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quinta-feira, 19 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26936: A Bissau do Meu Tempo (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte IIIc: O "Clube Militar de Oficiais" de Bissau, QG/CTIG, Santa Luzia (Fotos de 18 a 24)




F18 – A escrever para a familia, no bar do clube de oficiais do QG. Abril68



F19– No bar da Messe escrevendo à familia. 01Abril68.


F20 – Na relva da piscina, com um camarada frequentador, conversando, mas não me lembro do nome. Março68


F21 – Junto à Messe de oficiais, na minha motorizada, com o amigo alferes  Soutinho. 04fev68.


 F22 – No Bar do Clube Militar de Oficiais, com um camarada de que não sei o nome. Set68


F23 – Um convivio com dois camaradas, no Bar do Clube Militar de Oficais,  no QG/CTIG,  à noite, após refeição, já em 1969, não sei o mês, mas já estava esperando o embarque.

Ao meu lado o alferes Camelo, que foi meu companheiro na EPAM (Escola Prática de Administração Militar). A seguir um alferes miliciano da Chefia de Contabilidade, vestido com uma polo branca da Fred Perry, comprada também no Grande Hotel. Não me estou a lembrar do nome dele, mas era já conhecido do Porto ou da Faculdade de Economia ou do Instituto Comercial.

Quanto ao alferes Camelo, durante a especialidade, não sei qual foi a dele, fazíamos muita
aividade não só de ginástica como aplicação militar, marchas, corridas pelos campos de
Alvalade, lembro-me que eram em terra de tijolo, e desciamos por valas às cambalhotas, depois passávamos por valas de porcaria de esgotos. O Camelo, que era de Matosinhos, pesava aí uns 100 kg, não conseguia correr nem mesmo marchar, e muito menos carregar com o seu equipamento.

Era eu o "levezinho" que,  além do meu equipamento,  carregava com o dele, que suava por todos os poros, eu facilmente carregava tudo e chegava ao fim, nem ponta de suor. Acho que ele deve ter ficado agradecido, pois foram muitas vezes, depois de acabar o curso, e nunca mais nos vimos, exceto neste encontro na messe do Clube.

Mais tarde cheguei a cruzar-me com ele no Porto, mas acho que ele me evitava, devia ser de
uma familia de comerciantes burgueses, tinha uma loja onde hoje funciona em Brito Capelo,
na Loja do Andante do Metro do Porto.

Falei com outros camaradas e disseram que ele tinha a mania das grandezas. Nunca mais o vi. 



F24 e 24A – A estrada de Santa Luzia à noite,  vendo-se  ao fundo &CTIG Porta de Armas do QG e do Clube Militar de Oficiais.


Uns 100 metros antes, para quem sobe do lado esquerdo, tinha ali a casa da minha primeira amiga, cabo-verdeana, que conheci no dia em que cheguei, cuja história não é para contar agora neste tema. Foto tirada em 1969, terá sido no 2º trimestre antes de embarcar


Guiné > Bissau > Santa Luzia > QG/CTIG > 1968 >  A piscina  do "Clube Militar de Oficiais"  


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do Virgílio Teixeira (ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69). Última parte, fotos de 18 a 


1.1. Comentário do autor (enviado por email, 
17 jun 2025, 12:25) ao poste P26928 de 18junho2025 > O Biafra » O Clube de Oficiais de Santa Luzia (*)

(...) Estive a ler o texto do coronel de transmissões, Jorge Sales Golias, um trabalho de louvor, sem exageros, que infelizmente não o tinha lido. [Memórias do Agrupamento de Transmissões e Histórias de Guerra na Guiné – 1972/74 ].

Desde logo me chama a atenção de comparar o clima que encontrou quando chegou à Guiné no velho DC6 em 1972 (tal como eu o descrevi, o flagelo do clima, a sair de um frigorifico que era o frio dentro do avião, e entrar num forno instantaneamente) e tudo o resto destas experiências, que só sabe quem por elas passou.

Dizia eu, comparar alhos com bugalhos, o Regimento de Transmissões do Porto, sediado em Vale Formoso, por onde andei em menino e moço, nos anos 50, quando o meu pai lá estava a prestar serviço, quando morávamos a umas poucas centenas de metros. Nessa época e durante muito tempo, era o Regimento de Engenharia 2. (...)

Em 1972, o ano a que se refere o nosso coronel Golias, já eu tinha chegado da Guiné em 1969, casado em 1970, e em 1972 a caminho do segundo de 3 filhos, vivendo então nessa época noutra casa do Porto, e depois Vila do Conde, onde me hospedei desde então.

A reportagem desta história  é tão minuciosa, e completa, que até me sinto desconfortável ao contar algumas façanhas, triviais, face a este conteúdos, de outras esferas superiores e de outros tempos, mais modernos num caso, mas mais difíceis nos anos 73 e 74. Os meus parabéns para começar. Não tenho infelizmente nada tão parecido como esta narrativa.

Muitos dos aspectos também se passaram comigo em 1967 e até 1969, mas não tenho descrições disso tudo.

Indo directo ao assunto, o coronel "Lavrador", salvo seja, não me cheira nada o nome de Saraiva. Tenho um nome algures escrito e na memória, que não me parece esse, o pai da Suzi. Eu só o vi uma vez, e nunca faláos, nem nos zangámos.(Eu frequentava aquilo, ou à civil, ou com farda normal, nunca de camuflado.)

E tenho a ideia, não certezas nenhumas, que o chefe daquilo tudo  (o CMO - Clube Militar de Oficiais), seria um coronel de Administração Militar, até porque um coronel de infantaria não era a melhor opção para esta função. Digo eu.

E fala-se em duas filhas adultas... Durante dois anos só conheci esta das fotos, a Suzi, nunca me apercebi que ela tivesse outra irmã, e ainda por cima a viverem permanentemente em Bissau, durante anos.
 
Basicamente já está tudo esclarecido quanto ao Biafra e o CMO, depois de se ler os textos do coronel Jorge Golias e do Abilio Magro,  entre outros.

Estive a ver agora a foto da construção da piscina dos Sargentos, atrás das suas sumptuosas instalações dormitórias, que pelo que me parece não chegaram a ter grande utilidade para os nossos sargentos, pois entretanto acontece o 25 de Abril.

Diga-se de passagem, que,  como se pode ver, de "Biafra" não tinham nada, as instalações de madeira e zinco, boas para habitáculo de baratas, para os oficiais milicianos, leia-se, alferes milicianos, podemos até dizer sem exageros, que parecem melhores do que os quartos do Grande Hotel, e que tínhamos de pagar e não havia piscina. (Era só elitista, para uns, e um local de convívio para quem pudesse pagar.)

Quanto ao relato do Abilio Magro, destaco a foto com a legenda:  Guiné > Bissau > QG/CTIG > "O "Biafra" dos Sargentos > c. 1973/74 > "Eu junto às obras da piscina de sargentos que estava a ser construída nas traseiras dos nossos quartos"... Não sabemos se chegou a estar pronta, se foi estreada e usada... Era uma alternativa à piscina do Clube Militar de Oficiais (CMO), a que os sargentos só tinham acesso muito limitado. (...)

Mas para terminar, eu voltei a este local por 4 vezes em 1984 e 1985. Fiquei hospedado no sitio onde era o nosso Biafra de 67, com moradias novas. A piscina, que por acaso nunca tinha água, estava tudo abandonado, era a mesma que eu conheci.

Provavelmente estas instalações (dos sargentos), de 1973-74, ficavam noutro local, que não cheguei a visitar! (..)

(Seleção, edição das fotos, revisão / fixação de trexto: LG)
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terça-feira, 17 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26928: A Bissau do Meu Tempo (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte IIIb: A piscina do "Clube de Oficiais" do QG/CTIG, em Santa Luzia (Fotos de 11 a 17)


F11 – Na barra de elevações com a Suzi, filha do Coronel "Lavrador", chefe daquilo tudo. Abril68.   [ Seria coronel de intfantaria Saraiva, diretor do Clube Militar de Oficiais em 1 de julho de 1972 ? Vd.  comentário abaixo do editor LG]



F12 – Apanhar sol na relva da piscina, ao lado da minha amiga Suzy. Abril/68



F13 – Refrescando-me na piscina, que como se vê com pouca gente. Abril68




F14 – Deitado na prancha da piscina, com algumas pessoas. Abril68.



F15 - Preparando-me para um mergulho. Abr68.


F16 – Tomando um duche na piscina, e pelo aparato deve ser o bar de piscina, sem certezas,



F17 – A descançar na piscina fumando um cigarro. 02Abril/68


Guiné > Bissau > Santa Luzia > QG/CTIG > 1968 >  A piscina  do "Clube Militar 
de Oficiais"  

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2025). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do Virgílio Teixeira (ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).


1.1. Comentário do autor (enviado por email, 
17 jun 2025, 12:25) ao poste P26922 de 15junho2025 > O Biafra » O Clube de Oficiais de Santa Luzia (*)

(...) Entenda-se que não estamos a fazer uma tese de doutoramento, nem uma pesquisa para a História de Portugal. São noções que ainda vamos tendo do que se passou em 67 a 69, já passaram 58 anos, a memória já é curta e confusa. Depois existem comentários e outras descrições em diversas fontes, aqui eu falo do periodo de 21set67 a 04agosto69. Acredito que com o andar dos anos, muita coisa fosse melhorada ou até piorando, mas não é da minha lavra.

Como já disse o "Biafra"  era o então barracão de madeira e teto de chapas de zinco, onde eram colocados oficiais inferiores, que andavam de passagem. O nome de "Biafra" advém portanto das péssimas condições de alojamento, mas era um local de passagem, ninguém vivia lá em permanência, até porque passavam por lá não só os chamados "periquitos", como também a malta da pesada já com uma grande tarimba, e pirados da cabeça, ou apanhados pelo clima.

O nome advém, julgo eu, porque nesse ano de 1967, já se notavam movimentações de aviões e material para a guerra do Biafra, na Nigéria, essa sim sem nenhumas condições. A associação é fácil de compreender.

O então novo empreendimento situado ao cimo da estrada de Santa Luzia, com Porta de Armas, chamado por vários nomes: Clube de Santa Luzia, Clube de Oficiais do QG, Messe do QG, ou até Piscina do QG, era tudo do mesmo. Aqui já eram instalações de certo luxo relativo, não tem nada a ver com a guerra do Biafra.

A caserna dormitório, onde se alojavam, passe o termo, os oficiais milicianos de aviário, era então o chamado pejorativamente o "Biafra"

Não me consta a existência dessa praxe de atirarem com lapas para cima da chapa, simulando um ataque dos turras!

Se existia o termo de "Biafra" da Base Aérea eu desconheço, e ainda lá fui uma única vez, enquanto esperava transporte para Nova Lamego.

Esta é a minha versão do excelente Clube de Oficiais de Santa Luzia, com a sua piscina, messe, esplanadas, bares, salas de jogos e muito mais.

O local icónico que não dá para esquecer, pois aqui, ao invés do Café Bento (ou 5ª Rep), não se discutia a guerra, era coisa que passava ao lado. Sei que depois, anos depois já não era local seguro.

 "Biafra" de Sargentos e Biafra de Praças???

Francamente não tenho a mínima noção da sua existência, pois mal se viam sargentos neste espaço, e Praças muito menos. Será que ocupavam as instalações do Quartel do 600 que fazia a segurança do QG? Ficava por trás do Clube.

Conforme já li entretanto nos comentários, constato que na realidade nunca vi um "Biafra" para Sargentos e muito menos para Praças.

Isto leva-me a pensar melhor como se ia para lá parar.

Eu, pessoalmente, vinha a Bissau em serviço, com Guia de Marcha e apresentação no QG. Logo tinha estadia no Clube de Oficiais, cama, mesa e roupa lavada. Mas quando passei lá por duas vezes, a caminho de férias na metrópole, e depois no regresso, era tudo por minha conta, inclusive a estadia e alimentação.

É aí que recorro à estadia no "Grande Hotel", e comidas e bebidas nos vários pontos, nomeadamente, o "Solar dos 10".

Fala-se muito no "Pelicano", mas já vi as fotos e não me lembro de existir no meu tempo.

O pessoal, sargentos e praças, que estariam em serviço em Bissau, tinham as instalações dos Adidos, em Brá, e como já foi dito, eram muito más, faz-me lembrar o levantamento de rancho quando fiz um Oficial de Dia.

Os quartos eram abafados e quentes, verdadeiros viveiros de baratas, que me alteraram o sistema nervoso, e foi uma das causas que me levou ao internamento na Psiquiatria do HM 241, entre outros problemas, nomeadamente de colocação após ter terminado a minha função no CA do BCAÇ 1933. (...)

(Seleção, reedição e numeração das fotos, revisão / fixação de texto: LG)


1.2. Comentário do editor LG:

A propósito do coronel "Lavrador", pai da Susy das fotos 11 e 12, cito aquu um excerto do depoimento do Coronel Engº de Transmissões Jorge Golias, publicado em 
Memórias do Agrupamento de Transmissões e Histórias de Guerra na Guiné – 1972/74


(..:) Cheguei ao aeroporto de Bissalanca no dia 1 de Julho de 1972 (...)

(...) O Agrupamento de Transmissões em Bissau era um aquartelamento confortável, com todas as suas instalações feitas de raiz, bem adaptadas à função e ao clima. Bem perto ficava o Grupo de Artilharia nº 7 (GA-7) e fazia-se a pé o percurso até ao Clube Militar de Oficiais (CMO) em Santa Luzia, mas sempre se utilizava o Jeep Willis para evitar a exposição ao sol do meio-dia. (...)

(...) Seguiu-se a apresentação e, logo nesse mesmo dia, a passagem do testemunho pelo Cap. Cordeiro, que eu ia render.(...)

(...) Foi este ambiente, inesperadamente agradável, que vim encontrar no dia 1 de Julho de 1972. Foram meus companheiros de voo o Capitão comando Carlos Matos Gomes e o Cap miliciano José Manuel Barroso, à data jornalista do Jornal “República”.Ao fim da tarde desse dia, e enquanto me refrescava na esplanada do Clube, chegou-me aos ouvidos o som de várias explosões que não percebi se tinham origem na cidade ou mais longe. (...)

A segunda emoção da minha chegada à Guiné acontece quando, já de noite e tomando um digestivo na mesma esplanada, assisto a uma debandada geral dos presentes, apenas porque umas gotas de água refrescantes começavam a cair. (...)

(...) À noite recolhi a casa do Cap Cordeiro (por alcunha o Verde) que eu ia render. Seria nesta casa que me instalaria, aguardando a chegada da família, que só viria a estar comigo seis meses, por questões de segurança. Esta casa ficava na Rua Gen. Arnaldo Schulz, o anterior governador, e onde era vizinho do Coronel Saraiva, um camarada de Infantaria que não tinha casa no Continente e que sempre tinha vivido no Ultramar até uma idade já avançada e com duas filhas adultas.

Era ele o Director do Clube Militar de Oficiais. Curiosamente viria ainda a cruzar-me com ele nos Açores onde, já na Reserva, viria a acabar o seu serviço militar, refugiando-se a seguir e, finalmente, não no Continente, mas na ilha de Santa Maria! 

E ao escrever estas linhas ao correr da pena, recordo-o com saudade pela companhia que me fez na Guiné e nos Açores e porque é dele a frase para mim mais marcante que ouvi na altura do PREC (processo revolucionário em curso) e que foi dita aos oficiais que comandava numa unidade da RMN: os senhores mantenham-se sempre unidos, nem que seja contra mim! (...)


(Seleção, revisão / fixação de texto, itálicos e negritos: LG)

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26925: Notas de leitura (1809): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Aparece finalmente uma coletânea de depoimentos dos milicianos que intervieram entre 1973 e 1974, em convergência com os oficiais do quadro permanente, na formação e atividade do MFA da Guiné, são depoimentos que em alguns casos forçosamente se repetem mas há em muitos deles a singularidade do testemunho, um olhar lúcido sobre a evolução da guerra, a participação nas conversações com os quadros do PAIGC, muitos deles dão conta do anacronismo das pretensões de Spínola fazer um referendum na Guiné quando já houvera o reconhecimento internacional para um Estado soberano que terá a liderança do PAIGC. Esta obra, que se saúda pela pertinência dos testemunhos, tem o poder de complementar um acervo de depoimentos e análises do MFA da Guiné, em que constam nomes como Sales Golias, Duran Clemente, Carlos de Matos Gomes e António Duarte Silva.

Um abraço do
Mário



Os milicianos no MFA da Guiné (1)

Mário Beja Santos


Muito se tem escrito sobre a formação e atividade do MFA da Guiné, intervenientes como Sales Golias, Duran Clemente, Carlos de Matos Gomes, investigadores como António Duarte Silva, são algumas das figuras mais salientes desse fenómeno original de um movimento altamente sigiloso formado em 1973 e que ganhou vida própria. É facto que a presença dos milicianos não é descurada da narrativa, aparece sempre a figura do capitão José Manuel Barroso, mas quanto à competição do desempenho dos milicianos ainda não existia um conjunto organizado de depoimentos, e daí saudar-se esta obra coletiva intitulada "Guiné Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril", com doze testemunhos de participantes, e aonde não falta a lembrança daqueles que já partiram como José Aurélio Barros Moura, Luciano Avelãs Nunes, Jorge Cabral Ventura e Joel Hasse Ferreira, Âncora Editora, 2024.

O primeiro depoimento cabe a Álvaro Marques que dá ênfase à crise académica de 1969 e à incorporação nas Forças Armadas. Esteve em Mafra e em Santarém, aí conheceu Salgueiro Maia, é amnistiado em 1970, reincorporado em 1972, tem uma troca de palavras com Spínola, este convida-o para um jantar no Palácio, não esconde ao general que aquela guerra perdeu sentido, segue depois para Aldeia Formosa, recebe o convite do capitão José Manuel Barroso para vir para Bissau trabalhar no PIFAS, vai fazer parte do Núcleo de Luta Anticolonial, irão juntar-se, entre outros, Celso Cruzeiro, Barros Moura, Sacadura Botte, estes pretenderam ser advogados de Coutinho e Lima, que estava preso no Cumeré, a ira de Spínola não se fez esperar, Barros Moura foi despachado para S. Domingos; o núcleo alargou-se, vão assistir à criação do MFA em Portugal, o MFA da Guiné passa a ter estatuto próprio, incluindo o projeto de desencadear o golpe de Estado, caso falhasse o de Lisboa.

Os milicianos terão desempenho na criação do MAPOS, um movimento para a paz que em 1 de julho aprovou uma moção onde se repudiava qualquer solução local e unilateral que não fosse aceite pelo Governo central em Portugal, exigindo que fossem imediatamente reatadas as negociações com o PAIGC e, ponto curioso, “Apelar para que os militares portugueses encarem a sua presença atual e estrutura na Guiné como uma forma de prestar a sua cooperação desinteressada ao povo da Guiné, assim contribuindo para o pagamento da dívida histórica criada pelo colonialismo português.” Álvaro Marques refere o seu trabalho na publicação Voz da Guiné.

O segundo depoimento pertence a Amaro Jorge, que foi alferes miliciano no Batalhão de Intendência de Bissau, também esteve ligado à crise académica de 1969, pertenceu aos Serviços Auxiliares, assim chega à Intendência de Bissau, colocado na chefia da Secção de Reabastecimentos, dá-nos conta da delicadeza do que era organizar a listagem de bens, combustíveis e outros, havia sempre comida a estragar-se ou a desaparecer. Foi destacado da Intendência para o Palácio do Governo, para adjunto do Governador, tendo ficado com os assuntos do pessoal e das relações de trabalho. Regressou a Portugal em 1 de setembro.

O terceiro testemunho vem de Canhoto Antunes, foi capitão miliciano, este em Madina Mandinga, Nema e Empada. Estagiou na Guiné integrado na CAOP 2 (Gabu), voltou a Mafra, forma a CCAÇ 4944, conta por onde andou, a atividade operacional, incluindo em 26 de maio de 1974 que houve 10 feridos numa emboscada. Chegou a Empada em 4 de junho, estabelecem-se contactos com o PAIGC. Regressa a Lisboa em 28 de setembro, em plena manifestação da “maioria silenciosa”, o que os obrigou a vários stops nas estradas até casa, até pensou que saíra de uma guerra para entrar noutra.

O quarto testemunho pertence a Celso Cruzeiro, da chefia do serviço de Justiça do Quartel-General, redator do Voz da Guiné. Chamo a atenção para o reconhecimento que os jovens capitães cedo fizeram do papel desempenhado pelos milicianos, eles contribuíram para melhor compreender a guerra como fenómeno dependente dos interesses do poder económico e do sistema de influência geopolítica. Salienta a importância dos encontros na Guiné em 1973 entre os jovens oficiais do quadro permanente e o conjunto dos oficiais milicianos ali presentes, ao longo dos primeiros meses de 1974 foram-se estreitando os laços. Recorda o abaixo-assinado lançado no dia 28 de abril de 1974 e dirigido ao Presidente da Junta de Salvação Nacional, solicitando um cessar-fogo imediato e conversações prontas com o PAIGC; fará um historial das etapas subsequentes, as conversas havidas entre Fabião e Spínola, a importância dos Movimento para a Paz, à institucionalização do MFA da Guiné, a ira de Spínola que convocou para Lisboa vários oficiais do quadro permanente e milicianos e recorda, em jeito de conclusão, que a participação dos milicianos tinha a dupla preocupação de colaborar com o MFA no processo de descolonização da Guiné e, por outro lado, fornecer uma base mínima de politização ao contingente dos soldados portugueses. Não deixa de lamentar como o novo país independente vestiu rapidamente o manto dramático da tragédia em que permanece.
Gadamael, maio de 1974. A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento de Gadamael: Em primeiro plano, ao centro, o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Patrício); do seu lado direito está o comissário político do PAIGC, de cigarro russo na boca. Imagem retirada do nosso blogue
Pirada, primeiros contactos com o PAIGC, junto à fronteira do Senegal com o fim de combinar a "passagem de testemunho", dirigido pelo Comandante Jorge Matias, do BCAV 8323. Fotografia de António Rodrigues, com a devida vénia
China, Amílcar Cabral e o PAIGC: um namoro em três tempos Delegação do MPLA e do PAIGC na China, em Agosto de 1960, a convite do Comité Chinês de Solidariedade com África e Ásia. Imagem da Associação Tchiweka de Documentação

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26916: Notas de leitura (1808): Lembranças do que foi o Museu da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

sábado, 13 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25382: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVI: o golpe militar de Bissau


Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bettencourt (ou Bethencourt) Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. 

Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974. Fonte: arquivo do filho do cor inf António Vaz Antunes, o engº Fernando Vaz Antunes (que vive em Mafra), e a quem agradecemos a gentileza .

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Antiga página de rosto do  Arquivo de História Social > Instituto de Ciências Socias da Universidade de Lisboa (o link original foi descontinuado: ver aqui em Arquivo.pt)


"O Arquivo de História Social  (#) publica nesta página uma série de entrevistas sobre a descolonização portuguesa de 1974/1975, fruto de um projecto do Instituto de Ciências Sociais apoiado pela Fundação Oriente. Maria de Fátima Patriarca, Carlos Gaspar, Luís Salgado de Matos e Manuel de Lucena que coordenou, entrevistaram grandes protagonistas desse processo: por um lado, governantes, chefes militares, dirigentes do MFA e outros que então actuaram na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, Angola e Moçambique; por outro lado, responsáveis metropolitanos ou íntimos colaboradores seus.

"Não procurando promover qualquer interpretação, chegar a juízos gerais ou encerrar os eventos abordados numa dada problemática, o grupo entrevistador foi seguindo os relatos e aceitando as visões dos seus interlocutores, embora não deixasse de lhes solicitar esclarecimentos por vezes incómodos." 


1. Voltamos aos depoimentos produzidos no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida  [A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné > 29 de Agosto de 1995 > Depoimentos de General Mateus da SilvaCoronel Matos Gomes,   José Manuel Barroso e Coronel Florindo Morais]

Iremos reproduzir alguns excertos das enrevistas para ficarmos com uma ideia mais viva, precisa e detalhada do que foi a 23ª hora do último com-chefe do CTIG, gen Bethencourt  (ou Bettencourt) Rodrigues, e  concomitantemente o que se passou nos dias 25 e 26 de abrl de 1974 em Bissau. 

Os antigos combatentes da Guiné, qualquer que seja o ano em que moram mobilizados para o território, de 1961 a 1974, têm o direito de saber como é que acabou a guerra.  E é bom lembrar que parte destes homens que arriscaram vidas e carreiras, na "conspiração" do MFA na Guiné-Bisau, já morreram, como é o caso do ten-gen Mateus Silva.

Sobre o "golpe militar de Bissau", iremos trancreer parte das entrevistas a:

  • Eduardo Mateus da Silva [1933-2021] : Engenheiro militar da Arma de Transmissões; chega à Guiné em Junho de 1972, como tenente-coronel; membro do MFA desde os primórdios; encarregado do governo da Guiné depois do 25 de Abril;
  • Carlos Matos Gomes (n. 1946): Oficial dos Comandos, comandante de Tropas Nativas Especiais; em Moçambique, participou na operação “Nó Górdio”; fez a sua missão na Guiné de Julho de 1972 a fins de Junho de 1974; pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné; foi membro da Assembleia do MFA;
  • José Manuel Barroso [n. 1943]  : jornalista, capitão miliciano na Guiné de Julho de 1972 a Maio de 1974; colaborador directo do general Spínola, na Guiné; membro do MFA da Guiné;
  •  Florindo Morais  [n. 1939] : só vai para a Guiné, como major, nos primeiros dias de Junho de 1974, sendo o último comandante do batalhão de Comandos Africanos na Guiné e regressa na véspera da independência. (Notas biográifcas dos organizadores dos Estudos Gerais da Arrábida

2.  O Golpe Militar de Bissau (##)

Entrevistadores: Manuel Lucena (1938-2105), Luís Salgado Matos (1946-2021)

Entrevistados, Mateus da Slva (1933-2021), Matos Gomes (n. 1946), José Manuel Barroso (n. 1943)

 [...] General Mateus da Silva: 

Há um aspecto que também é único no MFA da Guiné: é que o MFA em Lisboa, tinha principalmente capitães, muito poucos majores e não tinha os comandos das unidades. 

Na Guiné, porque o ambiente era totalmente favorável ao MFA, podíamos ter envolvido,  na conspiração, todos os capitães que quiséssemos, mas como não nos interessava isso, porque ia alargar muito, escolhemos os comandantes das unidades: envolvemos o comandante do Batalhão de Comandos, o comandante e o 2º comandante do Batalhão de Paraquedistas, o comandante da Polícia Militar, o comandante das Transmissões (as comunicações eram essenciais), o comandante da Engenharia, o comandante da Artilharia, e, quando quiséssemos carregar no botão e tomar o poder, era só querermos.

Luís Salgado Matos: 


Qual era o papel do general Bettencourt Rodrigues? Percebia o que se estava a passar? Sabia do que se estava a passar? Tinha alguém em quem tivesse confiança?  


Coronel Matos Gomes: 


Ele sabia muito pouco. Há uma história que demonstra a forma diferente do general Bettencourt Rodrigues exercer a sua função de comando, como comandante-chefe. O general Spínola falava com muita facilidade à hierarquia, até cá abaixo. Qualquer capitão podia muito facilmente obter acesso ao general Comandante-chefe. Portanto, estes circuitos funcionavam quase em ligação directa. 


Ao passo que o Bettencourt Rodrigues, até por questões de feitio pessoal e de formação militar e profissional, como oficial de Estado-Maior, a primeira acção que lhe corresponde como comandante-chefe é cortar essa ligação, e coloca um fusível na ligação, que era o seu Chefe de Estado-Maior, o coronel Hugo Rodrigues da Silva, passando a ser impossível um comandante de uma unidade falar com o comandante-chefe ou com outro operacional. Tudo passava pelo coronel Chefe de Estado-Maior. 


Para os comandantes das unidades, habituados a negociar concretamente com Deus Nosso Senhor, as coisas passaram a ser muito complicadas e a reacção é deste género: «Bom se ele não quer saber, não sabe e pronto!» E passa a saber muito menos coisas. Além de não saber aquilo que era o estado de espírito, passa a não saber também coisas [concretas] essenciais. 


José Manuel Barroso: 


 [...] Eu penso que o general Bettencourt Rodrigues (eu continuei a lidar com ele, não do modo como lidava com o Spínola, mas quase diariamente) tentou aguentar o que estava, não quis fazer grandes alterações, criar grandes problemas, grandes conflitos. Tentou aguentar o que estava em função das instruções que levava. 


Simplesmente, o que sucede, quando o general Bettencourt Rodrigues lá chega - e até pelo facto do general Spínola regressar à metrópole -, é que havia já um desencanto total em relação à evolução. 


Quer dizer, a própria retirada do general Spínola do terreno de operações (e do poder político na Guiné) significou, para a grande maioria dos oficiais, não só [para] os que conspiravam lá abertamente, quer fossem spinolístas ou não, mas também [para] os próprios milicianos, uma forma de dizer: «Isto não tem safa, tem que haver uma outra evolução qualquer». Ou: «O próprio Spínola já não tem qualquer hipótese e vai-se embora.» 


Pelo general Bettencourt Rodrigues, havia respeito, não era da «brigada do reumático». Mas ele era um corpo estranho.


General Mateus da Silva: 


[…] Bom, nós reunimo-nos na véspera [do 25 de Abril], estivemos até cerca da 1:00 hora, não conseguimos informação nenhuma de Lisboa, sobre se realmente tinha acontecido ou não alguma coisa. Nós tínhamos um centro de escuta no Agrupamento de Transmissões, que era óptimo. Escutávamos em permanência a Reuter e a France-Press, e tínhamos um tele-impressor ligado e apareciam as notícias em catadupa. 


Escutávamos todas as emissões de rádio dirigidas contra nós, desde a Rádio-Moscovo ao PAIGC, tudo. E todos os dias, era editado um documento, acho que era o Boletim Periódico de Rádio. São documentos que não sei se existem, se foram arquivados. E nós gravávamos, e transcrevíamos todas as emissões em português que eram dirigidas contra nós. Tínhamos as agências noticiosas e, antes de regressarmos a casa, nessa noite, avisei o oficial de dia, que era o alferes Rodrigues, para estar com muita atenção no centro de escutas, que podia acontecer qualquer coisa. 


Às 5 ou 6 da manhã, quando os tele-impressores da Reuter e da France-Press começaram a debitar as primeiras notícias, ele percebeu que realmente tinha acontecido qualquer coisa em Portugal. Telefonou-me logo para casa e eu avisei todos os outros pelo telefone e imediatamente soubemos o que se passava. Lembro-me de que o alferes Rodrigues até chorava a contar o que tinha acontecido. 


Isto foi a noite antes do 25 de Abril, e depois ia falar no dia 25 de Abril.


Quando nós tivemos as primeiras notícias do dia 25 de Abril, avisei o major Freire, que era o comandante da polícia e que também estava connosco (todos os comandantes das coisas importantes estavam envolvidos). 


E o major Freire diz-me assim: «Oh pá! Eu tenho de ir agora às 8 horas com o director da PIDE para a Ilha das Galinhas visitar os presos políticos. O que é que eu faço?» Eu respondi: «Oh pá! Só tens um remédio, vais!» 


Então, às 8 horas da manhã, ele foi para a ilha das Galinhas, com o director da PIDE. Passaram lá uma manhã estupenda, almoçaram, regressaram a Bissau e o director da PIDE não sabia rigorosamente de nada do que se estava a passar em Lisboa. 


Depois, reunimo-nos várias vezes para decidir o que é que fazíamos, o que é que não íamos fazer. E tentámos contactar com Lisboa, mas ninguém nos ligava nenhuma em Lisboa, estavam noutra. 


Ao fim da tarde, apareceu um telegrama do almirante Ferreira de Almeida, chefe do estado-maior da Armada, que,  apesar de ser um homem muito ligado ao regime, disse logo que, tendo o poder político mudado, a Marinha estava com o novo poder político. Tomou logo essa decisão, mesmo antes de ser substituído. 


O comandante naval em Bissau, comodoro Almeida Brandão, perante aquela mensagem, vai ao general Bettencourt Rodrigues, mostra-lhe a mensagem e diz-lhe: 


«Olhe, sr. comandante-chefe, passa-se isto… O chefe do Estado Maior da Armada já está com o 25 de Abril, o que é que o senhor quer fazer?» 


O Almeida Brandão também era um militar, digamos, democrata e aberto, e mandou uma mensagem para Lisboa a dizer que a Marinha na Guiné estava com o MFA. 


O general Bettencourt Rodrigues não tomava posição, estava à espera de receber instruções, e passou toda a noite assim. 


No dia 26 de Abril, logo de manhã, nós, este grupo que estava mais ligado, reunimo-nos no Batalhão de Paraquedistas, em Bissau, às 8.30h, a discutir o que havíamos de fazer. 


E foi nessa reunião que decidimos intervir e, digamos, fazer aquilo a que eu chamo um golpe militar em Bissau, que na altura não teria esta percepção, mas, a posteriori, considero que de facto foi um golpe militar. 


Discutiu-se quem ia ficar como encarregado do Governo, eu propus que fosse o secretário-geral, o dr. Libânio Pires, todos os outros acharam que devia ser eu, como militar mais graduado. Escolhemos o comodoro Almeida Brandão para futuro comandante-chefe, porque era o mais antigo e, além disso, tinha já tomado a decisão de mandar um telegrama para Lisboa, a dizer que aderia ao MFA. 

  [...] Às 9h (era feriado municipal em Bissau), fomos ao gabinete do comandante-naval, comodoro Almeida Brandão, convidá-lo a ser o nosso futuro comandante-chefe. Também tem piada porque, antes de destituirmos o governador, já estávamos a convidar o futuro comandante-chefe. 


O comodoro hesitou um bocado e disse que não podia aceitar. Nós até queríamos que ele também fosse logo connosco ao gabinete do Bettencourt Rodrigues. Recusou-se mas acabou por dizer que aceitava ser comandante-chefe. 


Em seguida, ainda passámos pelo Palácio do Governador mas ele não estava, estava no comando-chefe na Amura. Fomos então à Amura. Na altura, houve uma companhia da polícia militar que cercou o comando-chefe, e também havia tropas paraquedistas nossas que estavam ali à volta. 


Entrámos de rompante no gabinete do general Bettencourt Rodrigues, o ajudante meteu-se à frente e levou um pinhão que voou por ali adentro… A porta abriu-se de escantilhão e nós entrámos. 


Agora imaginem, do ponto de vista do general comandante-chefe, que vê um grupo aí de doze oficiais (###), entrarem-lhe assim pelo gabinete… 


Ele ficou logo desequilibrado psicologicamente. Quando falámos com o coronel Hugo Rodrigues da Silva, que era o intermediário de tudo com o governador, ele recriminou-nos por termos feito aquilo sem o informar primeiro. 


O brigadeiro Leitão Marques teve uma reacção perfeitamente despropositada, disse assim: 


«Meus senhores, hoje acabou a minha carreira militar, os senhores prendam-me, matem-me, fuzilem-me, façam-me o que quiserem.» 


Uma coisa perfeitamente dramática e despropositada. 


O general Bettencourt Rodrigues perguntou se estava preso, e este também é um aspecto que acho muito interessante. É evidente que ele estava pelo menos bastante coagido, mas eu disse:


 «Não, o meu general não está preso, simplesmente vai ao palácio, faz as suas malas e embarca hoje no avião para Lisboa.» 


E foi o que ele fez, mas muito civilizadamente. Eu tenho aqui fotocópias, está aqui um texto escrito mais tarde num jornal pelo general Bettencourt Rodrigues: 


«A perguntas minhas, aqueles oficiais acrescentaram que devia seguir para Lisboa nessa manhã, em avião que vinha de Luanda e sairia da Guiné em liberdade».


 Isto é dito por ele próprio e acaba com a polémica.  


O general Spínola já deu uma entrevista a dizer que o Bettencourt Rodrigues foi preso na Guiné, quando a verdade é que quem mandou prender o Bettencourt Rodrigues foi ele, Spínola. Porque quando Bettencourt chegou a Cabo Verde, teve de esperar por ligação para Lisboa, e teve de ficar um dia, ou coisa assim, e os elementos de Cabo Verde agitaram-se, falaram para Lisboa. E então veio um telegrama de Lisboa, da JSN [JUnta de Salvação Nacional ] , a dizer que o general Bettencourt Rodrigues devia regressar a Lisboa, sob prisão.

Do meu ponto de vista, foi o general Spínola, directamente ou alguém por ele, que prendeu o Bettencourt Rodrigues, o que tem a sua lógica, porque o general Spínola não podia com o Bettencourt Rodrigues, pois achava que tinha destruído a sua política da «Guiné melhor». [...]…

Luís Salgado Matos: 


Quando diz ao Bettencourt Rodrigues que não está preso, tem é de fazer as malas para voltar para Lisboa, o que é que ele responde?


General Mateus da Silva: 


Ele não respondeu, ele aceitou. Fez uma cena mais ou menos dramática, quase com as lágrimas nos olhos, a dizer: 


«Meus senhores, estão aqui os oficiais que mais considero na Guiné, os comandantes das principais unidades, fulano esteve ontem aqui sentado ao meu lado, a falar comigo, outro não sei que mais, eu não podia esperar jamais que me fizessem uma coisa destas, estou profundamente magoado.» 


Foi mais ou menos esta a reacção dele. […]


Coronel Matos Gomes: 


Só houve três oficiais que se solidarizaram com ele, o Leitão Marques, o coronel Rodrigues da Silva e, posteriormente, na sala de operações, o coronel Vaz Antunes. 


General Mateus da Silva: 


Eu acho que foi um mal-entendido, porque o Leitão Marques era um homem democrata e nós até gostaríamos que fosse ele a substituir o Bettencourt Rodrigues. Nós saímos do gabinete do general Bettencourt Rodrigues e dirigimo-nos à sala de operações. Como era feriado, o briefing era às 10h e, quando avança aquele grupo comigo à frente, na sala de operações, falando como as coisas são e se passaram, eu senti imediatamente que os coronéis e outros oficiais mais graduados do que eu me abriram alas e me cumprimentaram logo com toda a deferência. 


Entrei na sala de operações e sentei-me na primeira fila, no lugar do general Bettencourt Rodrigues. Antes de me sentar expliquei o que é que se passava e foi nessa altura que o coronel Vaz Antunes disse que não podia aceitar uma situação destas, que estava solidário com o general Bettencourt Rodrigues. E o Almeida Brandão virou-se para ele e disse:


 «Se está solidário, saia!» 


Já o Almeida Brandão a assumir-se como comandante-chefe. E depois teve lugar o briefing com toda a naturalidade. 


Às 3h da tarde, depois de uma grande informação pela rádio, tomei posse como encarregado do Governo. Antes de tomar posse, chegou ao nosso conhecimento a directiva da JSN, dispondo que nas províncias de governo simples o governador devia ser substituído pelo secretário-geral. Então pôs-se a dúvida se eu tomaria posse, ou daria posse ao dr. Libânio Pires e até à última hora estivemos em contacto com Lisboa, que acabou por aceitar: «Está bem, pronto então toma posse.» 


Isso foi de tal maneira que eu pedi ao José Manuel Barroso para me escrever o discurso que eu diria no caso de não tomar posse. Nunca o pronunciei, mas está aí escrito com a letra dele e pelo punho dele. Tomei posse, mas isso foi o próprio MFA da Guiné que decidiu, contrariamente à JSN. 


Manuel de Lucena: 

Da JSN, quem deu o aval à sua posse? 


General Mateus da Silva: 


Não foi ninguém, foi um intermediário, foi um dos oficiais que gravitava ali à volta, não me lembro exactamente quem foi. Aliás ouvia-se muito mal, as comunicações telefónicas eram muito más, confesso que não me lembro.  [...] (#)


(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, notas, para efeitos de publicação deste poste: LG)

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(#) Atual endereço do sítio do AHS - Arquivo Histórico Social, ICS/UL

(##) Vd. também aqui o depoimento de J. Sales Golias [n. 1941] , ten cor > A descolonização da Guiné: Intervenção na Mesa Redonda levada a efeito pelo Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra / Fórum dos Estudantes da CPLP, Coimbra, 30 de Abril de 2005 

(###) O Jorge Sales Golias  fala em onze:

Lista dos Oficiais revoltosos (##);

TCor Mateus da Silva, Engº Tm | TCor Maia e Costa, Engº | Maj Folques, Cmd | Maj Mensurado, Pára | Cap Simões da Silva, Art | Cap Sales Golias, Eng Tm | Cap Matos Gomes, Cmd | Cap Batista da Silva, Cmd | Cap Saiegh Cmd (Africano) | Cap Ten Pessoa Brandão, Armada | Cap mil José Manuel Barroso
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25374: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XV: as ondas hertzianas também chegavam a Nhala, Gadamael, Pirada, Canquelifá...