Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta CCAV 1484. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta CCAV 1484. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26998: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (2): José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/1966) - II (e última) Parte: testemunhos de camaradas


 Lourinhã > Areia Branca > 11 de maio de 2014 > A terra homenageou o seu herói, o  José Henriques Mateus (1944-1966).  Painel de azulejos, pintado à mão, e que faz parte do monumento, inaugurado no centro da povoação. Na parte superior do painel, ao centro está desenhado e pintado o guião da CCAV 1484, a que pertencia o Mateus.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/66)



Guiné > Região de Tombali (?) > Catió (?) > s/l> s/d> CCAV 1484 (1483,  Nhacra e Catió, 1964/66)> O José Henriques Mateus. Foto gentilmente cedido pelo irmão mais novo, Abel Mateus, ao Jaime Bonifácio Marques da Silva.  O Zé Henriques era o "sustento da família" , o mais velho, o braço direito da mãe, viúva.

Foto (e legenda): © Jaime Silva (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Continuamos a reproduzir, com a devida vénia,  alguns excertos  do livro recente  do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 173/178. 


II (e última) parte  relativa às circunstâncias em que morreu, no CTIG, o lourinhanense José Henriques Mateus, o segundo em termos cronológicos, depois do José António Canoa Nogueira (*)

(...) Certidão de óbito

No seu livro, o Jaime Silva transcreveu integralmente o teor da certidão de óbito nº 594/967,  passada em janeiro de 1967,  pela Conservatória do Registo Civil da Comarca de Bissau, onde consta “morte em combate”, apesar do corpo do militar nunca ter aparecido, o que se justifica pelo facto de ser necessário para a família poder receber a pensão de preço de sangue.

Neste postes, limitamo-nos a reproduzir um excerto da parte final dessa certidão:

(...) "A declaração de óbito foi feita de conformidade com o ofício número sessenta e quatro/ sessenta e sete, processo número sete/sessenta e sete do Tribunal Judicial da Comarca da Guiné que acompanhou a certidão de sentença proferida pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz, em Bissau, digo em vinte e três de janeiro de mil novecentos e sessenta e sete. 

"Depois deste registo ser lido e conferido com o seu extrato vai ser assinado por mim, Carlos Dinis de Figueiredo Júnior, conservador do Registo Civil. Conservatória do Registo Civil da Comarca da Guiné em Bissau, aos trinta dias do mês de janeiro de mil novecentos e sessenta e sete. "(...)



5. NOTAS À MARGEM DO PROCESSO: testemunhos

Testemunhos de camaradas que conviveram com José Henriques Mateus:

1º Testemunho: 

Transcrevo o que Benito Neves (2007) [1] relatou sobre o acidente ao Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. O texto foi extraído da história da Companhia, da qual foi encarregue de escrever. Realça:


“Relatório da Operação Pirilampo - 10 de setembro de 1966:

 “Esta operação foi realizada pelas CCAV 1484, reforçada com 1 Gr Comb Pel  Mil 13 e CCAÇ 763, com a finalidade de bater a mata de Cabolol de modo a detetar e a destruir o acampamento IN localizado em (1510.1120.A2).

 Foi efetuada uma minuciosa batida à mata de Cabolol no sentido E-W. Pelas 14h30, não obstante as dificuldades que surgiram pela densidade da vegetação, foi detetado o acampamento IN em (1510.1120A3.15), composto por 16 casas, que foi destruído com fraca resistência do IN.

 Foram capturados documentos diversos e munições para espingarda Mauser. O IN, que deveria ter detetado as NT, havia evacuado grande parte do seu material para fora do acampamento.

Em continuação da ação, as NT seguiram em direção a Cabolol Balanta. Quando queimavam o seu primeiro núcleo de casas mais a sul, o IN, instalado na orla da mata, reagiu em força com fogo de morteiro, lança granadas-foguetes, metralhadora pesada, pistolas metralhadora e espingardas, causando 6 feridos ligeiros às NT. Após reação destas, o IN furtou-se ao contacto, sendo ainda queimados mais 3 núcleos de casas.

Pelas 17h00 as NT iniciaram o regresso, tendo sido flageladas com fogo de morteiro.

Quando as NT atravessavam o rio Tompar [afluente do Rio Cumbijã, a sudoeste de Bedanda], afogou-se o soldado nº 711/65, José Henriques Mateus, da CCAV 1484, não tendo sido possível recuperar o seu corpo, apesar de todas as buscas efetuadas. 

Pelas 22h30 as NT chegaram ao aquartelamento de Cufar, depois de uma marcha fatigante em terreno pantanoso. O que acima se transcreve é o que consta do relatório da operação, extraído da história da Companhia, de que fui encarregue de escrever.”

2º Testemunho: 

O José Francisco Couto, soldado nº 699/65 – SPM 3008, natural da freguesia da Roliça (Baracais), concelho do Bombarral, foi camarada de pelotão do Mateus e seu amigo. Participou com ele na Op Pirilampo, assistindo ao desaparecimento do Mateus quando ambos atravessavam o rio Tompar.

Durante a consulta ao espólio do Mateus, juntamente com o seu irmão, encontrei entre a sua correspondência dois aerogramas enviados à mãe do Mateus pelo soldado Couto. Neles, ele lamentava as circunstâncias da morte do filho e afirmava que a iria visitar logo que regressasse da Guiné, uma vez que eram naturais de concelhos vizinhos.

Transcrevo, ainda, parte do segundo aerograma, endereçado à mãe do Mateus, em 08.11.1966, a parte do texto em que lamenta a tragédia que roubou a vida ao amigo, como repete as circunstâncias do acidente:

 “Prezada Senhora: É com os olhos rasos de lágrimas que novamente me encontro a escrever-lhe sendo ao mesmo tempo a desejar-lhe uma feliz saúde a si e aos seus filhos que eu cá vou indo na graça de Deus. 

Sei senhora Rosa que ao receber esta minha notícia mais se recorda da tragédia que lhe roubou o seu querido filho, pois é com mágoas no coração que lhe respondo a tudo quanto me pergunta e peço a Deus que não a vá magoar mais com tudo o que lhe possa dizer. Pois compreendo que além da minha dor ser enorme a sua não tem palavras, pois o destino foi traiçoeiro. 

Sim (…), a Senhora pede-me que lhe explique como tudo se passou. Pois sou a dizer-lhe tudo o que sei. Foi uma das saídas que nós tivemos, durante o dia tudo se passou da melhor maneira na graça de Deus e nós nos sentíamos satisfeitos, mas no regresso tivemos que atravessar um rio e a corrente era enorme, como enorme era o peso que trazíamos, e que ele ao passar a corda se partiu e foi quando ele foi parar ao fundo sem mais ninguém o ver. Pois quatro camaradas nossos, mal pressentiram o que se estava a passar, atiram-se à água e mergulharam ao fundo para ver se o encontravam correndo o rio de cima para baixo e vice versa mas o resultado foi o que Senhora já sabe. 

(…) Esta é apenas a verdade que podem contar à Senhora e aos seus filhos. Sim, também me diz que apareceu alguma coisa dele e é certo, mas não o que a Senhora me diz. Apareceu sim o que lhe vou contar. Passados alguns dias nós voltámos a passar por lá, e foi nessa altura que um dos alferes encontrou uma parte da camisa e a carteira no bolso, pois a parte da camisa era só da frente e tinha o bolso onde estava a carteira, que o alferes tem para lhe enviar tudo junto que resta do seu querido filho. E a Senhora não precisa de tratar nada pois a companhia já tratou de tudo, pois também tratou dos papéis para a Senhora ficar a receber algum dinheiro que bastante falta lhe fará e assim, minha Senhora, não quero alongar mais as minhas notícias pois elas só lhe levam mágoas. 

Sem mais me despeço com muitas saudades para os seus filhos um aperto de mão para todos para a Senhora também deste que chora também a sua dor. José Francisco Couto."

Consegui o contacto com o José Francisco Couto, convidei-o para participar na cerimónia que a AVECO (Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã) e a população da sua terra natal – lugar da Areia Branca – lhe prestou em 11 de maio de 2014. Após o serviço militar, o José Couto emigrou para o Canadá, onde vive atualmente e na troca de correspondência que efetuou comigo, em 3 de fevereiro de 2014, escreveu:

“Eu, José Francisco Couto estou-lhe respondendo à sua carta que recebi aqui há dias. Fiquei bastante surpreendido que ao fim de tantos anos verifiquei que afinal o José Henriques nunca foi esquecido (…).

"Eu gostava imenso de estar aí presente nesse dia para prestar a minha homenagem e ditar tudo o que se passou, mas como estou longe e por agora, não posso fazer planos, mas vou-lhes contar aquilo que se passou.

“O Batalhão ia fazer uma emboscada na qual o José Henriques estava incluído. Éramos bastante amigos. O alferes ia com uma corda atada à cintura para atar a uma árvore para nós podermos passar um a um. A corda atravessa o rio de um lado a outro. Ele agarrou-se à corda a seguir ao alferes. Quando o alferes já tinha passado para o outro lado, ele agarrou-se e a seguir ia eu e eu ouvi ele gritar e não o vi. Eu recuei para trás. Começaram as emboscadas por terra e por rio e nunca ninguém o viu mais. 

"Ao fim de quinze dias passámos ao rio e vimos a camisa dele pendurado numa árvore toda rota. Ele, umas semanas antes, tinha-me desafiado para nós fugirmos para os turras. Por isso, nunca pensei que ele tivesse morrido no rio e que ele se tivesse passado para algum lado porque ele sabia muito bem nadar. E pronto, é tudo o que sei para contar. De resto não sei mais nada. Não sei se foi comido por algum bicho do rio ou o que se passou mais. Quando cheguei a Portugal fui mandar dizer uma missa por ele. (…)”

3º Testemunho que me foi prestado pelo ex- fur mil  Estêvão Alexandre Henriques em 23.04.2014. 

O Estevão é natural de Fonte Lima, Stª Bárbara, e vive no Seixal. Com a especialidade de Radiomontador, embarcou para a Guiné, a 18 de agosto de 1965, a bordo do navio Niassa, chegando a Bissau a 24. Fez parte da Companhia  nº 1423, CCS que pertenceu ao BCAÇ 1858. 

Quando o Mateus chegou à Guiné o Furriel Estevão conseguiu o seu destacamento para a Messe de Sargentos, através do cozinheiro Santos, seu amigo e natural das Matas (Lourinhã). 

Na altura do acidente o Estevão não estava em Catió. Soube do acidente três dias depois, quando regressou de Empada onde tinha ido fazer reparações nos rádios. Pensa que se estivesse em Catió na altura da operação, seguramente o Mateus não teria sido nomeado para a mesma, uma vez que, no seu entender, ele já não era operacional. 

O que soube em pormenor do acidente foi-lhe contado pelo cozinheiro António José dos Santos, entretanto falecido. O furriel Henriques afirma que as Nossas Tropas só voltaram ao local do acidente uma semana depois, altura em que encontraram, então, a camisa ou um pedaço (farrapo) da camisa pendurada (presa) numa árvore. Não sabe quem a encontrou e nunca viu a camisa. No bolso da camisa estava uma carteira em forma de ferradura contendo uma medalha da Nossa Senhora, uma moeda portuguesa furada e um amuleto de cabedal. Foi o Estevão que entregou a carteira à mãe do Mateus. 

No final da Comissão o comandante do Batalhão 1858, cujo nome não se lembra, chamou-o e pediu-lhe expressamente que entregasse a carteira à mãe e lhe apresentasse as suas condolências e do pessoal do Batalhão pela morte do filho. O comandante nunca lhe falou das circunstâncias do desaparecimento do Mateus.

Diz, ainda, que foi sempre tudo um segredo bem guardado e nunca conseguiu que algum dos camaradas que participaram na operação lhe dissesse o que quer que fosse sobre o acidente. Afirma, ainda, que o Mateus nunca lhe falou em fugir.

O furriel Estevão regressou da Guiné em 9 de maio de 1967 e só em junho teve a coragem de entregar a carteira à mãe do Mateus. Lembra-se que nesse momento estava presente a irmã do Mateus.

Hipótese colocadas por seus camaradas acerca do seu desaparecimento:

Alguns camaradas do Mateus colocaram a hipótese de ele ter desertado ou ter sido preso pelo PAIGC, vindo a ser libertado na Operação Mar Verde. Entre eles, encontra-se José Francisco Couto, como referi anteriormente.

Essa hipótese não se confirmou, de acordo com o testemunho de alguns dos seus camaradas:

i) Benito Neves (CCAV 1484, Nhacra e Catió 1965/67) escreve:

 “Relativamente a reservas que ainda hoje tenho sobre esta morte, na medida em que se levantou a hipótese de ter sido capturado e libertado mais tarde no decurso da operação Mar Verde [Conacri, 22 de novembro de 1970]. Porém, oficialmente, conforme documento anexo, foi considerado “morto em combate”. (Luís Graça & Camaradas da Guiné, Post1676).

ii) Benito Neves e Hugo Moura Ferreira juntam cópia do Ofício do Arquivo Geral do Exército, nº 112/STAG, Proc. 6.2, de 23 de maio de 2007, em resposta a um requerimento do nosso camarada Hugo Moura Ferreira, de 16 de abril de 2007, pedindo informações do Soldado José Henriques Mateus. Cópia facultada pelo Benito Neves. Em traços largos, o teor do ofício é o seguinte: 

1. O José Henriques Mateus foi dado como morto em combate, “conforme a História da sua unidade (CCAV 1484)"

2. Segundo o Arquivo Histórico Militar, há uma relação de militares falecidos e desaparecidos, do CTIG/QG/1ª Repartição, datada de 21 de maio de 1974, donde consta o nome do José Henriques Mateus,  “dado como desaparecido em combate na região de Catió, em 10 de setembro de 1966 e que mais tarde foi considerado morto, juntamente com outros militares, nos termos do n.º 3 do art 1º do Decreto 350/71, e 12 de agosto de 1971”.

3. Não faz parte dos militares resgatados através da Operação Mar Verde [em que foram libertados 26 prisioneiros portugueses, em Conacri];

4.Também não consta da base de dados referente à lei dos ex-combatentes (Lei nº 9/2002).

(Vd. poste de 9 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2821: Aqueles que nem no caixão regressaram: o caso do José Henriques Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves / Hugo Moura Ferreira).

(Revisão/ fixação de texto: LG)
 ________________

Nota do autor, JBMS:

[1] In: Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, quinta-feira, 19 de abril de 2007. Guiné 63/74 - P1676: Vivo ou morto, procura-se o Soldado Mateus, da CCAV 1484, natural da Lourinhã (Benito Neves). https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/04/guin-6374-p1676-vivo-
-ou-morto-procura.htm
________________

Nota do editor LG:


Vde. postes anteriores:

30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26968: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942- 1965) (sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619, Catió, 1964/ 1966) - Parte II: o Manuel Luís Lomba estava lá, em Cufar, em 23 de janeiro de 1965

terça-feira, 8 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26993: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (2): José Henriques Mateus (1944-1966), sold at inf, CCAV 1484 (Catió, 1964/1966) - Parte I: nota biográfica


JOSÉ HENRIQUES MATEUS (Lourinhã, 
17.10.1944 - Guiné, 10.09.1966)


TO do falecimento - Guiné

Posto: Soldado atirador infantaria nº E – 69516/65

Subunidade: CCAV 1484 (

Naturalidade - Areia Branca, Lourinhã

Local da sepultura - Corpo, desaparecido no rio Tompar (afluernte do rio Cumbijã), , no decurso da Op Pirilampo, e  não encontrado


I. Continuamos a reproduzir, com a devida vénia,  alguns excertos  do livro recente  do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 169/173.


1. REGISTO DE NASCIMENTO

José Henriques Mateus nasceu a 17 de outubro de 1944, às 11.30 horas, no lugar de Areia Branca. 

Filho legítimo de Joaquim Mateus Júnior, de 42 anos, casado, com a profissão de jornaleiro e natural da freguesia e concelho de Lourinhã, e de Maria Rosa Mateus, de 20 anos, doméstica, casada, natural da freguesia de Atouguia da Baleia, concelho de Peniche, e domiciliados no lugar de Areia Branca. (...)

A declaração do registo de nascimento foi feita pela mãe, teve como testemunhas José Borges, operário reformado do Arsenal da Marinha, morador na vila de Lourinhã, e Manuel da Cruz, casado, proprietário e morador no lugar da Marqueiteira, foi assinado pelas testemunhas e não assinado pela declarante por não saber escrever e lavrado pelo Ajudante da Conservatória, Francisco Rocha, em substituição do Conservador por se encontrar legalmente de licença. Registo nº 503, de 14 novembro 1944, da Conservatória do Registo Civil da Lourinhã.

2. REGISTO MILITAR

Recenseamento: José Henriques Mateus foi recenseado no ano de 1964. Alistado a 3 de junho de 1964. Era solteiro, com a profissão de trabalhador agrícola,  e analfabeto

Inspeção militar: foi inspecionado a 16 de março de 1965 na DRM 5. Tinha 1.67 de altura, 65 kg de peso, cabelos lisos de cor castanho escuro e olhos de cor cinzento esverdeado. Em resultado da inspeção foi “apurado para todo o serviço Militar” e atribuíram-lhe o número mecanográfico E – 6951665.

Colocação durante o serviço: a 4 de maio de 1965 é incorporado como recrutado no RI 7, em Leiria. Fica adstrito à 1ª CI com o nº 1820/65. De 21 a 26 tomou parte nos exercícios de campo (OS 146). Faz o Juramento de Bandeira a 1 de julho. Termina a instrução básica a 03.07.65, sendo transferido para o RC 7 a 4 de julho, destinado à especialidade de atirador de infantaria, sendo aumentado ao efetivo da CCAV 1484 com o nº 711/65. Pronto da Escola de Recrutas a 22 de agosto de 1965 na especialidade de Atirador.

2.1. Comissão de serviço no ultramar, Guiné

Mobilizado: em outubro de 1965 nos termos da alínea c) do artº 3 do Decreto 42937, de 22/04/60, para servir CTI da Guiné, fazendo parte da CCAV 1484.

Embarque: no dia 20 de outubro, a bordo do navio Niassa, em Lisboa. Desembarque: a 27 de outubro em Bissau, desde quando conta 100% de aumento no tempo de serviço.

Data do falecimento: 10.07.1966

Causa da morte: desaparecido ao atravessar o rio Tompar

Local do acidente: Catió

Abatido ao efetivo: de acordo com a Ordem de Serviço (OS), e 21 de setembro de 1966, assinada pelo comandante de companhia,  capitão Virgílio Fernando Pinto, no quartel em Catió, na secção “Orgânica – Alterações para os mapas permanentes, alínea c) – Praças: Abates, consta: “Que seja abatido ao efetivo da CCAV 1884 do BCAÇ 1858, data em que desapareceu ao atravessar o Rio Tompar, o soldado José Henriques Mateus”.

Despacho Superior: por despacho de 24.10.67 foi confirmado como ocorrido em 10.09.66 e por motivo de serviço o acidente referido do qual lhe resultou a morte (OS 265).

Tempo de serviço: 1965, 241 dias e 1966. 252 dias.

2.2. Registo disciplinar: condecorações e louvores

Medalha: de segunda classe de comportamento (Artº 188.º do RDM) é-lhe atribuída em 4 de maio 1965.


3. PROCESSO DE AVERIGUAÇÕES AO ACIDENTE: ANOTAÇÕES E CONTEXTO

Em consequência do acidente, o Ministério do Exército, através do Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG), determina que se organize um processo de averiguações. 

O CTIG informa, ainda, que, na sequência do acidente, “foi enviado telegrama à família do desaparecido comunicando a ocorrência” de acordo com ofício nº 1893, de 14 de setembro de 1966, emitido pelo Comandante do Depósito Geral de Adidos em Lisboa, coronel de infantaria Amândio Ferreira. 

Este informa, também, as várias instâncias superiores do “Desaparecimento de praça no Ultramar”: 

  • Chefe da 1ª Secção da Rep do Gabinete do Ministro do Exército,
  •  Chefe da Rep Geral DSP/ME, 
  • Chefe do Serv Inf Pública das Forças Armadas do Dep da Defesa Nacional, 
  • Chefe do Estado Maior do GG/GML, 
  • Chefe da Rep de Sargentos e Praças DSP/ME,
  •  Chefe da Agência Militar 
  • e Comandante do RC 7.

A 22 de setembro de 1966 dá-se início ao Processo de averiguações em cumprimento do despacho 13919 / processo nº 131, ponto três, exarado pelo QG/CTIG. Para o efeito, o Comandante da CCAV1484 nomeia o alferes miliciano José Rosa de Oliveira Calvário, do Serviço de Material, para elaborar o respetivo processo.

1. O Alferes Calvário, para apurar as circunstâncias em que terá desaparecido o soldado nº 711/66, José Henriques Mateus, ouviu, primeiro, o comandante interino da CCAV 1418, cap inf Virgílio Fernando Pinto, que declarou: 

"Que, a ocorrência tinha sido participada no relatório da operação 'Pirilampo' e no qual se encontram como testemunhas o alf mil cav de Fernando Pereira Silva Miguel, o 1º cabo, radiotelegrafista, nº 1055/65, Osvaldo Freitas de Sousa, e o alf mil cav Cav José Martinho Soares Franco Avillez."

A primeira testemunha, o alf mil cav Fernando Pereira Silva Miguel, CCAV 1484, solteiro, de vinte e quatro de idade e natural de Lisboa declarou:

“Que, após terem sido atingidos os objetivos da operação 'Pirilampo', e se terem evacuado os feridos e se ter dado início à retirada das nossas tropas levantou-se uma tempestade, que fez com que diminuíssem as condições normais de visibilidade, já por si escassas, por ser ao anoitecer. 

Que, quando o acidente se deu eram cerca das dezassete horas e quarenta e cinco minutos, quando da travessia do segundo e último rio, que as nossas tropas tinham de atravessar no regresso, e que naquele dia e àquela hora não dava passagem a vau por se encontrar a maré cheia. 

Mais disse que o soldado José Henriques Mateus se encontrava a atravessar o rio, agarrado a uma corda, quando esta se partiu. Em consequência disto, o sinistrado desapareceu imediatamente não dando mais sinal de si. Mais disse que ouviu o primeiro cabo Osvaldo gritar - «está um homem debaixo de água».

Mais declarou que ele próprio se atirou ao rio o que foi imediatamente secundado por outros camaradas seus, levando em buscas durante cerca de quarenta minutos, mergulhando e tentando tatear e detetar o corpo do sinistrado. 

Mais disse que em virtude da impossibilidade de o encontrar, devido à má visibilidade e forte corrente das águas, e depois de se empregarem todos os esforços, inspecionando a zona várias vezes, regressaram a quartéis. E mais não disse.”

A segunda testemunha, o 1º cabo radiotelegrafista, nº 1055/65, Osvaldo Freitas de Sousa, CCAV 1484 de vinte e um anos, solteiro e natural da Freguesia e Concelho de Fafe, disse: 

“Que se encontrava, quando do acidente, na extremidade da corda que atravessava o rio para apoio da sua passagem, a ajudar seus camaradas a saltarem para a margem. E que, quando o sinistrado se encontrava a meio da travessia, agarrado à corda, esta rebentou. Ao ver que o seu camarada se afundava, jogou-se à água para tentar agarrá-lo. Mais disse que conseguiu chegar junto do mesmo, e que o agarrou ainda por um ombro, embora ele se encontrasse submerso. Mais disse, que começou a gritar pelo que foi ouvido pelos seus camaradas, os quais se lançaram à água tentando auxiliá-lo. Que um deles (talvez uma milícia – não o reconheceu devido à pouca visibilidade) o segurou quando ele já se encontrava também prestes a ser arrastado para o fundo, devido ao peso do corpo do sinistrado. E que em virtude de se encontrar agarrado não conseguiu mais sustentá-lo por mais tempo.

"Mais disse que depois em companhia de outros seus camaradas, tentou detetar o corpo que nunca mais fora visto. Que levaram cerca de trinta minutos em busca, mergulhando e inspecionando a zona, pelo que eram impossibilitados pela escuridão, pela forte corrente das águas e também por estas se encontrarem turvas. E mais disse que após todo este tempo de buscas regressaram a quartéis. E mais não disse.”


A terceira testemunha, o alf mil cav José Martinho Soares Franco Avillez, CCAV 1484 de vinte e dois anos de idade, solteiro, natural da Freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, declarou que:

 “após ter sido dado o alarme sobre o desaparecimento do sinistrado, correu até junto da margem e lançou-se à água, para participar nas buscas do corpo do companheiro. Mais declarou que houve impossibilidade da sua parte e de outros seus camaradas, nas buscas feitas na zona onde desapareceu o sinistrado em virtude da escuridão que se encontrava, da forte corrente das águas do rio e além disso por estas se encontrarem bastante turvas. Mais declarou que levou cerca de quarenta e cinco minutos dentro de água, com outros seus camaradas, tenteando detetar o corpo do desaparecido, esforço, aliás infrutífero. E dado que a coluna estava a ser flagelada na cauda e que havia possibilidade de sofrer emboscadas no regresso e dado também à adiantada hora, foi dada ordem para regressarem a quartéis. E mais não disse.”


Relatório final e Conclusões: Após ter ouvido as testemunhas, o alferes Calvário elabora o relatório final, tirando as seguintes conclusões:

RELATÓRIO:

"1) Que no retorno de uma operação a CAV 1484 teve de transpor um rio bastante caudaloso;

2) Que para o transpor teve-se de utilizar como apoio à tropa que o atravessava, uma corda, cujas extremidades se encontravam presas em ambas as margens, do mesmo;

3) Que em dada altura a referida corda se partiu, precisamente no momento em que se encontrava a transpor o rio, o soldado n.º 711/65, José Henriques Mateus;

4) Que o mesmo soldado se afundou após a corda ter quebrado:

5) Que elementos da companhia, seus camaradas, o tentaram socorrê-lo, atirando-se à água e procurando socorrê-lo;

6) Que se fizeram buscas, durante cerca de quarenta minutos, na zona do desaparecimento, imediatamente, procurando detetar o corpo, sem qualquer resultado;

7) Que as águas do respetivo rio se encontravam bastante turvas e corriam a grande velocidade;

8) Que o incidente se deu ao anoitecer e debaixo de mau tempo."

Conclusões:

"a) Factos provados:

1) Que no acidente não houve culpabilidade do sinistrado, nem de outrem. 

2) Que o sinistrado desapareceu tragado pelas águas do rio, após se ter partido a corda de apoio, na travessia. 

3) Que em virtude das infrutíferas buscas que se fizeram durante 40 minutos, devido a uma série de fatores como: má visibilidade, forte corrente nas águas do rio, adiantado da hora (anoitecer) e as águas do rio bastante turvas, não se conseguiu recuperar o corpo. 

4) Que em virtude do depoimento das testemunhas, concluo a morte do soldado nº 711/65, José Henriques Mateus. 

b) Factos não comprovados: Nenhum”.

Termo de entrega: a 24 de setembro de 1966 o alf mil José Rosa de Oliveira Calvário dá por terminado o Processo de Averiguações e entrega o Relatório final e as Conclusões do mesmo na Secretaria da Unidade, quartel em Catió, para o devido destino”.

Informação superior do comandante: a 20 de outubro de 1996 o Processo de Averiguações segue para conhecimento e decisão superior, com a informação do comandante do Batalhão.

“Informação, 1. O soldado nº 711/65, José Henriques Mateus, da CCAV 1418, foi tragado pelas águas do rio que atravessava, desapareceu e nunca mais foi encontrado; 2. Face às circunstâncias apresentadas concordo com a opinião do Oficial Averiguante que conclui pela morte do referido soldado; 3. Sou do parecer que o acidente deve ser considerado como ocorrido em serviço.

Quartel em Catió, 20 de outubro de 1966”



Parecer do Comando Militar do CTI da Guiné, em Bissau: a 2 de novembro de 1966, o QG/CTIG, através de ofício assinado pelo Comandante Militar, brigadeiro António Reymão Nogueira, emite a seguinte informação: Informação nos termos do Dec. 3ª da OE nº 6-1.ª Série, de 30 junho 66. “Sou de parecer que deve ser considerado em serviço” o desastre de que teria resultado a morte ao sol. 711/65, José Henriques Mateus, da CCAV 1418 a que se refere o presente processo”.

Fonte: adapt. de Jaime Bonifácio Marques da Silva, op. cit.,  2025


(Revisáo / fixação de texto: LG)


(Continua)

______________

Nota do editor LG:

Postes anteriores  da série > 

26 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26957: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte I: nota biográfica


4 de julho de 2025 Guiné 61/74 - P26983: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte III: notícia do funeral no jornal da terra, "Alvorada" (de 23/5/1965)

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25885: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte VI: Depoimento: Osvaldo Freitas de Sousa, de Fafe, atira-se ao rio para salvar o seu camarada da Lourinhã, José Henriques Mateus

 

José Henriques Mateus (Lourinhã, Areia Branca, 1944 - Guiné, Rio Tompar, região de Tombali, 1966)


 SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal.

In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada a testemunhpos e depoimentos recolhos pelo autor (pp. 67/72).






Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): 

(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii) viveu em Angola até 1974; (iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte; (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.



Brasão da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67)



Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] 

Parte VII:   Depoimento 2. Osvaldo de Fafe atira-se ao rio para salvar camarada da Lourinhã. (pp. 72/74)

No dia 10 de setembro de 1966, já no final da operação Pirilampo”, o primeiro-cabo radiotelegrafista Osvaldo Freitas de Sousa atirou-se ao rio Tombar, na Guiné, para tentar salvar o seu camarada de pelotão, soldado José Henriques Mateus, natural do lugar da Areia Branca, pertencente à freguesia e concelho da Lourinhã, e meu colega da escola primária do Seixal.

Tal como o Osvaldo, o José Henriques Mateus, soldado n.º 6951665, pertencia à CCAV 1484 / BCAÇ 1858, mobilizada pelo RC 7, e sediada em Catió. 

O Mateus desapareceu no decorrer de uma operação de combate, a Op Pirilampo, quando no final da operação o seu pelotão atravessava o rio Tompar, agarrados a uma corda, previamente estendida de uma a outra margem do rio. 

Quando chegou a vez do Mateus, e já em pleno caudal do rio, a corda partiu-se, sendo este arrastado pela corrente, nunca mais aparecendo o seu corpo, apesar dos esforços dos camaradas para o resgatar. Uma semana depois, no decorrer de uma outra operação no mesmo local, apareceu parte da camisa. Pensa-se que foi arrastado e comido por um crocodilo.

Ao consultar o processo individual do meu colega de escola Mateus (Zé Valente, era a sua alcunha) no Arquivo Geral do Exército, em Lisboa, no passado dia 14 de janeiro de 2014, deparo-me com o nome do Osvaldo, natural de Fafe, como uma das testemunhas ouvidas no Processo de Averiguações do acidente (o mundo é mesmo pequeno!)

O processo de averiguações foi mandado instaurar pelo Chefe de Estado Maior, ten cor Fernando Rebelo de Andrade em 14. 9. 66 e mandado organizar no Quartel em Catió em 22.9.66 ao alf mil José Rosa de Oliveira Calvário,  do Serviço de Material  (SM) por despacho do cmdt do BCAÇ 1858,  ten cor  Silva Ramos.

O comandante de CCAV 1484, Virgílio Fernando Pinto, capitão de infantaria e comandante interino da companhia, indicou como testemunhas o 1º cabo radiotelegrafista Osvaldo Freitas de Sousa,  o alf mil cav Fernando Pereira Silva Miguel, que participaram na Op Pirilampo, e um terceiro que tinha participado nas buscas do corpo do sinistrado, alf mil cav José Moutinho Soares Franco Avillez.

Declarou o Osvaldo (transcrição do relatório):

(...) E vindo à minha presença a segunda testemunha e perguntado sobre a sua identidade, disse, chamar-se Osvaldo Freitas de Sousa, filho de Manuel de Sousa (falecido) e de Maria da Conceição de Freitas, de vinte e um anos, solteiro, natural da freguesia e Vila de Fafe, e ser primeiro-cabo radiotelegrafista número n.º 1055/65 da Companhia de Cavalaria número 1484, jurou pela sua honra e sua consciência que haveria de dizer a verdade e só a verdade sobre o que lhe fosse perguntado e aos costumes disse nada. 

E tendo-lhe sido perguntado sobre o que consta notícia da alínea dois, da nota treze mil novecentos e dezanove, traço, A, Processo cento e trinta e um, ponto três, disse: - “que se encontrava, quando do acidente, na extremidade da corda que atravessava o rio para apoio da sua passagem, a ajudar seus camaradas a saltarem para a margem. E que quando o sinistrado se encontrava a meio da travessia, agarrado à corda, esta se rebentou. Ao ver que o seu camarada se afundava jogou-se à água para tentar agarrá-lo. Mais disse que conseguiu chegar junto do mesmo, e que agarrou-o ainda por um ombro, embora ele já se encontrasse submerso. 

Mais disse que começou a gritar pelo que foi ouvido pelos seus camaradas, os quais se lançaram à água tentando auxiliá-lo. Que um deles (talvez um milícia – não o reconheceu devido à pouca visibilidade) o segurou quando ele já se encontrava também prestes a ser arrastado para o fundo, devido ao peso do corpo do sinistrado. E que em virtude de se encontrar agarrado não conseguiu sustê-lo por mais tempo. 

Mais disse que depois em companhia de outros camaradas, tentou detetar o corpo que nunca mais foi visto. Que levaram cerca de trinta minutos em buscas, mergulhando e inspecionando a zona, pelo que eram impossibilitados pela escuridão, pela forte corrente das águas e também por estas se encontrarem turvas. 

E mais disse que após todo este tempo de buscas regressaram a quartéis. E mais não disse. E sendo-lhe lidas as suas declarações as achou conforme, ratificou e as vai assinar.

O Oficial - José Rosa de Oliveira Calvário (Alf mil do SM)

domingo, 25 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23643: (De)Caras (188): a morte em combate, em 21/2/1967, na sequência da Op Sobreiro, do alferes mil Américo Luís Santos Henriques, natural de Ourém, contada pelo seu cmdt da 4ª CCAÇ, cap inf Aurélio Manuel Trindade (Bedanda, 1965/67)


Lista dos alferes mortos em combate, no CTIG, no período entre 1963 e 1967 (n=20)... Entre eles, o Américo Luís Santos Henriques, da 4.ª CCAÇ, Bedanda, Sector S3, em 21/2/1967, na sequência da Op Sobreiro, em que participou também a CCAV 1484 (informação do Jorge Araújo).  Infelizmente não há nenhuma foto do Henriques.

Dos 81 alferes mortos no CTIG, entre 1963 e 1974, houve 1 por doença, 24 por  acidente e os restantes 56 em combate (*). No período em apreço (1963/67), dos 20 alferes mortos em combate, 4 pertenciam a companhias de guarnição normal: dois  da 4ª CCAÇ, um  da 3ª CCAÇ e outro da 1ª CCAÇ (que em 1967 irão dar origem à CCAÇ 6, CCAÇ 5 e CCAÇ 3, respetivamente).

Infografia: Jorge Araújo (2018) 






Guiné > Região de Tombali >  CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > 22 de fevereiro de 1967 > A caminho Catió... Regresso, em LDM,  da Op Sobreiro, em que perdeu a vida o alf mil Henriques, da 4ª CCAÇ (Bedanda, 1966/67). As fotos parece ter sido tiradas ainda no rio Ungauriuol, afluente do rio Cumbijã (este mais largo, entre 200 e 600 metros, pelas nossas contas grosseiras, de acordo com a carta de Bedanda, 1956, escala 1/50 mil).

Fotos do álbum de Benito Neves, ex-fur mil, da CCAV 1484.

Fotos (e legendas): © Benito Neves (2010). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta morte está dramaticamemte narrada  no livro de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do antigo cap inf Aurélio Manuel Trindade, hoje ten gen ref),  "Panteras à Solta", ed. de autor, 2010, 399 pp, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército).

Os familiares, vizinhos, colegas de escola, conterrâneos, amigos e antigos camaradas do Américo Luís Santos Henriques, natural de Valada, Seiça, Ourém, bem como os nossos leitores, têm direito a conhecer esta versão, que consta de uma fonte de difícil acesso: o livro está fora do mercado livreiro, foi impresso na Alemanha, e nem sequer consta na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos. O que é uma pena: é um documento de interesse para a historiografia da guerra colonial. 

O nosso infortunado camarada só está identificado pelo apelido Henriques. Nas memórias do cap Cristo (o único nome fictício que aparece no livvro, e que é um "alter ego" do cmdt da 4.ª CCAÇ / CCAÇ 6, no período que vai de meados de 1965 a meados de 1967), o Henriques  veio substituir o Ribeiro, até então o melhor operacional dos alferes da companhia, juntamente com o Carvalho, todos eles, tal como os restantes graduados, de origem metropolitana e de rendição individual. (Descobrimos que o Ribeiro é o José Augusto Nogueira Ribeiro, nascido em Fafe, em 1940, e já falecido, em 2017: seguiu a carreira militar, chegando ao posto de cor inf quando se reformou; foi condecorado com a "Torre e Espada" por feitos nos TO da Guiné e Moçambique; no CTIG, acabou a sua comissão na 4ª CCAÇ em 15 de maio de 1966, sendo então rendido pelo Henriques).

Antes da descrição da operação em que o Henriques é morto, por um tiro isolado (seguido de forte tiroteio em emboscada do IN nas proximidades da nascente do rio Ungauriuol), vale a pena reproduzir também um pequeno excerto da sua chegada em Bedanda, em data que não podemos precisar (presumivelmente em meados de 1966, já que  foi render o alf mil Ribeiro), e em que é praxado...


Excertos de "Morto em combate" 
(pp. 349-353)


Antecedentes: 

(...) Um dia chegou o alferes Henriques, o substituto do alferes Ribeiro. Bom moço mas
ainda muito cru
. Logo no primeiro jantar foi o Carvalho a atirar:

─ Meu capitão, o posto da árvore hoje é guarnecido pelo Henriques. Eu já lhe disse que o meu capitão e nós todos não temos confiança nos negros e por isso havia um posto que durante a noite era guarnecido por um oficial ou sargento. Ele diz que eu estou a gozar com ele. O meu capitão sabe bem que todos têm de passar por aquele posto várias noites. Esta noite era eu. Como se apresentou o Henriques é ele que deve ir.

(...) Assim, nessa noite, o alferes Henriques passou todo o tempo num posto de vigia,
em cima duma árvore, com uma granada de mão sem cavilha apertada na sua mão. Teria de a lançar ao mínimo sinal de perigo, para acordar o capitão e os outros alferes.

Ele não sabia, mas a granada estava inerte pois tinha-lhe sido retirado o detonador e a
carga explosiva. Esta era uma das brincadeiras que faziam aos maçaricos que chegavam à companhia. O capitão, embora conivente, não se metia no assunto. 

Ao outro dia o Henriques estava contente porque se tinha mantido acordado toda a noite. Ele, que era um dorminhoco, não teve sono. Teve muito medo, segundo confessou, mas
aguentou. No dia seguinte contaram-lhe que tudo não tinha passado duma brincadeira.
Riu-se e achou piada. Actos destes faziam parte integrante da praxe no quartel. (pp. 184/185)

O confronto fatal

(...) O dia começou com o capitão reunido no seu gabinete com os seus subalternos.

─ Tenho informações que me dizem que depois da nossa acção no cruzamento do Cantanhez, a guerrilha construiu um acampamento na mata junto à nascente do Ungauriuol 
 [de acordo com a carta de Bedanda, e 1/50 mil] . Vamos sair esta noite para lá. Vamos apenas três pelotões mais o pelotão do Tala [alferes de 2.ª linha, cmdt do pelotão de milícias de Bedanda]. Sai à frente o Henriques, a seguir o Cristóvão e o Tala, e por último o Manuel. Penso sair do quartel à meia-noite para chegarmos ao raiar da aurora, não sei o local exacto do acampamento. Batemos a mata e seguiremos qualquer pista que encontrarmos até chegar ao acampamento. Não levamos um objectivo concreto, pretendo apenas explorar uma notícia e, mediante isso, impedir que os guerrilheiros fortifiquem o acampamento. Não pretendo deixar os tipos sossegados nesta área. Alguém tem alguma coisa a dizer?

─ Não, meu capitão. De qualquer modo gostaríamos de ir lá com um objectivo concreto em vez de bater a zona ─ disse um dos alferes.

─ Também eu gostava de ter um objectivo concreto, mas não temos. Não se preocupem porque a área está cheia de guerrilheiros e iremos encontrá-los de certeza. Saímos à meia-noite em ponto, ração de combate para um dia. Teremos um helicóptero em Cat
ió [sede do BCAÇ 1858], para evacuações. Até logo.

(...) O capitão estava preocupado. Estava desfalcado em oficiais e os que havia tinham pouca experiência ou eram fracos em termos operacionais. O capitão terá que ir mais atento a todos os pormenores. Queria falar com o Tala.

─ Tala, vamos fazer uma batida na mata entre o Ungauriuol 
[afluente do rio Cumbijã, e que passa por Bedanda], o Lama e a estrada para Guileje [a nordeste de Bedanda]. Vai à frente o nosso alferes Henriques. Tu vais entre o alferes Fernandes e o alferes Manuel. Quero que mandes falar comigo, hoje às dez horas da noite, dois guias que conheçam a zona. Não dizes nada aos guias. Quero falar com eles na presença do alferes Henriques. Levas ração de combate para um dia. Percebeste bem o que eu quero?

─ Percebi, nosso capitão.

─ Então podes ir embora. Quero o teu pelotão à meia-noite pronto para sair. Até logo.

A seguir o capitão falou com o alferes Henriques.

─ Tu vais na frente da coluna. Embora não tenhas experiência de mato, és o subalterno com mais operações feitas. O teu pelotão é bom. Vou dar instruções aos guias que pedi ao Tala e entrego-te depois esses guias. São dois bons guias. Confio em ti. Sabes bem a importância que eu dou ao pelotão que vai à frente. Da sua visão e da sua actuação depende o êxito da operação. Temos que ir muito atentos, os guerrilheiros estão lá de certeza. Eu irei sempre contigo entre a primeira secção e a segunda. Tu deverás ir no meio da primeira. Estarei perto de ti para qualquer apoio que precises. Elucida bem os homens sobre o que terão de fazer. Se encontrarmos pistas vamos explorá-las com cuidado. Olhos bem abertos para não sermos surpreendidos. Se vires que não estás em condições de ir à frente, dou essa missão a outro.

─ Não, meu capitão. Agradeço a sua confiança em mim.

─ Prepara o teu pelotão. A mata que vamos bater é muito densa e vamos ter dificuldades se formos surpreendidos. Até logo.

(...) O capitão mandou depois chamar o Lassen 
 [, seu guarda-costas] para preparar as coisas e avisar o Joãozinho   [, 2.º guarda-costas] . Deu as instruções normais aos sargentos. Sobrou-lhe ainda tempo para meditar em todas as hipóteses que poderiam acontecer e na forma de ultrapassar dificuldades inesperadas. Tinha pensado profundamente a operação e ficava convencido de ter dado todas as instruções. Só faltava esperar que a sorte não o abandonasse. Em tudo na vida é preciso ter sorte, e na guerra é fundamental. Há militares que têm boa sombra no mato e outros não.

À hora combinada a companhia saiu para o mato. O capitão decidiu ir através da bolanha direito a Feribrique, passar depois por Melinde e atravessar depois o rio Lama para começar a bater a mata. A marcha era lenta e difícil. As bolanhas ainda tinham água e eram atravessadas por pequenas ravinas e fios de água difíceis de transpor de noite. A certa altura a coluna partiu-se. O capitão mandou parar o Henriques e ordenou aos guias que fossem recuperar a coluna.

─ Como te sentes, Henriques?

─ Mal, meu capitão. Sinto-me triste. Nunca me senti assim numa operação. Não sei o que se passa comigo.

─ Não é nada. É a primeira vez que tens a responsabilidade de abrires a coluna e estás a sentir esse peso. Só prova que és um oficial responsável. No entanto, se vires que não te sentes bem, passa o Manuel para frente. Vê lá se estás bem de saúde.

─ De saúde estou bem, fisicamente não tenho nada. Sinto-me é muito triste. É como se uma desgraça estivesse para me acontecer.

─ Tens a certeza de que queres continuar à frente?

─ Tenho, meu capitão. Não podia perder a oportunidade da abrir a coluna da companhia.

─ Então segue lá. Continuamos porque a coluna já está unida. Devagar que o terreno é difícil.

Assim se reiniciou a marcha. O rio Lama foi atravessado sem novidades. Com o raiar da aurora iriam dar início à batida. O capitão mandou seguir a corta-mato até encontrarem um caminho que desse indícios de uso recente.

Passado algum tempo o Henriques falou.

─ Cristo, aqui Henriques. Tenho aqui um caminho que parece ter sido utilizado, escuto.

─ Henriques, vou já para aí, depois falamos.

Rapidamente o capitão juntou-se ao Henriques e observou o caminho. Vinha do Cantanhez e seguia para noroeste, para a nascente do Ungarinol. O capitão nem hesitou.

─ Vamos seguir este caminho até à nascente do rio. Temos de ir com muito cuidado para não sermos emboscados. Podem começar a andar.

Dadas estas instruções , o capitão chamou os seus comandantes de pelotão.

─ Fernandes, Tala, Manuel, aqui Cristo. Encontrámos um caminho utilizado recentemente. Vem do Cantanhez e segue para noroeste. Vamos seguir por aí. Manuel, cuidado com a retaguarda. Se houver tiroteio o Tala e o Fernandes aguardam ordens. Cuidado e muita atenção. Já estamos no meio deles. Digam se entenderam, escuto.

Todos tinham entendido e o capitão reportou terminado. A progressão da companhia continuou muito lenta. Os soldados, olhos bem abertos, procuravam detectar no terreno e em cima das árvores algo de anormal, um sinal dos guerrilheiros. Silêncio total. Nem a bicharada se fazia ouvir. O capitão avançou um pouco e aproximou-se do Henriques. Sabia que, se houvesse emboscada, a sorte dependeria da reacção dos homens da frente.

Apesar de todo o cuidado na progressão, ouviu-se nitidamente um tiro isolado seguindo de um tiroteio enorme. A situação foi tão inesperada que todo o pelotão se deitou imediatamente no chão. O alferes Henriques estava caído uns três a quatro metros à frente do capitão. O capitão correu para ele para lhe dar instruções e verificou que o Henriques estava ferido com um tiro na barriga. De imediato tomou conta do pelotão, dando ordens directas aos soldados. O Lassen foi buscar o enfermeiro que rápido chegou ao local.

─ Eu já trouxe o alferes Henriques aqui para trás deste monte de baga baga  ─ disse o capitão. ─ Tome conta dele e veja o que pode fazer. Eu tomo conta do pelotão e vou sair daqui ou ainda cá ficamos todos. Arrancamos directos a eles. Passo rápido e fogo sobre eles.

Os soldados levantaram-se e meteram-se pela mata dentro com o capitão. Os guerrilheiros pararam o fogo e retiraram. Na perseguição foi localizado um acampamento improvisado.

─ Fernandes, Tala, Manuel, ─ aqui Cristo ─ sofremos uma emboscada. O Henriques parece que está gravemente ferido. Localizei um acampamento que vou ultrapassar. O Fernandes deixa alguns homens recolher o Henriques e os outros feridos, traz o Tala e vem ter comigo. O acampamento fica por vossa conta. Destruamno.

O pelotão do Henriques garante a segurança frontal. Manuel, segurança à retaguarda. Depois do acampamento destruído retiramos para a bolanha e fazemos as evacuações. Digam se entenderam, escuto.

─ Cristo, aqui Fernandes. Entendido. Agora vou seguir para aí com o Tala. O Henriques morreu, informou o enfermeiro. Há mais três feridos, escuto.

─ Cristo, aqui Manuel. Entendido. Segurança à retaguarda garantida. Escuto.

─ Aqui Cristo, terminado para todos.

─ Bedanda, aqui Cristo. Fui emboscado. Tenho quatro feridos um dos quais oficial. Solicito presença helicóptero para evacuações. É urgente. Estou na mata a oeste do rio Lama e vou agora para a bolanha onde assinalarei a minha presença. Diga se entendido, escuto.

─ Cristo, aqui Bedanda. Entendido. Terminado por agora.

Rapidamente o acampamento foi revistado e destruído. Acampamento recente, estava localizado numa zona de difícil acesso onde os guerrilheiros se sentiam seguros.

O capitão estava triste. Tinha morrido um oficial que era para ele como um filho. Gostava de ir com o capitão para todo o lado e tinha grande admiração pelo seu comandante de companhia. Depois de destruído o acampamento e assegurada na bolanha a segurança para se fazerem as evacuações, o capitão disse ao Fernandes:

─ Sou o responsável pela morte do Henriques. Quando a coluna se partiu eu estive a falar com ele e o rapaz parecia que adivinhava a morte. Estava muito triste. Devia tê-lo mandado para a retaguarda e passar o teu pelotão para a frente. Nunca me perdoarei.

─ O meu capitão não tem culpa. Cada um de nós morre quando tem de morrer. Tinha chegado a hora do Henriques. Se me passasse a mim para a frente e o Henriques para a retaguarda, a emboscada seria à retaguarda e o Henriques morria na mesma.

─ Talvez tenhas razão. Mas nunca mais esquecerei a cara de angústia quando foi ferido e a conversa que tive com ele.

─ Não pense mais nisso, meu capitão. Está aí o heli. Vamos fazer as evacuações.

─ Eu vou falar com o piloto. Trata de trazer o Henriques e os feridos.

O capitão, acompanhado do Lassen, do Joãozinho e do rádio telegrafista, dirigiu-se para o helicóptero onde falou com o piloto.

─ Um dos feridos já morreu. Foi o alferes Henriques. Peço-lhe para o levar para Bissau juntamente com os feridos.

─ Eu vou fazer isso,  embora o senhor capitão saiba que não nos é permitido levar mortos para Bissau.

─ O senhor pode dizer que ele morreu na viagem. Queremos evacuá-lo para Lisboa,  e se estiver em Bissau é mais fácil para nós.

─ Esteja descansado, senhor capitão, que eu levo tudo para Bissau.

Quando o corpo do Henriques e os feridos estavam dentro do helicóptero, o Lassen perguntou ao capitão se também podia ir.

─ Não, não podes. Tu podes é levar já duas lamparinas no focinho. No helicóptero só vão os feridos. Eu fico cá e tu também ficas.

─ Nosso capitão, olhe, eu também estou ferido.

Só nessa altura o capitão deu conta de que o seu guarda-costas estava a perder sangue. Para estar sempre ao lado do seu capitão durante a emboscada, o Lassen não disse a ninguém que também estava ferido e nem sequer tinha sido visto pelo enfermeiro. O capitão viu então a amizade e o respeito que aquele soldado tinha pelo seu capitão.

─ Desculpa, Lassen. Agora devias levar duas bofetadas por não me dizeres que estavas ferido. Vais embarcar depois de o enfermeiro te fazer um penso.

Penso concluído, o Lassen entrou no helicóptero. De dentro do helicóptero falou para o Joãozinho:

─ Joãozinho, eu vou para Bissau. Toma conta do nosso capitão.

O capitão ficou emocionado. Como era possível tanto amor, lealdade e ternura dum soldado para um capitão de Lisboa. Coisa que só a vida dura de combate na Guiné pode explicar.

Depois da evacuação dos feridos, o capitão deu ordem para regressar ao quartel onde chegaram por volta das cinco horas. Um avião sobrevoou o quartel e o capitão deu ordens ao 1.º sargento para ir à pista ver quem tinha chegado.

Quem chegava era o coronel comandante do sector. O capitão já estava de tronco nu e calças desapertadas, preparava-se para tomar banho.

O comandante do sector disse ao capitão.

─ Parabéns, Cristo. Foi uma operação em cheio. Você não deixa os guerrilheiros descansar nem um pouco.

─ Meu comandante, não aceito os parabéns. Tive quatro feridos e um morto. O morto é um oficial que era como um filho para mim. Por favor, tenha dó de mim e compreenda a minha tristeza.

─ É certo que teve um morto e quatro feridos, mas isso não pode ofuscar o êxito da operação. Dou-lhe os parabéns e quero falar aos seus soldados. Mande formar a companhia.

─ Talvez o senhor não saiba como está a companhia neste momento. As ordens que dei foram que quem quisesse comer ia comer, quem quisesse tomar banho ia tomar banho e quem preferisse ir dormir ia dormir. Isto significa que tenho homens a dormir, a tomar banho e a comer. A companhia não está em condições de formar.

─ Olhe, Cristo, eu já estou farto de ver homens nus e posso vê-los mais uma vez. Mande formar a companhia como estiver.

─ Ouviu, nosso primeiro? ─ perguntou o capitão. ─ Não está aqui nenhum oficial. O senhor vai formar a companhia e tem dois minutos para o fazer. Os homens podem formar nus. Formam como estão. Ninguém perde tempo a vestir umas cuecas ou umas calças. Dê ordem para formar a companhia e acompanhe o nosso comandante. Se me dá licença, meu comandante, eu vou tomar banho que era o que eu estava a pensar fazer. O nosso primeiro forma a companhia porque os nossos alferes, tal como eu, não estamos em condições de receber parabéns quando nos morreu um alferes. Isso é mais que suficiente para eu considerar a operação um fracasso.

Dito isto, o capitão que segurava as calças com as mãos, deixou-as cair e ficou em cuecas em frente do comandante e do 1.º sargento, que deitou as mãos à cara. O capitão, imperturbável, começou a descalçar-se, tirou as calças e as cuecas e foi tomar banho sem dizer nada ao comandante. Quando saiu do banho mandou chamar o 1.º sargento para saber o que se tinha passado. A companhia tinha formado, e a maior parte dos homens estavam de cuecas ou de calções. Mesmo assim, o nosso comandante tinha falado com eles e dito que não deviam estar tristes por terem feridos e por ter morrido um alferes, porque os guerrilheiros tinham tido mais baixas. A operação tinha sido um êxito.

O capitão foi para a messe, pediu uma cerveja e falou com os alferes.

─ Os sacanas hoje agiram com inteligência. Aquele tiro contra o primeiro branco da coluna foi o sinal para a emboscada. Sabiam que com esse tiro feriam ou matavam um oficial ou um sargento. O Henriques era o primeiro branco da coluna e eu o segundo. O Lassen levou um tiro numa perna que era dirigido a mim. Não fui ferido ou morto por muita sorte. Hoje renasci. O nosso coronel deve estar chateado comigo. Eu não podia fazer nada. É de muito mau gosto vir dar os parabéns a um capitão por uma operação com quatro feridos e um oficial morto. Há indivíduos que nunca serão capazes de compreender a mentalidade dos combatentes. Que se lixem.

─ Olhe, meu capitão, ─ disse o Manuel ─ eu não fui à formatura mas espreitei. Cumpriram-se integralmente as ordens. Formou rapidamente mas em cuecas. Alguns de tronco molhado, pois tinham acabado de sair do banho. O nosso comandante não viu os homens completamente nus mas fartou-se de ver corpos de homens quase nus. Talvez tenha aprendido a lição e na próxima já não nos chateie. Vamos beber mais uma cerveja para esquecer as tristezas. (...)

Emoção na hora da despedida, em julho de 1967:

Quando chegar a hora da despedida,  em meados de julho de 1967, o capitão Cristo, cmdt da 4.ª CCAC,  irá recordar com muita saudade, o Henriques (a par do Ribeiro, Cordeiro, Carvalho e Oliveira, os seus queridos alferes):

(...) O capitão estava emocionado porque não contava com este almoço de despedida. Quando falou no alferes Henriques, um dos mortos em combate, as lágrimas vieram-lhe aos olhos, pois a morte do Henriques estava muito viva no seu coração.(...) (pág. 373)

[Seleção, revisão e fixação de texto, negritos,  itálicos, parênteses retos e subtítulos: L.G.] (Com a devida vénia...)


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda e dos rios Cumbijã, Ungauriuol (afluente do Cumbijã) e Lama (afluente do Ungauriuol)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


2. Sinopse da Op Sobreiro, 21fev1967

Realizada para localizar e destruir as instalações inimigas referenciadas na região compreendida entre o rio Lama e o rio Ungauriuol, sector S3 (Bedanda), efectuando uma batida que foi executada por forças da CCav 1484,  4ª CCaç e Pel Can s/r 1154. 

Foram localizados 2 núcleos de casas que constituíam o objectivo, que foi destruído. O lN sofreu 3 mortos, além de outras baixas prováveis. As NT sofreram 2 mortos (o alf mil Américo Luís Santos  Henriques, natural de Ourém,  e o sold Sambel Baldé, natural de Bafatá, ambos da 4ª CCAÇ),   2 feridos graves e 2 ligeiros.

Fonte: Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II: Guiné: Livro 2. 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015, pág. 34. (Com a devida vénia...).

PS - No livro supracotado, há um erro sistemático em relação ao nome do rio, que não é Ungarinol, mas sim Ungauriuol (carta de Bedanda, escala 1/50 mil). Erro que vamos corrigir nos postes anteriores em que há referências a este rio, afluente do Cumbijã.
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13309: In Memoriam (191): José Henriques Mateus (1944-1966): O discurso do nosso camarada, ex-alferes paraquedista (BCP 21, Angola, 1970/72), Jaime Bonifácio Marques da Silva, na cerimónia de homenagem realizada na Areia Branca, Lourinhã, em 11/5/2014




Vídeo 2' 01'' (Luís Graça, 2014). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Lourinhã, Areia Branca, 11 de maio de 2014. Homenagem ao José Henriques Mateus (1944-1966), desaparecido em combate em 10/9/1966, no sul da Guiné, durante a guerra colonial. Discurso de Narciso Cruz, empresário agricola, em nome da comissão organizadora local. 



Vídeo 0' 30'' (Lu+ís Graça, 2014). Alojado em You Tube > Nhabijoes.


Lourinhã, Areia Branca, 11 de maio de 2014. Homenagem ao José Henriques Mateus (1944-1966), desaparecido em combate em 10/9/1966, no sul da Guiné, durante a guerra colonial.  Toque militar,  a cargo de um  terno de clarins da banda do exército, Serra da Carregueira.



Discurso do nosso camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva na cerimónia de homenagem ao sold at cav, José Henriques Mateus (1944-1966), que pertenceu á CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), e que desapareceu em combate  em 10/9/1966, no rio Tompar, setor de Catió, região de Tombali, sul daq Guiné (*)... 

O Jaime Bonifácio Marques da Silva é natural de Seixal, Lourinhã, foi colega de escola do Mateus, vive em Fafe (, onde foi professor de educação física e autarca, com o pelouro da cultura, e onde é mais conhecido como Jaime Silva). Fez a guerra colonial em Angola, como alf mil paraquedista, BCP 21 (1970/72). É membro da nossa Tabanca Grande. (**)


Parte1

1. Saudações [...]

2. Nota introdutória

Fará no próximo dia 10 de setembro 48 anos que o Lourinhanense José Henriques Mateus, nosso conterrâneo, desapareceu na sequência de uma operação de combate, denominada “Operação Pirilampo”, durante a travessia do rio Tompar na Guiné.

Em 1966, Portugal confrontava-se, já há cinco anos, com uma Guerra que se desenrolava em África em três teatros de operações diferentes: Angola (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964).

3 .Poderemos interrogar-nos hoje, cinquenta e três anos depois do início da Guerra em Angola e quarenta após o seu final da oportunidade de resgatar, sob o ponto de vista da evocação da História da Guerra Colonial, a memória daqueles que foram obrigados a fazer a guerra, sacrificando, muitos deles, a sua própria vida em nome de Portugal, como foi o caso do José Henriques Mateus, nosso conterrâneo e, cuja memória hoje evocamos.

A Comissão Organizadora, acredita que esta evocação histórica da memória dos que tombaram em nome de Portugal em África tem todo o sentido e justifica-se, sobretudo perante as novas gerações.

Acreditamos que o resgate da memória das causas, consequências e incidências vividas pelos combatentes durante esta Guerra, e neste caso particular, pelos ex-combatentes naturais do concelho da Lourinhã, é um ato de cidadania e deve ser uma obrigação, não só das instituições governamentais e militares a nível nacional, regional e local, bem como da sociedade civil.

É, em nosso entender, um exemplo de cidadania a homenagem prestada hoje pelo povo da Areia Branca perante o sacrífico de um dos seus “filhos da terra”, o Soldado  nº 711/65 José Henriques Mateus.

4. A propósito da evocação da memória e da necessidade e obrigação da sociedade lutar contra o esquecimento daqueles que serviram e tombaram em nome de Portugal nas várias frentes de combate ao longo da nossa História, escreveu Jorge Espinha, no Jornal “Público” em 18 de outubro de 2013:

“No próximo mês de agosto fará cem anos que começou uma das maiores tragédias que se abateu sobre o continente europeu. Morreram nessa guerra milhares de portugueses (10 mil).

Devíamos refletir um pouco na maneira despiciente como comemoramos o imenso sacrifício humano das guerras em que Portugal participou.

Aqui, comemorar significa, relembrar, estudar, tentar perceber o que aconteceu e como o que aconteceu moldou o nosso país. (…) A Guerra Colonial continua mal lembrada (…), ao lembrarmos as vítimas civis e militares não estamos a branquear a história (…). Deixar esses grandes eventos no escuro nunca dá bons resultados. “



5. Será este, também, o propósito desta Comissão: contribuir para que a sociedade atual não esqueça as consequências do flagelo da Guerra Colonial e lute contra a cultura do esquecimento que se instalou em Portugal após o seu final contra “aqueles a quem Portugal tudo exigiu”.

Portugal, simplesmente, exigiu a vida do soldado Mateus e de muitos dos seus camaradas, sem que o Mateus e os seus camaradas, que nunca se recusaram a defender a sua Pátria, pudessem, sequer, quando chegados a África e confrontados com a dura realidade da guerra e do terreno pudessem questionar os seus superiores hierárquicos, confrontando-os com o facto de não os terem treinado e dado as condições técnicas em equipamento e material de guerra necessários e adequados para poderem enfrentar o inimigo e desempenhar com segurança as missões a que iriam ser submetido no terreno das operações de combate.

Na verdade, e de acordo com os documentos, entretanto, publicados, alguns deles da autoria de militares que cumpriram várias Comissões de Serviço em África exercendo as suas funções no topo da hierarquia militar, este foi um dos dramas enfrentados pelos jovens, como o Mateus, que serviram nas forças Armadas Portuguesas em Angola, Moçambique ou Guiné: Foram mal treinados, mal equipados, mal apoiados, mal alimentados e desconhecedores do tipo de terreno onde iriam operar.

Se naquela operação, a Operação Pirilampo, o Alferes, seu comandante de Pelotão, tivesse o apoio dos helicópteros da Força Aérea ou dos barcos da Marinha portuguesa para atravessas o rio Tompar e, seguramente, o Mateus ainda hoje seria vivo, tal como dezenas de seus camaradas em circunstâncias idênticas.

Quando no dia 13 de abril de 1961, Salazar ordenou aos portugueses: “Para Angola rapidamente e em força”, tomou uma decisão que, de acordo com especialistas, foi errada e fora do tempo. Primeiro, não se preocupou em avaliar se o país tinha ou não condições económicas para adequar as suas tropas às exigências daquela Guerra, depois, alheou-se do contexto histórico no qual Portugal estava inserido na Europa e no resto do mundo, da contestação da sociedade portuguesa em relação ao estado de pobreza e subdesenvolvimento do nosso país e, sobretudo, ignorando a falta de condições fundamentais para a complexa preparação de todos os fatores logísticos inerentes ao suporte do início, desenrolar e manutenção da Guerra.

A partir daqui, por incúria dos seus governantes e interesses pessoais de tantos outros, a desgraça abateu-se sobre as famílias portuguesas.

Parte 2

1. Ao lembramos, hoje, a morte do soldado José Henriques Mateus no contexto da evocação
 histórica da Guerra Colonial, não podemos esquecer as consequências dessa Guerra para as famílias portuguesas:

Para África os Governos de Salazar e Caetano mobilizaram durante os treze anos do conflito (1961 – 1974) cerca de 800 mil   jovens.

Destes, mais de 10, 4 mil tombaram na frente de combate ou em acidentes, cerca de 120 mil foram feridos, 4 mil ficaram estropiados e, estima-se, que cerca de 100 mil ficaram a sofrer de “Stress Pós Traumático de Guerra”.

Para as famílias do concelho da Lourinhã as consequências da guerra traduziu-se na morte de 20 dos seus filhos: 9 em Angola, 5 em Moçambique e 6 na Guiné.

Na Guiné, onde o Mateus cumpria a sua Comissão de Serviço e de acordo com os dados disponibilizados pelo Arquivo Geral do Exército, tombaram seis (6) militares (Lourinhã, Areia Branca, Ribamar, Toxofal, Toledo e Reguengo Grande).

O primeiro militar da Lourinhã a tombar na Guiné foi o soldado José António Canôa Nogueira em 23.1.1965, natural da Vila,  e o último foi o 1.º Cabo José João Marques Agostinho em 5.5.1973, natural de Reguengo Grande.

2. Sobre a vida militar e as circunstâncias da morte do Mateus a Comissão Organizadora decidiu preparar uma pequena exposição documental constituída por cinco painéis que serão expostos hoje na sede do Clube, no final desta cerimónia. A exposição tem como objetivo enquadrar e contextualizar o seu percurso militar durante a Comissão de Serviço na Guiné até ao fatídico fim de tarde do dia 10 de setembro de 1966 que lhe levou a vida, quando o seu Pelotão regressava de mais uma operação no mato .

Nos painéis transcrevemos alguns excertos de documentos oficiais que recolhi no Arquivo Geral do Exército, pertencentes ao seu Processo Individual, por cortesia do seu Irmão Abel Mateus, bem como no seu espólio pessoal cedido, também, pelo irmão que , publicamente lhe agradeço. Outros documentos foram cedidos por ex-combatentes pertencentes ao seu Batalhão, Companhia ou Pelotão enviados através do “Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné” ou por contacto pessoal através do correio ou testemunho pessoal.

2.1 Em síntese,

Podemos lembrar que o Mateus nasceu a 17.10.1944. Assentou praça no RI 7 em Leiria no dia 4 de maio de 1965 com a idade de 21 anos e, numa altura em que, como me disse o seu irmão Abel, era o “homem da casa” e o “braço direito da mãe”, uma vez que o pai já tinha falecido e tinha, ainda, mais duas irmãs e um irmão para ajudar a criar. Sobre as dificuldades das famílias em criar os seus filhos naquela época em que os trabalhadores do campo labutavam de “sol a sol” para ganharem uma “côdea”, são contas de outros rosário. A mãe do Mateus não escapava a estas dificuldades. Nem nestas circunstâncias o Governo de Portugal tinha alguma consideração: Ala para a guerra. Quem fica, que se amanhe!

O Mateus embarca para a Guiné a bordo do Navio Niassa no dia 20 de outubro de 1965, desembarcando em Bissau a 27 do mesmo mês.

Pertenceu ao Batalhão de Caçadores n.º 1858 e foi integrado na Companhia de Cavalaria n.º 1484 sediado na região de Timbali – Catió.

Sobre as características da região e do terreno onde estava sediada e atuava a companhia do Mateus, disse Benito Neves ex- Furriel da sua Companhia:

“Quando se olha aquele pedaço de mapa... nada se vê. Quem por lá passou sabe bem o que sofreu” (Benito Neves)

E Luís Graça, também, ex-furriel que cumpriu uma comissão de serviço na mesma região, afirma:

“Quando se olha para aquele pedaço de mapa de Bedanda, à esquerda e á direita do Rio Cumbijã, está-se perante o inferno na terra!... Aquilo é só bolanhas, lalas, lianas, tarrafo, lodo, água, rios, riachos, floresta-galeria"...

2.2. Operação Pirilampo

Foi num terreno com estas características que no dia 10 de setembro de 1966 o José Henriques Mateus será destacado para participar na Operação de Combate, denominada “Operação Pirilampo”, vindo a desaparecer no decorrer da mesma quando atravessava o rio Tompar.

Sabemos que, de acordo com os documentos oficiais disponíveis, nesta operação participaram duas Companhias:

A Companhia de Cavalaria nº.º 1484, à qual pertencia o Pelotão do Mateus comandado pelo Alferes Fernando Pereira da Silva Miguel e sendo o Furriel Egídio Ornelas Teles o seu comandante de secção.

Alguns dos textos que inserimos nos painéis a expor no Clube [da Areia Branca]  relatam-nos as circunstâncias e sobretudo, realço, o desespero de todos os seus camaradas na busca do Mateus.

Só quem esteve lá e viu morrer ou ficar estropiados nas minas os seus camaradas e amigos poderá avaliar o desespero e o sofrimento dos camaradas do Mateus!

Eu estive lá, na guerra, em Angola e comandei um pelotão. Sei, por isso, avaliar a responsabilidade, o desespero e a impotência de nada mais poder fazer do Alferes Miguel e do Furriel Egídio, perante a tragédia de ver desaparecer um seu camarada.

Termino lembrando uma frase tão atual nos tempos que correm:

“Só existe uma coisa mais terrível do que uma guerra, fazer de conta que ela nunca aconteceu”.

Por tudo isto e porque Portugal comemora neste ano de 2014 os quarenta anos da Revolução de 25 de Abril de 1974 que colocou um ponto final na Guerra em África,  estamos certos que, ao homenagear e evocar a memória de um dos seus filhos da terra, o Povo do Lugar da Areia Branca, com a família do Mateus, a Comissão da Igreja, a Associação de Desporto e Proteção da População do Lugar da Areia Branca, aos quais se associaram em boa hora a Câmara Municipal, a Junta de Freguesia, alguns dos seus camaradas de Pelotão e companhia, seus companheiros na Guiné (aqui presentes), amigos e as Associações ligadas à causa dos Combatentes , também, aqui presentes (ADF, AVECO, LCP) , cumprem um dever cívico e de cidadania, não só, perante a memória dos que tombaram em nome de Portugal, mas também, dando um exemplo de solidariedade às gerações mais jovens.

Tenho dito.

Lugar da Areia Branca, 11 de maio de 2014

Jaime Bonifácio Marques da Silva

_______________

Notas do editor:

(*) Vd.  12 de maio de 2014 >  Guiné 63/74 - P13129: In Memoriam (189): José Henriques Mateus (1944-1966): uma singela e tocante homenagem das gentes da sua terra, Areia Branca, Lourinhã, na manhã de domingo, 11 de maio... Um exemplo a ser seguido por outras terras deste país.

(**) Último poste desta série > 11 de junho de  2014 >  Guiné 63/74 - P13268: In Memoriam (190): António Rebelo (1950-2014), ex-fur mil, 3ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)... Estava inscrito no nosso IX Encontro Nacional, a realizar em Monte Real, no próximo dia 14... Faleceu ontem, de morte súbita... O seu corpo será velado na igreja de Massamá e cremado amanhã em Barcarena... Vamos recordá-lo, doravante, sob o poilão da nossa Tabanca Grande (Jorge Pinto / Luís Graça)