quarta-feira, 7 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2818: FLING, mito ou realidade ? (1) (Magalhães Ribeiro, Fur Mil Op Esp, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa)

F.L.I.N.G., Mito ou realidade?
1. Mensagem do nosso camarada E. J. Magalhães Ribeiro (1), do Porto:

Estive aqui a teclar o texto, que anexo ao presente mail, onde relato um episódio que faz parte da história da Guiné, sobre o qual, até hoje, nunca ouvi qualquer referência, e que penso seria interessante inserir no blogue. Veremos se aparece mais alguém a dizer algo sobre o mesmo assunto, o que eu gostava muito!

Eduardo José Magalhães RibeiroEx-Furriel Miliciano de Operações Especiais (RANGER)
da C.C.S. do Batalhão 4612/74
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Há alguns factos relativamente recentes da História de Portugal, que devem ser escritos quanto antes, sob pena de os seus protagonistas desaparecerem, mais dia menos dia, do mundo dos vivos e deixar que no futuro os interessados em conhecer alguns detalhes e histórias perdidos, ou menos conhecidos, sejam objecto das mais fantasiosas e distorcidas especulações.

Com a "revolução" de 25 de Abril de 1974, foi decidido, pelos revoltosos e a politicalhada de então, acabar com as guerras que decorriam em África, nas ex-Colónias portuguesas da Guiné, Moçambique e Angola.

No tocante à Guiné, com a pressa de "despachar" o poder governativo ao povo, a qualquer custo, terminando assim drástica, incompetente e irresponsavelmente, com todo o poder soberânico português naquele território, foi decidido fazer esta "entrega" oficial desse mesmo poder, em Setembro de 1974, ao P.A.I.G.C. (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde).

Quem falava na guerra da Guiné sempre a aliou ao P.A.I.G.C., sem dúvida o movimento de libertação mais activo, quer no campo político, quer na sua bem conhecida componente militar.

No entanto, embora pouco falado, outro movimento de carácter basicamente político (de que desconheço tenha executado qualquer acção armada), com a sigla F.L.I.N.G. (Frente de Libertação para a Independência Nacional da Guiné), vinha ganhando nos anos 70 alguns adeptos (penso que nunca estimados em número), entre os habitantes que pululavam nos meandros da cidade de Bissau.

Porquê então entregar o poder apenas aos guerrilheiros do P.A.I.G.C.? Será que a F.L.I.N.G., pelo menos na prática, nunca existiu?

O último batalhão de tropas que cumpriu comissão na Guiné e que teve como primeiro destino substituir o BCaç 4612 (que perfazia em Agosto de 1974, 22 meses de sacrificada e exaustiva comissão em Mansoa, a cerca de 50 km de Bissau), e como missão final assegurar a evacuação integral do dispositivo militar, foi o 4612, onde eu fui Furriel Miliciano de Operações Especiais.


Quis a sorte, ou o azar, como queiram chamar-lhe, que no dia 9 de Setembro de 1974 fosse eu o sargento eleito pelas minhas hierarquias para ser o responsável pelo acto de arriar a última bandeira nacional naquele território.

Quando me comunicaram que este acto, com cerimónias oficiais dignas e apropriadas dessa honra, ia decorrer ali em Mansoa, coincidindo com a entrega do quartel ao P.A.I.G.C., tão longe de Bissau, logo estranhei porque é que tal não se fazia com mais pompa e circunstância no local que, aparentemente, seria o mais indicado: Bissau - a capital do país.


Cópia da Ordem de Serviço de 6 de Setembro de 1974, onde se sentenciava a entrega do quartel de Mansoa ao PAIGC.



9 de Setembro de 1974. O Furriel Mil Magalhães Ribeiro arreia a bandeira Portuguesa em Mansoa, o último local, que se saiba, onde ainda drapejava.
Foto: © Magalhães Ribeiro (2008). Direitos reservados.


Um Militar do PAIGC hasteia a bandeira da Guiné-Bissau. 9 de Setembro de 1974.
Foto: © Magalhães Ribeiro (2008). Direitos reservados.

Tentei então saber, quer entre as autoridades militares presentes, quer entre alguns dos milhares de populares, o motivo que originou a transferência destas cerimónias para Mansoa.

Pois o facto é que todos os rumores apontavam para uma ameaça, levada muito a sério, através de insistentes “boatos” em Bissau, de boicote às ditas cerimónias por parte da F.L.I.N.G.

Continuo, até aos dias de hoje, surpreendido por este assunto não ser mais esmiuçado e esclarecido, aliás nem sequer abordado.

Das cerimónias existe, pelo menos, um filme inserido num episódio do programa “Século XX Português”, do canal televisivo SIC Notícias-, sobre “A descolonização do ex-Ultramar”.

Também possuo 36 fotografias deste facto histórico, e dele escrevi um pequeno resumo para o nosso blogue (Post
CCCIV de 21 de Novembro de 2005) (2).

Resta dizer que o Batalhão 4612/74, foi também o último a embarcar em Novembro de 1974, da Guiné para o Continente, no navio UÍGE, tendo ficado, tanto quanto eu sei, na Guiné apenas um pequeno destacamento da Marinha de Guerra, segundo creio, para transmitir ao pessoal do P.A.I.G.C. o saber de assegurar o tráfego marítimo e fluvial na Guiné.

Eduardo José Magalhães Ribeiro.
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Fixação de texto de vb. Para melhor enquadramento transcreve-se parte da nota que a 2ª REP do QG/CTIG emitiu em 1967 (2):
Enquanto em Conakry eram concedidas ao PAIGC todas as facilidades, no Senegal, em especial em Dakar, foram surgindo movimentos que, fiéis ao princípio “A Guiné para os Guineenses”, se revelaram, na sua quase totalidade, como acérrimos adversários do PAIGC, a quem atribuíam o objectivo de querer manter na Guiné “a secular preponderância dos cabo-verdianos sobre os guineenses”. Entre os movimentos com sede em território senegalês, contavam-se:
- O Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde (MLGC), dominado por cabo-verdianos que pretendiam a independência conjunta da Guiné e Cabo Verde. Este era um dos poucos movimentos que no Senegal tinham adoptado, na sua generalidade, a linha de acção do PAIGC;
- O Movimento de Libertação da Guiné (MLG), a que aderiram a maior parte dos manjacos guineenses residentes no Senegal, que não aceitavam qualquer associação com os cabo-verdianos. Com sede em Dakar, chegou a ter uma filial em Bissau. Era seu chefe François Mendy, um estudante de Direito de ascendência manjaca nascido no Senegal;
- A União Popular para a Libertação da Guiné (UPLG), que enquadrava alguns fulas residentes no Senegal;
- A União das Populações da Guiné (UPG), à qual estava filiada uma minoria de guineenses residentes em Koldá (Senegal);
- A União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP), movimento chefiado por Benjamim Pinto Bull que reclamava a autonomia da Guiné Portuguesa através do diálogo com o Governo Português;
- A Reunião Democrática Africana da Guiné (RDAG), constituída por elementos da RDA e que procurou integrar a colónia mandinga do Senegal. (...)
Em Maio de 1961, François Mendy conseguiu fundir, pelo menos transitoriamente, o RDAG com o seu MLG no seio da Frente da Libertação da Guiné (FLG). (...)
Na noite de 17/18 de Julho um pequeno grupo de elementos do MLG, por decisão de François Mendy que pretendeu passar à luta armada, possivelmente para chamar a si as atenções mundiais, cortou a linha telefónica entre S. Domingos e a tabanca de Beguingue e tentou incendiar a ponte de Campada.
Na noite de 20/21 de Julho um outro grupo mais numeroso atacou o aquartelamento de S. Domingos fazendo uso de terçados, armas de caça, espingardas, garrafas de gasolina e “cavadores” (paus com a ponta afiada em forma de trapézio). Na maioria envergavam camisas e calções pretos.
Em 25 de Julho um outro grupo provocou danos materiais na zona de turismo de Varela e em Suzana, fazendo depredações e pilhando a maioria dos edifícios públicos.
Em 3 de Agosto de 1962, François Mendy conseguiu finalmente a fusão do seu MLG com a UPG, o RDAG e a UPLG no seio da Frente da Luta pela Independência da Guiné (FLING) – “a autêntica emanação do povo da Guiné-Bissau e único instrumento revolucionário para a libertação nacional”. Nesta frente integrou-se a quase totalidade dos guineenses radicados no Senegal, com excepção dos Manjacos do MLG-Dakar, que recusaram a adesão. O PAIGC recusou o convite para fazer parte da FLING.
Em 1965, a República da Guiné-Conakry anunciou que a OUA reunida recentemente em Nairobi decidiu reconhecer o PAIGC como o único movimento de libertação da Guiné Portuguesa e que a FLING estava definitivamente riscada da lista dos movimentos nacionais a ajudar.
A partir dessa data, praticamente deixou de se ouvir falar da FLING.
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Notas do co-editor VB:
(1) Magalhães Ribeiro, o "pira de Mansoa", como ele na brincadeira se apresenta aos amigos e camaradas, é o autor do Cancioneiro de Mansoa, de que já publicámos a maior parte dos versos, na 1ª e 2ª série do nosso blogue:
1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal
1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá
7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVI: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira...
10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIV: Cancioneiro de Mansoa (4): a arte de ser 'ranger'
1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDIX: Cancioneiro de Mansoa (5): Para além do paludismo
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas
15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVIII: Cancioneiro de Mansoa (7): Os periquitos do pós-guerra
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª
3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P837: Cancioneiro de Mansoa (9): A mais alta de todas as traições
25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1698: Cancioneiro de Mansoa (10): O 25 de Abril, a Barragem de Castelo de Bode e a descoberta da palavra solidariedade
(2) vd. post de 21 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIV: Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)
(3) Artigos relacionados:
7 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2247: Como a 2ª REP/CTIG via os acontecimentos em 1967 (III): Período de 1964 a 1967
24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2128: Bibliografia de uma guerra (18): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte II)

2 comentários:

JC Abreu dos Santos disse...

aqui chegado, e de memória, adito que: além do citado destacamento da Marinha de Guerra, ficou também na (já então) Guiné-Bissau um destacamento da Força Aérea Portuguesa, salvo erro, com helicópteros AL-III.

Anónimo disse...

Seria interessante ler os relatos de quem viveu as últimas viagens de regresso e chegadas a Lisboa, e a recepção que tiveram.

Principalmente, relatar o comportamento das hierarquias para com os regressados.

Sobre os diversos movimentos nacionalistas guineenses, Amilcar Cabral baralhou-os de tal maneira, que praticamente a memória que existe entre os guineenses, desses movimentos, é só por transmissão oral.

Ouvirmos directamente de guineenses, e sem complexos, essa história, iria enriquecer muito o desenvolvimento deste blog.

Cumprimentos
Antº Rosinha