Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 10 de maio de 2008
Guiné 63/74 - P2830: Aqueles que nem no caixão regressaram (4): O Açoriano, da CCAÇ 1439, desintegrado por uma mina (Henrique Matos)
Guiné >Zona Leste> Sector L1 > Bambadinca > Estrada Enxalé-Missirá > Sítio do Mato Cão > 6 de Outubro de 1966 > Cratera povocada por uma mina A/C cuja explosão provocou a morte do Soldad Manuel Pacheco Pereira Junior, da CCaç 1439. Era natural de São Miguel, Açores. Os restos mortais (cerca de 3kg) ficaram no Cemitério de Bambadinca, Talhão Militar, Fileira 2, Campa 1, Guiné-Bissau. NO regresso de Missirá, a mesma coluna accionou outra mina A/C que decepou a perna do Fur Mil Op Esp António dos Santos Mano, acabando por morrer por fa
Foto: © Henrique Matos (2008). Direitos reservados.
1. Texto do Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68), açoriano de São Jorge, que vive hoje em Olhão (1):
Caro Luís:
Respondo ao teu mail para dizer que enquanto estive com o [Pel Caç Nat] 52 não se registaram baixas e não me recordo de qualquer funeral de militares tanto no Enxalé como em Porto Gole. O mesmo não se pode dizer da CCaç 1439, companhia a que estava adstrito.
No dia 6 de Outubro de 1966 numa coluna que saiu do Enxalé para reabastecimento de Missirá (sorte minha, porque não foi a minha vez de a comandar) e no fatídico lugar de Mato Cão, o soldado Manuel Pacheco Pereira Júnior, mais conhecido pelo Açoriano pois era o único natural dos Açores naquela companhia que era de madeirenses, foi literalmenet pulverizado por uma mina A/C.
Quando digo pulverizado é o termo que melhor descreve a situação, pois sou um dos que andou à procura de restos do corpo e apenas encontraámos pequenos fragmentos de ossos com que fizemos um embrulho que pesava poucos quilos. Tem a sua campa em Bambadinca, como se pode ver na relação do Marques Lopes (2). A G3 dele nunca mais se viu, pensando-se que terá voado para o Geba que passa a não muitos metros de distância.
E como é que isto aconteceu numa estrada (se é que àquilo se podia chamar estrada) que era sempre picada. Mato Cão era uma zona problemática porque havia ao lado da estrada uma pequena colina que era propícia a emboscadas. Por isso mesmo, e sobretudo quando não avistávamos macacos nas árvores (se houvesse macacos não havia gente), mandávamos umas morteiradas para as traseiras da colina ou avançava uma secção para fazer o reconhecimento.
Nesse dia coube à secção do Açoriano fazer o reconhecimento e este escondeu-se ao lado do pneu do Unimog que ia rodando lentamente. E foi nesse mesmo pneu que rebentou a mina que não fora detectada pelos picas.
Mas a tragédia não acaba aqui. A coluna foi descarregar a Missirá e regressou a abrir, isto é, o mais depressa que podia andar e sem picar. Então muito próximo do mesmo local outra mina A/C tirou a vida ao Fur Mil Ranger António dos Santos Mano, que vinha ao lado do condutor mas com uma perna para o lado de fora do assento. E foi isso que lhe causou a morte, pois a perna foi decepada e não houve forma de o salvar. Nessa noite foi preciso acalmar muita gente no Enxalé pois a companhia, [a CCAÇ 1439,] só tinha tido uma baixa até essa ocasião e já ia a caminho de 15 meses de comissão.
Mando uma fotografia da cratera que uma das minas deixou, e que não sei se terá algum interesse. As fotografias das viaturas desapareceram mas também não tinham nada de especial pois via-se apenas que tinham ido parar longe e tinham a chapa retorcida.
Grande abraço e até Monte Real
Henrique Matos
___________
Nota dos editores:
(1) Vd.postes do Henrique Matos:
14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)
14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2107: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (2): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte II)
6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)
11 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2173: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (4): O capitão de 2ª linha Abna Na Onça, régulo de Porto Gole
18 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2191: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (5): O baptismo de um periquito no Enxalé
23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2376: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (6): Insularidade e solidariedade no Natal dos açorianos
31 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2392: Memórias dos Lugares (3): Porto Gole (Henrique Matos, Pel Caç Nat 52, 1966/68)
Vd. também poste de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)
(...) Em 10 de Agosto de 1966 (recordo-me por ter sido 4 dias após a inauguração da Ponte sobre o Tejo, então Salazar) embarquei para a Guiné no Rita Maria, na chamada rendição individual. Depois Bolama, que foi o meu curto IAO, onde já me esperava o Pel Caç Nat 52, composto por pessoal metropolitano (Furriéis Milicianos Vaz, Altino e Monteiro e 1ºs Cabos Cunha, Castanheira e Pires) e o restante pessoal do recrutamento local englobando três 2ºs Cabos (um era caboverdiano, penso que se chamava Félix).
Passados alguns dias, saímos numa LDM para o Enxalé, ficando em reforço à CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, adstrita ao BCAÇ 1888, sediado em Bambadinca (...).
(2) Vd. poste de 5 de Maio d 2008 > Guiné 63/74 - P2811: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (3): De 1966 a 1967 (A. Marques Lopes)
Há pelo menos 4 militares da CCAÇ 1439, que morreram na Guiné e por lá ficaram enterrados (dois em Bambadinca e dois em Bissau, sendo três madeirenses e um açoriano):
(i) José Manuel Mendonça, Soldado, CCaç 1439, morto em 30.08.65, no Xime, por ferimentos em combate; era natural de Santa Maria Maior, Funchal; está sepultado o Cemitério de Bissau, Campa 1952, Guiné-Bissau;
(ii) Tolentino Gouveia, Soldado, CCaç1439, falecido em 30.08.65, em HM241, Bissau, na squência de ferimentos em combate, no Xime; era Santo António da Serra, Machico, Madeira; foi enterrado no Cemitério de Bissau, Campa 1926, Guiné-Bissau;
(iii) Juvenal Gonçalves, Soldado, CCaç 1439, morto em 28.02.66, em Bambadinca, por afogamento; era natural de São Vicente, Madeira; repousa no Cemitério de Bambadinca, Fila 1, Campa, 9, Guiné-Bissau;
(iv) Manuel Pacheco Pereira Junior, Soldado, da CCaç 1439, 06.10.66, morto na estrada Enxalé-Missirá, no sítio d Mato Cão, por ferimentos em combate; era natural de São Miguel, Açores; os restos mortais ficaram no Cemitério de Bambadinca, Talhão Militar, Fileira 2, Campa 1, Guiné-Bissau.
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