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segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25885: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte VI: Depoimento: Osvaldo Freitas de Sousa, de Fafe, atira-se ao rio para salvar o seu camarada da Lourinhã, José Henriques Mateus

 

José Henriques Mateus (Lourinhã, Areia Branca, 1944 - Guiné, Rio Tompar, região de Tombali, 1966)


 SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal.

In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada a testemunhpos e depoimentos recolhos pelo autor (pp. 67/72).






Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): 

(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii) viveu em Angola até 1974; (iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte; (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.



Brasão da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67)



Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] 

Parte VII:   Depoimento 2. Osvaldo de Fafe atira-se ao rio para salvar camarada da Lourinhã. (pp. 72/74)

No dia 10 de setembro de 1966, já no final da operação Pirilampo”, o primeiro-cabo radiotelegrafista Osvaldo Freitas de Sousa atirou-se ao rio Tombar, na Guiné, para tentar salvar o seu camarada de pelotão, soldado José Henriques Mateus, natural do lugar da Areia Branca, pertencente à freguesia e concelho da Lourinhã, e meu colega da escola primária do Seixal.

Tal como o Osvaldo, o José Henriques Mateus, soldado n.º 6951665, pertencia à CCAV 1484 / BCAÇ 1858, mobilizada pelo RC 7, e sediada em Catió. 

O Mateus desapareceu no decorrer de uma operação de combate, a Op Pirilampo, quando no final da operação o seu pelotão atravessava o rio Tompar, agarrados a uma corda, previamente estendida de uma a outra margem do rio. 

Quando chegou a vez do Mateus, e já em pleno caudal do rio, a corda partiu-se, sendo este arrastado pela corrente, nunca mais aparecendo o seu corpo, apesar dos esforços dos camaradas para o resgatar. Uma semana depois, no decorrer de uma outra operação no mesmo local, apareceu parte da camisa. Pensa-se que foi arrastado e comido por um crocodilo.

Ao consultar o processo individual do meu colega de escola Mateus (Zé Valente, era a sua alcunha) no Arquivo Geral do Exército, em Lisboa, no passado dia 14 de janeiro de 2014, deparo-me com o nome do Osvaldo, natural de Fafe, como uma das testemunhas ouvidas no Processo de Averiguações do acidente (o mundo é mesmo pequeno!)

O processo de averiguações foi mandado instaurar pelo Chefe de Estado Maior, ten cor Fernando Rebelo de Andrade em 14. 9. 66 e mandado organizar no Quartel em Catió em 22.9.66 ao alf mil José Rosa de Oliveira Calvário,  do Serviço de Material por despacho do cmdt do BCAÇ 1858,  ten cor  Silva Ramos.

O comandante de CCAV 1484, Virgílio Fernando Pinto, capitão de infantaria e comandante interino da companhia, indicou como testemunhas o 1º cabo radiotelegrafista Osvaldo Freitas de Sousa,  o alf mil cav Fernando Pereira Silva Miguel, que participaram na Op Pirilampo, e um terceiro que tinha participado nas buscas do corpo do sinistrado, alf mil cav José Moutinho Soares Franco Avillez.

Declarou o Osvaldo (transcrição do relatório):

(...) E vindo à minha presença a segunda testemunha e perguntado sobre a sua identidade, disse, chamar-se Osvaldo Freitas de Sousa, filho de Manuel de Sousa (falecido) e de Maria da Conceição de Freitas, de vinte e um anos, solteiro, natural da freguesia e Vila de Fafe, e ser primeiro-cabo radiotelegrafista número n.º 1055/65 da Companhia de Cavalaria número 1484, jurou pela sua honra e sua consciência que haveria de dizer a verdade e só a verdade sobre o que lhe fosse perguntado e aos costumes disse nada. 

E tendo-lhe sido perguntado sobre o que consta notícia da alínea dois, da nota treze mil novecentos e dezanove, traço, A, Processo cento e trinta e um, ponto três, disse: - “que se encontrava, quando do acidente, na extremidade da corda que atravessava o rio para apoio da sua passagem, a ajudar seus camaradas a saltarem para a margem. E que quando o sinistrado se encontrava a meio da travessia, agarrado à corda, esta se rebentou. Ao ver que o seu camarada se afundava jogou-se à água para tentar agarrá-lo. Mais disse que conseguiu chegar junto do mesmo, e que agarrou-o ainda por um ombro, embora ele já se encontrasse submerso. 

Mais disse que começou a gritar pelo que foi ouvido pelos seus camaradas, os quais se lançaram à água tentando auxiliá-lo. Que um deles (talvez um milícia – não o reconheceu devido à pouca visibilidade) o segurou quando ele já se encontrava também prestes a ser arrastado para o fundo, devido ao peso do corpo do sinistrado. E que em virtude de se encontrar agarrado não conseguiu sustê-lo por mais tempo. 

Mais disse que depois em companhia de outros camaradas, tentou detetar o corpo que nunca mais foi visto. Que levaram cerca de trinta minutos em buscas, mergulhando e inspecionando a zona, pelo que eram impossibilitados pela escuridão, pela forte corrente das águas e também por estas se encontrarem turvas. 

E mais disse que após todo este tempo de buscas regressaram a quartéis. E mais não disse. E sendo-lhe lidas as suas declarações as achou conforme, ratificou e as vai assinar.

O Oficial - José Rosa de Oliveira Calvário (Alf mil do SM)

domingo, 25 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23643: (De)Caras (188): a morte em combate, em 21/2/1967, na sequência da Op Sobreiro, do alferes mil Américo Luís Santos Henriques, natural de Ourém, contada pelo seu cmdt da 4ª CCAÇ, cap inf Aurélio Manuel Trindade (Bedanda, 1965/67)


Lista dos alferes mortos em combate, no CTIG, no período entre 1963 e 1967 (n=20)... Entre eles, o Américo Luís Santos Henriques, da 4.ª CCAÇ, Bedanda, Sector S3, em 21/2/1967, na sequência da Op Sobreiro, em que participou também a CCAV 1484 (informação do Jorge Araújo).  Infelizmente não há nenhuma foto do Henriques.

Dos 81 alferes mortos no CTIG, entre 1963 e 1974, houve 1 por doença, 24 por  acidente e os restantes 56 em combate (*). No período em apreço (1963/67), dos 20 alferes mortos em combate, 4 pertenciam a companhias de guarnição normal: dois  da 4ª CCAÇ, um  da 3ª CCAÇ e outro da 1ª CCAÇ (que em 1967 irão dar origem à CCAÇ 6, CCAÇ 5 e CCAÇ 3, respetivamente).

Infografia: Jorge Araújo (2018) 






Guiné > Região de Tombali >  CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > 22 de fevereiro de 1967 > A caminho Catió... Regresso, em LDM,  da Op Sobreiro, em que perdeu a vida o alf mil Henriques, da 4ª CCAÇ (Bedanda, 1966/67). As fotos parece ter sido tiradas ainda no rio Ungauriuol, afluente do rio Cumbijã (este mais largo, entre 200 e 600 metros, pelas nossas contas grosseiras, de acordo com a carta de Bedanda, 1956, escala 1/50 mil).

Fotos do álbum de Benito Neves, ex-fur mil, da CCAV 1484.

Fotos (e legendas): © Benito Neves (2010). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta morte está dramaticamemte narrada  no livro de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do antigo cap inf Aurélio Manuel Trindade, hoje ten gen ref),  "Panteras à Solta", ed. de autor, 2010, 399 pp, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército).

Os familiares, vizinhos, colegas de escola, conterrâneos, amigos e antigos camaradas do Américo Luís Santos Henriques, natural de Valada, Seiça, Ourém, bem como os nossos leitores, têm direito a conhecer esta versão, que consta de uma fonte de difícil acesso: o livro está fora do mercado livreiro, foi impresso na Alemanha, e nem sequer consta na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos. O que é uma pena: é um documento de interesse para a historiografia da guerra colonial. 

O nosso infortunado camarada só está identificado pelo apelido Henriques. Nas memórias do cap Cristo (o único nome fictício que aparece no livvro, e que é um "alter ego" do cmdt da 4.ª CCAÇ / CCAÇ 6, no período que vai de meados de 1965 a meados de 1967), o Henriques  veio substituir o Ribeiro, até então o melhor operacional dos alferes da companhia, juntamente com o Carvalho, todos eles, tal como os restantes graduados, de origem metropolitana e de rendição individual. (Descobrimos que o Ribeiro é o José Augusto Nogueira Ribeiro, nascido em Fafe, em 1940, e já falecido, em 2017: seguiu a carreira militar, chegando ao posto de cor inf quando se reformou; foi condecorado com a "Torre e Espada" por feitos nos TO da Guiné e Moçambique; no CTIG, acabou a sua comissão na 4ª CCAÇ em 15 de maio de 1966, sendo então rendido pelo Henriques).

Antes da descrição da operação em que o Henriques é morto, por um tiro isolado (seguido de forte tiroteio em emboscada do IN nas proximidades da nascente do rio Ungauriuol), vale a pena reproduzir também um pequeno excerto da sua chegada em Bedanda, em data que não podemos precisar (presumivelmente em meados de 1966, já que  foi render o alf mil Ribeiro), e em que é praxado...


Excertos de "Morto em combate" 
(pp. 349-353)


Antecedentes: 

(...) Um dia chegou o alferes Henriques, o substituto do alferes Ribeiro. Bom moço mas
ainda muito cru
. Logo no primeiro jantar foi o Carvalho a atirar:

─ Meu capitão, o posto da árvore hoje é guarnecido pelo Henriques. Eu já lhe disse que o meu capitão e nós todos não temos confiança nos negros e por isso havia um posto que durante a noite era guarnecido por um oficial ou sargento. Ele diz que eu estou a gozar com ele. O meu capitão sabe bem que todos têm de passar por aquele posto várias noites. Esta noite era eu. Como se apresentou o Henriques é ele que deve ir.

(...) Assim, nessa noite, o alferes Henriques passou todo o tempo num posto de vigia,
em cima duma árvore, com uma granada de mão sem cavilha apertada na sua mão. Teria de a lançar ao mínimo sinal de perigo, para acordar o capitão e os outros alferes.

Ele não sabia, mas a granada estava inerte pois tinha-lhe sido retirado o detonador e a
carga explosiva. Esta era uma das brincadeiras que faziam aos maçaricos que chegavam à companhia. O capitão, embora conivente, não se metia no assunto. 

Ao outro dia o Henriques estava contente porque se tinha mantido acordado toda a noite. Ele, que era um dorminhoco, não teve sono. Teve muito medo, segundo confessou, mas
aguentou. No dia seguinte contaram-lhe que tudo não tinha passado duma brincadeira.
Riu-se e achou piada. Actos destes faziam parte integrante da praxe no quartel. (pp. 184/185)

O confronto fatal

(...) O dia começou com o capitão reunido no seu gabinete com os seus subalternos.

─ Tenho informações que me dizem que depois da nossa acção no cruzamento do Cantanhez, a guerrilha construiu um acampamento na mata junto à nascente do Ungauriuol 
 [de acordo com a carta de Bedanda, e 1/50 mil] . Vamos sair esta noite para lá. Vamos apenas três pelotões mais o pelotão do Tala [alferes de 2.ª linha, cmdt do pelotão de milícias de Bedanda]. Sai à frente o Henriques, a seguir o Cristóvão e o Tala, e por último o Manuel. Penso sair do quartel à meia-noite para chegarmos ao raiar da aurora, não sei o local exacto do acampamento. Batemos a mata e seguiremos qualquer pista que encontrarmos até chegar ao acampamento. Não levamos um objectivo concreto, pretendo apenas explorar uma notícia e, mediante isso, impedir que os guerrilheiros fortifiquem o acampamento. Não pretendo deixar os tipos sossegados nesta área. Alguém tem alguma coisa a dizer?

─ Não, meu capitão. De qualquer modo gostaríamos de ir lá com um objectivo concreto em vez de bater a zona ─ disse um dos alferes.

─ Também eu gostava de ter um objectivo concreto, mas não temos. Não se preocupem porque a área está cheia de guerrilheiros e iremos encontrá-los de certeza. Saímos à meia-noite em ponto, ração de combate para um dia. Teremos um helicóptero em Cat
ió [sede do BCAÇ 1858], para evacuações. Até logo.

(...) O capitão estava preocupado. Estava desfalcado em oficiais e os que havia tinham pouca experiência ou eram fracos em termos operacionais. O capitão terá que ir mais atento a todos os pormenores. Queria falar com o Tala.

─ Tala, vamos fazer uma batida na mata entre o Ungauriuol 
[afluente do rio Cumbijã, e que passa por Bedanda], o Lama e a estrada para Guileje [a nordeste de Bedanda]. Vai à frente o nosso alferes Henriques. Tu vais entre o alferes Fernandes e o alferes Manuel. Quero que mandes falar comigo, hoje às dez horas da noite, dois guias que conheçam a zona. Não dizes nada aos guias. Quero falar com eles na presença do alferes Henriques. Levas ração de combate para um dia. Percebeste bem o que eu quero?

─ Percebi, nosso capitão.

─ Então podes ir embora. Quero o teu pelotão à meia-noite pronto para sair. Até logo.

A seguir o capitão falou com o alferes Henriques.

─ Tu vais na frente da coluna. Embora não tenhas experiência de mato, és o subalterno com mais operações feitas. O teu pelotão é bom. Vou dar instruções aos guias que pedi ao Tala e entrego-te depois esses guias. São dois bons guias. Confio em ti. Sabes bem a importância que eu dou ao pelotão que vai à frente. Da sua visão e da sua actuação depende o êxito da operação. Temos que ir muito atentos, os guerrilheiros estão lá de certeza. Eu irei sempre contigo entre a primeira secção e a segunda. Tu deverás ir no meio da primeira. Estarei perto de ti para qualquer apoio que precises. Elucida bem os homens sobre o que terão de fazer. Se encontrarmos pistas vamos explorá-las com cuidado. Olhos bem abertos para não sermos surpreendidos. Se vires que não estás em condições de ir à frente, dou essa missão a outro.

─ Não, meu capitão. Agradeço a sua confiança em mim.

─ Prepara o teu pelotão. A mata que vamos bater é muito densa e vamos ter dificuldades se formos surpreendidos. Até logo.

(...) O capitão mandou depois chamar o Lassen 
 [, seu guarda-costas] para preparar as coisas e avisar o Joãozinho   [, 2.º guarda-costas] . Deu as instruções normais aos sargentos. Sobrou-lhe ainda tempo para meditar em todas as hipóteses que poderiam acontecer e na forma de ultrapassar dificuldades inesperadas. Tinha pensado profundamente a operação e ficava convencido de ter dado todas as instruções. Só faltava esperar que a sorte não o abandonasse. Em tudo na vida é preciso ter sorte, e na guerra é fundamental. Há militares que têm boa sombra no mato e outros não.

À hora combinada a companhia saiu para o mato. O capitão decidiu ir através da bolanha direito a Feribrique, passar depois por Melinde e atravessar depois o rio Lama para começar a bater a mata. A marcha era lenta e difícil. As bolanhas ainda tinham água e eram atravessadas por pequenas ravinas e fios de água difíceis de transpor de noite. A certa altura a coluna partiu-se. O capitão mandou parar o Henriques e ordenou aos guias que fossem recuperar a coluna.

─ Como te sentes, Henriques?

─ Mal, meu capitão. Sinto-me triste. Nunca me senti assim numa operação. Não sei o que se passa comigo.

─ Não é nada. É a primeira vez que tens a responsabilidade de abrires a coluna e estás a sentir esse peso. Só prova que és um oficial responsável. No entanto, se vires que não te sentes bem, passa o Manuel para frente. Vê lá se estás bem de saúde.

─ De saúde estou bem, fisicamente não tenho nada. Sinto-me é muito triste. É como se uma desgraça estivesse para me acontecer.

─ Tens a certeza de que queres continuar à frente?

─ Tenho, meu capitão. Não podia perder a oportunidade da abrir a coluna da companhia.

─ Então segue lá. Continuamos porque a coluna já está unida. Devagar que o terreno é difícil.

Assim se reiniciou a marcha. O rio Lama foi atravessado sem novidades. Com o raiar da aurora iriam dar início à batida. O capitão mandou seguir a corta-mato até encontrarem um caminho que desse indícios de uso recente.

Passado algum tempo o Henriques falou.

─ Cristo, aqui Henriques. Tenho aqui um caminho que parece ter sido utilizado, escuto.

─ Henriques, vou já para aí, depois falamos.

Rapidamente o capitão juntou-se ao Henriques e observou o caminho. Vinha do Cantanhez e seguia para noroeste, para a nascente do Ungarinol. O capitão nem hesitou.

─ Vamos seguir este caminho até à nascente do rio. Temos de ir com muito cuidado para não sermos emboscados. Podem começar a andar.

Dadas estas instruções , o capitão chamou os seus comandantes de pelotão.

─ Fernandes, Tala, Manuel, aqui Cristo. Encontrámos um caminho utilizado recentemente. Vem do Cantanhez e segue para noroeste. Vamos seguir por aí. Manuel, cuidado com a retaguarda. Se houver tiroteio o Tala e o Fernandes aguardam ordens. Cuidado e muita atenção. Já estamos no meio deles. Digam se entenderam, escuto.

Todos tinham entendido e o capitão reportou terminado. A progressão da companhia continuou muito lenta. Os soldados, olhos bem abertos, procuravam detectar no terreno e em cima das árvores algo de anormal, um sinal dos guerrilheiros. Silêncio total. Nem a bicharada se fazia ouvir. O capitão avançou um pouco e aproximou-se do Henriques. Sabia que, se houvesse emboscada, a sorte dependeria da reacção dos homens da frente.

Apesar de todo o cuidado na progressão, ouviu-se nitidamente um tiro isolado seguindo de um tiroteio enorme. A situação foi tão inesperada que todo o pelotão se deitou imediatamente no chão. O alferes Henriques estava caído uns três a quatro metros à frente do capitão. O capitão correu para ele para lhe dar instruções e verificou que o Henriques estava ferido com um tiro na barriga. De imediato tomou conta do pelotão, dando ordens directas aos soldados. O Lassen foi buscar o enfermeiro que rápido chegou ao local.

─ Eu já trouxe o alferes Henriques aqui para trás deste monte de baga baga  ─ disse o capitão. ─ Tome conta dele e veja o que pode fazer. Eu tomo conta do pelotão e vou sair daqui ou ainda cá ficamos todos. Arrancamos directos a eles. Passo rápido e fogo sobre eles.

Os soldados levantaram-se e meteram-se pela mata dentro com o capitão. Os guerrilheiros pararam o fogo e retiraram. Na perseguição foi localizado um acampamento improvisado.

─ Fernandes, Tala, Manuel, ─ aqui Cristo ─ sofremos uma emboscada. O Henriques parece que está gravemente ferido. Localizei um acampamento que vou ultrapassar. O Fernandes deixa alguns homens recolher o Henriques e os outros feridos, traz o Tala e vem ter comigo. O acampamento fica por vossa conta. Destruamno.

O pelotão do Henriques garante a segurança frontal. Manuel, segurança à retaguarda. Depois do acampamento destruído retiramos para a bolanha e fazemos as evacuações. Digam se entenderam, escuto.

─ Cristo, aqui Fernandes. Entendido. Agora vou seguir para aí com o Tala. O Henriques morreu, informou o enfermeiro. Há mais três feridos, escuto.

─ Cristo, aqui Manuel. Entendido. Segurança à retaguarda garantida. Escuto.

─ Aqui Cristo, terminado para todos.

─ Bedanda, aqui Cristo. Fui emboscado. Tenho quatro feridos um dos quais oficial. Solicito presença helicóptero para evacuações. É urgente. Estou na mata a oeste do rio Lama e vou agora para a bolanha onde assinalarei a minha presença. Diga se entendido, escuto.

─ Cristo, aqui Bedanda. Entendido. Terminado por agora.

Rapidamente o acampamento foi revistado e destruído. Acampamento recente, estava localizado numa zona de difícil acesso onde os guerrilheiros se sentiam seguros.

O capitão estava triste. Tinha morrido um oficial que era para ele como um filho. Gostava de ir com o capitão para todo o lado e tinha grande admiração pelo seu comandante de companhia. Depois de destruído o acampamento e assegurada na bolanha a segurança para se fazerem as evacuações, o capitão disse ao Fernandes:

─ Sou o responsável pela morte do Henriques. Quando a coluna se partiu eu estive a falar com ele e o rapaz parecia que adivinhava a morte. Estava muito triste. Devia tê-lo mandado para a retaguarda e passar o teu pelotão para a frente. Nunca me perdoarei.

─ O meu capitão não tem culpa. Cada um de nós morre quando tem de morrer. Tinha chegado a hora do Henriques. Se me passasse a mim para a frente e o Henriques para a retaguarda, a emboscada seria à retaguarda e o Henriques morria na mesma.

─ Talvez tenhas razão. Mas nunca mais esquecerei a cara de angústia quando foi ferido e a conversa que tive com ele.

─ Não pense mais nisso, meu capitão. Está aí o heli. Vamos fazer as evacuações.

─ Eu vou falar com o piloto. Trata de trazer o Henriques e os feridos.

O capitão, acompanhado do Lassen, do Joãozinho e do rádio telegrafista, dirigiu-se para o helicóptero onde falou com o piloto.

─ Um dos feridos já morreu. Foi o alferes Henriques. Peço-lhe para o levar para Bissau juntamente com os feridos.

─ Eu vou fazer isso,  embora o senhor capitão saiba que não nos é permitido levar mortos para Bissau.

─ O senhor pode dizer que ele morreu na viagem. Queremos evacuá-lo para Lisboa,  e se estiver em Bissau é mais fácil para nós.

─ Esteja descansado, senhor capitão, que eu levo tudo para Bissau.

Quando o corpo do Henriques e os feridos estavam dentro do helicóptero, o Lassen perguntou ao capitão se também podia ir.

─ Não, não podes. Tu podes é levar já duas lamparinas no focinho. No helicóptero só vão os feridos. Eu fico cá e tu também ficas.

─ Nosso capitão, olhe, eu também estou ferido.

Só nessa altura o capitão deu conta de que o seu guarda-costas estava a perder sangue. Para estar sempre ao lado do seu capitão durante a emboscada, o Lassen não disse a ninguém que também estava ferido e nem sequer tinha sido visto pelo enfermeiro. O capitão viu então a amizade e o respeito que aquele soldado tinha pelo seu capitão.

─ Desculpa, Lassen. Agora devias levar duas bofetadas por não me dizeres que estavas ferido. Vais embarcar depois de o enfermeiro te fazer um penso.

Penso concluído, o Lassen entrou no helicóptero. De dentro do helicóptero falou para o Joãozinho:

─ Joãozinho, eu vou para Bissau. Toma conta do nosso capitão.

O capitão ficou emocionado. Como era possível tanto amor, lealdade e ternura dum soldado para um capitão de Lisboa. Coisa que só a vida dura de combate na Guiné pode explicar.

Depois da evacuação dos feridos, o capitão deu ordem para regressar ao quartel onde chegaram por volta das cinco horas. Um avião sobrevoou o quartel e o capitão deu ordens ao 1.º sargento para ir à pista ver quem tinha chegado.

Quem chegava era o coronel comandante do sector. O capitão já estava de tronco nu e calças desapertadas, preparava-se para tomar banho.

O comandante do sector disse ao capitão.

─ Parabéns, Cristo. Foi uma operação em cheio. Você não deixa os guerrilheiros descansar nem um pouco.

─ Meu comandante, não aceito os parabéns. Tive quatro feridos e um morto. O morto é um oficial que era como um filho para mim. Por favor, tenha dó de mim e compreenda a minha tristeza.

─ É certo que teve um morto e quatro feridos, mas isso não pode ofuscar o êxito da operação. Dou-lhe os parabéns e quero falar aos seus soldados. Mande formar a companhia.

─ Talvez o senhor não saiba como está a companhia neste momento. As ordens que dei foram que quem quisesse comer ia comer, quem quisesse tomar banho ia tomar banho e quem preferisse ir dormir ia dormir. Isto significa que tenho homens a dormir, a tomar banho e a comer. A companhia não está em condições de formar.

─ Olhe, Cristo, eu já estou farto de ver homens nus e posso vê-los mais uma vez. Mande formar a companhia como estiver.

─ Ouviu, nosso primeiro? ─ perguntou o capitão. ─ Não está aqui nenhum oficial. O senhor vai formar a companhia e tem dois minutos para o fazer. Os homens podem formar nus. Formam como estão. Ninguém perde tempo a vestir umas cuecas ou umas calças. Dê ordem para formar a companhia e acompanhe o nosso comandante. Se me dá licença, meu comandante, eu vou tomar banho que era o que eu estava a pensar fazer. O nosso primeiro forma a companhia porque os nossos alferes, tal como eu, não estamos em condições de receber parabéns quando nos morreu um alferes. Isso é mais que suficiente para eu considerar a operação um fracasso.

Dito isto, o capitão que segurava as calças com as mãos, deixou-as cair e ficou em cuecas em frente do comandante e do 1.º sargento, que deitou as mãos à cara. O capitão, imperturbável, começou a descalçar-se, tirou as calças e as cuecas e foi tomar banho sem dizer nada ao comandante. Quando saiu do banho mandou chamar o 1.º sargento para saber o que se tinha passado. A companhia tinha formado, e a maior parte dos homens estavam de cuecas ou de calções. Mesmo assim, o nosso comandante tinha falado com eles e dito que não deviam estar tristes por terem feridos e por ter morrido um alferes, porque os guerrilheiros tinham tido mais baixas. A operação tinha sido um êxito.

O capitão foi para a messe, pediu uma cerveja e falou com os alferes.

─ Os sacanas hoje agiram com inteligência. Aquele tiro contra o primeiro branco da coluna foi o sinal para a emboscada. Sabiam que com esse tiro feriam ou matavam um oficial ou um sargento. O Henriques era o primeiro branco da coluna e eu o segundo. O Lassen levou um tiro numa perna que era dirigido a mim. Não fui ferido ou morto por muita sorte. Hoje renasci. O nosso coronel deve estar chateado comigo. Eu não podia fazer nada. É de muito mau gosto vir dar os parabéns a um capitão por uma operação com quatro feridos e um oficial morto. Há indivíduos que nunca serão capazes de compreender a mentalidade dos combatentes. Que se lixem.

─ Olhe, meu capitão, ─ disse o Manuel ─ eu não fui à formatura mas espreitei. Cumpriram-se integralmente as ordens. Formou rapidamente mas em cuecas. Alguns de tronco molhado, pois tinham acabado de sair do banho. O nosso comandante não viu os homens completamente nus mas fartou-se de ver corpos de homens quase nus. Talvez tenha aprendido a lição e na próxima já não nos chateie. Vamos beber mais uma cerveja para esquecer as tristezas. (...)

Emoção na hora da despedida, em julho de 1967:

Quando chegar a hora da despedida,  em meados de julho de 1967, o capitão Cristo, cmdt da 4.ª CCAC,  irá recordar com muita saudade, o Henriques (a par do Ribeiro, Cordeiro, Carvalho e Oliveira, os seus queridos alferes):

(...) O capitão estava emocionado porque não contava com este almoço de despedida. Quando falou no alferes Henriques, um dos mortos em combate, as lágrimas vieram-lhe aos olhos, pois a morte do Henriques estava muito viva no seu coração.(...) (pág. 373)

[Seleção, revisão e fixação de texto, negritos,  itálicos, parênteses retos e subtítulos: L.G.] (Com a devida vénia...)


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda e dos rios Cumbijã, Ungauriuol (afluente do Cumbijã) e Lama (afluente do Ungauriuol)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


2. Sinopse da Op Sobreiro, 21fev1967

Realizada para localizar e destruir as instalações inimigas referenciadas na região compreendida entre o rio Lama e o rio Ungauriuol, sector S3 (Bedanda), efectuando uma batida que foi executada por forças da CCav 1484,  4ª CCaç e Pel Can s/r 1154. 

Foram localizados 2 núcleos de casas que constituíam o objectivo, que foi destruído. O lN sofreu 3 mortos, além de outras baixas prováveis. As NT sofreram 2 mortos (o alf mil Américo Luís Santos  Henriques, natural de Ourém,  e o sold Sambel Baldé, natural de Bafatá, ambos da 4ª CCAÇ),   2 feridos graves e 2 ligeiros.

Fonte: Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II: Guiné: Livro 2. 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015, pág. 34. (Com a devida vénia...).

PS - No livro supracotado, há um erro sistemático em relação ao nome do rio, que não é Ungarinol, mas sim Ungauriuol (carta de Bedanda, escala 1/50 mil). Erro que vamos corrigir nos postes anteriores em que há referências a este rio, afluente do Cumbijã.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13309: In Memoriam (191): José Henriques Mateus (1944-1966): O discurso do nosso camarada, ex-alferes paraquedista (BCP 21, Angola, 1970/72), Jaime Bonifácio Marques da Silva, na cerimónia de homenagem realizada na Areia Branca, Lourinhã, em 11/5/2014




Vídeo 2' 01'' (Luís Graça, 2014). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Lourinhã, Areia Branca, 11 de maio de 2014. Homenagem ao José Henriques Mateus (1944-1966), desaparecido em combate em 10/9/1966, no sul da Guiné, durante a guerra colonial. Discurso de Narciso Cruz, empresário agricola, em nome da comissão organizadora local. 



Vídeo 0' 30'' (Lu+ís Graça, 2014). Alojado em You Tube > Nhabijoes.


Lourinhã, Areia Branca, 11 de maio de 2014. Homenagem ao José Henriques Mateus (1944-1966), desaparecido em combate em 10/9/1966, no sul da Guiné, durante a guerra colonial.  Toque militar,  a cargo de um  terno de clarins da banda do exército, Serra da Carregueira.



Discurso do nosso camarada Jaime Bonifácio Marques da Silva na cerimónia de homenagem ao sold at cav, José Henriques Mateus (1944-1966), que pertenceu á CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), e que desapareceu em combate  em 10/9/1966, no rio Tompar, setor de Catió, região de Tombali, sul daq Guiné (*)... 

O Jaime Bonifácio Marques da Silva é natural de Seixal, Lourinhã, foi colega de escola do Mateus, vive em Fafe (, onde foi professor de educação física e autarca, com o pelouro da cultura, e onde é mais conhecido como Jaime Silva). Fez a guerra colonial em Angola, como alf mil paraquedista, BCP 21 (1970/72). É membro da nossa Tabanca Grande. (**)


Parte1

1. Saudações [...]

2. Nota introdutória

Fará no próximo dia 10 de setembro 48 anos que o Lourinhanense José Henriques Mateus, nosso conterrâneo, desapareceu na sequência de uma operação de combate, denominada “Operação Pirilampo”, durante a travessia do rio Tompar na Guiné.

Em 1966, Portugal confrontava-se, já há cinco anos, com uma Guerra que se desenrolava em África em três teatros de operações diferentes: Angola (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964).

3 .Poderemos interrogar-nos hoje, cinquenta e três anos depois do início da Guerra em Angola e quarenta após o seu final da oportunidade de resgatar, sob o ponto de vista da evocação da História da Guerra Colonial, a memória daqueles que foram obrigados a fazer a guerra, sacrificando, muitos deles, a sua própria vida em nome de Portugal, como foi o caso do José Henriques Mateus, nosso conterrâneo e, cuja memória hoje evocamos.

A Comissão Organizadora, acredita que esta evocação histórica da memória dos que tombaram em nome de Portugal em África tem todo o sentido e justifica-se, sobretudo perante as novas gerações.

Acreditamos que o resgate da memória das causas, consequências e incidências vividas pelos combatentes durante esta Guerra, e neste caso particular, pelos ex-combatentes naturais do concelho da Lourinhã, é um ato de cidadania e deve ser uma obrigação, não só das instituições governamentais e militares a nível nacional, regional e local, bem como da sociedade civil.

É, em nosso entender, um exemplo de cidadania a homenagem prestada hoje pelo povo da Areia Branca perante o sacrífico de um dos seus “filhos da terra”, o Soldado  nº 711/65 José Henriques Mateus.

4. A propósito da evocação da memória e da necessidade e obrigação da sociedade lutar contra o esquecimento daqueles que serviram e tombaram em nome de Portugal nas várias frentes de combate ao longo da nossa História, escreveu Jorge Espinha, no Jornal “Público” em 18 de outubro de 2013:

“No próximo mês de agosto fará cem anos que começou uma das maiores tragédias que se abateu sobre o continente europeu. Morreram nessa guerra milhares de portugueses (10 mil).

Devíamos refletir um pouco na maneira despiciente como comemoramos o imenso sacrifício humano das guerras em que Portugal participou.

Aqui, comemorar significa, relembrar, estudar, tentar perceber o que aconteceu e como o que aconteceu moldou o nosso país. (…) A Guerra Colonial continua mal lembrada (…), ao lembrarmos as vítimas civis e militares não estamos a branquear a história (…). Deixar esses grandes eventos no escuro nunca dá bons resultados. “



5. Será este, também, o propósito desta Comissão: contribuir para que a sociedade atual não esqueça as consequências do flagelo da Guerra Colonial e lute contra a cultura do esquecimento que se instalou em Portugal após o seu final contra “aqueles a quem Portugal tudo exigiu”.

Portugal, simplesmente, exigiu a vida do soldado Mateus e de muitos dos seus camaradas, sem que o Mateus e os seus camaradas, que nunca se recusaram a defender a sua Pátria, pudessem, sequer, quando chegados a África e confrontados com a dura realidade da guerra e do terreno pudessem questionar os seus superiores hierárquicos, confrontando-os com o facto de não os terem treinado e dado as condições técnicas em equipamento e material de guerra necessários e adequados para poderem enfrentar o inimigo e desempenhar com segurança as missões a que iriam ser submetido no terreno das operações de combate.

Na verdade, e de acordo com os documentos, entretanto, publicados, alguns deles da autoria de militares que cumpriram várias Comissões de Serviço em África exercendo as suas funções no topo da hierarquia militar, este foi um dos dramas enfrentados pelos jovens, como o Mateus, que serviram nas forças Armadas Portuguesas em Angola, Moçambique ou Guiné: Foram mal treinados, mal equipados, mal apoiados, mal alimentados e desconhecedores do tipo de terreno onde iriam operar.

Se naquela operação, a Operação Pirilampo, o Alferes, seu comandante de Pelotão, tivesse o apoio dos helicópteros da Força Aérea ou dos barcos da Marinha portuguesa para atravessas o rio Tompar e, seguramente, o Mateus ainda hoje seria vivo, tal como dezenas de seus camaradas em circunstâncias idênticas.

Quando no dia 13 de abril de 1961, Salazar ordenou aos portugueses: “Para Angola rapidamente e em força”, tomou uma decisão que, de acordo com especialistas, foi errada e fora do tempo. Primeiro, não se preocupou em avaliar se o país tinha ou não condições económicas para adequar as suas tropas às exigências daquela Guerra, depois, alheou-se do contexto histórico no qual Portugal estava inserido na Europa e no resto do mundo, da contestação da sociedade portuguesa em relação ao estado de pobreza e subdesenvolvimento do nosso país e, sobretudo, ignorando a falta de condições fundamentais para a complexa preparação de todos os fatores logísticos inerentes ao suporte do início, desenrolar e manutenção da Guerra.

A partir daqui, por incúria dos seus governantes e interesses pessoais de tantos outros, a desgraça abateu-se sobre as famílias portuguesas.

Parte 2

1. Ao lembramos, hoje, a morte do soldado José Henriques Mateus no contexto da evocação
 histórica da Guerra Colonial, não podemos esquecer as consequências dessa Guerra para as famílias portuguesas:

Para África os Governos de Salazar e Caetano mobilizaram durante os treze anos do conflito (1961 – 1974) cerca de um milhão de jovens.

Destes, mais de 8 mil tombaram na frente de combate ou em acidentes, cerca de 120 mil foram feridos, 4 mil ficaram estropiados e, estima-se, que cerca de 100 mil ficaram a sofrer de “Stress Pós Traumático de Guerra”.

Para as famílias do concelho da Lourinhã as consequências da guerra traduziu-se na morte de 20 dos seus filhos: 9 em angola, 5 em moçambique e 6 na guiné.

Na Guiné, onde o Mateus cumpria a sua Comissão de Serviço e de acordo com os dados disponibilizados pelo Arquivo Geral do Exército, tombaram seis (6) militares (Lourinhã, Areia Branca, Ribamar, Toxofal, Toledo e Reguengo Grande).

O primeiro militar da Lourinhã a tombar na Guiné foi o soldado José António Canôa Nogueira em 23.1.1965, natural da Vila,  e o último foi o 1.º Cabo José João Marques Agostinho em 5.5.1973, natural de Reguengo Grande.

2. Sobre a vida militar e as circunstâncias da morte do Mateus a Comissão Organizadora decidiu preparar uma pequena exposição documental constituída por cinco painéis que serão expostos hoje na sede do Clube, no final desta cerimónia. A exposição tem como objetivo enquadrar e contextualizar o seu percurso militar durante a Comissão de Serviço na Guiné até ao fatídico fim de tarde do dia 10 de setembro de 1966 que lhe levou a vida, quando o seu Pelotão regressava de mais uma operação no mato .

Nos painéis transcrevemos alguns excertos de documentos oficiais que recolhi no Arquivo Geral do Exército, pertencentes ao seu Processo Individual, por cortesia do seu Irmão Abel Mateus, bem como no seu espólio pessoal cedido, também, pelo irmão que , publicamente lhe agradeço. Outros documentos foram cedidos por ex-combatentes pertencentes ao seu Batalhão, Companhia ou Pelotão enviados através do “Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné” ou por contacto pessoal através do correio ou testemunho pessoal.

2.1 Em síntese,

Podemos lembrar que o Mateus nasceu a 17.10.1944. Assentou praça no RI 7 em Leiria no dia 4 de maio de 1965 com a idade de 21 anos e, numa altura em que, como me disse o seu irmão Abel, era o “homem da casa” e o “braço direito da mãe”, uma vez que o pai já tinha falecido e tinha, ainda, mais duas irmãs e um irmão para ajudar a criar. Sobre as dificuldades das famílias em criar os seus filhos naquela época em que os trabalhadores do campo labutavam de “sol a sol” para ganharem uma “côdea”, são contas de outros rosário. A mãe do Mateus não escapava a estas dificuldades. Nem nestas circunstâncias o Governo de Portugal tinha alguma consideração: Ala para a guerra. Quem fica, que se amanhe!

O Mateus embarca para a Guiné a bordo do Navio Niassa no dia 20 de outubro de 1965, desembarcando em Bissau a 27 do mesmo mês.

Pertenceu ao Batalhão de Caçadores n.º 1858 e foi integrado na Companhia de Cavalaria n.º 1484 sediado na região de Timbali – Catió.

Sobre as características da região e do terreno onde estava sediada e atuava a companhia do Mateus, disse Benito Neves ex- Furriel da sua Companhia:

“Quando se olha aquele pedaço de mapa... nada se vê. Quem por lá passou sabe bem o que sofreu” (Benito Neves)

E Luís Graça, também, ex-furriel que cumpriu uma comissão de serviço na mesma região, afirma:

“Quando se olha para aquele pedaço de mapa de Bedanda, à esquerda e á direita do Rio Cumbijã, está-se perante o inferno na terra!... Aquilo é só bolanhas, lalas, lianas, tarrafo, lodo, água, rios, riachos, floresta-galeria"...

2.2. Operação Pirilampo

Foi num terreno com estas características que no dia 10 de setembro de 1966 o José Henriques Mateus será destacado para participar na Operação de Combate, denominada “Operação Pirilampo”, vindo a desaparecer no decorrer da mesma quando atravessava o rio Tompar.

Sabemos que, de acordo com os documentos oficiais disponíveis, nesta operação participaram duas Companhias:

A Companhia de Cavalaria nº.º 1484, à qual pertencia o Pelotão do Mateus comandado pelo Alferes Fernando Pereira da Silva Miguel e sendo o Furriel Egídio Ornelas Teles o seu comandante de secção.

Alguns dos textos que inserimos nos painéis a expor no Clube [da Areia Branca]  relatam-nos as circunstâncias e sobretudo, realço, o desespero de todos os seus camaradas na busca do Mateus.

Só quem esteve lá e viu morrer ou ficar estropiados nas minas os seus camaradas e amigos poderá avaliar o desespero e o sofrimento dos camaradas do Mateus!

Eu estive lá, na guerra, em Angola e comandei um pelotão. Sei, por isso, avaliar a responsabilidade, o desespero e a impotência de nada mais poder fazer do Alferes Miguel e do Furriel Egídio, perante a tragédia de ver desaparecer um seu camarada.

Termino lembrando uma frase tão atual nos tempos que correm:

“Só existe uma coisa mais terrível do que uma guerra, fazer de conta que ela nunca aconteceu”.

Por tudo isto e porque Portugal comemora neste ano de 2014 os quarenta anos da Revolução de 25 de Abril de 1974 que colocou um ponto final na Guerra em África,  estamos certos que, ao homenagear e evocar a memória de um dos seus filhos da terra, o Povo do Lugar da Areia Branca, com a família do Mateus, a Comissão da Igreja, a Associação de Desporto e Proteção da População do Lugar da Areia Branca, aos quais se associaram em boa hora a Câmara Municipal, a Junta de Freguesia, alguns dos seus camaradas de Pelotão e companhia, seus companheiros na Guiné (aqui presentes), amigos e as Associações ligadas à causa dos Combatentes , também, aqui presentes (ADF, AVECO, LCP) , cumprem um dever cívico e de cidadania, não só, perante a memória dos que tombaram em nome de Portugal, mas também, dando um exemplo de solidariedade às gerações mais jovens.

Tenho dito.

Lugar da Areia Branca, 11 de maio de 2014

Jaime Bonifácio Marques da Silva

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Notas do editor:

(*) Vd.  12 de maio de 2014 >  Guiné 63/74 - P13129: In Memoriam (189): José Henriques Mateus (1944-1966): uma singela e tocante homenagem das gentes da sua terra, Areia Branca, Lourinhã, na manhã de domingo, 11 de maio... Um exemplo a ser seguido por outras terras deste país.

(**) Último poste desta série > 11 de junho de  2014 >  Guiné 63/74 - P13268: In Memoriam (190): António Rebelo (1950-2014), ex-fur mil, 3ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)... Estava inscrito no nosso IX Encontro Nacional, a realizar em Monte Real, no próximo dia 14... Faleceu ontem, de morte súbita... O seu corpo será velado na igreja de Massamá e cremado amanhã em Barcarena... Vamos recordá-lo, doravante, sob o poilão da nossa Tabanca Grande (Jorge Pinto / Luís Graça)

terça-feira, 27 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13200: (In)citações (64) Nunca é demais... reafirmar o apreço pelo alto serviço prestado pela Marinha no apoio às unidades do setor de Catió... [ Manuel Lema Santos / Benito Neves / Victor Condeço (1943-2010) ]


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Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67 > 22 de fevereio de 1967 > Regresso da Op Sobreiro. Fotos do álbum de Benito Neves, ex.fur mil

Fotos (e legendas): © Benito Neves (2010). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem, de 25 do corrente, de Manuel Lema Santos [,1º tenente da Reserva Naval,  imediato na NRP Orion, Guiné1966/68; membro da nossa Tabanca Grande desde 21 de abril de 2006] [, foto à esquerda]:

Caro Luis Graça e restantes Companheiros Tertulianos,

Não posso passar ao lado da leitura de textos do Benito Neves (*) e outros Camaradas ou Companheiros sem que, tendo partilhado missões e vivências em cenários demolidores da razão humana, me perfile num cumprimento sentido e pesaroso pelo desaparecimento prematuro, quer do Victor Condeço quer de muitos outros camaradas. Alguns, meus amigos pessoais e que por lá deambularam comigo.

Conheci-o [, ao Victor Condeço,]  em escassas mensagens trocadas, grandes na dimensão da partilha e o inquestionável orgulho e gratidão que tanto ele como o Benito Neves reafirmaram no repetido apreço do alto serviço que a Marinha e as imortais LD, LDP ou LDM representaram na sobrevivência daquelas unidade militares sitiadas em remotos aquartelamentos "cus de judas" e outros em "nenhures". Todos lá sabemos ir sem GPS...

Benito Neves
Mais tarde, foi-me concedida a honra e o prazer de integrar o grupo
de um almoço-convívio por eles organizado num restaurante, e imagine-se, com um antigo guerrilheiro do PAIGC, também a senhora, a filha do casal e já com uma neta. A continuidade do Benito Neves no envio de documentos históricos não representa para mim uma novidade. Prefirirei saudá-lo como um necessário e aplaudido regresso. A memória histórica da região de Catió passa necessariamente por testemunhos como o dele. Obviamente que não só o dele, mas também o dele.

Mais do que alargar-me em romagens de saudade à minha memória histórica Guiné, prefiro reencaminhar antigos camaradas e companheiros para as linhas que então publiquei, suportado pelas mensagens trocadas com o saudoso Victor Condeço e o Benito Neves.

Muito grato fico pelo conhecimento que me deste! 

Abraço amigo para todos,

Manuel Lema Santos
 
PS - Vd. poste no meu blogue Reserva Naval > 2 de abril de 2010 > Nunca será demais... .as acções das LD’s, LP’s, LDP’s e LDM’s na Guiné!

Victor Condeço
(1943-2010)
Com especial destaque para a mensagem [, em comentário, de 3 de abril de 2010, ] do Victor Condeço [1943-2010]:

(...) 'Nunca é demais...' afirmar que para Catió, a Marinha foi crucial para a sua sobrevivência como localidade e como região.

A ligação a Bissau e a outras povoações fazia-se antes da guerra, como sabemos, pela estrada para Buba, que a meio percurso ligava com a de Bedanda.

O início das hostilidades na zona, em 25 Junho 1962, com o afundamento da jangada de Bedanda, abatizes nas estradas e os cortes de fios telefónicos, a vila de Catió ficou isolada.

As estradas acabariam por ser abandonadas, a partir desta altura o transporte de pessoas e bens era quase integralmente feito por via fluvial.

Até Fevereiro de 1968 a pista de aviação só permitia a operação de Helis, DO-27 e as Cessna dos TAG, só a partir desta data com o aumento da mesma, passaram ali a operar os velhos Dakotas da Força Aérea.

Foi já durante a minha comissão, entre finais de 1967 e início de 68, que foram feitos trabalhos de desmatação ao longo daquela estrada a partir do cruzamento de Camaiupa, na tentativa de a reabrir, o que nunca foi conseguido.

Esta operação mobilizava todos os dias uma enorme quantidade de meios tanto de Catió, como de Cufar de Bedanda.

Os trabalhos, foram interrompidos se não erro, após a chegada do novo CMDT Chefe Brig Spínola e nunca reatados no meu tempo.

Por tudo isto pode avaliar-se a importância que a Marinha teve na criação das condições para a manutenção desta Sede de Circunscrição, que tão disputada foi pelo PAIGC.

Com um abraço
Victor Condeço (...)
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Notas do editor

(*) Vd. postes de:


24 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13189: Memória dos lugares (267): Cachil, na ilha de Caiar, a sudoeste de Catió, na margem esquerda do Rio Cobade

25 de maio de  2014 > Guiné 63/74 - P13191: Memória dos lugares (268): Cachil, que eu conheci em julho/agosto de 1966... Suplício de Sísifo... e de Tântalo: rodeados de água, mas a potável tinha que vir de barco, em garrafões, de Catió ... (Benito Neves, ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

domingo, 25 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13191: Memória dos lugares (268): Cachil, que eu conheci em julho/agosto de 1966... Suplício de Sísifo... e de Tântalo: rodeados de água, mas a potável tinha que vir de barco, em garrafões, de Catió ... (Benito Neves, ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)


Guiné > Região de Tombali > Ilha de Caiar > Cachil > CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67) Julho de 1966



Guiné > Região de Tombali > Ilha de Caiar > Cachil > CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67) Um abrigo (T 3)



Guiné > Região de Tombali > Ilha de Caiar > Cachil > CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67) > 1966 > Intrerior do aquartelamento  

Fotos (e legendas): © Benito Neevs (2010). Todos os direitos reservados.




Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Porto interior (no Rio Cadime, e não Cadima, afluente do Rio Cagopère) > Álbum fotográfico do Victor Condeço (1943-2010)> Foto 11 > "Marinheiros da lancha LP2 de reabastecimento ao Cachil". [, Em cima, no cais os garrafões de vridro, que eram, usados no transporte de vinho, e que foram aqui adaptados para o transporte de água potável de Catió para o Cachil]".

Foto (e legenda): © Victor Condeço (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de ontem, do Benito Neves:

Caro Luís, espero que te encontres muito melhor e em franca recuperação.

Pois, na verdade, estava convencido que te tinha transmitido as minhas "notas" sobre a estadia da minha CCav 1484 no Cachil onde, embora por pouco tempo, demos cobertura à rendição da CCaç 726 pela CCaç 1587 no período de Julho/Agosto de 1966.

Mas a "odisseia" do transporte da água não se circunscreveu apenas àquele período. A lancha LP2 (ou batelão que a substituía) estava estacionado no porto interior de Catió e a "guarnição militar", ao longo de 16 meses (salvaguardada a necessidade operacional),  era composta por elementos da CCav 1484 - diariamente.

A "odisseia" da água já a tinha relatado em comentário ao Poste 6944 onde o Alberto Branquinho fez um excelente trabalho sobre a água que se bebia.(*)

Aqui vão mais duas ou três fotos sobre o Cachil, que já anteriormente havia enviado. (**)

2. Comentário de L.G.:

Segundo informação do José Colaço, a última companhia que passou pelo Cachil foi a CCAÇ 1620 (esteve lá de 20/3 a 11/7/1968). Portanto, o aquartelamento (?) só foi abandonado no tempo do Spínola.... Escreveu ele: "É do conhecimento geral que à minha companhia [, CCAÇ 557,[]  e ao 7º destacamento de fuzileiros coube-lhes a missão de ocupar o Cachil na operação Tridente. Tterminada a operação,  a missão foi concluir o forte apache ou a fortaleza de troncos de palmeira, como lhe chamou o sargento comando Mário Dias, onde permanecemos 10 meses e uma semana de 23-01 a 27-11-1964.A ultima companhia do abençoado trotil foi a CCaç 1620 (de  20/03 a 11/07 de 1968). Temos alguém no blogue desta companhia que nos relate o encerramento?" (***).

Cachil, tal como outros aquartelamentos do sul, foi "desatividado", ou em linguiagem mais prosaica, abandonado, devido ao isolamento, às dificuldades de abastecimento e, provavelmente, ao baixo moral das tropas. Como é sabido, isso aconteceu na sequência da nova orientação estratégica dada por Spínola que chega à Guiné como brigadeiro, em maio de 1968. Na região de Tombali, há outros aquartelamentos e destacamentos que são abandonados, dentro de uma lógica de custo-benefício, e não propriamente por mérito (militar) do PAIGC: estou-me a lembrar de Cacoca, Sangonhá, Ganturé, Gandembel... Mas também no leste, Ponta do Inglês (subsetor do Xime), Béli, Madina do Boé... E outros mais, incluindo tabancas em autodefesa e destacamentos de milícias (por ex., Madina Xaquili). Cito de cor... Este processo de reestruturação do nosso dispositivo militar no 2º semestre de 1968 e 1º semestre de 1969, ainda está mal documentada no nosso blogue. Acho que devíamos continuar a falar do Cachil...

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(***) Vd. também poste 24 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13188: Memória dos lugares (266): Cachil, o meu suplício de Sísifo durante 30 dias (Benito Neves, ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

sábado, 24 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13188: Memória dos lugares (266): Cachil, o meu suplício de Sísifo durante 30 dias (Benito Neves, ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)



A lancha no cais do Cachil, responsável pelo transporte dos géneros de Catió para o Cachi



Transporte de todos os mantimentos à força bruta do homem do cais para o quartel, que ficava a cerca de 1Km.


A cozinha (?)  do quartel do Cachil...


Uma pausa nos trabalhos para beber... água (?)



Os trabalhos na construção da paliçada (1)


Os trabalhos na construção da paliçada (2)

Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

Fotos falantes...que não precisariam  de legenda... Um dos piores lugares do inferno verde e vermelho que foi, para muitos de nós, a Guiné... Fotos do álbum do José Colaço (ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (*)

Fotos (e legendas): © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados.



1. Mensagem do Benito Neves, com data de 21 do corrente, e a propósito do poste P13172 :


 Julgo e quase tenho a certeza de que o rio que banhava o Cachil era um afluente do rio Cobade, que também banhava Catió...

E a propósito, nos 30 dias que estive no Cachil, fazíamos aquela viagem diariamente para irmos a Catió buscar o pão e a água. Era uma odisseia que posso descrever assim (**):

No Cachil carregavam-se todos os barris vazios em cima de um (único) Unimog que lá estava e que só viajava até ao cais. A estrada até ao cais do Cachil tinha umas largas, (muito largas) dezenas de metros, construída sobre troncos de palmeira, a uma altura de cerca de 4 metros e sobre os quais havia duas chapas a pouco mais que a largura dos pneus do Unimog.

Chegados ao cais, os barris eram descarregados e colocados numa lancha tipo LP2 e navegava-se para Catió com a maré cheia ou a encher. Recordo os inúmeros crocodilos que, prostrados nas margens, admiravam a coragem daqueles rapazes que lhes poderiam servir de almoço em consequência de uma qualquer bazucada que felizmente nunca aconteceu.

Chegados a Catió, descarragava-se a lancha e os barris eram colocados numa GMC que rumava ao quartel para enchimento. Enquanto esta operação decorria, era normal a maré descer e deixar a lancha em seco.

Deslocados de novo para o cais de Catió, descarregavam-se os barris para o cais e aguardávamos que a maré voltasse e colocasse a lancha à altura do cais para novo carregamento e navegação.

Chegados ao Cachil, repetia-se a operação inversa.

Depois de repousada a água, juntavam-se-lhe comprimidos tira-gosto, comprimidos de halozona e pós clarificadores. Passadas 4 horas poderia filtrar-se e consumir-se.

Foram assim 30 dias, em que registámos um ataque
entretanto feito ao aquartelamento.

Naqueles 30 dias, embora tivessem sido feitos relatórios de patrulhas e de outras actividades que constam dos documentos oficiais, ninguém saiu do quartel que não fosse para repor alguma armadilha que tivesse rebentado, porque do quartel ate à mata tínhamos um  "campo de minhas" feito com arame de tropeçar e granadas instantâneas que muitas vezes não resistiam à queda das folhas de palmeiras em noites de vento. 

Abraço

Benito Neves

[ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67]

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Notas do editor:

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13129: In Memoriam (189): José Henriques Mateus (1944-1966): uma singela e tocante homenagem das gentes da sua terra, Areia Branca, Lourinhã, na manhã de domingo, 11 de maio... Um exemplo a ser seguido por outras terras deste país.


Foto nº 1 > Painel de azulejos, pintado à mão, e que faz parte do monumento, inaugurado hoje, 11 de maio, no centro da povoação da Areia Branca,  materializando a homenagem do povo da  Areia Branca ao José Henriques Mateus (1944-1966).  Na parte superior do painel, ao centro está desenhado e pintado o guião da CCAV 1484 a que pertencia o Mateus.


Foto nº 2 > Da esquerda para a direita, presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, engº João Duarte, e os familiares mais próximos do homenageado, José Henriques  Mateus (1944-1966), o irmão (mais novo e o único vivo) Abel Mateus (n. 1954), e a sobrinha Rute Rodrigues, com a sua filha. Falando com o Abel Mateus, confidenciou-me quão dolorosa ainda era para ele a perda do irmão. Nunca fizeram o luto, porque o corpo nunca apareceu. Em 1974, ofereceu-se para os comandos, mas não o aceitaram ao descobrirem que tinha um irmão dado comno morto na Guiné. O José Henriques Mateus era o homem que sustentava a família, já que perderam o pai cedo.


Foto nº 3 > Narciso Cruz, o presidente da comissão local que organizou a homenagem ao filho da terra, José Henriques Mateus. O Narcislo, que andou comigo (e com o Salgueiro Maia) a estudar no ISCPS, em 1975/76, também teve um irmão, mais novo, desaparecido no mar, quando ia a caminho da Mauritânia... Com ele foram cinco pescadores da terra, ao todo 9 náufragos do concelho da Lourinhã, cujos corpos nunca apareceram.

Recorde.-se que o concelho da Lourinhã também tem a sua quota-parte na história trágico-marítima deste país. De 1968 a 2010, contabilizam-se pelo menos sete naufrágios de barcos de pesca onde morreram três dezenas e meia de filhos da terra, com especial destaque para as gentes de Ribamar (fora outros acidentes de trabalho mortais, cujo número se desconhece). Um desses naufrágios foi o do  Altar de Deus, em 6 de Novembro de 1982,  barco que pertencia ao irmão do Narciso Cruz. Infelizmente também são mortos esquecidos... Outros naufrágios, no último meio século,  em que desapareceram pescadores lourinhanenses, quase todos eles não resgatados:  Certa (15 de maio de 1968); Deus é Pai (26 de março de 1971);  Arca de Deus (17 de fevereiro de 1993);  Amor de Filhos (25 de julho de 1994); Orca II (antigo Porto Dinheiro) (19 de julho de 2000); e Fábio & João (19 de fevereiro de 2010).



Foto nº 4 > Da esquerda para a direita: (i) Ten cor inf ref José Pereira, presidente do Núcleo de Torres Vedras da Liga dos Combatentes; (ii) engº João Duarte, presidente da Câmara Municipal da Lourinhã; (iii) Pedro Margarido, presidente da Junta de Freguesia da Lourinhã;   seguidos de (iv) dois ex-combatentes da Guiné (os mais velhos da Areia Branca);  e por fim (v) o Narciso Cruz, presidente da comissão local que organizou o evento. (Um dos veteranos da guerra da Guiné, à direita do Narciso Cruz, é o Manuel Inácio Patrício,  sold da CART 1126, Bula e Có, 1966/67, que foi gravemente por duas vezes, na estrada Biambi-Bissorã, em 21/4/66, com um tiro ao lado esquerdo do coração, e na estrada de Jolmete, numa mina A/C,  em 26/8/66;  é Deficiente das Forças Armadas).


Foto nº 5 > O nosso grã-tabanqueiro e colega de escola do Mateus, o Jaime Bonifácio Marques da Silva, natural do Seixal, a povoação vizinha da Areia Branca... Fez o historial militar do Mateus e foi o autor de 5 cartazes expostos no clube local. 


Foto nº 6 > A sobrinha do Mateus, Rute Rodriguess, agradecendo a presença das autoridades, civis, religiosas e militares, bem como dos conterrâneos, amigos e camaradas do seu tio (que ela não chegou a conhecer)


Foro nº 7 > O ex-fur mil Benito Neves, ni uso da palavra;  veio de Abrantes para prestar a sua homenagem ao seu camarada Mateus. e trouxe consigo mais dois camaradas da CCAV 1484, todos eles tendo participado na fatídica Op Pirilampo.


Foto nº 8 > Um aspeto da assistência


Foto nº  9 > Em primeiro plano, umn terno de clarins da banda do exército, que veio  da Serra da Carregueira, para abrilhantar a cerimónia... Do lado esquerdo dois veteranos da Guiné,. e ambos deficientes das Forças Armadas, o Manuel Inácio Patrício e o José Rufino, dois dos membros da comissão local que organizou o evento. Por detrás dos militares, à direita, o Carolo, de boina da Cruz Vermelha, e também membro da comissão organizadora local.


Foto nº 10 > A cerimónia foi conduzida pelo António Bastos, vice-presidente da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã, e que também, esteve representada pelo seu presidente Fernando Castro.


Lourinhã > Areia Branca > 11 de maio de 2014 > Cerimónia do sold at cav, CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), desaparecido em 10/9/1966, no rio Tompar, setor de Catió, região de Tombali, sul daq Guiné... As primeiras fotos.

Há mais 142 terras deste país que deviam seguir o exemplo da Areia Branca, unma pequena terra que snme sequer é sede de freguesia... São terras onde houve filhos desaparecidos no Teatro de Operações da Guiné, durante a guerra colonial, por afogamento (em combate ou acidente de lazer).

143 afogamentos representam 6,9% do total de mortos na Guiné...  Agora acrescente-se os desaparecidos por afogamento noutros TO: Angola, Moçambique... As associações de veteranos e os núcleos locais/regionais da Liga dos Combatentes deveriam dinamizar ou liderar esses processos, apoiando louváveis iniciativas da comunidade como esta!... Parabéns ao povo da Areia Branca que sabe honrar os seus bravos! (LG).

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.
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