Nem sempre aquilo que parece é!
Nos tempos que correm, não raramente somos confrontados com certas informações em que a dúvida quanto à sua autenticidade leva muita gente não só a duvidar, mas a julgar ter a certeza que aquilo não passa de uma mentira. É verdade que existem certas notícias que aparecem um pouco por todo lado que apenas tem em vista gerar confusão, ou obter proveitos para os seus promotores. Mas isso não nos pode levar a pensar que estamos perante uma fraude sempre que somos confrontados com tais situações.
Já lá vão muitos anos que esteve para acontecer comigo algo, que se não tenho conseguido evitar, e não foi fácil, provavelmente algumas pessoas apesar de já ter passado muito tempo, ainda hoje guardavam na mente que aquilo teria sido, mentira, uma invenção minha. Isso passou-se na véspera do dia da minha partida para a guerra, para a então província da Guiné, que teve lugar no já longínquo dia 24 de janeiro de 1972.
Eram três horas da tarde quando me apresentei no Quartel dos Adidos, em Lisboa, onde depois de cumpridas as formalidades indispensáveis fui informado que só sairíamos por volta das quatro horas da manhã para o aeroporto de Figo Maduro onde íamos apanhar o avião que nos iria levar. Até a essa hora, se quisesse, podia ir passear pela cidade.
Eu tinha umas pessoas de família que moravam na rua Dr. Gama Barros… fui ter com eles onde estive até próximo da meia noite. Uma dessas pessoas tinha um irmão, enfermeiro, a prestar serviço no Hospital Militar em Bissau, pediu-me se eu lhe levava dois frangos assados para lhe entregar quando lá chegasse. Eu disse-lhe que sim, ele foi mandar assar os frangos a uma casa que existia lá próximo.
Chegada a hora de voltar para os adidos, era ainda cedo… decidi ir algum tempo a pé, quando caminhava na avenida João XXI estava muito frio, com temperatura negativa. Não havia por ali nenhum movimento, nem pessoas nem veículos, outros tempos. Ao passar junto a um prédio que tinha a porta aberta saiu de lá um cão enorme, um pastor alemão a ladrar e a aproximar-se de mim, eu parava e ele parava também mas sempre muito perto, eu começava a andar e ele voltava a aproximar-se e a ladrar de forma ameaçadora, foram três as vezes que ele teve tal comportamento, e eu cheio de medo sem saber o que fazer, sempre que ele se aproximava eu sentia uma vontade enorme de lhe dar os frangos, se fossem meus não tinha hesitado… talvez assim me deixasse seguir enquanto ficava entretido a comer. Mas ao mesmo tempo pensava, quando disser a alguém que dei os frangos a um cão ninguém vai acreditar. Foram momentos de enorme confusão e medo à mistura aqueles porque passei.
Como se já não bastasse a situação que estava a viver! Quando decidi que lhe ia dar os frangos se continuasse a não me deixar andar, o pastor alemão calou-se e voltou para casa enquanto eu suspirava de alívio, e assim com alguma sorte, o enfermeiro, o primeiro-sargento Canha, lá recebeu os frangos pouco tempo depois da aeronave em que viajei ter aterrado no aeroporto de Bissalanca.
Ainda hoje, algumas vezes, dou comigo a pensar… se eu tivesse dado os frangos ao cão, como foi naquele momento a minha vontade, seriam poucos os que teriam acreditado que isso era verdade.
Em situações assim, embora possa parecer mentira, é sempre bom pensar que existem coisas por demasiado duvidosas e estranhas que possam parecer, podem ser verdade.
E aquela, teria sido uma dessas!
António Eduardo Ferreira
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Nota do editor
Último poste da série de 4 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22253: Estórias avulsas (106): O Aspirante Carvalho e a nossa (in)sanidade mental (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535/BCAÇ 3880, Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74)