quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25866: Humor de caserna (70): um "tuga"... (de)composto, ou uma estória pícara num almoço fula (Alberto Branquinho, autor de "Cambança final", 2013)



Fonte: Excertos de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 95/96




Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa),
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,
ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".


Um "tuga"... (de)composto

por Alberto Branquinho


Era a segunda vez que o alferes ia almoçar àquela tabanca fula, a convite do Bacar e do Jau, soldados do seu pelotão.

Feitos os cumprimentos às várias mulheres e depois de umas brincadeiras com a garotada, estava o alferes a passear pela morança com os dois soldados, quando as mulheres começaram a chamar para o almoço.

Balaios e alguidares esmaltados estavam já colocados no interior de um círculo de esteiras, colocadas no chão batido. Arroz, muito arroz, peixe miúdo da bolanha em molho de palma, galinha em pequenos pedaços e condimentos.

As mulheres ficaram do lado da casa, com as crianças. No lado oposto o alferes, no meio dos dois soldados nativos. Todos sentados no chão, com as pernas cruzadas, em cima das esteiras e por baixo do telheiro, também feito de esteira.

Começou o almoço e a conversa. As mulheres deram indicações sobre comida e
  
temperos e os homens passaram-nas, em crioulo, ao alferes.

Falaram sobre a última operação, sobre os outros militares, sobre os vizinhos, enquanto as mulheres algaraviavam entre elas, no meio gargalhadas.

Comiam fazendo as habituais bolas de arroz com a mão direita ou esquerda (ao jeito de cada um), que, depois, uma a uma, eram molhadas nos condimentos dos alguidares mais pequenos, acrescentadas do conduto, depois mordidas, mastigadas, engolidas. Toda a gente conversava em fula, exceto quando os soldados falavam com o alferes em crioulo.

As mulheres tinham que se levantar continuamente para obrigar as crianças mais pequenas e fugidias a dar as suas dentadas na bola de arroz ou a petiscar pequenas doses, agarradas entre o polegar e o indicador.

A meio do almoço o alferes notou uns risos abafados e brejeiros de duas ou três mulheres à sua frente. Logo a seguir um dos rapazes, com cinco ou seis anos, levantou-se e colocou-se atrás delas. Com ar enojado e mantendo sempre a sua bola de arroz na mão, começou a olhar o alferes no rosto e, alternadamente, para as pernas. Depois começou a cuspir, cuspir, cuspir para o chão, ao mesmo tempo que limpava, com os pés, as cuspidelas do chão.

O alferes olhou para as suas pernas e viu que o testículo esquerdo se tinha libertado do controle das cuecas e assomava, curioso, espreitando para fora dos calções. Discretamente levantou-se, arrumou o indiscreto como pôde e… tudo voltou ao seu lugar.

O almoço decorreu sem mais incidentes.


(Título,  revisão / fixação de texto: LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25856: Humor de caserna (69): Na Op Tridente, entre ferozes combates, também havia lugar para a boa disposição e até para se fazer uns piqueniques na praia, com uns bons nacos de vitela, uma boa perna de cabrito ou uns ovos mexidos de tartaruga (Excerto de Armor Pires Mota, "Tarrafo", 1965, pp. 52/53)

18 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Alberto, quem disse que "naturalia non turpa" ? O que é natural não envergonha ?... O teu conto é uma delícia, dava para fazer um tratado sobre o "pudor" entre os "tugas" e os fulas... Afinal, o corpo, o vestuário e as noções de compustura e pudor são coisas muito pouco "naturais"...São mais do domínio da cultura do que da natureza...E como tudo muda!... Hoje o xador já chegou à Guiné-Bissau...

Anónimo disse...

Esta é das melhores que por aqui têm passado. Não parece inventado, porque me lembro de situações dessas, em que um tomate saía do seu casulo e isso dava origem a risadas ou a caretas de reprovação.

Carvalho de Mampaá

Maria Alice Ferreira Carneiro disse...

A piada é a reação da criança de seis anos!... A cuspir no chão... Tudo isto e aprendido, ou seja, é cultura...

Anónimo disse...

Caros amigos,
A estoria e verossimil, todavia ha alguns aspectos que carecem de explicacoes:

1_A tradicao fula, fortemente influenciada pela religiao e praticas islamicas das mais conservadoras (Sunitas) nao permite o uso da mao esquerda para comer, mesmo para as pessoas canhotas, consideranda-a impura. Na verdade e a mao esquerda que e usada para a higiene pessoal com a utilizacao da agua que, por isso, nao deve servir de veiculo para a alimentacao, mas como sempre acontece na religiao muculmana, diz-se simplesmente que a mao esquerda e impura, evitando as explicacoes aos leigos que podia nao ser bem entendidas, da mesma forma que, geralmente, diz-se que a carne de porca e impura e, na sequencia, proibida de comer aos fiieis mucumlamnos, no fundo a questao e de ordem sanitaria devido as fortes probabilidades de contaminacao atraves de microbios ou parasitas que, na idade media, provocava serios problemas de saude. As bebidas alcoolicas idem.

2_Comer um prato de arroz nao e a mesma coisa que comer papa (pure) de mandioca (designada entre nos de fufu). Com o pure de mandioca come-se exactamente da maneira que o autor indicou na narrativa, com o prato do pure e do molho separados, mas quando se trata do arroz come-se colocando (juntando) o molho (e eventualmente a carne) no prato do arroz.

3_O estranho comportamento da crianca no caso dos testiculos a vista do Alferes que estava a comer com os chefes da moranca parece-me anormal tendo em conta o rigor que se aplicava, na altura, na educacao das criancas e as fronteiras estabelecidas entre o mundo dos adultos e das criancas/mulheres, a nao ser que o Alferes fosse um grande brincalhao e nao respeitasse os limites/fronteiras sociais estabelecidas na comunidade.

Tambem eu fui crianca fula em localidades que contavam com a presenca de soldados metropolitanos e as nossas atitudes sempre se orientavam com as indicacoes dos mais velhos, mais sobretudo com a postura dos proprios soldados que visitavam as nossas morancas, para os mais serios e introvertidos era o respeito e a devida distancia, para os mais divertidos e extrovertidos eram permitidos todos os tipos de palhacadas.

Cordialmente,

Cherno AB

Alberto Branquinho disse...

Boa noite.
Obrigado, Luis.
Agora sou eu a comentar.
A cena passou-se em Catió, na tabanca fula próxima do quartel, embora bem longe de Príame, onde morava João Bácar Djaló, na saída norte do quartel.
Especialmente para o Cherno, que muito considero e aprecio tudo o que ele escreve e comenta aqui, quero dizer:
- Apesar da impureza da mão esquerda, havia quem a usasse para fazer as bólinhas de arroz, talvez devido à posição que ocupavam, sentados nas esteiras, em círculo à volta dos alguidares com arroz, molhos, peixes pequenos e pedaços de galinha. Ninguém usava prato.
O que consta do meu texto é absolutamente verdade. Nunca o alferes deixou de levar a sério os convites que lhe faziam (e apreciava, convivendo e observando). Estavam homens, mulheres e crianças pequenas e, ainda, crianças de sete/oito anos.

A culpa do acontecido e que deu origem à situação foi do elástico já frouxo da peça de roupa interior, vítima da técnica de lavagem batendo com as peças de roupa nas pedras...

Valdemar Silva disse...

Não tem nada de semelhante, mas lembrei-me do que acontecia quando os nossos soldados fulas tomavam duche no quartel em conjunto com os soldados metropolitanos.
Não sei se por que razão os soldados fulas nunca se apresentavam descontraidamente nus, mas sim recolhendo/escondendo entre as pernas todo o seu "material" ficando parecidos com uma bajuda vista de frente.
Não sei se por razões religiosas, por falta de hábito, de respeito por mais velhos ou por desconhecidos.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os nossos soldados fulas tomavam banho nus, no rio Udunduma, dando grandes saltos... Â frente dos graduados brancos, que eram apenas... dois ou três. Temos fotos de uma cena dessas.

Anónimo disse...

Caro Valdemar,
Era uma tecnica motivada pelo pudor de nao expor o "material" a vista de toda agente e sobretudo na presenca de criancas e/ou estranhos, alguns abusavam tanto da pratica que, as vezes aconteciam deformacoes para toda a vida.

Em contrapartida, os africanos, em geral, tem uma opiniao em como que os europeus, em situacoes semelhantes, protegem a parte de tras, mas nao se importam muito com a parte da frente (caso dos homens) enquanto que as mulheres preocupam-se mais em proteger os seios do que a parte de baixo. Claro que sao estereotipos que nao correspondem a verdade e muitas vezes captadas em cenas de filmes americanos ou europeus, mas como todos os humanos, os africanos tambem tem o direito de se julgar melhores (ver superiores) que os outros para compensar as perdas (ver derrotas) e humilhacoes em outras areas da vida mundana.

Em virtude das condicoes climaticas em que viviam, os africanos nao precisavam fazer uso de muita roupa (um verdadeiro desperdicio de recursos) nao fosse a imposicao colonial nesse sentido, mas tambem nao estavam imbuidos do sentido de pudor que vinha da europa medieval crista nos primeiros contatos com a Africa e o mundo.

Cherno AB

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, és sempre bem aparecido... E 'para mais és um mestre nesta matéria... A propósito do esquerdino ou canhoto (que são 10% a 20% da população mundial, logo uma "minoria"), há ainda na cultura ocidental (felizmente cada menos) um preconceito...

No meu tempo de escola, estava lixado se fosse canhoto... O preconceito é antigo, na nossa cultura judaico-cristã: segundo o evangelho de São Marcos (16:19), Jesus Cristo subiu aos ceús e foi-se sentar "à direita de Deus Pai"... Não sou grande leitor do Corão (que tenho nas minhas estantes de livros), mas deve haver também a preferência do Profeta pela mão direita...

Mantenhas. E que Deus proteja a nossa Guiné, Portugal e o resto do Mundo com ambas as mãos... Luís

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, continuas a ser um grande observador... Essa dos nossos soldados tomarem banho, na presença dos tugas, com o pénis recolhido entre as pernas ("suma bajuda"), está bem observada...

Só tomavámos banho juntos em rios (eu nunca, por causa do risco de bilharziose..., o que era uma incongruência porque cheguei a atravessava bolanhas com água pela cintura)...e tabancas ewm autodefesa, ou outros destacamentos como o do rio Udunduma...

Em Bambadinca os soldados guineenses da CCAÇ 12 ficavam nas duas tabancas que lá havia, à roda do quartel...Em geral, eram mais púdicos do que nós... E nada exibicionistas. E bem podiam sê-lo!...(Alguns, coitados, sofriam de Filariose Linfática ou Elefantíase, como o Abibo Jau, que nunca vi nu!)

Anónimo disse...

Caro Luis Graca,

Exacto, o lado direito, a mao direita, o pe direito, etc... sao considerados positivos (puros) e tudo que se relaciona com a esquerda e negativo (impuro, ilicito). Por exemplo, quando fazemos as ablucoes com agua para a reza (salat) deve-se comecar sempre pelo lado direito (mao e pe direitos), quando nos deslocamos para uma viagem ou simplesmente para tratar de um assunto importante, deve-se iniciar a caminhada com o pe direito e, igualmente, quando se come e a mesma coisa etc... E, se repararem bem, em todas as civilizacoes conhecidas, desde o Egipto antigo, nunca se cumprimenta alguem com a mao esquerda e nunca nos perguntamos sobre as razoes subjacentes mas, curiosamente, nos momentos das despedidas, em algumas comunidades em Africa, e a mao esquerda que e privilegiada, dizem que, para exorcizar os demonios e a ma sorte e garantir um reencontro breve e saudavel. Tudo uma questao de preconceitos sociais e religiosos ancorados no tempo.

Cherno AB

ManuelLluís Lomba disse...

Nos meus tempos de Buruntuma, as mulheres (Fulas e Mandingas) reuniam muito cedo e iam para o Piai, pequeno rio fronteiriço, formavam em fila, as bajudas intercaladas com as mulheres, os balaios eram os seus chuveiros, dizíamos banho à cabaçada.
O patrulhamento das suas margens não era tarefa desejável, e nós madrugávamos, não por causa do inimigo, mas para... mirones do banjo das bajudas.
O levantar dos seus braços era erótico, surgíamos e elas viravam-nos as bundas, voltavam as frentes para o lado do inimigo; atravessávamos o riacho para o território inimigo e elas viravam-nos as bundas, recorrentes na sua manobra...
Oh tempos!
Abraço
Manuel luís Lomba

Anónimo disse...

Caro amigo Alberto Branquinho,

Obrigado pela intervencao e esclarecimento>

Eu fiz as observacoes que achei necessarias, mas sem querer, de forma alguma, diminuir o respeito e a consideracao que tenho pelo seu excelente trabalho de observador e escritor nato que tivemos oportunidade de ler aqui no blogue da TG, a sua honestidade intelectual nunca esteve em causa e a sua descricao do cenario (criancas e mulheres de um lado e homens adultos do outro) e logico e nao se discute. Em Catio viviam e ainda vivem comunidades futa-fulas de diversas origens que podem ter comportamentos que nao sao, necessariamente, iguais aos fulas locais (chamados fulacundas ou fulas de Gabu) dos quais eu faco parte, por isso nao seria de estranhar que pudessem haver algumas circunstancias, comportamentos e condicoes de vida diferenciadas, mesmo professando a mesma cultura e religiao. No entanto, os dois soldados citados (o Bacar e o Djau) sao fulas de Gabu, provavelmente, originarios da zona Leste do territorio (Bafata-Gabu) mas, as mulheres podiam nao ser do mesmo sub-grupo.

Aceite um abraco amigo,

Cherno AB

Valdemar Silva disse...

Lembro-me em Paunca os furriéis, e julgo que os oficiais, estarmos instalados* em casas da tabanca juntamente com os "donos da casa".
Várias vezes fui convidado para comer com eles, em que havia um grande alguidar de arroz com ??? que servíamo-nos com uma colher e o homem grande e os filhos rapazes comiam á mão, as mulheres e raparigas comiam à parte noutra divisão da casa.
A casa era de estilo "reordenamento" com quatro divisões, sendo uma ocupada por os três furriéis de meu pelotão.
Valdemar Queiroz

*a instalação de graduados nas casas da tabanca com a população, foi requisição feita ao abrigo da lei "tempo de guerra".

Alberto Branquinho disse...

Companheiros bloguísticos

CHERNO BALDÉ - Conhecem?
Foi um rapazinho que conheceu os cheiros e o ambiente da guerra colonial (inclusive por dentro de quartel português, onde fez amigos), o rapaz e o adolescente que viu, viveu e conviveu com as convulsões e contradições da transição colónia - Estado independente; que, depois, conheceu a vida no interior daquilo que, então, chamavamos a "cortina de ferro", onde fez formação superior. Regressou, depois, à terra africana natal e aqui tem observado e sofrido outras convulsões (militares, politico-militares e sei lá que mais). Casou na sua terra, tem filhos e estará, agora, na casa dos 60 anos.
CHERNO! Há que aproveitar todas essas vivências e convivências e escrever. Eu não escreveria uma autobiografia, correndo o risco de ser narcisista. Escreveria ficção (ou quase-ficção), misturando imaginação com situações reais, vividas por quem escreve ou que observou sem ser interveniente.

Um grande abraço
Alberto Branquinho

P.S. - A última vez que estive na Guiné, com dois colegas, ao serviço da empresa onde trabalhávamos, regressámos por terra até Susana no "jeep" do Eng. Carlos Schwarz. Daí, no dia seguinte, atravessámos o Senegal (parte) e a Gâmbia e fomos até Dakar, onde apanhámos o avião da Air Afrique para Lisboa. Foi no tempo em que era 1º. Ministro Francisco Fadul, com quem tivemos oportunidade de conversar no gabinete de trabalho.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Belíssima sugestão, Alberto...O nosso irmaozinho Cherno tem uma vida tão "rica", nos seus 60 e picos anos de idade (também é bom não ter "certidão de registo de nascimento", assim um homem pode ter a idade que lhe der na real gana!), e mais do que isso tem um grande talento para a escrita...Acho que pode muito bem pegar no material, fascinante, que o blogue já publicou, dar-lhe a volta, fazer uma "bio", uma narrativa autibiográficacom um "alter ego" para se poder distanciar.... Só precisar de soltar a imaginação... e não se deixar enredar ou prender com o "anedótico" dos lugares, das datas, dos factos, das memórias... Claro que é preciso tempo e vagar, e liberdade económica: o trabalho, as obrigações sociais e profissionais, etc. , não ajudam o escritor a libertar-se, pelo contrário.... A escrita é um exercício de liberdade, mas implica também solidão, sofrimento... Cherno, tens aqui muita gente a querer fazer-te o prefácio ou o posfácio... Venha o livro. Mas não penses agora nestes velhos marretas, mas sim nos teus filhos e netos (que os hás de ter)... Mantenhas. Luis

Cherno disse...

Não tinha registo, mas tenho marcos de orientação que confirmam os factos, por exemplo a data de 1963 marca o início da guerra no Nordeste, a nossa zona, depois de aquecer o Oio, Colla e Caresse. Quanto atacaram a nossa aldeia, Sintchã Samba-Gaia aliás Luanda, eu e o meu irmão mais velho, fugimos, com os nossos pés, na companhia da nossa Avó materna. Na altura já tinha a idade da memória, isto é 4/5 anos. Não ter o registo certo, também tem seus inconvenientes porque se todos os da minha idade (de verdade) já se reformaram, eu só este ano vou poder fazê-lo.

Eu não penso escrever livro de memórias, pois não me considero nenhum herói e não vejo nada de especial no meu percurso que é o mesmo de milhares dos meus concidadãos que tiveram o azar de nascer, precisamente, naquela época e naquela terra, ao menos se tivesse feito a vida militar e tivesse participado não como vítima, mas protagonista no conflito. Os soldados que fizeram aquele percurso e participaram em batalhas épicas como o cerco de Guidaje, Kumbamori, Guileje, Gadamael ou Canquelifa, esses são heróis vivos , merecem e são dignos de deixar as suas memórias para a posteridade. Todos os homens que nasceram até o século 20 e não foram guerreiros, soldados e marinheiros sabem perfeitamente que faltou alguma coisa nas suas vidas, nos seus currículos de homens. A partir deste século tudo será diferente e cada vez haverá menos homens e menos verdade.

Cherno AB

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, permito-me discordar de ti:

(...) Eu não penso escrever livro de memórias, pois não me considero nenhum herói e não vejo nada de especial no meu percurso que é o mesmo de milhares dos meus concidadãos que tiveram o azar de nascer, precisamente, naquela época e naquela terra (...)

A maior parte dos "heróis" nunca escreve, nem escreveu, nem escreverá livros... E afinal quem é "herói" ? Alguma vez chegaremos a um consenso sobre o conceito ? Tu, que nasceste no seio de um povo de pastores, místicos e guerreiros, terás um conceito completamente do meu sobre o "heroísmo"... Mas não é o lugar para discutirmos isso...

(...) Ao menos se tivesse feito a vida militar e tivesse participado não como vítima, mas protagonista no conflito... Os soldados que fizeram aquele percurso e participaram em batalhas épicas como o cerco de Guidaje, Kumbamori, Guileje, Gadamael ou Canquelifa, esses são heróis vivos , merecem e são dignos de deixar as suas memórias para a posteridade." (...)

O PAIGC tem teve tempo de fazer a lista dos seus "heróis" ? Ou foram os comissários políticos que decidiram quem foi ou não herói ? Amílcar Cabral não teve em nenhum dessas batalhas, e até duvido que tenha dado algum tiro, a não ser para a fotografia...

(...) "Todos os homens que nasceram até o século 20 e não foram guerreiros, soldados e marinheiros sabem perfeitamente que faltou alguma coisa nas suas vidas, nos seus currículos de homens. A partir deste século tudo será diferente e cada vez haverá menos homens e menos verdade." (...)

Cherno, não fizeste a "guerra de libertação" nem sequer te identificas com os "senhores da guerra" que os "dgidius" do futuro recordarão para os teus netos... (será que a sua memória resiste à erosão do tempo e à prova dos factos ?)... Se calhar, podes dar a tua pequena ajuda contando a tua parte, o que viste e ouviste e sentiste...desde "djubi" a "homem grande"...

Continuo a pensar que a História com H grande também se escreve com as pequenas histórias (a tua, a dos teus anteoassados, a dos teus pais, dos teus irmãos, dos teus filhos..., mas também a minha, a de todos nós, portugueses e guineenses, do meu tempo, do teu tempo, do nosso tempo...). Como pequenos rios que vão desaguar aos grandes, o Douro, o Tejo, o Mondego, o Geba, o Corubal, o Cacine...

Pensa nisto, antes de "fechares a porta" à nossa sugestão...