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sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24633: Notas de leitura (1614): "Uma História do Mundo em 100 Objetos", por Neil MacGregor; Temas e Debates e Círculo de Leitores, 2014 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Esta História do mundo em 100 objetos ocupa-se, de uma maneira totalmente original, de abordar 100 objetos que nos conduzem numa viagem no tempo e no espaço, dando-nos a conhecer como a Humanidade moldou o mundo, desde a Pré-História a este emergente século XXI. Se começamos em África de há dois milhões de anos a ele regressamos no início do presente século para ver uma escultura patente no Museu Britânico feita de armas que nos falam da Guerra Fria, da luta de libertação, de choques interétnicos, da incapacidade dos países recém-independentes terem sabido reconciliarem-se e caminharem juntos, pacificamente, para uma via de progresso, de equidade e bem-estar.
Dos 100 objetos escolhemos o Trono de Armas como marcante de um projeto de reconciliação que fizesse retirar milhões de armas do meio familiar, fazer desaparecer as crianças-soldados, remover as minas, dando como contrapartida a todos aqueles que entravam neste projeto-paz e restituiam as armas, enxadas, máquinas de costura, bicicletas e material de construção civil. Esta escultura feita de pedaços de armas forçosamente que nos perturba, de uma peça de destruição fez-se alegoricamente um trono, a tecnologia tem destes prodígios, de uma hora para a outra a fábrica de eletrodomésticos pode transformar-se numa construtora de armas sofisticadas. É o estupor desta fragilidade de que este trono também fala.

Um abraço do
Mário



Um registo da guerra que dá pelo nome de trono de armas, tragédia e triunfo humanos

Mário Beja Santos

Uma História do Mundo em 100 Objetos, por Neil MacGregor, Temas e Debates e Círculo de Leitores, 2014, é uma estimulante aventura em que os objetos ajudam a compreender a história mundial. Neil MacGregor usou da faculdade de Diretor do Museu Britânico para fazer palestras na BBC e dar à estampa esta admirável viagem encetada na Pré-História e que vem ao quase presente, permitindo ao leitor olhares sobre a hominização, o que aconteceu depois da Idade do Gelo, como tudo mudou com as primeiras cidades e estados, a alvorada da Ciência e da Literatura, os pensadores orientais, os construtores de impérios, os primeiros protocolos e formas de distinção, a ascensão das religiões mundiais… Um itinerário que nos leva até à sociedade de consumo, a emergência de guerras étnicas depois da descolonização, a importância que tem hoje o cartão de crédito e os mais prementes desafios energéticos.

Este Trono de Armas é inquietante e avassalador, é uma cadeira feita com partes de armas produzidas em todo o mundo e exportadas para África. Temos procurado muitas definições abrangentes para todo o século XX, é verdade que prepondera a ideia de que foi o século da mulher, mas não escapa a algumas interpretações a matança em massa que se praticou em duas guerras mundiais, nas purgas estalinistas, no Holocausto, nos arrasamentos nucleares, nos campos de morte do Camboja, nos massacres do Ruanda, é uma lista praticamente infindável. Este trono é um monumento a todas as vítimas da guerra civil moçambicana. Desapareceram os impérios, pareciam prosperar ideologias globais e afinal tudo caiu em disputas sangrentas. Faltou previsão aos dirigentes dos movimentos nacionalistas e mesmo aos líderes coloniais para com tempo criarem competência para as novas experiências governativas, EUA e URSS, os Aliados eram manifestamente indiferentes a este desafio de organização do Estado que gerasse soberania e fizesse calar as etnicidades exacerbadas. A guerra civil em Moçambique foi uma das mais sangrentas e parece que ainda não estancou.

As armas que dão forma a esta cadeira traçam a história do século XX moçambicano. As mais antigas, no espaldar, são duas velhas G3 portuguesas. A FRELIMO era apoiada pela URSS, e isso explica que todos os outros elementos da cadeira sejam armas desmembradas produzidas pelos comunistas: os braços são da AK-47 soviética, o assento de espingardas polacas e checas, e uma das pernas da frente é um cano de uma AKM norte-coreana. Como enfatiza Neil MacGregor: “Trata-se da Guerra Fria em forma de peça de mobiliário, o Bloco de Leste em ação, lutando pelo comunismo em África e em todo o mundo”. Em 1975, o novo Moçambique apresentava-se como um Estado marxista-leninista, em resposta, os rodesianos e os sul-africanos criaram e apoiaram um grupo oposicionista, a Renamo, com o intuito de destabilizar completamente o país, as primeiras décadas da independência moçambicana foram tempos de derrocada económica e sangrenta guerra civil. Isto para sublinhar que as armas do trono participaram na guerra civil: um milhão de mortos, milhões de refugiados e 300 mil órfãos de guerra. A paz só veio em 1992, mas embora a guerra tivesse acabado, havia armas por todo o lado. O maior desafio que se pôs a Moçambique foi a destruição de milhões de armas e refazer a vida dos antigos soldados e das suas famílias.

O Trono de Armas tornou-se um elemento inspirador neste processo de recuperação. Fez parte de um projeto de paz chamado “transformar armas em ferramentas”, e no qual as armas usadas pelos dois lados eram entregues em troca de amnistia e ferramentas úteis, como enxadas, máquinas de costura, bicicletas e material para telhados. Entregar as armas era um ato de verdadeira bravura por parte destes antigos combatentes e teve projeção em todo o país, pois ajudou a romper o apego pelas armas e pela cultura de violência que atingira Moçambique durante tantos anos. Desde o início do projeto, mais de 600 mil armas foram entregues e transformadas em algumas esculturas. Graça Machel patrocinou o projeto que tinha o objetivo de “retirar os instrumentos de morte das mãos dos jovens e dar-lhes uma oportunidade de desenvolverem uma vida produtiva”.

Este trono, patente no Museu Britânico, foi criado por um artista moçambicano de nome Kester. Escolheu fazer uma cadeira e chamou-lhe trono, são raras nas sociedades tradicionais africanas, estão reservadas aos chefes tribais, príncipes e reis. O peso alegórico é inequívoco: é um trono em que ninguém se vai sentar, não está destinado a uma realeza ou a um senhor do mando, é a expressão de um espírito do novo Moçambique, é um marco da reconciliação. Como escreve MacGregor, há algo de particularmente perturbador numa cadeira feita com armas concebidas especificamente para matar, mutilar, anular. Kester deu uma explicação: “Não fui afetado diretamente pela guerra civil, mas tenho dois parentes que perderam as pernas. Um pisou uma mina e perdeu a perna, e o outro, um primo, perdeu uma perna a lutar pela FRELIMO”.

Kester fez deste trono uma mensagem de esperança. “Dois canos de espingarda formam as costas da cadeira. Se olharmos com atenção parecem ter caras, dois orifícios de parafusos para os olhos e uma ranhura para a boca. Até parecem estar a sorrir". Foi um acidente visual que Kester aproveitou e decidiu incorporar na peça, negando às armas o seu propósito primário e dando à obra de arte um forte sentido: “Não esculpi o sorriso, faz parte da coronha da espingarda. Aproveitei os orifícios de parafuso e a ranhura onde se fixava a bandoleira. Escolhi as armas mais expressivas. No cimo podemos ver uma cara sorridente. E há outra cara sorridente: a outra coronha. Parecem estar a sorrir uma para a outra felizes para paz e liberdade que chegou”.

No seu todo, este original livro que nos conduz da África de há dois milhões de anos para a aurora do século XXI, dotado de uma escrita admirável e estimulante, é verdadeiramente uma História do mundo. Uma leitura imperdível, onde um Trono de Armas põe um antigo combatente, como eu, a pensar como devemos contribuir para recordar os horrores da guerra ao serviço da reconciliação dos homens, naquelas parcelas africanas onde combatemos.


Neil MacGregor
Imagens de cadeira feita com peças de armas, Maputo, Moçambique, peça no Museu Britânico
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24618: Notas de leitura (1612): Guiné, Operação Irã (maio de 1965) e Operação Hermínia (março de 1966), no fascículo 2 de "As Grandes Operações da Guerra Colonial", textos de Manuel Catarino; edição Presselivre, Imprensa Livre S.A. (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18924: Bibliografia (48): "Portugal à Lei da Bala, Terrorismo e violência política no século XX", por António Luís Marinho e Mário Carneiro; Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2018 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2018:

Queridos amigos,

Esta palpitante reportagem, com um acervo de imagens bem adequado, leva-nos a questionar qual a substância que atribuímos a esse axioma de que Portugal é um país de brandos costumes. Os autores passam em revista o terrorismo e a violência política no século XX, obviamente que nos devidos contextos, tudo começa com o anarquismo, a Carbonária, o Regicídio e o processo que se seguiu e de que se perdeu o rasto; a I República, a Lei da Bomba, a Formiga Branca, os assassinatos políticos, os ensaios para a ditadura, os complôs até ao 28 de maio de 1926; a ditadura e as insurreições, especialmente de 1934 a 1937, vidreiros, marinheiros, anarquistas, e depois 1961, logo com a tomada do Paquete de Santa Maria, as ações da LUAR, das Brigadas Revolucionárias, um acervo de ações contra a guerra colonial; e com o 25 de abril, o ELP, o MDLP, a FLAMA, a FLA, as Forças Populares 25 de Abril e algo mais.

Admita-se que somos estruturalmente de brandos costumes mas é largo o número das exceções que atravessam o século XX, pelo menos.

Um abraço do
Mário


Terrorismo e violência política em Portugal, no século XX

Beja Santos

A imagem nacional e internacional que temos é que somos um país de grandes costumes, um povo muito gentil, acolhedor, a violência é mínima, tratando-se de gente tolerante, multicultural, as práticas bombistas, o assassinato político, o sequestro, são resquícios do passado, vivemos em grande amenidade, a despeito de algum frenesim de tabloides ou canal de televisão bombástico.

No entanto, o século XX português está pontuado por violência política e atos terroristas conforme é patente num livro altamente pedagógico, de escrita palpitante, elucidativamente ilustrado, de título "Portugal à Lei da Bala, Terrorismo e violência política no século XX", por António Luís Marinho e Mário Carneiro, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2018.

Quando as práticas anarquistas chegaram a Portugal e se tornaram notórias, já tinham feito o seu caminho de tal modo que no final do ano de 1998 se realizou em Roma a Conferência Internacional pela Defesa Social contra os Anarquistas. Em finais de 1901, Theodore Roosevelt, presidente dos EUA, declarava que “O anarquismo é um crime contra a espécie humana, e toda a humanidade se deverá unir contra os anarquistas. Os seus crimes devem ser estigmatizados como ofensas contra as leis das nações”.

Os autores recordam estes anarquistas e a Carbonária devem ser vistas como peças fundamentais no derrube da monarquia em Portugal. A Casa de Bragança começa a oscilar com uma contestação onde se cruzam o Ultimato Inglês de 1890, uma crise financeira agudíssima, a ascensão dos ideais republicanos, os gastos na pacificação do Império Africano, e a questão religiosa não era despicienda, dividia as próprias forças apoiantes do regime monárquico. As tensões avolumavam-se na capital, aqui se concentravam centenas de conspiradores, se organizavam sociedades secretas, conspirava-se nos cafés, há insubordinações militares, os republicanos ganham a Câmara de Lisboa e aparecem coligados na autarquia do Porto, a incapacidade de entendimento entre partidos monárquicos leva a que D. Carlos apoie o regime musculado de João Franco, assinou a sua sentença de morte. O livro dá-nos diferentes angulações do que foi o regicídio e quem eram os possíveis mandantes dos regicidas.

E assim chegamos à República, um tempo de greves, de bombas, de assassinatos, de governos precários, até de levantamentos monárquicos capitaneados por Paiva Couceiro, agravam-se as relações entre a Igreja e o Estado, aparece o terrorismo da Formiga Branca, tempo de complôs e de um país completamente dividido quando se perfila a necessidade de tomar posição face à I Grande Guerra, são anos de golpes, de governos que se pretendem autoritários, de Pimenta de Castro a Sidónio Pais, depois o terror da Legião Vermelha, a noite sangrenta em que se assassinou António Granjo e outros, a camioneta-fantasma ganhou foros de veículo terrorista, símbolo de massacre, assim se foi decompondo a I República, em total instabilidade e revoltas militares até que triunfou aquela que foi encabeçada por Gomes da Costa que partiu de Braga e chegou calmamente a Lisboa, em maio de 1926.

As revoltas não vão abrandar, como a da Marinha Grande, em 1934, a dos Marinheiros, em 1936, tenta-se liquidar Salazar à bomba em 1937, o Estado Novo ergue-se fazendo vergar as oposições políticas e volatizando os adeptos do anarco-sindicalismo, a violência em grande escala regressa em 1961 com a tomada do Santa Maria e a tentativa do assalto do quartel de Beja. A LUAR – Liga de Unidade e Acção Revolucionária – entra em atividade em 1966, era liderada por Hermínio da Palma Inácio, torna-se uma dor de cabeça para o regime, assalta-se a agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, desvia-se um avião, lançam-se panfletos sobre Lisboa. E com a guerra colonial os comunistas queriam o seu braço armado, a ARA – Acção Revolucionária Armada –, o seu nome está ligado a uma sabotagem ao navio Cunene, ataca-se a Escola Técnica da DGS e o Centro Cultural Norte-Americano, em março de 1971, a ARA destrói aeronaves em Tancos, 11 aviões e 17 helicópteros, era a maior parte da frota destinada à instrução dos pilotos que iriam combater na guerra de África, mas há muito mais ações ligadas às Brigadas Revolucionárias e à ARA, tudo aparece descrito em Portugal à Lei da Bala.

Depois de uma trégua, curta, a seguir ao 25 de abril de 1974, temos novos protagonistas: o ELP – A Armada Anticomunista, mas apresentada como o exército de libertação de Portugal, o seu nome tal como o MDLP, associado a Spínola e Alpoim Calvão, fizeram história atacando sedes e centros de trabalho do PCP e do MDP/CDE bem como de partidos da extrema-esquerda, haverá nos Açores a FLA – Frente de Libertação dos Açores, que emergira do Movimento para a Autodeterminação do Povo Açoriano, haverá atividades e algumas bombas, na Madeira foi tudo mais brando, a FLAMA – Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira também lançou uma campanha bombista, mas mais modesta.

Na década de 1980 fizeram furor as FP-25 de Abril, que levaram uma das figuras míticas do 25 de abril, Otelo Saraiva de Carvalho, à prisão. Portugal não irá escapar a ajustes de contas de certos movimentos do terrorismo internacional, num congresso da Internacional Socialista, em abril de 1983, é morto um dirigente da OLP, e nesse mesmo ano um comando de 5 terroristas pertencentes ao Exército Revolucionário Arménio ataca a Embaixada da Turquia em Lisboa e faz reféns; Evo Fernandes, representante da RENAMO em Portugal, é executado perto de Cascais por agentes do Serviço Nacional de Segurança Popular, de Moçambique. E os GAL – Grupos Antiterroristas de Libertação, financiados com dinheiros do governo espanhol para combater a ETA, tinham uma ligação portuguesa.

Com este rol de práticas, é mesmo de questionar se somos um povo de brandos costumes…

Leitura a não perder.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18415: Bibliografia (47): “Lamento de uma América em Ruínas”, por J. D. Vance; Publicações Dom Quixote, 2017 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 15 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9904: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (22): Havia mais "PALOP" (entendimentos) antes das independências

1. Mensagem do nosso camarada António Rosinha, (ex-Fur Mil em Anagola) topógrafo na TECNIL na Guiné-Bissau, depois da sua independência, com data de 11 de Maio de 2012:

Havia mais "PALOP" (entendimentos) antes das independências

Guerra colonial portuguesa, Guerra do Ultramar, Luta de Libertação Nacional de Angola, Guerra de Independência da Guiné-Bissau, Luta de libertação de Moçambique, sem falarmos nos casos de São Tomé e Cabo Verde, são tantos os nomes da guerra da geração dos que nasceram nas décadas de 40 e 50 do século passado, que todos os nomes se podem ajustar a cada circunstância.

Mas se quisermos balizar a guerra entre as datas que provocam a frase “para Angola e em força” de Salazar, até à entrada de Marcelo Caetano no Chaimite de Salgueiro Maia, então se quisermos ser realistas com a história, foi como “Guerra do Ultramar”, nome com que no continente e ilhas era alcunhada a guerra pelos soldados que embarcavam no continente e ilhas, a caminho das colónias.

Mas para os movimentos que lutaram contra os que iam do continente e ilhas e imensos que eram naturais das colónias, essas datas dizem muito pouco, pois eles próprios, que são vários movimentos, cada qual tem as suas datas, ignorando mesmo as datas importantes dos outros movimentos irmãos.

E exigem para cada um, o seu próprio protagonismo, e hoje, até fazem por ignorar os feitos dos “irmãos” e assumiram as suas próprias datas comemorativas, exclusivas e isoladas uns dos outros, quando na realidade foi em conjunto que trabalharam.

Esta é uma realidade que se quer varrer para debaixo do tapete pelos 5 PALOP, que estiveram sempre associados na luta contra o colonialismo português, e hoje quase se ignoram.

Claro que podem ser encontradas razões para esse afastamento entre os governos MPLA/FRELIMO/PAIGC/PAICV
(Não incluo aqui São Tomé nem a UNITA nem FNLA nem RENAMO porque estes foram secundarizados por aqueles).

É que o protagonismo dos dirigentes desses movimentos “vitoriosos” que se relacionavam entre si a nível internacional, era tão excessivo que apagaram o sacrifício que os povos sofreram, tanto dos que acreditaram nesses movimentos como aqueles que ainda hoje não acreditam.

E como esses dirigentes, que se conheciam todos uns aos outros e se entendiam bem, eram tão poucos que rapidamente foram sendo apagados e excluídos politicamente e até eliminados fisicamente alguns, e hoje “desconhecem-se” mutuamente, após as independências e as vicissitudes que se seguiram, porque os dirigentes que “sobraram” eram desconhecidos uns dos outros.

Ao contrário do que se passava no tempo colonial, que havia uma união entre os principais protagonistas da luta anti-colonial, e mesmo entre eles e a oposição política portuguesa metropolitana, e agora não há CPLP nem PALOP “que lhe valha”, e é uma pena que a tal elite tradicional que existia se tenha apagado tanto, embora fosse previsível que tal acontecesse.

Era uma mais valia enorme para todos os 5 PALOP, pois havia muito entendimento entre eles e é a união que faz a força, pode ser que um dia reapareça essa união que existiu, o que parece difícil.

A conjugação de esforços e entendimento entre os dirigentes dos referidos movimentos era tal que no caso de Amílcar Cabral é considerado nos relatos históricos como co-fundador de MPLA, angolano, e do PAIGC.

E após as independências, no caso da Guiné é bem conhecida a colaboração de guineenses e cabo-verdianos do PAIGC que se prolongou durante bastantes anos, e acabou essa colaboração com maus resultados para o futuro da Guiné.

Mas sabemos que não era a colaboração que estava errada, mas as políticas “importadas” e completamente erradas e contrárias ao espírito dos povos e que não diziam nada às pessoas, e que acabaram num virar de costas, mau para todos.
(Absurdos como ideologias guevaristas em balantas, Ganguelas e macuas ou beirões e algarvios, nem em Cuba foi bom)

Ainda no caso da Guiné, conhecemos no tempo de Luís Cabral, um angolano como ministro do governo guineense, Mário Pinto de Andrade, que foi, durante a luta anti-colonial um dos presidentes do MPLA.

Mas como todos os casos semelhantes a Mário Pinto de Andrade, que já era um “exilado” de Angola, tornou-se exilado também da Guiné, foi péssimo a fuga dos mais informados.

E foram milhares de angolanos, guineenses, e de todos os PALOP, que se “exilaram” em Portugal, no Brasil e por todo o lado. Por cá, ainda há quem chame a alguns de retornados. Mas periodicamente, durante estes 38 anos de independências, os mais informados vão-se afastando dos seus países.

Embora muitos países em África descolonizada tenham problemas semelhantes, no caso das ex-colónias portuguesas têm uns problemas específicos, à vista de todos.

Menciono dois:

Um desses problemas mencionava-o Samora Machel numa visita a Portugal num discurso com Ramalho Eanes, presidente, dizia Samora que: “…todos têm pai, só nós (moçambicanos) não temos pai", referia-se à colaboração dos vizinhos com a Inglaterra. (neocolonialismo???), chame-se o que se queira, mas da parte de Portugal era impossível impor-se à “bola de neve” que esses movimentos criaram, que até os próprios dirigentes esmagou.

O outro enorme problema específico é o êxodo quase total da tal elite que Amílcar falava como a “burguesia “ que corria o risco de se suicidar, mas que tanta falta fazia viva, mas bem viva, porque eram patriotas, bem formados e formavam uma sociedade sã e adaptada aos vários ambientes étnicos, religiosos e culturais e já não se consideravam nem eram vistos pelas etnias, como simples colonos, embora a maioria fossem brancos ou mestiços e muitos eram negros já desintegrados da respectiva etnia.

Não se suicidou, mas exilou-se contra a vontade da maioria deles que não viram maneira de contrariar as forças internacionais, tremendamente malignas para todas as etnias africanas, que a “demagogia das independências” atraiu naquele momento errado.

Claro que esta gente que (conheci e fui colega de centenas) teve que se “exilar”, também deita muitas culpas para cima da tropa e dos políticos tugas, por certas coisas correrem tão mal.

Mas para a “morte ter desculpa”, quando vemos as revoluções e os massacres por motivos étnicos, religiosos, fronteiriços ou políticos em África, se for nas ex-colónias portuguesas pode-se dizer que a culpa foi do atraso em que Portugal deixou aqueles territórios, noutros casos fica à responsabilidade da ONU, essa abstracção.

Quando digo que havia mais PALOP (entendimento) entre aqueles cidadãos desses futuros países, havia mesmo uma irmandade tão saudável e até com alguma rivalidade competitiva e orgulho na própria terra que era entusiasmante e saboroso conviver e assistir ao entusiasmo daquela gente, antes do terrorismo do Norte de Angola e mesmo depois.

Mas há certos motivos para explicar a diminuição de um sentimento “PALOP”, mas deixo para momento mais propício,

Claro que a Europa colonialista cansada da guerra da Índia, da guerra da Indochina, da 2.ª Grande Guerra, optou por ver os outros em guerra, sozinhos.

Alguns de nós portugueses, assim como em tudo, seguimos sempre a Europa um pouco mais atrasados, tinha que ser.

Um abraço e coragem para os editores “editarem sempre”
António Rosinha
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9655: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (211): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte III)