domingo, 18 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25856: Humor de caserna (69): Na Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques na praia, com uns bons nacos de vitela, uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga (Excerto de Armor Pires Mota, "Tarrafo", 1965, pp. 52/53)


Guiné > Região de Tombali >  NRP Fragata Nuno Tristão > 14 de janeiro de 1964 > A caminho da ilha do Como, a "ilha maldita".
Foi utilizada em apoio de fogo e posto de comando das forças empenhadas na Operação Tridente (jan-mar 1964)  para reocupação da ilha de Como.



Guiné > Região do Oio > Jumbembem >c. 1964/65 > CCAV 488 / BCAV 489 (Bissau, Ilha do Como, Jumbembem, 1963/65) > A padaria


Fotos (e legendas): © Armor Pires Mota  (201). Todos os direitos [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1. Armor Pires Mota, que nos honra com a sua presença na Tabanca Grande,  tem no nosso blogue 100 referências. Para além de ter sido camarada nosso, é um hoje um escritor consagrado, com cerca de 3 dezenas de títulos, entre crónica, poesia, romance e ensaio, um parte dos quais sobre a sua experiência humana e operacional  no T0 da Guiné, entre junho de 1963 e junho de 1965. 


Alguns dados biográficos do autor:

(i) nasceu a 4 de setembro de 1939, em Águas Boas, freguesia de Oiã, Olivceira do Bairro;

(ii) estudou no Seminário de Aveiro, tendo chegado a cursar teologia;

(iii) abandonou a carreira eclesiástica, em 1961, ano em que revelou o seu talento lietrário com o livro Cidade Perdida;

(iv) enquanto frequentava o ensino liceal em Sangalhos, foi chamado a cumprir o serviço militar;

(v) foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano, em 1963, sendo alferes miliciano  da CCAV 488/BCAV 489 (Bissau, Ilha do Como, Jumbembem, 1963/65);

(vi) ainda na Guiné começou a publicar no Jornal da Bairrada o seu diário de guerra, sob a forma de crónicas, que, em 1965, iiria reunir em livro, Tarrafo, que a censura mandou rapidamente retirar do mercado (a guerra é retratada com demasiada crueza);

(vii) em 1974, tornou-se pequeno empresário, depois de trabalhar em várias empresas (Caves Aliança e Handy), mas continuou a escrever, colaborando em diversos jornais e revistas. (Fonte: adapt de Palimage)

Alguns dos seus melhores livros, além de Tarrafo - Crónica de Um Alfe5rs na Guiné (2013): A Cubana que Dançava Flamenco (2008); Estranha Noiva de Guerra (2010).



2. Em  Tarrafo: crónica de uma guerra (edição de 1965)  ele relata, na primeira pessoa do singular, o seu quotidiano como alferes miliciano, da CCAV 488/BCAV 489 (1963/65), primeiro na região do Oio (parte 1), depois na Ilha do Como, durante a Op Tridente (parte 2) e por fim na região de Farim (parte 3). Ninguém até então, como combatente, tinha tido a ousadia de o fazer, combater, escrever e publicar no jornal da terra,

Cotejámos, em tempos, as duas edições de Tarrafo (1965 e 1970):  a nossa preferência foi, inequivocamente,  para a primeira, para a sua escrita espontânea, potente, telúrica, de cronista de primeira água, sem autocensura, que voltou a ser publicad na íntegra na Palimage (dem 2013).

Na edição de 1970, revista, o autor foi obrigado a aceitar  os "cortes" impostos pelos censores da época. A 2ª edição (autorizada) perde em vigor, garra, frescura, autenticidade. 

Uma e outra estiveram esgotadas durante anos. Por isso já aqui publicámos, com a devida autorização do autor,  uma parte de Tarrafo [imagem da capa, no lado direito; edição de 1965].


3. Segundo o nosso camarada Mário Dias, outro cronista da Op Tridente, a luta pela reocupação da Ilha do Como travou-se entre 14 de janeiro e 24 de março de 1964. A ilha, onde não havia qualquer autoridade administrativa portuguesa, fora  ocupada pelo PAIGC logo em 1963.

(...) As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

"Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha". (...)


Reproduzimos hoje duas páginas deliciosas da edição de 1965 (pp. 52/53), em que o Armor Pires Mota também revela o seu talento como humorista... Afinal, no decurso da Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques, com uns bons nacos de vitela,  uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga...Nem tudo foi só guerra na ilha do Como que o PAIGC, com a sua habitual lata, chegou a proclamar como território da República Independente da Ilha do Como.





E, às vezes, até dá para rir.

              − Agarra! Pega essa!


Fonte: In: Armor Pires Mota: Tarrafo: crónica de guerra. Aveiro, 1965, edição de autor (livro retirado do mercado, por ordem da censura), 
pp. 52-53. Excerto da parte 2 [Operação Tridente, Ilha do Como, Janeiro-Março de 1964].  Cortesia do autor.

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3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

29 de novembro de 2014
Guiné 63/74 - P13958:(Ex)citações (254): quando Spínola viajou, com mais 300 homens, na BOR, em 17/3/1969, no decurso da Op Lança Afiada, em pleno Rio Corubal, da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês


Quem não conhece a Guiné não é capaz de perceber porque que razão nas illhas e na foz dos rios podem formar-se praias com centenas de metros de largura, na maré-vazia... E com um meio pode morrer afogado numa canoa aquando do macaréu no rio Geba...

Por outro lado, em grandes operações de limpeza como estas (Op Tridente, Op Lança Afiada...), as NT tropas tiveram ocasião de abater, comer e até levar comsigo vacas, cabritos, porcos...Parece que na Lança Afiada foi um festim... de leitão!...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Havia, na região de Tombali, Pinho Brandão, o Afonso (em Catió) e o Manuel (no Como). Afonso foi morto logo no princípio da guerra, por balantas de Catió, que lhe assaltaram a casa. Era pai da nossa amiga, tabanqueira, Gilda Pinho Brandão e do engº agr. Carlos Pinho Brandão, colega, no Instituto Superior de agronomia, do nosso grande e saudoso amigo Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014).

O Manuel Pinho Brandão (ilha do Como) foi, a par do Álvaro Boaventura Camacho (Cufar), um dos grandes proprietários agrícolas, colonos do sul, região de Tombali, e conhecidos produtores de arroz...É pena não haver histórias de vida destes homens. Com a ocupação da ilha do Como, pelo PAIGC, o Manuel terá ido para Ganjolá, onde havia um pelotão destacado (e onde morreu o meu primo José Manuel Canoa).

O Manuel terá sido desterrado para a Guiné possivelmente no final dos anos 20 ou princípíos dos anos 30. Naquela época a Guiné e Timor eram os piores lugares de desterro.

Foi uma figura evocada pelo Mendes Gomes (que esteve no Como, Cachil e Catió, entre 1964 e 1966), nestes termos:

" O Sr. Brandão, agora, era um velhote, rodeado de filhos e netos que foi gerando, ao sabor das madrugadas de batuque e da liberdade de escolha, sem custos, entre as mais viçosas bajudas da tabanca" (...)<

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjola, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feir

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quem sabe a verdadeira história deste Manuel Pinho Brandão, natural de Arouca, deportado para Guiné ? Há a lenda, e há a realidade... Vamos juntar algumas peças, em próximo poste.