1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Setembro de 2023:
Queridos amigos,
Ao fazer a minha ronda habitual na Biblioteca da Liga dos Combatentes, o solícito bibliotecário pôs na secretária este livro e, embora sabendo que a temática tem vindo a ser tratada com alguma proficiência, não hesitei em pôs estes antigos combatentes açorianos da Guiné a falarem calorosamente do que guardam na pele, simples infantes, enfermeiros, condutores, paraquedistas, explicam ao pormenor quando e como foi tomada a decisão, alguns arrependeram-se de pôr um nome e 50 anos depois vão a um estúdio de tatuagem para apagar o que os incomoda.
Um abraço do
Mário
Ex-combatentes açorianos da Guiné falam das suas tatuagens
Mário Beja Santos
O livro intitula-se "Ultramar na Pele", texto de Diana Gomes e fotografia de Rui Caria, edição do Instituto Açoriano de Cultura, 2020. Testemunham ex-combatentes das três frentes da guerra, guardam memórias do que viram e experimentaram, deles sobrevive uma lembrança, sobretudo um braço tatuado, identificam lugares, datas, amor de mãe ou da mulher.
Há de tudo para explicar estas tatuagens. Rui Teixeira, que esteve na Guiné entre 1968 e 1970, na Companhia “Os Furiosos”, tinha no braço “Viva Salazar”, volvidos 45 anos entrou num estúdio de tatuagem, cobriu as antigas e agora pode exibir “Viva Portugal”.
Há uma âncora no braço de Fernando Simas que partiu em 1967 para Angola. A autora esclarece:
Vejamos agora Manuel Valadão, foi paraquedista na Guiné, a Companhia 121, quis deixar no braço o comprovativo de que foi paraquedista, Valadão, apesar da sua tatuagem estar desgastada, tem para ele um valor precioso.
José Luís Correia de Azevedo seguiu para Bula. No seu pelotão havia um soldado que para além de adorar tirar fotografias fazia tatuagens quando lhe pediam, fez das tatuagens um negócio. Pediu para que lhe tatuassem as palavras “Amor de pais” e “Guiné 70-72”. Pagou ao camarada, ficou a promessa de que este lhe iria oferecer outra tatuagem, quando o José Luís fizesse anos. E no antebraço direito, desde o cotovelo até quase ao pulso está tatuado em letras maiúsculas “Micelina meu amor”. Micelina era o nome da mulher que ele namorava. Regressou a casa em outubro de 1972 e pediu Micelina em casamento. Um amor que já conta mais de meio século.
João Lourenço Oliveira conheceu um outro açoriano em Sare Bácar, na fronteira com o Senegal, foi Mário quem o tatuou com a frase “Justiça Lealdade Guiné 71-73”. Mais tarde, Mário tatuou no braço direito com o nome da sua madrinha de guerra, “Grimanesa”. Acabou por não casar com a Grimanesa, cobriu o nome com tinta-da-china. Pouco tempo depois, apaixonou-se por Isabel e estão casados até ao presente.
Quanto a açorianos, estamos falados. Diana encontrou aspetos muitos versáteis e impressivos nas entrevistas que fez, Rui Caria mostra as tatuagens, mãos calejadas, há mesmo rostos devastados, capta o que eles dizem à entrevistadora, como o tempo passava muito devagar, como a saudade apertava, como se sonhava regressar ao local onde se vivia.
Saúdo este levantamento de tatuagens em gente açoriana, a escolha de depoimentos singelos, como o de Belmiro Miguel, que combateu em Xai-Xai, Moçambique, e cuja tatuagem, ele não esqueceu a data, foi feita no dia em que Portugal, no campeonato do mundo de futebol de 1966, venceu a Coreia por 5-3. E a entrevistadora usa frases oportunas como a propósito de uma palmeira e de uma cubata no braço de Belmiro Miguel, a necessidade de marcar aquele lugar no corpo, pelos medos que sentiu, pela força interior que tinha de encontrar para enfrentar aquela guerra. E escreve:
Que se pode dizer mais? Uma terna viagem pelas tatuagens de guerra, um aviso claro que ainda se podem encontrar muitos mais testemunhos.
Nota do editor
Último post da série de 9 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26249: Notas de leitura (1753): A Guiné Que Conhecemos: as histórias sobre unidades do BCAV 2867 (3) (Mário Beja Santos)