os acessos!!!
Tinham medo que alguma ajuda fosse pedida, mas não corriam esse risco. À noite o teto de nuvens era tão baixo que o rádio só emitia ruídos.
Chamou o furriel mais próximo.
− Não quero mais tiros! Deixem-nos chegar à vedação e depois acendam as luzes exteriores e abram fogo de novo. Por cada tiro quero um homem ferido ou morto! Se se vão embora sem "levar na tromba", amanhã estão cá de novo!
No dia seguinte:
− Encontrámos alguns rastos de sangue.
− Quantos?
− Quatro.
− Já não foi mau.
O sol a pique aquecia a humidade excessiva, para que as plantas vivessem prósperas, numa inundação de verdura que era preciso destruir diariamente, à volta do celeiro de amendoim, único edifício do aquartelamento.
Durante o dia, a carne dos homens ficava mole. Ainda bem que só havia ataques à noite.
Era a hora do rancho. Os quinze homens do pelotão desfalcado, os nove da secção que o reforçava e os quatro condutores juntaram-se à volta das panelas fumegantes na cozinha de campanha instalada ao fundo do edifício, para receberem a sua ração e irem em seguida para a mesa de refeições, num compartimento separado por divisórias de esteira com 2 metros de altura como todos os outros que formavam as instalações do pelotão.
O impedido aproximou-se:
− Meu Alferes, o jantar está pronto.
Trazia-lhe a amostra: sopa de feijão, batatas com bacalhau, bolachas, café instantâneo e vinho.
Provou e disse:
− Está bom.
Sentado com os três furriéis à volta duma mesa de caixotes, aguardava em silêncio que o impedido lhe trouxesse a refeição, a pensar que o tempo nunca mais passava.
O operador rádio trouxe-lhe uma mensagem cifrada do pelotão do alferes que comandava uma guarnição a Norte, a guarnição de B [Bigene], que havia pouco tempo ali tinha estado a contar-lhe do almoço com o comandante da lancha patrulha do rio C[acheu]
Tinha-lhe dito que esse comandante era uma óptima pessoa, uma vez que, mesmo sem o conhecer, tinha atracado a lancha no cais e convidara-o para um excelente almoço.
Na referida mensagem indicava-se em pormenor todo o percurso dos guerrilheiros treinados num campo junto à fronteira do S [enegal]. que passavam na região Norte, atravessavam no rio junto à povoação de K[3], onde recebiam apoio logístico e seguiam depois por um trilho a corta-mato até à estrada que passava a alguns km do seu aquartelamento, entrando depois na zona que o inimigo pretendia dominar, lutando por ocupar e controlar um território que lhe parecia estrategicamente propício.
Depois do café disse aos furriéis :
− Vamos arrasar o K[3].
− Fica a 30 kms.
− Por isso não nos esperam.
Levantou-se da mesa e foi fumar um cigarro sentado do lado de fora do edifício. Não havia vento. O calor continuava a encharcar-lhe o corpo. Tinha anoitecido. As estrelas mal se descortinavam por entre a humidade do ar. Devia ser aí que habitavam as coisas certas e decentes. Dentro em pouco viria mais uma das repentinas trovoadas da época, a descarregar água por todo o lado, a inundar tudo.
Já deitado, pensava que com alguma sorte a operação correria bem. O K[3] era a passagem obrigatória dos abastecimentos e dos homens do inimigo, treinados junto à fronteira, que diariamente reforçavam os efectivos da região. Ali se devia esconder todo o apoio necessário à travessia do rio: canoas e barcos de borracha, como dizia a mensagem cifrada. Nas palhotas da aldeia próxima, ouvia-se o choro de crianças assustadas.
Eram 4 horas da manhã. O sargento de ronda que o antecedia, foi acordá-lo:
− Meu alferes, está na hora.
Levantou-se cheio de sono, e acendeu um cigarro que apagou depois de saborear algumas fumaças com força. Deu a volta a todos os postos e parou por fim no último.
− Tudo bem?!
− Tudo bem, meu alferes.
Para lá do arame farpado pouco se via além do reflexo das poças de água onde centenas de rãs coaxavam no silêncio da noite. Sentou-se ao lado da sentinela a sacudir os mosquitos que lhe mordiam o corpo por cima do fato de combate.
Já no seu compartimento, estendeu-se na cama à espera do café.
Pensava nas praias da sua terra, naquela altura cheias de gente e sol e paz. Deu-lhe vontade de rir o facto da vida poder ser tão diferente.
O rádio, em escuta, fazia a zoada do costume. Ouviu o ruído dos homens a acordar e foi até à cozinha.
− Quer provar o café, meu alferes?
− Não, obrigado.
Depois de comer chamou os 4 furriéis ao seu compartimento. Apontou um deles e disse:
− Você entra comigo no centro da aldeia.
Apontando outro disse:
− Você fica no aquartelamento.
Apontando os dois restantes disse:
− Vocês entram à direita e à esquerda. 100 balas a cada homem, quatro granadas de mão, uma ração de combate. Levantar às zero horas, partida à uma. Caras sujas com rolha queimada.
Apontou no mapa e disse:
− Seguimos por aqui a corta-mato durante cerca de 20 kms até onde se situa a estrada que conduz ao K[3].. Nesta altura estamos a 2 kms do objectivo. Seguimos a pé. Os carros estacionam escondidos. Os motoristas aguardam no máximo 8 horas pelo nosso regresso. Se não regressarmos ao fim desse tempo, voltam para o aquartelamento pela estrada. Se forem descobertos ou tiverem suspeitas disso regressam também de imediato. Se mandar retirar e dispersar, o local de reunião será sempre junto do estacionamento das viaturas mesmo depois destas terem partido. O ataque não pode demorar mais do que 15 minutos. Ao fim desse tempo retiramos à minha ordem. Se houver algum tiro prévio que nos denuncie, abandonamos o objetivo, dispersamos e retiramos para o ponto de reunião sem atacar. Vamos entrar de Este para Oeste, destruindo tudo o que for útil ao apoio do inimigo.
Apontou um furriel e continuou :
A humidade diluía o suor, tornando-lhes o corpo peganhento, as roupas pesadas, repulsivas, a cara negra com riscas brancas. Pousavam os pés no chão com todo o cuidado, e investigavam com os olhos, reflexos e sombras. Sabiam bem o que os podia denunciar.
[Ele, o alf Carvalho], seguia à frente com os guias. Em cada curva do caminho levava dois homens e avançava algumas dezenas de metros. Só depois o resto do pelotão avançava.
A terra exalava humidade e calor. Os mosquitos não os largavam há muito. Zumbido enlouquecedor, ávido de sangue quente.
Perto da aldeia, abandonaram a estrada e redobraram as cautelas. O céu, com rasgos de luz menos escura, anunciava os sons da manhã.
Progrediam agora a dois e dois, de abrigo em abrigo. A alguns metros das primeiras cubatas, sentada no chão e encostada a um tronco velho, a primeira sentinela dormitava. Foi engolida em silêncio pelas facas de dois soldados.
Alguns cães ladraram. Farejavam sarilho. Rebentou a primeira granada. Daí em diante foram sombras vertiginosas, respirações de morte, ferro e fogo, gritos, ferro e fogo, confusão, instantes infernais, ferro e fogo, palavrões, guinchos, ferro e fogo, gemidos, correrias, aflições, ferro e fogo, e cubatas a arder reflectidas na água mole e suja do rio e tiros, tiros e explosões.
Veio depois o silêncio da retirada dispersa e rápida, corrida louca para o ponto de encontro junto das viaturas, com tiros ocasionais a persegui-los. Contou os homens já com os motores em marcha. Estavam todos. Regressaram.
Levantou-se. Tomou o pequeno almoço e foi passear pela povoação.
− Bum dia, noss' alfero.
As poucas casas dispostas dos dois lados da estrada faziam-lhe lembrar a aldeia onde tinha nascido.
O inimigo lutava o mais que podia para arranjar simpatizantes e para isso não molestava a população civil, branca ou negra. Só em ultimo caso empregava a força.
Homens e mulheres faziam a sua vida de todos os dias como se nada houvesse, mas, por de trás dos olhos de cada um, lá estava o terror, a duvida, a ansiedade, a insegurança da hora seguinte. Os nervos tensos à espera do mínimo sinal para fugir, recolher ao abrigo possível.
Depois da sesta da tarde, verificou a situação de todas as medidas defensivas instaladas. Esperava uma represália. Passou o resto da tarde a estudar a forma de melhorar as defesas existentes e implementar métodos de ataque em situação de fogo como sair do aquartelamento através de trincheiras etc.
A noite adivinhava-se pesada, escura, trovejante, desagradável. São estas noites que escondem medos e vergonhas, disfarces e desumanidades. Mas não são noites de guerra, porque a falta de claridade dificulta os movimentos.
Pensava em tudo isto depois de dar ordem de prevenção, e se encostar solitário junto ao abrigo duma sentinela.
Estava tudo a postos para mais um jogo de morte.
O pequeno Unimog blindado com chapas de bidão endireitadas, tinha a traseira encostada à porta principal do celeiro de amendoim que servia de aquartelamento.
A corda amarrada ao “cavalo” de arame farpado que na vedação servia de porta, estava estendida no terreiro e entrava no interior do edifício de modo a que daqui, puxando-a, se desobstruísse a entrada e o Unimog pudesse sair.
As metralhadoras das duas portas foram abastecidas com mais caixas de munições. Os dois morteiros, um atrás e outro à frente, entrincheirados também.
Fora enviado para ali porque o destacamento anterior tinha sido várias vezes encurralado no aquartelamento com fogo cruzado inimigo que, após enfiar uma metralhadora a cada porta, se passeava no povoado abastecendo-se nos estabelecimentos existentes, a troco de improvisadas requisições supostamente válidas, alardeando o seu poder e exibindo a sua melhor propaganda.
Tinha esperança de que com o seu pelotão isso nunca acontecesse.
Todas as máquinas de guerra do destacamento luziam limpas e oleadas, possivelmente satisfeitas por poderem vomitar fogo tão frequentemente. Tinham-nas feito para isso.
(*) Vd. poste de 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão
terça-feira, 17 de outubro de 2023
Guiné 61/74 - P24765: Agenda cultural (840): Síntese da minha comunicação destinada à conferência "Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril", realizada nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2023, iniciativa da Câmara Municipal da Torre de Moncorvo (Mário Beja Santos)
Imagens cedidas pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, a quem agradecemos
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2023:
Queridos amigos,
Do programa da conferência não falo, veio publicado no blogue. O que me foi pedido prendia-se com a análise da literatura da guerra colonial, mau conhecedor das literaturas referentes aos teatros angolano e moçambicano, fui-me reportando ao que conheço da realidade da literatura guineense.
Um abraço do
Mário
Síntese da minha comunicação destinada à conferência Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril, realizada nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2023, iniciativa da Câmara Municipal da Torre de Moncorvo
Uma guerra colonial que gerou investigação e largas memórias de diferente ficção
Mário Beja Santos
1. Era inevitável: uma guerra vivida em três frentes, de 1961 a 1975, iria implicar estudos historiográficos, socioeconómicos, abordagens militares, diferentes domínios de investigação, nomeadamente no campo universitário, dando origem a uma vasta multiplicidade de teses e obras destinadas a um vasto mercado, desde o estritamente militar ao do grande público.
2. Mas nem só da investigação vive o homem: há um rol infindável de manifestações literárias: conto, novela, romance, poesia, literatura memorial, reportagem, propaganda para captar populações ou a favor da política do Estado Novo, justificando a gradual intervenção militar, mesmo quando esse regime apresentava tal intervenção como “ações de polícia”;
3. Como é natural, dada a variedade topográfica das três frentes, gerou-se uma literatura com particularidades/especificidades. Há, contudo, questões e conceitos que se podem apresentar como padronizados:
- as despedidas aquando do embarque;
- a viagem tormentosa, com as praças metidas em porão;
- o estado de nervosismo e a expetativa do que se vai encontrar pela frente;
- a chegada, o embate com o clima;
- a deslocação para um lugar ainda desconhecido;
- a adaptação ao meio, por vezes uma intensa participação em obras para melhorar o nível do conforto;
- a tensão nos patrulhamentos, procurar ver o que se esconde no capim;
- o sobressalto da mina antipessoal e mina anticarro;
- os primeiros contactos com a guerrilha;
- o comer mal, a vigilância noturna, as flagelações, etc., etc..
4. As particularidades decorrem do meio, como é óbvio:
- o território da Guiné depende das marés altas e baixas (o território tem uma superfície de 36.125 km2 numas alturas, noutras 28.000 km2);
- é território sulcado por rias e braços de mar, tem de facto só dois rios, o Geba e o Corubal;
- há o tarrafo, que pode ser um inimigo natural implacável, no mínimo intimida, ande-se por terra ou por água;
- há as florestas-galeria, por vezes caminha-se de gatas, surgem inesperados contratempos, podem ser as abelhas, um porco do mato que se atravessa à frente da patrulha, e que provoca pânico;
- há a estação das chuvas, que nos faz adoecer, que aumenta os casos de malária…
- como é evidente, há a ligação entre o militar e as populações, a solicitação do médico ou do enfermeiro ou do maqueiro, angariar professor para a criançada ou para os soldados iletrados; fica-se aterrado quando se vê um leproso ou um ser humano com elefantíase...
5. Tal como os estudos historiográficos, a propaganda apologética, qualquer obra de ficção tem de ser dimensionada pelo tempo em que foi escrita e publicada. Da análise que faço à literatura da guerra colonial da Guiné, consigo distinguir as seguintes fases:
- as obras publicadas até 1974, nelas prepondera o heroísmo e a exaltação das qualidades do soldado português, há situações específicas como um diário que foi publicado no Jornal da Bairrada, em pleno Estado Novo, e quando o autor, também durante esse regime deu corpo a um livro, este foi apreendido pela censura (Tarrafo, de Armor Pires Mota);
- há literatura encriptada, é o caso das obras de Álvaro Guerra; com o 25 de Abril, o azimute muda de direção, crescem as críticas à guerra, há mesmo assassinatos de caráter, e nesta literatura tantas vezes contundente surgem obras que hoje merecem atenção nas universidades, é o caso do romance Lugar de Massacre, de José Martins Garcia;
- tenho para mim que é nas décadas de 1980 e 1990, quando o antigo combatente passa a ter mais disponibilidade e serenidade face aos acontecimentos vividos, que vão surgir obras de inegável valor no campo romanesco;
- é na viragem do século que faz aparição a literatura memorial, hoje a vanguarda desta ficção, é um amplo leque que vai da poesia popular, passando pelos diários, recordações fragmentadas, singelas histórias de unidades militares, e muito mais.
6. Tudo conjugado, temos o campo da investigação, o ensaio antológico, a análise política; e, na sequência diacrónica a literatura da guerra colonial tem de ser apreciada no tempo em que foi escrita e no território em que se combateu. É de uso indispensável, doravante, para ser compatibilizada com o que dizem os factos históricos, pois há imensos relatos que podem servir de contraponto ou validação de documentos: dou o exemplo dos depoimentos de antigos combatentes do BCAV 2867, que combateu na região de Tite (sul da Guiné) nos anos de 1969 a 1970, e que aparecem ao lado de documentação do PAIGC depositada na Fundação Mário Soares.
Poderá dizer-se que na sua generalidade esta literatura não prima pela grande qualidade, mas há um acervo de obras (e noutras capítulos ou parágrafos) que farão obrigatoriamente parte do que melhor se tem escrito na nossa contemporaneidade.
É a análise destes pontos que pretendo fazer e debater neste auditório.
Nota do editor
Vd. poste de 5 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24729: Agenda cultural (839): "Comemoração do Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo", com destaque para a guerra colonial, dias 5, 6 e 7 de outubro (Paulo Salgado)
segunda-feira, 4 de setembro de 2023
Guiné 61/74 - P24616: Parabéns a você (2202): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488/BCAV 490 (Mansoa, Bafatá e Jumbembém, 1963/65) e José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Mata dos Madeiros, Bassarel e Tite, 1971/73)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de Setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24613: Parabéns a você (2201): Luís Gonçalves Vaz, Amigo Grã-Tabanqueiro, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)
domingo, 4 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23584: Parabéns a você (2098): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488/BCAV 490 (Mansoa, Bafatá e Jumbembém, 1963/65) e José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Mata dos Madeiros, Bassarel e Tite (1971/73)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23581: Parabéns a você (2097): Amigo Grã-Tabanqueiro Luís Gonçalves Vaz, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)
sábado, 4 de setembro de 2021
Guiné 61/74 - P22509: Parabéns a você (1988): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488/BCAV 490 (Mansoa, Bafatá e Jumbembem, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Mata dos Madeiros, Bassarel e Tite, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69)
Nota do editor
Último poste da série de 3 de Setembro de 2921 > Guiné 61/74 - P22505: Parabéns a você (1987): Amigo Grã-Tabanqueiro Luís Gonçalves Vaz, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)
sexta-feira, 4 de setembro de 2020
Guiné 61/74 - P21320: Parabéns a você (1862): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 (Guiné, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de Setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21317: Parabéns a você (1861): Carlos Vieira, ex-Fur Mil do Pel Mort 4580 (Guiné, 1973/74) e Luís Gonçalves Vaz, Grã-Tabanqueiro, ex-Fur Mil PE (EPC, 1983/84)
sexta-feira, 3 de julho de 2020
Guiné 61/74 - P21134: Tabanca Grande (496): Gonçalo Inocentes, ex-fur mil, CCAÇ 423 e CCAV 488 / BCAV 490: de rendição individual (1964/65), natural de Angola, reformado da TAP, escritor... Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 810
Fotos (e legendas): © Gonçalo Inocentes (20w0) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem Gonçalo Inocentes, que passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 810
Data: terça, 23/06/2020, 14:47
Luís, encantado com a recepção (*).
Fui mobilizado em rendição individual em Abril de 64 como furriel. Fui direitinho da EPC [, Escola Prática de Cavalaria] em Santarém para a CCAÇ 423 em S. João.
Como eles já tinham um ano de comissão, eu fiquei e fui a seguir colocado na CCav 488 [Bissau e Jumbembem, 1963/65]. Quando eles cumpriram o tempo, eu já tinha mais de 16 meses, pelo que acabei por regressar com eles sem ter cumprido os dois anos. Tive sorte.
Regressei a Angola, onde nasci [, em 1940], para exercer a profissão de Regente Agrícola.
Quatro anos depois fiz a agulha e passei-me para a aviação. O meu primeiro trabalho foi voar para os quarteis do norte para fazer reabastecimentos. Acabei na linha aérea (TAAG) e, com a descolonização, acabei na TAP onde permaneci até ser apanhado por um enfarte cardíaco o que me levou para a reforma.
Aí comecei a escrever, editando a história da Escola Agrícola de Santarém. Depois a história da Sociedade Agrícola da Cassequel, onde trabalhei como técnico [, e onde também trabalhou o Amílcar Cabral, em 1956, como engenheiro Agrónomo].
Depois editei a história de um naufrágio, em 1724, na ilha de Porto Santo, de um galeão holandês.
Assim, meio resumido, aqui vai o meu percurso.
Como página do meu livro da Guiné, atendendo ao período que estamos agora a passar, envio um bem curioso, sem qualquer tiro.
Quanto a livros podem ser vistos alguns no Google em Gonçalo Inocentes (Matheos).
Como fotos segue uma da Guiné tirada no quartel de Brá e outra actual.
Outro alfabravo
Gonçalo
2. Comentário do editor LG:
Camarada Gonçalo, depois de um primeiro poste (*), e da manifestação da tua vontade em ficar "abrigado" sob o nosso poilão (simbólico, as fraterno, mágico, protetor...), cabe-me completar a tua apresentação à Tabanca Grande, conforme mail que já te enviei ontem,
Passamos a ser, contigo, 810, os camaradas e amigos da Guiné... 10% infelizmente já não estão, fisicamente, entre, são aqueles bravos que já partiram para a última viagem...
Camaradas são os de armas, amigos são familiares de ex-combatentes (viúvas, filhos, irmãos), e alguns guineenses ou gente especialmente interessada pela Guiné e pela guerra de 1961/74 (investigadores, etc.).
Faço a tua apresentação, com os elementos que me mandaste, incluindo o pequeno excerto do teu livro ), que reproduzo abaixo).
Vai dando notícias e manda mais colaboração: se achares oportuno podemos abrir uma série para ti, com pequenas histórias / memórias de 1964/65... Ou outras, que achares por bem, de "outras guerras".
Boa saúde, boas escritas, e que os bons irãs da Tabanca Grande te protejam,
Luís Graça
PS - O alferes miliciano e escritor Armor Pires Mota, é também da tua da CCAV 488. Natural de Oliveira do Bairro, região da Bairrada, onde nasceu em 1939, honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande onde tem quase uma centena de referências, Lembras-te dele?
Foto (e legenda): © Augusto Mota (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Pormenor da capa do Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (ModoCromia, no prelo).
A Diarreia
As diarreias, Senhor!
As diarreias são um desequilíbrio que nos deixa completamente desequilibrados porque é como se estivéssemos a desfazer-nos de dentro para fora.
São péssimas quando aparecem e quando aparecem em certos lugares e ocasiões são simplesmente demolidoras.
Há diarreias singulares e surtos epidémicos.
Agora imagine-se um surto de epidémico de diarreia num grupo de combate, no decorrer de uma acção militar nas matas da Guiné. É surreal.
É surreal de facto. Homens caminhando em duas linhas, afastados como é norma, de arma aperrada prontinha a disparar e no silêncio da mata quando nem os bichos se manifestavam, há uma voz sumida que diz: “é agora!”.
Toda a coluna estaca, joelho no chão e o infeliz
afasta-se um metro para o lado, despe as calçasrápido porque não há tempo, observa bem não vá haver uma cobra por ali e, descarrega.
Não há papel e muito menos higiénico, mas há folhas de plantas que usadas com cuidado limpam e não deixam lá formigas.
E segue-se outro e outro, mais outro correndo a vez a todos mas diga-se: o inimigo nunca nos apanhou com as calças em baixo.
Vivi isto nas matas de Quinhará e deixámos para o inimigo um rastro diarreico, malcheiroso, desagradável até para os formigueiros. Autênticas minas que quando pisadas não matam, mas desmoralizam pra caramba.
E lembrei-me disto, porquê? De facto, desde a dita Guerra da Guiné que terminámos de forma vil, que a nossa Governação se tem caracterizado por uma diarreia epidémica e crónica. Quando a coisa é boa para o povo, arruína as contas do estado, logo é efémera. Quando ajuda o orçamento é penosa para os mesmos de sempre, logo é perene.
Até dá a sensação de que houve uma praga pregada que, quanto mais corrermos mais nos borramos e quanto mais pararmos, mais nos dói. (p. 49)
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(*) Vd. poste de 2 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21129: O nosso livro de visitas (205): Gonçalo Inocentes (Matheos), autor do livro "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65", a lançar proximamente pela editora ModoCromia ...
(***) Vd. poste de 6 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16452: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, grã-tabanqueiro nº 726... Especialista em material de segurança cripto (Quartel General, CTIG, Bissau, 1963/66), gerente comercial da Casa Campião em Bissau, agente do Totobola (SCML), agente e correspondente do "Expresso" e de outros jornais e revistas, livreiro, animador cultural, português da diáspora a viver no Brasil há mais de 40 anos...