1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Setembro de 2021:
Queridos amigos,
Só muito crescidinho é que passei a visitar este palácio onde é marcante a influência italiana na arquitetura, que passou a ser habitado por D. Luís e a sua família, mais tarde adaptado a museu e biblioteca. Se nas pinturas do teto, na magnificência dos seus soalhos, há sinais evidentes de décadas de decoração anteriores a 1862, é bem claro que coube a Maria Pia de Sabóia o papel de refinar o gosto do espaço habitado pela família real. Tenho tido a sorte de ir vendo ao longo das décadas intervenções de grande qualidade, há cada vez mais espaço recuperado, é um gosto ir ao site do Palácio e de estudar as suas publicações, todas elas de grande qualidade. O que penso que falta para estimular visitas mais frequentes é uma forma de captar a atenção para o espaço da biblioteca e dos jardins, a visita convencional é só aos espaços interiores do palácio, todos ganharíamos se se desse uma possibilidade ao visitante de visitar mais. Agora há que aguardar por novembro, pela inauguração do Museu do Tesouro Real.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (16)
Mário Beja Santos
A partir dos meus 12 anos, sobretudo nos fins de semana ensolarados, a minha mãezinha que Deus tem organizava passeios culturais e era inevitável a visita a museus, igrejas, capelas, havia a descrição das praças, até da Cerca Fernandina. E consigo guardar memória de visita ao Museu Nacional de Arte Antiga em que a Baixela Germain estava bem encardida, os tapetes puídos no Museu de Arte Contemporânea, até a Igreja de São Roque não era credora das cuidadas intervenções que tem hoje. E lembro-me perfeitamente de ela me ter dito que era o cabo dos trabalhos ir visitar o Palácio Nacional da Ajuda, que não estava aberto ao público. Pus mãos à obra, fui ler uma descrição de Norberto Araújo sobre o Palácio Nacional da Ajuda numa edição do então Secretariado de Propaganda Nacional (que teve a sua vitalidade entre meados dos anos 1930 e princípio dos anos 1950, transmudou-se em SNI). O palácio era então museu e biblioteca. O ilustre olisipógrafo refere os antecedentes, um palácio existiu no século XVIII e depois as inúmeras adaptações introduzidas na segunda metade do século XIX, passou a ser uma residência real permanente a partir de 1862. Vestíbulo com 47 estátuas de estilo italiano, fatura de artistas portugueses, centenas de salas e de dependências. O palácio, por essa época, era lugar de algumas receções e cerimónias de grande gala. Ali tinha sido recebido Alberto da Bélgica, acompanhado do príncipe Brabante, o futuro Leopoldo III. Enumera os Salões dos Arqueiros, do Porteiro da Cana, do Dossel, da Espera, do Despacho, da Música, de Mármore, de Sax, os Salões Vermelho, Verde e Azul, a Sala de Jantar, a Sala do Trono, o Salão de D. João V, a Sala do Corpo Diplomático, dos Embaixadores. Conclui dizendo que todas estas divisões guardam numerosos objetos de arte e um rico mobiliário. E seguidamente descreve a importantíssima biblioteca que ainda hoje não é de fácil acesso, mas que é património magnífico. Peguei seguidamente no guia do palácio organizado por Isabel da Silveira Godinho, data de 1988, era ela diretora do monumento nacional. Fala-nos da Real Barraca que antecedeu o projeto arquitetónico interrompido com a ida da família real para o Brasil, diz-nos quais as residências da família real enquanto decorrem os trabalhos do palácio e ficamos a saber que coube a Joaquim Possidónio Narciso da Silva, arquiteto da Casa Real, a decoração e a organização de todos os espaços destinados ao casal D. Luís e D. Maria Pia de Saboia. Mesmo com a chegada do casal continuaram os trabalhos de decoração, a rainha era infatigável, fizeram-se inúmeras encomendas e daí o visitante ser hoje deslumbrado com uma imensidão de obras de arte e rutilantes artes decorativas da segunda metade do século XIX. A rainha Maria Pia ficou sempre a viver no palácio, na companhia do Infante D. Afonso, o rei D. Carlos vivia nas Necessidades usando exclusivamente o Palácio da Ajuda para as cerimónias oficiais. Com o Estado Novo, o palácio foi transformado em museu e só mais tarde é que abriu ao público.
Serve este preâmbulo para indicar que ao longo dos últimos anos tenho vindo a apreciar excelentes intervenções, algumas delas obras de mecenato, tetos repintados, substituição de tecidos, restauro de obras. O visitante entra pela Porta dos Arqueiros, segue-se a Sala do Porteiro de Cana e depois a Sala das Tapeçarias Espanholas, antiga Sala de Audiência, aqui se encontram tapeçarias executadas seguindo o desenho de Francisco Goya, oferecidas pela Coroa Espanhola por ocasião do casamento do futuro D. João VI com Carlota Joaquina de Bourbon. A sala tem vindo a sofrer alterações, seguramente que aqui se realizaram algumas receções de pompa, não é por acaso a enorme quantidade de cadeirões.
Surpreendem as sedas, os adamascados, as tapeçarias, há uma sala de passagem com retrato do rei D. Carlos pintado por Malhoa, segue-se a Sala do Despacho, muito provavelmente os salões seguintes têm sido objetos de redecoração, será o caso da Sala de Música, onde se davam concertos de música de câmara, vemos violoncelos e uma harpa, há o retrato de D. João VI a cavalo, vitrinas com peças decorativas das coleções de D. Luís e D. Maria Pia. No centro um piano de cauda. E passa-se para a antiga câmara de dormir de D. Luís, vou comparando as diferenças entre 1888 e a atualidade, o que se pode dizer é que tem havido muita intervenção e muito restauro, porventura muito rigor na colocação do mobiliário e dos objetos, de acordo com a lógica de quem dele usufruiu ao seu tempo.
Percorrem-se mais umas salas, as denominadas Salas Azul, em carvalho, o Jardim de Inverno, a Sala de Sax e a Sala Verde, a Rosa, para ser sincero com o leitor, sei que algumas estão para obras e outras estavam fechadas, assim se chegou à Sala de Jantar da Rainha e depois à Sala de Bilhar, não me lembro de ter visto o Ateliê de Pintura do rei D. Luís, sei que em dado momento entrei num vasto corredor que me levou ao andar superior, aí me aguardava o grande fausto. Antes, porém, estive na capela de D. Maria Pia, tudo em estilo neogótico, tudo muito severo, mas tocante. Não queria deixar de falar do Quarto da Rainha D. Maria Pia, pejado de quadros de membros da sua família, mobiliário riquíssimo, em ébano, a cama com baldaquino, tudo muito ao estilo de Napoleão III, no baldaquino em madeira dourada e esculpida temos as armas da rainha.
A idade já não ajuda a dar o máximo de atenção às salas com motivos chineses, com estilo império, com tapeçarias Gobelins, há sala de receção do corpo diplomático, havia notícia de restauros recentes na Sala do Trono, para ali avancei. Como se pode ver, é uma sala de grandes dimensões, ocupa o espaço que corresponde ao Torreão Sul do palácio. O teto é magnífico, consta que a intenção dos pintores foi exaltar a Majestade, o Rei D. Miguel. A sala é iluminada por um grande lustre em cristal e bronze cinzelado, de 180 velas, não faltam jarrões alemães e chineses, é patente a pompa e circunstância e daqui vou diretamente para a Sala de Banquetes, também imponente pelas suas dimensões e decoração, teto com uma alegoria ao aniversário do nascimento do rei D. João VI, é neste espaço que ainda hoje se dão banquetes de Estado. E creio que o leitor, caso ainda não tenha apanhado a fase dos últimos restauros, fique com a curiosidade acicatada para se ir deslumbrar com estes últimos faustos da monarquia que o sistema republicano não desdenha em determinadas solenidades.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22534: Os nossos seres, saberes e lazeres (467): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (8) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 18 de setembro de 2021
Guiné 61/74 - P22552: (De)Caras (176): "Visitas destas não há todos os dias": o João Crisóstomo, em Agualva-Cacém, de passagem por Lisboa (Valdemar Queiroz)
Agualva-Cacém > 14 de setembro de 2021 > O prometido encontro do João Crisóstomo e do Valdemar Queiroz, junto à casa deste, na rua de Colaride
Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz / João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem do Valdemar Queiroz:
Data - terça, 14/09, 23:02 (há 4 dias)
Assunto - Visitas destas não se tem todos os dias
O nosso camarada ex-alf mil João Crisóstomo, que há anos vive em Nova Iorque, EUA, prometeu visitar-me quando viesse a Portugal e assim fez, de passagem por Lisboa para a Eslovénia.
Nós não nos conhecíamos e há uns tempos que amavelmente me telefona para saber do meu estado de saúde.
Na semana passada avisou-me que passava por Lisboa dia 14 e queria dar-me um abraço. Acertamos a sua visita a minha casa e até me propus darmos uma saltada aos Fofos de Belas, aqui perto, e até dava para conversar, por ser o dia habitual das limpezas da casa.
Estava à sua espera na rua e foi com problemas respiratórios que recebi o meu grande amigo, por estar aflito ficou sem efeito seguirmos para Belas.
Deu para uma pequena conversa e ele ofereceu-me o seu livro LAMETA-Movimento Luso-Americano Para a Autodeterminação de Timor-Leste.
Não foi uma recepção condigna como ele merecia.
Abraços
Valdemar Queiroz
PS - Anexos foto do encontro
2. Comentário do editor LG:
O Valdemar, que é portador de uma doença crónica (DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica) que lhe limita muito severamente a sua vida pessoal e social, vivendo sozinho na sua casa em Agualva-Cacém, ficou sensibilzado por este gesto do João Crisóstomo. E nós também. Daí termos decidido dar-lhe o devido destaque no nosso blogue, como um exemplo, singelo mas bonito, de solidariedade, fraternidade, amizade e camaradagem. (*)
Pessoalmente, eu sabia do que estava a ser planeado. O João escreveu-me, a dizer que vinha passar cerca de um mês na Europa, na Eslovénia (terra da Vilma) e em Portugal. E incusive desafiou-me também a aparecer, aproveitando a oportunidade para rever o Valdemar Queiroz (com quem estive em Contuboel, menos de dois meses, em junho/julho de 1969), o que não puder devido às minhas sessões de fisioterapia (, todos os dias ao fim da manhã).
Pessoalmente, eu sabia do que estava a ser planeado. O João escreveu-me, a dizer que vinha passar cerca de um mês na Europa, na Eslovénia (terra da Vilma) e em Portugal. E incusive desafiou-me também a aparecer, aproveitando a oportunidade para rever o Valdemar Queiroz (com quem estive em Contuboel, menos de dois meses, em junho/julho de 1969), o que não puder devido às minhas sessões de fisioterapia (, todos os dias ao fim da manhã).
(...) Na viagem para a Eslovenia vamos fazer escala em Lisboa e vamos ter de passar a tarde do dia 14, terça feira, em Lisboa. Saímos bem cedo no dia 15 para Zagreb e Eslovénia.
Vou aproveitar essa tarde para ir visitar um amigo/ camarada da Guiné que tem um problema de saúde que o impede de ir aos nossos encontros. Ele mora não muito longe de Lisboa, em Agualva-Cacém, Rua de Colaride (...).
Vou aproveitar essa tarde para ir visitar um amigo/ camarada da Guiné que tem um problema de saúde que o impede de ir aos nossos encontros. Ele mora não muito longe de Lisboa, em Agualva-Cacém, Rua de Colaride (...).
(...) Não temos horas certas, mas como chegamos a Lisboa às 11.20 AM … devemos estar livres pela uma ou duas da tarde ( 14.00 PM) e seguimos logo ver o nosso amigo Valdemar Queiroz. Eu disse-lhe que devia estar com ele por volta das 16.00PM, mais ou menos. (...)
O que o Valdemar talvez ainda não saiba é que o João Crisóstomo acabou por "ficar em terra", enquanto a Vilma seguiu viagem para a sua querida terra natal...E tinham planeado comemorar lá os seus 10 anos de "enamoramento". (O João e a Vilma, velhos amigos da Europa, reencontraram-se ap fim de 40 anos, e casaram em Nova Iorque, em 2013, em segundas núpcias.) (**),
Devido às restrições sanitárias na entrada e saída de viajantes, impostos pela pandemia de Covid-19, o João ficou surpreendido pela obrigação de ter que fazer quarentena ("quarentine",em inglês), na Eslovénia, o que lhe "lixaxa" os seus planos ainda de ir a Paris e passar duas semanas em Portugal (na 1ª quinzena de outubro).
O casal teve de fazer uma opção, algo dramática: a Vilma seguiu viagem para a Eslovènia (não há voos diretos de Lisboa para Lubliana) e o João ficou em Lisboa, na casa da mana Jacinta (!)... Sem babagens sem muda de roupa...(Parece que já recebeu a sua mala, de volta). Agora em Portugal, sobra mais tempo para dar umas voltas e fazer visitas aos seus muitos amigos..
Não tendo podido acompanhar o Rui Chamusco que o foi buscar ao aeroporto, espero dar-lhe um grande abraço fraterno, um dia destes, aqui na Lourinhã. (Sei que também anda com alguns problemas de mobilidade, tendo de recorrer a uma canadiana, como de resto se pode ver nas fotos.). Que sejas bem vindo, João, a Portugal, que tu nunca esqueces! E, tu Valdemar, espera por mim um dia destes, já uma "perna nova"...
____________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 8 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22523: (De)Caras (140): Gente fixe, gente limiana, de Ponte de Lima, os nossos camaradas Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, Contuboel, 1972//74) e Mário Leitão (ex- fur mil, Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, 1971/73)
sexta-feira, 17 de setembro de 2021
Guiné 61/74 - P22551: In Memoriam (407): Celestino Augusto Patrício Bandeira (1946-2021), ex-Fur Mil da CCAÇ 2316/BCAÇ 2835 (Mejo, Guileje e Gadamael, 1968/69)
IN MEMORIAM
CELESTINO AUGUSTO PATRÍCIO BANDEIRA
Ex-Fur Mil da CCAÇ 2316/BCAÇ 2835
Mejo, Guileje e Gadamael, 1968/69
1. Mensagem de Rui Madeira e Silva, neto do nosso malogrado camarada Celestino Madeira, enviada ontem, dia 16, ao nosso Blogue:
Bom dia meus Senhores,
Esperando-vos bem.
Não sei se se lembram destes emails que trocamos há uns meses atrás, sobre o meu avô, Furriel Celestino Madeira, do BCaç 2835, CCaç 2316, Guiné 68-69.[*]
De qualquer modo, com muita pena minha, informo-vos de que o meu avô nos deixou hoje, depois de um ano muito complicado para eles e todos nós, familiares.
Quando falei com vocês, informei-vos que ele estava de boa saúde. Mas, sem que nada previsse, o Alzheimer tomou conta dele num ápice e a partir daí, o seu estado de saúde caiu a pique.
Aquilo em que eu gostava que me pudessem ajudar, seria no sentido de criarem um post no vosso blog a informar do facto e da data e local do funeral que vos indicarei oportunamente, assim como contatar alguém da unidade dele ou próxima, para que todos os camaradas dele e outros lhe possam prestar uma última homenagem.
Esperando ler de V. Exas,
Um abraço.
Os melhores cumprimentos
Rui Madeira e Silva
********************
2. Comentário do editor CV:
Os editores e a tertúlia deste Blogue apresentam as suas mais sentidas condolências à família do nosso camarada Madeira, agora falecido, assim como deixam um abraço ao seu neto Rui que em tempos nos contactou e que ontem nos deu esta triste notícia.
Cada camarada que parte vai deixando mais sós os que ainda da lei da morte se não libertaram. Aos camaradas da CCAÇ 2316 o nosso abraço fraterno.
____________
[*] - Vd. poste de 14 DE OUTUBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21448: Em busca de... (307): Camaradas do Celestino Augusto Patrício Madeira, ex-fur mil, CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835 (Bissau, Mejo, Gandembel, Guileje, Gadamael, Ganturé, 1968/69) (Rui Pedro Madeira e Silva, neto)
Último poste da série de 31 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22500: In Memoriam (406): Alcobaça homenageia personalidades alcobacenses entre as quais José Eduardo Oliveira (JERO) que este ano nos deixou, vítima do COVID-19 (Joaquim Mexia Alves / Blogue da Tabanca do Centro)
Guiné 61/74 - P22550: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (70): A funda que arremessa para o fundo da memória
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Setembro de 2021:
Queridos amigos,
Jules acompanha Annette na viagem a Lisboa, passará uma semana na companhia dos dois. Paulo preparou-lhes um programa de arromba, muita digressão por lugares típicos, procura fazer comparações entre o passado da sua juventude e o presente, Lisboa conhecera um processo revitalizador depois da exposição de 1998, a dinâmica mantinha-se imparável, iam desaparecendo os armazéns que atravancavam a vista do Tejo, os bairros populares começavam a gentrificar-se e a conhecer referências no turismo internacional, os primeiros dias foram consagrados exatamente ao casco histórico tirando uma visita a Cascais e Estoril. Jules sente-se feliz com a receção, com as explicações que Paulo lhe dá sobre a evolução da cidade, mas tal como escreve à irmã o que o deslumbra é ver a felicidade da mãe, sempre entregue àquele estranhíssimo papel de cronista de algo que ultrapassa completamente Jules, uma tal guerra colonial em que Paulo andou metido, assiste a uma conversa estranhíssima em que se fala da vida hospitalar, de gente gravemente sinistrada, que compara as suas maleitas com as dos outros, e fica boquiaberto quando a mãe casquina uma cena tremenda de discussões no quarto onde Paulo tenta dormitar, um capitão furibundo com um furriel, chegam às vias de facto, um numa cadeira de pernas partidas e outro com uma faca romba, não se estivesse num hospital militar parecia uma comédia italiana.
Um abraço do
Mário
Rua do Eclipse (70): A funda que arremessa para o fundo da memória
Mário Beja Santos
Carta de Jules Cantinaux para a mana Noémie
Chère Noé, estou há quatro dias em Lisboa, sinto-me ultrapassado pela velocidade de tudo que o Paulo nos põe diante dos olhos, é uma cidade fascinante, ele começou por nos levar para uma zona chamada Alfama, tem a ver com a fundação da nacionalidade, depois da tomada de Lisboa aos Mouros nesta zona teriam ficado a viver as minorias muçulmanas e judaicas.
Quando olhamos este bairro histórico do Miradouro das Portas do Sol tem-se a sensação que tem um formato poliédrico, tudo pode ser posto a rodar, as formas encaixam perfeitamente. Quando cheguei, o Paulo logo me disponibilizou um mapa da cidade, um guia em francês, foi-me mostrando imagens antigas, reproduções de quadros de um pintor chamado Carlos Botelho, de um aguarelista chamado Roque Gameiro, falou-me da Lisboa antiga que ele conheceu nos anos 1950, os passeios que fazia aos fins-de-semana com a mãe, numa Alfama onde se cantava o fado, tal como noutros bairros populares que dão pelo nome de Mouraria e Madragoa. Procurou contextualizar a evolução da cidade, pediu-me para eu ler à noite alguns artigos sobre a cidade antiga e ler os textos do guia, fiz o possível por me documentar.
Na manhã seguinte, depois do pequeno-almoço, tomámos um táxi os três, visitou-se a catedral românico-gótica, o Paulo asseverou que tem os fundamentos assentes numa mesquita, é um edifício sóbrio, foi muito afetado pelo terramoto de 1755, o tesouro de alfaias religiosas é de uma sumptuosa riqueza. Subimos até outro miradouro, de nome Santa Luzia, uma vista espraiada sobre o Tejo, Paulo disse que do outro lado estava o Castelo de São Jorge, onde houve paço real e mesmo castelo dos Mouros, durante séculos esteve ao abandono, em 1940, por causa das comemorações dos centenários da fundação de Portugal e da sua independência, foi alvo de uma grande intervenção, visitei-o dois dias mais tarde, é uma outra panorâmica estarrecedora, para mim a mais bela de todas, bom, voltámos a subir para um outro miradouro, as Portas do Sol, e descemos junto a muralhas antigas que Paulo lembrou que eram medievais, e assim entrámos na Alfama.
Noé, senti-me num mundo antigo, há muitas obras de restauro em curso, mas aquelas ruas estreitas, os largos, os becos, as igrejas, as casas apalaçadas, as conversas em voz alta nas ruas dão um ambiente magnífico, é um passeio que se faz sempre com a curiosidade desperta, percorremos Alfama de alto a baixo, visitamos uma igreja que segundo a tradição foi onde nasceu Santo António e o Paulo contou-nos a devoção da mãe pelo Santo, todos os anos no dia 13 de junho ele acompanhava-a na procissão, tocava-lhe profundamente o apreço que a mãe sentia pelo milagreiro e casamenteiro.
Almoçámos num restaurante muito curioso em gabinetes privados, em frente dessa igreja, nunca tinha comido choco panado, a mamã pediu chocos com tinta, o que eu me ri quando lhe olhei para os lábios e os dentes, tudo enegrecido, mas tudo tão bem apaladado, com boa batata cozida e batata frita aos palitos. O Paulo pediu iscas, explicou-me que a receita portuguesa inclui banha, as iscas ficam a marinar em vinagre com louro, sal e pimenta, devem-se comer com batata cozida e uma porção de salada. Impressionou-me a variedade de sobremesas, os flans, mas o Paulo insistiu que eu provasse requeijão com compota, uma delícia. A mamã sempre feliz, às vezes corrigindo certas expressões do Paulo, por deferência comigo a conversa foi sempre em francês. E após o café tomou-se um novo táxi para uma zona chamada Chiado, o Paulo mostrou-nos um café recheado de obras de arte, de nome A Brasileira, e dizendo que mais tarde faríamos um passeio ali a preceito, descemos ao Rossio, falou-nos num importante hospital que aqui houve até ao terramoto, mostrou-nos a Igreja de São Domingos, onde tinham lugar casamentos reais e de onde partiam os condenados da Inquisição para morrer na fogueira.
Seguimos para a Praça dos Restauradores, o Paulo é admirador de um arquiteto do período Arte Deco e mostrou-nos um antigo cinema que está transformado em hotel mas que mantém exteriormente linhas maravilhosas, um risco surpreendente em que se cruzam o moderno e o antigo. Foi nessa altura que a mamã acusou cansaço e pediu para regressarmos a casa, ali ficámos os três a conversar à varanda e a olhar os quintais onde vi damas da noite, buganvílias, jasmins, árvores de fruto, muitos vasos espalhados com hibiscos, sardinheiras e camélias. O Paulo propôs que no dia seguinte fossemos a Belém e depois tomássemos o comboio até Cascais, faríamos depois um passeio junto ao mar até ao Estoril. Aceitámos, foi mais um dia extraordinário. E ontem andámos pelo Castelo de São Jorge, não me esqueço do nome de um largo, Menino de Deus, subimos à Graça, a dois miradouros, novo almoço típico, espetadas de peixe para todos, e de táxi seguimos para um local chamado Campo dos Mártires da Pátria, novo miradouro, chamado Torel, ali avistámos a tal Praça dos Restauradores e o tal antigo cinema Éden.
Novamente de táxi seguimos para outro percurso, a Madragoa, foi entrada por saída, Paulo ainda queria que visitássemos o Museu Nacional de Arte Antiga, a mamã e eu ficámos deslumbrados até pela riqueza de Arte Flamenga. E quando regressamos a casa o Paulo disponibilizou-me o catálogo de uma exposição que ocorrera em 1991 em Antuérpia, com o título de Feitorias, no âmbito da Europália Portugal, ele gosta muito de Antuérpia e mostrou-me um bilhete que tem junto da sua secretária, uma reprodução da descida da cruz, pintura de Rubens, está na catedral.
Querida Noé, sinto-me profundamente feliz por dois motivos. Nunca pensei em ter umas férias como estas, os aspetos típicos e o caráter desta cidade deslumbram-me, o acolhimento do Paulo não podia ser melhor. E vejo a mamã enternecida, é grande o amor que os une e eles não escondem o apreço mútuo. Há momentos em que me ponho à margem só para os ver conversar, inevitavelmente o tema da tal guerra da Guiné vem à baila, numa das últimas noites a mamã dava gargalhadas com as descrições que o Paulo fazia sobre a sua ida para um serviço de Neuropsiquiatria de um hospital militar em Bissau. Ele falava numa enfermaria de três camas, numa estava um capitão que pedira por duas vezes a vinda de meios aéreos para entregar aerogramas para a mãe, ato inconcebível, tresloucado, para o capitão era a coisa mais natural do mundo, veio para o hospital para se tratar; noutras estava um furriel que pisara um sistema de minas antipessoal, andara pelos ares, ficara fisicamente sem danos mas com profundas alterações psicológicas, o Paulo viera para tratamento, tomava vários medicamentos ao longo do dia, tudo se tornava difícil com as discussões permanentes entre os outros dois doentes, o capitão acusando o furriel de chanfrado e o furriel verberando o capitão como tarado sexual, todos os dias aparecia por ali uma lavadeira a quem o capitão acariciava os seios e depois entregava vinte escudos, cena patética, o Paulo deitado, sem tugir nem mugir, o furriel encrespando o capitão, que não lhe respondia.
Mas a mamã deixou de rir quando o Paulo abordou um aspeto insólito daquela estadia, à hora da visita aos doentes, noutras enfermarias, ouviam-se conversas em que se comparava quem estava mais doente do que o outro, isto é, quem só tinha perdido uma perna, uma mão ou um olho parecia que estava mais confortado que quem perdera duas pernas, duas mãos ou a vista toda. Nesse período em que os doentes andavam numa certa liberdade, parecia que todos se concitavam para junto das varandas ver os helicópteros com os feridos, era uma estranha partilha do sofrimento alheio. Depois trocavam-se notícias, procuravam-se patrícios doentes, dava-se informação sobre quem veio queimado, quem estava no bloco operatório, se havia estilhaçados da cabeça aos pés… Se a contabilidade dos danos já era confrangedora, o Paulo sentia-se assombrado com ele voyeurismo dos sinistrados, passou lá uma semana e todos os dias olhava para este espetáculo arrelampado.
Ficou combinado que amanhã vão falar os dois à noite sobre a visita das senhoras da Cruz Vermelha e do Movimento Nacional Feminino, foi aí, naquele quartinho de três camas, que aconteceu o espetáculo mais insólito da estadia do Paulo. Vou estar atento a essa tão bizarra conversa, a mamã toma nota de tudo, está sempre a pedir fotografias, às vezes duvido que ela esteja interessada em escrever um livro e queira mais um álbum comentado, mas também percebo, aquilo é um mundo completamente novo na vida dela, este romance que ela prometeu escrever tem para ela um grande valor simbólico, é como um conto das mil e uma noites que une indelevelmente o narrador e quem o escuta. Querida Noé, estou tão feliz por mim e pela mamã, não acredito que tu não queiras fazer férias em breve em Lisboa. Sabe-se lá se a mamã não virá para cá viver quando chegar a idade da reforma. Escrevo-te antes de partir, está prometido. Bisous, ton frère, Jules.
(continua)
Nota do editor
Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22529: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (69): A funda que arremessa para o fundo da memória
Queridos amigos,
Jules acompanha Annette na viagem a Lisboa, passará uma semana na companhia dos dois. Paulo preparou-lhes um programa de arromba, muita digressão por lugares típicos, procura fazer comparações entre o passado da sua juventude e o presente, Lisboa conhecera um processo revitalizador depois da exposição de 1998, a dinâmica mantinha-se imparável, iam desaparecendo os armazéns que atravancavam a vista do Tejo, os bairros populares começavam a gentrificar-se e a conhecer referências no turismo internacional, os primeiros dias foram consagrados exatamente ao casco histórico tirando uma visita a Cascais e Estoril. Jules sente-se feliz com a receção, com as explicações que Paulo lhe dá sobre a evolução da cidade, mas tal como escreve à irmã o que o deslumbra é ver a felicidade da mãe, sempre entregue àquele estranhíssimo papel de cronista de algo que ultrapassa completamente Jules, uma tal guerra colonial em que Paulo andou metido, assiste a uma conversa estranhíssima em que se fala da vida hospitalar, de gente gravemente sinistrada, que compara as suas maleitas com as dos outros, e fica boquiaberto quando a mãe casquina uma cena tremenda de discussões no quarto onde Paulo tenta dormitar, um capitão furibundo com um furriel, chegam às vias de facto, um numa cadeira de pernas partidas e outro com uma faca romba, não se estivesse num hospital militar parecia uma comédia italiana.
Um abraço do
Mário
Rua do Eclipse (70): A funda que arremessa para o fundo da memória
Mário Beja Santos
Carta de Jules Cantinaux para a mana Noémie
Chère Noé, estou há quatro dias em Lisboa, sinto-me ultrapassado pela velocidade de tudo que o Paulo nos põe diante dos olhos, é uma cidade fascinante, ele começou por nos levar para uma zona chamada Alfama, tem a ver com a fundação da nacionalidade, depois da tomada de Lisboa aos Mouros nesta zona teriam ficado a viver as minorias muçulmanas e judaicas.
Quando olhamos este bairro histórico do Miradouro das Portas do Sol tem-se a sensação que tem um formato poliédrico, tudo pode ser posto a rodar, as formas encaixam perfeitamente. Quando cheguei, o Paulo logo me disponibilizou um mapa da cidade, um guia em francês, foi-me mostrando imagens antigas, reproduções de quadros de um pintor chamado Carlos Botelho, de um aguarelista chamado Roque Gameiro, falou-me da Lisboa antiga que ele conheceu nos anos 1950, os passeios que fazia aos fins-de-semana com a mãe, numa Alfama onde se cantava o fado, tal como noutros bairros populares que dão pelo nome de Mouraria e Madragoa. Procurou contextualizar a evolução da cidade, pediu-me para eu ler à noite alguns artigos sobre a cidade antiga e ler os textos do guia, fiz o possível por me documentar.
Na manhã seguinte, depois do pequeno-almoço, tomámos um táxi os três, visitou-se a catedral românico-gótica, o Paulo asseverou que tem os fundamentos assentes numa mesquita, é um edifício sóbrio, foi muito afetado pelo terramoto de 1755, o tesouro de alfaias religiosas é de uma sumptuosa riqueza. Subimos até outro miradouro, de nome Santa Luzia, uma vista espraiada sobre o Tejo, Paulo disse que do outro lado estava o Castelo de São Jorge, onde houve paço real e mesmo castelo dos Mouros, durante séculos esteve ao abandono, em 1940, por causa das comemorações dos centenários da fundação de Portugal e da sua independência, foi alvo de uma grande intervenção, visitei-o dois dias mais tarde, é uma outra panorâmica estarrecedora, para mim a mais bela de todas, bom, voltámos a subir para um outro miradouro, as Portas do Sol, e descemos junto a muralhas antigas que Paulo lembrou que eram medievais, e assim entrámos na Alfama.
Noé, senti-me num mundo antigo, há muitas obras de restauro em curso, mas aquelas ruas estreitas, os largos, os becos, as igrejas, as casas apalaçadas, as conversas em voz alta nas ruas dão um ambiente magnífico, é um passeio que se faz sempre com a curiosidade desperta, percorremos Alfama de alto a baixo, visitamos uma igreja que segundo a tradição foi onde nasceu Santo António e o Paulo contou-nos a devoção da mãe pelo Santo, todos os anos no dia 13 de junho ele acompanhava-a na procissão, tocava-lhe profundamente o apreço que a mãe sentia pelo milagreiro e casamenteiro.
Almoçámos num restaurante muito curioso em gabinetes privados, em frente dessa igreja, nunca tinha comido choco panado, a mamã pediu chocos com tinta, o que eu me ri quando lhe olhei para os lábios e os dentes, tudo enegrecido, mas tudo tão bem apaladado, com boa batata cozida e batata frita aos palitos. O Paulo pediu iscas, explicou-me que a receita portuguesa inclui banha, as iscas ficam a marinar em vinagre com louro, sal e pimenta, devem-se comer com batata cozida e uma porção de salada. Impressionou-me a variedade de sobremesas, os flans, mas o Paulo insistiu que eu provasse requeijão com compota, uma delícia. A mamã sempre feliz, às vezes corrigindo certas expressões do Paulo, por deferência comigo a conversa foi sempre em francês. E após o café tomou-se um novo táxi para uma zona chamada Chiado, o Paulo mostrou-nos um café recheado de obras de arte, de nome A Brasileira, e dizendo que mais tarde faríamos um passeio ali a preceito, descemos ao Rossio, falou-nos num importante hospital que aqui houve até ao terramoto, mostrou-nos a Igreja de São Domingos, onde tinham lugar casamentos reais e de onde partiam os condenados da Inquisição para morrer na fogueira.
Seguimos para a Praça dos Restauradores, o Paulo é admirador de um arquiteto do período Arte Deco e mostrou-nos um antigo cinema que está transformado em hotel mas que mantém exteriormente linhas maravilhosas, um risco surpreendente em que se cruzam o moderno e o antigo. Foi nessa altura que a mamã acusou cansaço e pediu para regressarmos a casa, ali ficámos os três a conversar à varanda e a olhar os quintais onde vi damas da noite, buganvílias, jasmins, árvores de fruto, muitos vasos espalhados com hibiscos, sardinheiras e camélias. O Paulo propôs que no dia seguinte fossemos a Belém e depois tomássemos o comboio até Cascais, faríamos depois um passeio junto ao mar até ao Estoril. Aceitámos, foi mais um dia extraordinário. E ontem andámos pelo Castelo de São Jorge, não me esqueço do nome de um largo, Menino de Deus, subimos à Graça, a dois miradouros, novo almoço típico, espetadas de peixe para todos, e de táxi seguimos para um local chamado Campo dos Mártires da Pátria, novo miradouro, chamado Torel, ali avistámos a tal Praça dos Restauradores e o tal antigo cinema Éden.
Novamente de táxi seguimos para outro percurso, a Madragoa, foi entrada por saída, Paulo ainda queria que visitássemos o Museu Nacional de Arte Antiga, a mamã e eu ficámos deslumbrados até pela riqueza de Arte Flamenga. E quando regressamos a casa o Paulo disponibilizou-me o catálogo de uma exposição que ocorrera em 1991 em Antuérpia, com o título de Feitorias, no âmbito da Europália Portugal, ele gosta muito de Antuérpia e mostrou-me um bilhete que tem junto da sua secretária, uma reprodução da descida da cruz, pintura de Rubens, está na catedral.
Querida Noé, sinto-me profundamente feliz por dois motivos. Nunca pensei em ter umas férias como estas, os aspetos típicos e o caráter desta cidade deslumbram-me, o acolhimento do Paulo não podia ser melhor. E vejo a mamã enternecida, é grande o amor que os une e eles não escondem o apreço mútuo. Há momentos em que me ponho à margem só para os ver conversar, inevitavelmente o tema da tal guerra da Guiné vem à baila, numa das últimas noites a mamã dava gargalhadas com as descrições que o Paulo fazia sobre a sua ida para um serviço de Neuropsiquiatria de um hospital militar em Bissau. Ele falava numa enfermaria de três camas, numa estava um capitão que pedira por duas vezes a vinda de meios aéreos para entregar aerogramas para a mãe, ato inconcebível, tresloucado, para o capitão era a coisa mais natural do mundo, veio para o hospital para se tratar; noutras estava um furriel que pisara um sistema de minas antipessoal, andara pelos ares, ficara fisicamente sem danos mas com profundas alterações psicológicas, o Paulo viera para tratamento, tomava vários medicamentos ao longo do dia, tudo se tornava difícil com as discussões permanentes entre os outros dois doentes, o capitão acusando o furriel de chanfrado e o furriel verberando o capitão como tarado sexual, todos os dias aparecia por ali uma lavadeira a quem o capitão acariciava os seios e depois entregava vinte escudos, cena patética, o Paulo deitado, sem tugir nem mugir, o furriel encrespando o capitão, que não lhe respondia.
Mas a mamã deixou de rir quando o Paulo abordou um aspeto insólito daquela estadia, à hora da visita aos doentes, noutras enfermarias, ouviam-se conversas em que se comparava quem estava mais doente do que o outro, isto é, quem só tinha perdido uma perna, uma mão ou um olho parecia que estava mais confortado que quem perdera duas pernas, duas mãos ou a vista toda. Nesse período em que os doentes andavam numa certa liberdade, parecia que todos se concitavam para junto das varandas ver os helicópteros com os feridos, era uma estranha partilha do sofrimento alheio. Depois trocavam-se notícias, procuravam-se patrícios doentes, dava-se informação sobre quem veio queimado, quem estava no bloco operatório, se havia estilhaçados da cabeça aos pés… Se a contabilidade dos danos já era confrangedora, o Paulo sentia-se assombrado com ele voyeurismo dos sinistrados, passou lá uma semana e todos os dias olhava para este espetáculo arrelampado.
Ficou combinado que amanhã vão falar os dois à noite sobre a visita das senhoras da Cruz Vermelha e do Movimento Nacional Feminino, foi aí, naquele quartinho de três camas, que aconteceu o espetáculo mais insólito da estadia do Paulo. Vou estar atento a essa tão bizarra conversa, a mamã toma nota de tudo, está sempre a pedir fotografias, às vezes duvido que ela esteja interessada em escrever um livro e queira mais um álbum comentado, mas também percebo, aquilo é um mundo completamente novo na vida dela, este romance que ela prometeu escrever tem para ela um grande valor simbólico, é como um conto das mil e uma noites que une indelevelmente o narrador e quem o escuta. Querida Noé, estou tão feliz por mim e pela mamã, não acredito que tu não queiras fazer férias em breve em Lisboa. Sabe-se lá se a mamã não virá para cá viver quando chegar a idade da reforma. Escrevo-te antes de partir, está prometido. Bisous, ton frère, Jules.
(continua)
Hospital Militar Nº 241, Bissau
Rua do Arco do Marquês do Alegrete, aguarela de Roque Gameiro
Cerca Fernandina de Lisboa
Miradouro Portas do Sol, Alfama
Antigo cinema Éden, do genial Cassiano Branco
Sala do cinema Éden, interior do antigo cinema, as linhas puras e dinâmicas da Arte Deco
Um dos mil recantos da Lisboa antiga
Edifício da Rua dos Bacalhoeiros, ao lado da Casa dos Bicos, hoje Fundação José Saramago
Descida da Cruz, Rubens, Catedral de Antuérpia
____________Nota do editor
Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22529: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (69): A funda que arremessa para o fundo da memória
Guiné 61/74 - P22549: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (125): O nosso Blogue foi contactado por uma sobrinha-bisneta de Cunha Gomes, Régulo da Tabanca de Binhante (Teixeira Pinto) nos anos 70 (Jorge Picado)
Nesta foto, publicada por Jorge Picado em 18 de fevereiro de 2010, identificado pela sua sobrinha-bisneta Luísa, vemos Cunha Gomes, o então Régulo de Binhante, a ser entrevistado, em 25 de junho de 1971. A populção, manjaca, tinha sido alvo de um "ato terrorista" do PAIGC.
1. Comentário de uma nossa leitora (guineense, presumimos, ou luso-guineense), que se identificou como Luísa, publicado no dia 15 de Setembro de 2021 no Poste 5838[*], do nosso camarada Jorge Picado, de 18 de Fevereiro de 2010:
Boa noite Sr. Jorge.
Após algumas pesquisas sobre Binhante, a terra natal da minha mãe, deparei-me com este blogue e devo dizer que fiquei surpreendida com a casualidade. O senhor que está a ser entrevistado na foto é o meu tio-bisavô, chama-se Cunha Gomes e era o régulo de Binhante. A informação dada pela minha avó coincide com o que o senhor Jorge narra na descrição da foto. Obrigado por partilhar estas relíquias que me permitem conhecer a identidade da minha família.
Os melhores cumprimentos!
Luísa
Desculpe tratá-la apenas pelo seu único nome, pois é pena não se ter identificado melhor.
Se por ventura voltar a este postado e verificar esta minha resposta, verificará que ainda por cá permaneço.
Fiquei muito sensibilizado por esta partilha que deixei para memória futura, ter servido para, ao fim de mais de 10 anos, alguém com raízes naquele território, que nos marcou profundamente, ter visto um seu antepassado, identificando-o para que não ficasse no anonimato, como tantos outros.
Desta vez foi o contacto da nossa leitora Luísa, uma sobrinha-bisneta do régulo de Binhante dos anos 70, que viu no nosso Blogue uma referência a este seu antepassado que provavelmente nem conheceu.
Esperamos que a Luísa volte ao nosso contacto e nos fale dela, das suas raízes guineenses e do que ouviu dizer do seu tio-bisavô Cunha Gomes.
Por outro lado, o nosso camarada Jorge Picado há-de sentir-se mesmo muito feliz por uma das suas memórias trazer até nós, passados mais de 50 anos, alguém ligado, por laços familiares, a uma personalidade por ele referenciado.
____________
Notas do editor
[*] - Vd. poste de18 DE FEVEREIRO DE 2010 > Guiné 63/74 - P5838: Estórias de Jorge Picado (12): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (VII): Colecta e roubo em Binhante
Último poste da série de 18 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22295: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (124): O "periquito" Henrique Matos, 1º cmdt do Pel Caç Nat 52, que eu conheci no Enxalé em 1966 (João Crisóstomo, Nova Iorque)
" Binhante, (...) ficava sensivelmente a meio do percurso de Teixeira Pinto - Pelundo, distando pouco mais do que 5 quilómetros de cada e os elementos do PAIGC, do Churo ou Coboiana, foram lá! Portanto no dia 25 pela manhã, lá tive de acompanhar os camaradas, possivelmente da CCaç 2660, que foram fazer o levantamento da ocorrência e ajuizar dos estragos, para que na medida do possível e, quanto mais depressa, se obtivessem os meios para recompor a situação. Das minhas breves notas respigo “Colecta e roubo em Binhante – Incendiaram 14 moranças, grandes estragos POP. Ameaças e sevicias, levaram POP como carregadores. 4 Sacos arroz na Gouveia em nome do CAOP. Assinei eu. Binhante 2 vezes”(...) (*)
Foto (e legenda): © Jorge Picado (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): © Jorge Picado (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Comentário de uma nossa leitora (guineense, presumimos, ou luso-guineense), que se identificou como Luísa, publicado no dia 15 de Setembro de 2021 no Poste 5838[*], do nosso camarada Jorge Picado, de 18 de Fevereiro de 2010:
Boa noite Sr. Jorge.
Após algumas pesquisas sobre Binhante, a terra natal da minha mãe, deparei-me com este blogue e devo dizer que fiquei surpreendida com a casualidade. O senhor que está a ser entrevistado na foto é o meu tio-bisavô, chama-se Cunha Gomes e era o régulo de Binhante. A informação dada pela minha avó coincide com o que o senhor Jorge narra na descrição da foto. Obrigado por partilhar estas relíquias que me permitem conhecer a identidade da minha família.
Os melhores cumprimentos!
2. Referindo-se à foto, dizia Jorge Picado no poste P5838:
Na imagem são bem evidentes os sinais de habitações destruídas pelo fogo. Pode-se ver parte duma casa, representada por uma parede – feita em adobos de lama – e rachada no canto, com sinais de fumo por cima duma abertura – janela ou porta –, sem telhado e os restos de cibes queimados, em segundo plano, que suportavam exteriormente a cobertura, sinais mais do que suficientes de ter sofrido um incêndio recente.
Na imagem são bem evidentes os sinais de habitações destruídas pelo fogo. Pode-se ver parte duma casa, representada por uma parede – feita em adobos de lama – e rachada no canto, com sinais de fumo por cima duma abertura – janela ou porta –, sem telhado e os restos de cibes queimados, em segundo plano, que suportavam exteriormente a cobertura, sinais mais do que suficientes de ter sofrido um incêndio recente.
Além disso há dois militares – um metropolitano sentado com gravador ao lado e um guineense, talvez cabo, segurando o microfone na mão direita – registando o depoimento dum nativo – que pela veste e pés calçados demonstra um certo estatuto, chefe de tabanca (?) – acompanhado de outros naturais, um dos quais – o do chapéu – revela uma cara carrancuda.
Repare-se na forma tradicional de transporte natural dos bebés por estas mães que, pelas suas vestes, mostram igualmente possuir um certo estatuto social. Seriam as mulheres do que está a ser entrevistado? Quem seria o militar sentado? De alguma das subunidades do CAOP 1? Ou do PIFAS de Bissau? As mesmas interrogações faço sobre o que segura o microfone, mas como poucos são aqueles desse tempo que militam na Tabanca, não creio poder chegar a qualquer conclusão.
© Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné - Carta de Teixeira Pinto 1:50.000
3. Respondendo ao comentário, escreveu Jorge Picado:
Luísa
3. Respondendo ao comentário, escreveu Jorge Picado:
Luísa
Desculpe tratá-la apenas pelo seu único nome, pois é pena não se ter identificado melhor.
Se por ventura voltar a este postado e verificar esta minha resposta, verificará que ainda por cá permaneço.
Fiquei muito sensibilizado por esta partilha que deixei para memória futura, ter servido para, ao fim de mais de 10 anos, alguém com raízes naquele território, que nos marcou profundamente, ter visto um seu antepassado, identificando-o para que não ficasse no anonimato, como tantos outros.
Repare-se que as minhas notas foram colocadas 39 anos depois dos acontecimentos, quando resolvi finalmente falar pela primeira vez de acontecimentos que tinha "enterrado num buraco mais profundo do meu cérebro" e a minha memória já apresentava muitas falhas. Por isso as minhas lacunas e interrogações.
Obrigado por esta surpresa que me deixa MUITO FELIZ.
Bem haja.
JPicado
4. Comentário do editor CV:
Está provado que o mundo é pequeno e que o nosso Blogue, sendo grande, continua a trazer-nos a cada passo novas surpresas. (**)
Obrigado por esta surpresa que me deixa MUITO FELIZ.
Bem haja.
JPicado
********************
4. Comentário do editor CV:
Está provado que o mundo é pequeno e que o nosso Blogue, sendo grande, continua a trazer-nos a cada passo novas surpresas. (**)
Desta vez foi o contacto da nossa leitora Luísa, uma sobrinha-bisneta do régulo de Binhante dos anos 70, que viu no nosso Blogue uma referência a este seu antepassado que provavelmente nem conheceu.
Esperamos que a Luísa volte ao nosso contacto e nos fale dela, das suas raízes guineenses e do que ouviu dizer do seu tio-bisavô Cunha Gomes.
Por outro lado, o nosso camarada Jorge Picado há-de sentir-se mesmo muito feliz por uma das suas memórias trazer até nós, passados mais de 50 anos, alguém ligado, por laços familiares, a uma personalidade por ele referenciado.
____________
Notas do editor
[*] - Vd. poste de18 DE FEVEREIRO DE 2010 > Guiné 63/74 - P5838: Estórias de Jorge Picado (12): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (VII): Colecta e roubo em Binhante
Último poste da série de 18 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22295: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (124): O "periquito" Henrique Matos, 1º cmdt do Pel Caç Nat 52, que eu conheci no Enxalé em 1966 (João Crisóstomo, Nova Iorque)
quinta-feira, 16 de setembro de 2021
Guiné 61/74 - P22548: (Ex)citações (392): Vamos lá pôr os pontos nos iii... “Exageros de Marcelino da Mata?“ (Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879)
1. Comentário do nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (Jumbembem, 1969/71), publicado no Poste P22539 em 14 de Setembro de 2021:
Amigos e camaradas:
Vamos lá pôr os pontos nos iii...
“Exageros de Marcelino da Mata?“
No livro agora recenseado pelo nosso camarada Mário Beja Santos,[*] é referido a páginas 71/72 que os “Roncos de Farim” foram chamados de urgência para tentarem resgatar a CCaç 1546/BCaç 1887, que fora apanhada à mão pelos guerrilheiros quando efectuava um reconhecimento em força na fronteira, mencionando:
"Em Agosto de 1967 …
[Pediram-me que os trouxesse de volta à Guiné Portuguesa. Sabia-se que tinham sido levados para um aquartelamento onde estavam foças do PAIGC e um batalhão de paraquedistas senegaleses. E nós lá fomos, 19 homens para resgatar 150!
Os do meu grupo iam todos fortemente armados, mas eu não. Levava apenas uma tanga igual à que os senegaleses usam naquela zona. Foi assim que consegui chegar perto do arame farpado. Os presos portugueses estavam todos sentados na parada, descalços e em cuecas. Um deles reconheceu-me e avisou o capitão.
Depois passaram palavra entre eles e esperaram pela acção“
…
Foi assim que fugiram - descalços. Fizeram 40 quilómetros até à fronteira escoltados por nove homens do meu grupo, enquanto outros 10 ficaram para trás a aguentar os tipos do PAIGC.
Quando finalmente chegaram à Guiné Portuguesa, voltámos para trás para dar porrada aos guerrilheiros. Foi uma operação em que ganhei a Torre Espada, recorda Marcelino .” ]
O Autor não refere a fonte de onde extraiu este episódio, que nos faz lembrar os filmes de cowboys.
A CCaç 1546 pertencente ao BCaç 1887 comandado por um grande combatente Ten Cor Agostinho Ferreira, seguiu em 13Maio66 para Piche, a fim de efectuar a instrução de adaptação operacional, sob orientação do BCaç 1856, até 02Jun66.
Seguidamente foi colocada em Nova Lamego, como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe e orientada para actuação na Zona Leste, onde foi atribuída ao Agr 24. Inicialmente, foi utilizada em operações realizadas nas regiões de Bucurés/Camajabá, Madina do Boé, Ché-Ché e Beli, entre outras, em reforço do BCaç 1856.
De 20 a 22Set66, foi utilizada numa operação realizada na região de Madina-Enxalé, em reforço do BCaç 1888.
Em 20Out66, transferiu a sua sede para Fá Mandinga, mantendo-se em reforço do BCaç 1888, tendo realizado várias operações nas regiões de Xitole, entre outras.
Em 16Dez66, foi substituída em Fá Mandinga pela CCAÇ 1589 e recolheu seguidamente a Bissau, onde se manteve até 27Dez66, após o que seguiu para Binta. Em 28Dez66, rendendo a CCaç 1550, assumiu a responsabilidade do subsector de Binta, com um pelotão destacado em Guidage, ficando então integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão, BCaç 1887.
Em 13Jan68, foi rendida pela CArt 1648 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
[In, Estado-Maior do Exército – Comissão para o Estudo das Campanhas de África ( 1961-1974 ), 7.º Volume – Fichas das Unidades - Tomo II – Guiné – 1.ª Edição – Lisboa 2002]
Ora, face à experiência de combate desta Unidade CCaç 1546, como decorre do seu pequeno historial, qual é o Combatente de boa fé que acredita nesta história que nos faz lembrar os filmes de cowboys?
Não vi, não ouvi e nem li e nem acredito que algum dos gloriosos Combatentes desta UNIDADE pertencente ao glorioso BCaç 1887, comandado por um Comandante de gabarito, Ten Cor Agostinho Ferreira, que alguma vez tenham omitido uma tamanha humilhação resultante do episódio descrito no mencionado livro intitulado "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", págs 71/72 da autoria . da autoria de Jorge Monteiro Alves.
O nosso camarada bloguista Domingos Gonçalves, ex-Alferes da CCaç 1546[**], que esteve sediada em Binta com um Pelotão destacado em Guidage, e que por duas vezes esteve a comandar o pelotão destacado em Guidage, não faz qualquer alusão no seu diário composto por 3 volumes a um episódio de semelhante natureza.
Eu também nunca ouvi da boca de vários elementos dos “Roncos de Farim“, inclusive do próprio Marcelino da Mata, tamanha façanha, caso contrário teria mencionado no meu livro “Os Roncos de Farim“, na medida em que tratava-se de uma intervenção do grupo e por certo teria de ser comandado pelo Alf Filipe Ribeiro, à altura comandante deste grupo aguerrido, que não era e nunca foi comandado por Marcelino da Mata.
Vamos lá desfazer as mentiras, nem oito, nem oitenta.
Carlos Silva
____________
Notas do editor
[*] - Vd. poste de 13 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22539: Notas de leitura (1381): "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", por Jorge Monteiro Alves; LX Vinte e Oito, 2021 (Mário Beja Santos)
[**] - Vd. poste de 20 DE DEZEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P14057: (Ex)citações (255): O Marcelino da Mata, que foi um militar valoroso, não precisa que se inventem, e lhe atribuam episódios desse género (Domingos Gonçalves)
3. Esclarecimento do camarada Domingo Gonçalves.
Prezado Manuel Luís Lomba:
Respondendo ao teu pedido de esclarecimento tenho a referir o seguinte:
Quando se realizou a operação em causa eu estava a comandar o destacamento de Guidage pelo que acompanhei muito de perto a operação Chibata.
Os Comandos de Farim - os Roncos -, como eram conhecidos, participaram na operação, comandados pelo Marcelino da Mata, que teve, uma intervenção importante no desenrolar dos acontecimentos.
Participei, aliás, em várias ações levadas a cabo pela CCAÇ 1546, reforçada pelo citado grupo. O Marcelino era um combatente arrojado. Teve influência decisiva em várias ações de combate. Ele e o grupo, claro.
Contudo, sobre o episódio da libertação de prisioneiros, pertencentes à minha Companhia, apenas posso referir, que é mentira. Quer a minha Companhia, quer as outras duas, a 1547 e a 1548, que integravam o BCAÇ 1887, fizeram, ao longo da sua permanência na Guiné, prisioneiros, mas não sofreram prisioneiros.
Vi, também, na Net, a descrição do episódio que referes. Uma libertação, aliás, de prisioneiros, de forma bastante simplória. Como disse, é pura mentira.
O Marcelino, que foi um militar valoroso, não precisa que se inventem, e lhe atribuam episódios desse género.
Último poste da série de 12 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22538: (Ex)citações (391): Ainda não sabemos a proveniência da foto de capa do livro do TCor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra de África" (Guerra e Paz Editores, 2021), escolhida pela editora (António Bastos / Carlos Vinhal)
Amigos e camaradas:
Vamos lá pôr os pontos nos iii...
“Exageros de Marcelino da Mata?“
No livro agora recenseado pelo nosso camarada Mário Beja Santos,[*] é referido a páginas 71/72 que os “Roncos de Farim” foram chamados de urgência para tentarem resgatar a CCaç 1546/BCaç 1887, que fora apanhada à mão pelos guerrilheiros quando efectuava um reconhecimento em força na fronteira, mencionando:
"Em Agosto de 1967 …
[Pediram-me que os trouxesse de volta à Guiné Portuguesa. Sabia-se que tinham sido levados para um aquartelamento onde estavam foças do PAIGC e um batalhão de paraquedistas senegaleses. E nós lá fomos, 19 homens para resgatar 150!
Os do meu grupo iam todos fortemente armados, mas eu não. Levava apenas uma tanga igual à que os senegaleses usam naquela zona. Foi assim que consegui chegar perto do arame farpado. Os presos portugueses estavam todos sentados na parada, descalços e em cuecas. Um deles reconheceu-me e avisou o capitão.
Depois passaram palavra entre eles e esperaram pela acção“
…
“Atirei uma granada ofensiva para o meio da parada e no meio de grande tiroteio gerou-se confusão. Os “páras” senegaleses desataram a fugir e aproveitamos para tirar dali os nossos.
Foi assim que fugiram - descalços. Fizeram 40 quilómetros até à fronteira escoltados por nove homens do meu grupo, enquanto outros 10 ficaram para trás a aguentar os tipos do PAIGC.
Quando finalmente chegaram à Guiné Portuguesa, voltámos para trás para dar porrada aos guerrilheiros. Foi uma operação em que ganhei a Torre Espada, recorda Marcelino .” ]
O Autor não refere a fonte de onde extraiu este episódio, que nos faz lembrar os filmes de cowboys.
A CCaç 1546 pertencente ao BCaç 1887 comandado por um grande combatente Ten Cor Agostinho Ferreira, seguiu em 13Maio66 para Piche, a fim de efectuar a instrução de adaptação operacional, sob orientação do BCaç 1856, até 02Jun66.
Seguidamente foi colocada em Nova Lamego, como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe e orientada para actuação na Zona Leste, onde foi atribuída ao Agr 24. Inicialmente, foi utilizada em operações realizadas nas regiões de Bucurés/Camajabá, Madina do Boé, Ché-Ché e Beli, entre outras, em reforço do BCaç 1856.
De 20 a 22Set66, foi utilizada numa operação realizada na região de Madina-Enxalé, em reforço do BCaç 1888.
Em 20Out66, transferiu a sua sede para Fá Mandinga, mantendo-se em reforço do BCaç 1888, tendo realizado várias operações nas regiões de Xitole, entre outras.
Em 16Dez66, foi substituída em Fá Mandinga pela CCAÇ 1589 e recolheu seguidamente a Bissau, onde se manteve até 27Dez66, após o que seguiu para Binta. Em 28Dez66, rendendo a CCaç 1550, assumiu a responsabilidade do subsector de Binta, com um pelotão destacado em Guidage, ficando então integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão, BCaç 1887.
Em 13Jan68, foi rendida pela CArt 1648 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
[In, Estado-Maior do Exército – Comissão para o Estudo das Campanhas de África ( 1961-1974 ), 7.º Volume – Fichas das Unidades - Tomo II – Guiné – 1.ª Edição – Lisboa 2002]
Ora, face à experiência de combate desta Unidade CCaç 1546, como decorre do seu pequeno historial, qual é o Combatente de boa fé que acredita nesta história que nos faz lembrar os filmes de cowboys?
Não vi, não ouvi e nem li e nem acredito que algum dos gloriosos Combatentes desta UNIDADE pertencente ao glorioso BCaç 1887, comandado por um Comandante de gabarito, Ten Cor Agostinho Ferreira, que alguma vez tenham omitido uma tamanha humilhação resultante do episódio descrito no mencionado livro intitulado "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", págs 71/72 da autoria . da autoria de Jorge Monteiro Alves.
O nosso camarada bloguista Domingos Gonçalves, ex-Alferes da CCaç 1546[**], que esteve sediada em Binta com um Pelotão destacado em Guidage, e que por duas vezes esteve a comandar o pelotão destacado em Guidage, não faz qualquer alusão no seu diário composto por 3 volumes a um episódio de semelhante natureza.
Eu também nunca ouvi da boca de vários elementos dos “Roncos de Farim“, inclusive do próprio Marcelino da Mata, tamanha façanha, caso contrário teria mencionado no meu livro “Os Roncos de Farim“, na medida em que tratava-se de uma intervenção do grupo e por certo teria de ser comandado pelo Alf Filipe Ribeiro, à altura comandante deste grupo aguerrido, que não era e nunca foi comandado por Marcelino da Mata.
Vamos lá desfazer as mentiras, nem oito, nem oitenta.
Carlos Silva
____________
Notas do editor
[*] - Vd. poste de 13 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22539: Notas de leitura (1381): "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", por Jorge Monteiro Alves; LX Vinte e Oito, 2021 (Mário Beja Santos)
[**] - Vd. poste de 20 DE DEZEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P14057: (Ex)citações (255): O Marcelino da Mata, que foi um militar valoroso, não precisa que se inventem, e lhe atribuam episódios desse género (Domingos Gonçalves)
3. Esclarecimento do camarada Domingo Gonçalves.
Prezado Manuel Luís Lomba:
Respondendo ao teu pedido de esclarecimento tenho a referir o seguinte:
Quando se realizou a operação em causa eu estava a comandar o destacamento de Guidage pelo que acompanhei muito de perto a operação Chibata.
Os Comandos de Farim - os Roncos -, como eram conhecidos, participaram na operação, comandados pelo Marcelino da Mata, que teve, uma intervenção importante no desenrolar dos acontecimentos.
Participei, aliás, em várias ações levadas a cabo pela CCAÇ 1546, reforçada pelo citado grupo. O Marcelino era um combatente arrojado. Teve influência decisiva em várias ações de combate. Ele e o grupo, claro.
Contudo, sobre o episódio da libertação de prisioneiros, pertencentes à minha Companhia, apenas posso referir, que é mentira. Quer a minha Companhia, quer as outras duas, a 1547 e a 1548, que integravam o BCAÇ 1887, fizeram, ao longo da sua permanência na Guiné, prisioneiros, mas não sofreram prisioneiros.
Vi, também, na Net, a descrição do episódio que referes. Uma libertação, aliás, de prisioneiros, de forma bastante simplória. Como disse, é pura mentira.
O Marcelino, que foi um militar valoroso, não precisa que se inventem, e lhe atribuam episódios desse género.
Último poste da série de 12 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22538: (Ex)citações (391): Ainda não sabemos a proveniência da foto de capa do livro do TCor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra de África" (Guerra e Paz Editores, 2021), escolhida pela editora (António Bastos / Carlos Vinhal)
Marcadores:
(Ex)citações,
BCAç 1887,
Binta,
Carlos Silva,
CCAÇ 1546,
Domingos Gonçalves,
Guidaje,
Marcelino da Mata
Guiné 61/74 - P22547: Tabanca Grande (526): Manuel Oliveira, ex-fur mil at inf, 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74): senta-se no lugar nº 850, à sombra do nosso poilão
Foto (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
O novo membro da Tabanca Grande,
nº 850, Manuel Oliveira
Data - 15 set 2021 18:10
Assunto - Admissão na Tabanca Grande
Caro Luís Graça
No passado sábado dia 11, tive o prazer de te conhecer na Tabanca dos Melros, momentos antes da apresentação do livro do camarada Carvalho de Mampatá. Após breves palavras de apresentação, e fotografias tiradas para recordação, eu comprometi-me a reenviar o mail de solicitação de admissão á Tabanca Grande, para o endereço de mail acima indicado.
Aqui vai o referido mail encaminhado. Em anexo envio duas outras fotografias, para que a equipa de direcção do blogue escolha aquelas que entender mais convenientes.
Sem outro assunto de momento, e na expectativa de resposta, desejo uma recuperação rápida da tua saúde, e envio um abraço de camaradagem de um antigo combatente.
Abraço
Manuel Oliveira
2. Mensagem anterior de Manuel Oliveira, datada de terça-feira, 16 de fevereiro de 2021, às 16:35
Caro Luis Graça:
Descobri a existência do vosso blogue há algum tempo, e a partir desse dia, adquiri o "vício" de o visitar, inicialmente por curiosidade e mais recentemente por habituação, quase por adição.
Apresento-me do seguinte modo:
Manuel Rufino Tavares de Oliveira
Ex-Fur Mil At Inf
1ª CCAÇ / BCAÇ 4513
(Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)
Embarque a 16 de Março de 1973 no Uíge, IAO em Bolama, Buba e temporariamente em Mampatá. Regresso algures em Setembro de 1974.
O impulso que me levou a escrever este mail, foi despoletado pelos vários textos escritos por diferentes camaradas que pisaram o mesmo chão que eu, e que despertaram em mim memórias escondidas, as quais ao recordar me transportam aos verdes anos da juventude, e àquela experiência de vivências emocionais fortes, que nos confrontavam com a incerteza permanente da vida ou morte.
Assim: solicito a vossa apreciação sobre a eventual admissão de membro da Tabanca Grande.Em anexo junto duas fotografias conforme indicado no Blogue.Abraço
3. Comentário do editor LG:
Camarada Manuel Oliveira, embora breve, foi agradável e simpática a nossa conversa, na Tabanca dos Melros, enquanto aguardávamos o início da sessão de lançamento do livro do António Carvalho, teu contemporâneo da Guiné e teu vizinho (tu, de Vila Nova de Gaia, ele de Gondomar).
Quando me falaste do teu pedido para entrar na Tabanca Grande, já formulado há uns meses atrás, dei-me logo conta de ter havido uma anomalia, ou extravio do teu mail, ou lapso nosso na resposta. Posso agora confirmar que fomos nós que falhámos: embora marcada com estrela, a tua mensagem ficou sem resposta este tempo todo. A pandemia de Covid-19 pode servir de atenuante mas não de desculpa.
Mas ainda bem que não esmoreceu o teu interesse pelo nosso blogue. És recebido de braços abertos pela malta da Tabanca Grande, a que te juntas nesta data, sentando-te sob o nosso fraterno e simbólico poilão, no lugar nº 850.
Temos oitenta refereências ao teu batalhão, o BCAÇ 4513. És o primeiro militar da 1ª companhia a integrar o blogue.
Da 2ª companhia, já cá temos o António Murta, ex-alf mil inf Minas e Armadilhas (que tem mais de 90 referências, sendo autor da notável série "Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513"); e ainda o José Carlos Gabriel (ex-1.º Cabo Cripto): ambos estiveram en Nhala, 1973/74.
Há um terceiro camarada, o Fernando Silva da Costa, ex-fur mil trms da CCS/BCAÇ 4513.
Se nos tens seguido, desde há muito, conheces bem as regras de organização e funcionamento do blogue. Mas aqui ficam para teu governo. Agora instala-te e, logo que puderes, conta-nos mais coisas sobre o teu tempo de Guiné. As fotos e textos, para publicação, deverão passar sempre por um dos nossos editores.
A 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513/72, após o treino operacional no subsector de Buba com a
CCaç 3398, sob orientação do BCaç 3852, passou a reforçar a actividade daquela subunidade no esforço realizado de contrapenetração no referido subsector e depois integrada no seu batalhão, na função de intervenção que lhe foi atribuída, tendo-se instalado, a partir de 17Mai73, em Mampatá.
Em 15Ag073, rendendo a CCaç 3398, assumiu a responsabilidade do subsector de Buba, mantendo-se integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.
Em 04Set74, após a desactivação e entrega do aquartelamento ao PAIGC, recolheu a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.
Excerto de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág.170/171.
___________
Notas do editor:
Último poste da série > 14 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22542: Tabanca Grande (525): José Emídio Ribeiro Marques, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da 3.ª Comp/BCAÇ 4616/73 (Jumbembem, Farim e Canjambari, 1974), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 849
Camarada Manuel Oliveira, embora breve, foi agradável e simpática a nossa conversa, na Tabanca dos Melros, enquanto aguardávamos o início da sessão de lançamento do livro do António Carvalho, teu contemporâneo da Guiné e teu vizinho (tu, de Vila Nova de Gaia, ele de Gondomar).
Quando me falaste do teu pedido para entrar na Tabanca Grande, já formulado há uns meses atrás, dei-me logo conta de ter havido uma anomalia, ou extravio do teu mail, ou lapso nosso na resposta. Posso agora confirmar que fomos nós que falhámos: embora marcada com estrela, a tua mensagem ficou sem resposta este tempo todo. A pandemia de Covid-19 pode servir de atenuante mas não de desculpa.
Mas ainda bem que não esmoreceu o teu interesse pelo nosso blogue. És recebido de braços abertos pela malta da Tabanca Grande, a que te juntas nesta data, sentando-te sob o nosso fraterno e simbólico poilão, no lugar nº 850.
Temos oitenta refereências ao teu batalhão, o BCAÇ 4513. És o primeiro militar da 1ª companhia a integrar o blogue.
Da 2ª companhia, já cá temos o António Murta, ex-alf mil inf Minas e Armadilhas (que tem mais de 90 referências, sendo autor da notável série "Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513"); e ainda o José Carlos Gabriel (ex-1.º Cabo Cripto): ambos estiveram en Nhala, 1973/74.
Há um terceiro camarada, o Fernando Silva da Costa, ex-fur mil trms da CCS/BCAÇ 4513.
Se nos tens seguido, desde há muito, conheces bem as regras de organização e funcionamento do blogue. Mas aqui ficam para teu governo. Agora instala-te e, logo que puderes, conta-nos mais coisas sobre o teu tempo de Guiné. As fotos e textos, para publicação, deverão passar sempre por um dos nossos editores.
Um alfabravo, Luís Graça, em nome de toda a Tabanca Grande.
4. Fichas de unidade > Batalhão de Caçadores n.º 4513/72
Identificação; BCaç 4513/72
Unidade Mob: RI 15 - Tomar
Cmdt: TCor Inf César Emílio Braga de Andrade e Sousa | TCor Inf Carlos Alberto Simões Ramalheira | Maj Inf Duarte Dias Marques
2º Cmdt: Maj Inf Duarte Dias Marques
OfInfOp/Adj: Cap Inf Jorge Feio Cerveira
Cmdts Comp: CCS: Cap SGE Carlos Santos Pereira | Alf SGE Jerónimo dos Santos Rebocho Carrasqueira
Lª Comp: Cap Mil Inf João Luís Braz Dias
2ª Comp: Cap Mil Inf Domingos Afonso Braga da Cruz | Cap Mil Inf grad José António Campos Pereira
3.ª Comp: Cap Mil Cav João Carlos Messias Martins | Cap Mil Inf Joaquim Manuel Guerreiro Dias
Divisa: "Non Nobis"
Partida: Embarque em l6Mar73; desembarque em 22Mar73 | Regresso: Embarque em 03Set74 (3ª Comp), 04Set74 (2.ª Comp) e 06Set74 (Cmd, CCS e 1ª Comp)
Após realização da IAO, de 26Mar73 a 22Abr73, no CIM, em Bolama, seguiu, em 27 Abr73, para o sector de Aldeia Formosa, com as suas subunidades, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com o BCaç 3852.
Em 13Mai73, após o final do treino operacional, ficou, com as suas subunidades, na dependência operacional do referido BCaç 3852, que manteve, entretanto, a responsabilidade do sector, sendo orientado para reforço da contrapenetração e reacções à pressão inimiga na área.
Em 27Jun73, passou a batalhão de intervenção do CAOP 1, orientado para a interdição do corredor de Missirã e acções na região de Nhacobá-Nhacobá, estabelecendo a sede em Cumbijã a partir de 29Jun73, integrando as forças instaladas em Cumbijã e Colibuia, além das suas próprias subunidades estacionadas no sector S2, em Aldeia Formosa e Mampatá.
Em 10Ag073, rendendo então o BCaç 3852, assumiu a responsabilidade do referido Sector S2, com a sede em Aldeia Formosa e abrangendo os subsectores de Buba, Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa.
Em 06Set73, a função de intervenção já anteriormente executada pelo batalhão foi temporariamente atribuída ao BCaç 4516/73 até 300ut73.
Desenvolveu intensa actividade operacional, tendo comandado e coordenado diversas acções e operações e a realização de patrulhamentos, reconhecimentos e acções de vigilância da fronteira e de contrapenetração.
A par disso, actuou ainda na protecção aos trabalhos de abertura e melhoramento de itinerários e de segurança e defesa das populações e da sua promoção sócioeconómica.
Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 1 metralhadora ligeira, 5 espingardas, 1 lança-granadas foguete, 61 granadas de armas pesadas e a detecção e levantamento de 30 minas.
A partir de 07Ag074, comandou e coordenou a execução do plano de retracção do dispositivo e a desactivação e entrega dos aquartelamentos ao PAIGC, a qual foi sucessivamente efectuada nos subsectores de Mampatá, em 29Ag074, de Aldeia Formosa, em 31 Ag074, de Nhala em 02Set74 e de Buba, em 04Set74.
Em 31Ag074, foi transitoriamente deslocado de Aldeia Formosa para Buba, onde se manteve até à desactivação e entrega do aquartelamento em 04Set74, após o que recolheu a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.
4. Fichas de unidade > Batalhão de Caçadores n.º 4513/72
Identificação; BCaç 4513/72
Unidade Mob: RI 15 - Tomar
Cmdt: TCor Inf César Emílio Braga de Andrade e Sousa | TCor Inf Carlos Alberto Simões Ramalheira | Maj Inf Duarte Dias Marques
2º Cmdt: Maj Inf Duarte Dias Marques
OfInfOp/Adj: Cap Inf Jorge Feio Cerveira
Cmdts Comp: CCS: Cap SGE Carlos Santos Pereira | Alf SGE Jerónimo dos Santos Rebocho Carrasqueira
Lª Comp: Cap Mil Inf João Luís Braz Dias
2ª Comp: Cap Mil Inf Domingos Afonso Braga da Cruz | Cap Mil Inf grad José António Campos Pereira
3.ª Comp: Cap Mil Cav João Carlos Messias Martins | Cap Mil Inf Joaquim Manuel Guerreiro Dias
Divisa: "Non Nobis"
Partida: Embarque em l6Mar73; desembarque em 22Mar73 | Regresso: Embarque em 03Set74 (3ª Comp), 04Set74 (2.ª Comp) e 06Set74 (Cmd, CCS e 1ª Comp)
Síntese da Actividade Operacional
Após realização da IAO, de 26Mar73 a 22Abr73, no CIM, em Bolama, seguiu, em 27 Abr73, para o sector de Aldeia Formosa, com as suas subunidades, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com o BCaç 3852.
Em 13Mai73, após o final do treino operacional, ficou, com as suas subunidades, na dependência operacional do referido BCaç 3852, que manteve, entretanto, a responsabilidade do sector, sendo orientado para reforço da contrapenetração e reacções à pressão inimiga na área.
Em 27Jun73, passou a batalhão de intervenção do CAOP 1, orientado para a interdição do corredor de Missirã e acções na região de Nhacobá-Nhacobá, estabelecendo a sede em Cumbijã a partir de 29Jun73, integrando as forças instaladas em Cumbijã e Colibuia, além das suas próprias subunidades estacionadas no sector S2, em Aldeia Formosa e Mampatá.
Em 10Ag073, rendendo então o BCaç 3852, assumiu a responsabilidade do referido Sector S2, com a sede em Aldeia Formosa e abrangendo os subsectores de Buba, Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa.
Em 06Set73, a função de intervenção já anteriormente executada pelo batalhão foi temporariamente atribuída ao BCaç 4516/73 até 300ut73.
Desenvolveu intensa actividade operacional, tendo comandado e coordenado diversas acções e operações e a realização de patrulhamentos, reconhecimentos e acções de vigilância da fronteira e de contrapenetração.
A par disso, actuou ainda na protecção aos trabalhos de abertura e melhoramento de itinerários e de segurança e defesa das populações e da sua promoção sócioeconómica.
Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 1 metralhadora ligeira, 5 espingardas, 1 lança-granadas foguete, 61 granadas de armas pesadas e a detecção e levantamento de 30 minas.
A partir de 07Ag074, comandou e coordenou a execução do plano de retracção do dispositivo e a desactivação e entrega dos aquartelamentos ao PAIGC, a qual foi sucessivamente efectuada nos subsectores de Mampatá, em 29Ag074, de Aldeia Formosa, em 31 Ag074, de Nhala em 02Set74 e de Buba, em 04Set74.
Em 31Ag074, foi transitoriamente deslocado de Aldeia Formosa para Buba, onde se manteve até à desactivação e entrega do aquartelamento em 04Set74, após o que recolheu a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.
A 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513/72, após o treino operacional no subsector de Buba com a
CCaç 3398, sob orientação do BCaç 3852, passou a reforçar a actividade daquela subunidade no esforço realizado de contrapenetração no referido subsector e depois integrada no seu batalhão, na função de intervenção que lhe foi atribuída, tendo-se instalado, a partir de 17Mai73, em Mampatá.
Em 15Ag073, rendendo a CCaç 3398, assumiu a responsabilidade do subsector de Buba, mantendo-se integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.
Em 04Set74, após a desactivação e entrega do aquartelamento ao PAIGC, recolheu a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.
Excerto de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág.170/171.
___________
Notas do editor:
Último poste da série > 14 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22542: Tabanca Grande (525): José Emídio Ribeiro Marques, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da 3.ª Comp/BCAÇ 4616/73 (Jumbembem, Farim e Canjambari, 1974), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 849
Marcadores:
António Carvalho,
António Murta,
BCAÇ 4513,
CECA,
Fernando Costa,
Fichas de Unidades,
José Carlos Gabriel,
Manuel Oliveira,
Tabanca dos Melros,
Tabanca Grande
quarta-feira, 15 de setembro de 2021
Guiné 61/74 - P22546: Historiografia da presença portuguesa em África (280): A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Dezembro de 2020:
Queridos amigos,
Em boa hora se voltou à secção de Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia. Ficara para trás este cotejo efetuado em 1925 por um oficial do Exército que no essencial debita factos sem apreciações pessoais até que chegamos à prisão de Abdul Indjai, aí ele intervém calorosamente e não se nega a dar opinião.
“Será possível que Abdul Injai se revoltasse?
Abdul Injai, Tenente de Segunda Linha pelos serviços prestados ao Governo Português durante as campanhas da Guiné, o grande amigo dos portugueses, o braço-direito de Teixeira Pinto, o cabo de guerra indígena de maior vulto nas guerras contemporâneas, o homem que descansando as fadigas guerreiras no seu regulado continua cedendo ao governo os seus homens para auxiliarem as tropas regulares que sucedem às campanhas de pacificação; este herói a quem o governo, depois de Teixeira Pinto, tudo deve… revolta-se?”
(continua)
Nota do editor
Último poste da série de 8 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22525: Historiografia da presença portuguesa em África (279): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (16) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Em boa hora se voltou à secção de Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia. Ficara para trás este cotejo efetuado em 1925 por um oficial do Exército que no essencial debita factos sem apreciações pessoais até que chegamos à prisão de Abdul Indjai, aí ele intervém calorosamente e não se nega a dar opinião.
Há um dado muito curioso da análise deste personagem que possuía uma tropa de choque muito especial e que a pôs ao serviço de Teixeira Pinto. Dos poucos depoimentos que possuímos sobre membros da Liga Guineense (que foi abruptamente distinta, isto numa época em que as organizações de ideário republicano eram acarinhadas) há quem diga abertamente que Abdul Indjai permitia todos os saques pelas povoações onde passava, o que contundia com os interesses dos comerciantes que se viam despojados de matéria-prima para exportação.
Ele podia, enquanto régulo do Oio, enviar a sua tropa de choque ao serviço do colonizador, mas aterrorizava as populações de todas as vilas acima de Mansoa. É muito fácil andarmos à procura das causas do martírio quando teimosamente fingimos que o valoroso braço direito de Teixeira Pinto agia como o mais prepotente pilha-galinhas, afrontando uma ordem civilizacional que a administração portuguesa da Guiné procurava instituir. Vamos continuar, há mais surpresas.
Um abraço do
Mário
A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (1)
Mário Beja Santos
Como é sabido, a Biblioteca da Sociedade de Geografia possui uma secção de Reservados onde tenho tido a felicidade de encontrar algumas peças preciosas. Houve agora oportunidade de regressar a este filão de manuscritos, e deparou-se-me um dossiê intitulado Res 1 – Pasta E-21, que se intitula Apontamentos Relativos às Campanhas para a Pacificação da Guiné de 1834 a 1924, compilados pelo Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis, Bolama, com data de 6 de agosto de 1925, Repartição Militar da Colónia da Guiné, 1.ª Secção. É então Governador Velez Caroço.
Trata-se de um inventário minucioso, o oficial procurou esmerar-se, manda o bom-senso que não se vai escrever por atacado toda a sua narrativa, e não há nada como explicar porquê. Começa por nos dizer que desde a descoberta da Guiné até ao ano de 1834 não encontrou nos arquivos da Repartição quaisquer elementos respeitantes a operações militares.
Tudo começa em 8 de janeiro de 1834, realizou-se o Auto de Ratificação da Praça de Bolor, sítio de Etame, pertencente a Cacheu, de uma parte o provedor de Cacheu, Honório Pereira Barreto e da outra Jaguló, rei e senhor do território de Bolor, que cedeu o território denominado Baluarte.
Estamos agora em 9 de outubro de 1856, é feito um contrato entre o tenente-coronel Honório Pereira Barreto, governador da Guiné, e os gentios de Nagas, representados pelo régulo de Cadi e por Nhaga, pai do régulo de Nagas, por o gentio desejar restabelecer as relações com a praça de Cacheu que há cinquenta anos se achavam suspensas, por causa de uma guerra que houve entre as mesmas. Neste contrato é celebrada a paz entre a praça de Cacheu e o gentio de Nagas, podendo os habitantes de Cacheu negociar nas terras de Nagas, ficando reservado aos portugueses a navegação e comércio do braço do rio de Farim, que se chama Armada, não sendo concedida esta vantagem a estrangeiros.
Com data de 6 de março de 1857 estabelece-se uma convenção entre o governo da Guiné e os Felupes de Varela. Esta convenção foi feita por motivo do governador da Guiné, Tenente-Coronel Honório Pereira Barreto, ser herdeiro do seu falecido pai, o Major João Pereira Barreto, de uns territórios que os Felupes de Varela da margem direita da barra de Cacheu, em tempos tinham cedido a este senhor. O governador Barreto, como os Felupes não desejassem que este território fosse para os franceses, cedeu-o ao Governo de Portugal, ficando desde esta data de 6 de março ratificado a favor da nação portuguesa. Dois anos depois, celebra-se o tratado de concessão à nação portuguesa pelos Felupes de Jufunco (Cacheu) de todo o seu território.
O Tenente-Coronel Miguéis recorda em 1870 foi proferida sentença a favor de Portugal pelo presidente norte-americano Ulysses Grant, ficava esclarecida a questão de Bolama.
Em 24 de janeiro de 1871, foi vítima de uma rebelião de Grumetes na Praça de Cacheu o governador interino daquele distrito, Capitão Álvaro Teles Caldeira. Em 8 de março, uma força composta pelo Batalhão de Caçadores N.º 1 e de marinheiros da Armada Real efetuou um ataque à população de Cacanda (Cacheu), destruindo-a totalmente. Os indígenas desta povoação inquietavam constantemente a Praça de Cacheu, acabando por assassinar o governador do distrito. O Capitão J. A. Marques desenvolvendo um plano de ataque anteriormente combinado, consegue conduzir à vitória todas as nossas forças.
Em 19 de abril, foi lavrado o termo de ratificação e reconhecimento de cessão feita pelos Felupes de Varela de todo o território deste nome, ao governo português. Como também em 3 de agosto de 1879 foi feito um tratado de cessão do território ocupado pelos Felupes de Jufunco à nação portuguesa. Estamos agora em 8 de abril de 1980 e ficamos a saber que foi condecorado com o Grau de Comendador da Ordem de Torre e Espada o Tenente-Coronel Agostinho Coelho por ter sufocado em Bolama uma revolta do Batalhão de Caçadores N.º 1, que tinha por fim constranger o mesmo governador a mandar pôr em liberdade dois oficiais desse batalhão.
Nesse mesmo ano, em 1 de junho, celebrou-se o tratado de paz na povoação de Buba entre os régulos Beafadas, o chefe principal do Forreá, Sambel Tombon e o Governo Português, sendo comandante militar o Capitão de Caçadores N.º 1 da África Ocidental, Tomás Pereira da Terra.
A enumeração de tratados é infindável, mas talvez valha a pena continuar até depois chegarmos ao aprisionamento do régulo do Oio, Abdul Injai, o braço direito de Teixeira Pinto.
Voltamos a 1881 e o autor enumera tratados entre o Governo e os chefes Beafadas de Guinala e Baduk, tratado de paz entre o Governo e os régulos Fula-Forros e Futa-Fulas do Forreá e Futa-Djalon. Regista o autor também conflitos originados pelos Beafadas de Jabadá. Foi celebrado no Presídio de Geba o tratado de paz e obediência do régulo Fula-Preto do Indorna Dembel, Alfa Dacan e o governo da colónia.
Em 1883 ocorre um episódio que aparece versado noutras fontes. Os Fula-Pretos atacaram S. Belchior, aprisionaram cristãos e reduziram a cinzas as suas casas. O responsável pelo presídio de Geba, Alferes Marques Geraldes, organizou uma pequena expedição e foi a Indornal, onde conferenciou com o régulo Dembel, fez a entrega das duas mulheres raptadas e pagou uma indemnização ao governo.
No ano seguinte foi feito um tratado entre o Governador de Cacheu e os régulos de Bolor. Em 16 de abril de 1885, a bordo da escuna Forreá, fundeada no rio das Ilhetas, foi feito um ato de vassalagem ao governo português. Em 11 de outubro do mesmo ano, atacou-se Sambel Nhantá (Cuor, Geba) e foram louvados o Capitão Caetano da Costa Pessoa e o negociante Agostinho Pinto.
Em 15 de janeiro do ano seguinte regista-se um ataque à tabanca de Bijante, no Cubisseco. Em 19 de junho, uma força de 500 Fulas comandada pelo filho de Umbucu investiu contra duas tabancas de Mansomine. Este ataque foi contra as forças de Mussá Molô, de Sancorlã. Era chefe do presídio de Geba o Tenente Francisco António Marques Geraldes que arranjou numa hora uma expedição de 200 homens, atacou as tabancas do régulo de Mansomine, arrasou-as em três horas. Depois Geraldes dirigiu-se a Sancorlã e derrotou Mussá Molô. Geraldes foi então promovido a capitão por distinção. O autor regista que em 1896 havia os seguintes destacamentos na Guiné: Geba, S. Belchior, Sambel Nhantá, Gã Dafé, Contabane e Cacine.
Em 8 de julho de 1919, é declarado o estado de sítio nas regiões dos comandos militares de Bissorã e dos Balantas e na circunscrição civil de Farim, foi nomeado comandante militar o Capitão Augusto José de Lima Júnior. O motivo foi pôr termo à situação anormal criada pela insubmissão do régulo Abdul Injai. O texto que se segue, e que desobedece completamente às considerações até agora neutras que o autor expende ganham um cunho pessoal, vale a pena ler o texto integral, aguça-se a curiosidade do leitor só com o seu texto de arranque:
Um abraço do
Mário
A pacificação da Guiné de 1834 a 1924 (1)
Mário Beja Santos
Como é sabido, a Biblioteca da Sociedade de Geografia possui uma secção de Reservados onde tenho tido a felicidade de encontrar algumas peças preciosas. Houve agora oportunidade de regressar a este filão de manuscritos, e deparou-se-me um dossiê intitulado Res 1 – Pasta E-21, que se intitula Apontamentos Relativos às Campanhas para a Pacificação da Guiné de 1834 a 1924, compilados pelo Tenente-Coronel de Infantaria João José de Melo Miguéis, Bolama, com data de 6 de agosto de 1925, Repartição Militar da Colónia da Guiné, 1.ª Secção. É então Governador Velez Caroço.
Trata-se de um inventário minucioso, o oficial procurou esmerar-se, manda o bom-senso que não se vai escrever por atacado toda a sua narrativa, e não há nada como explicar porquê. Começa por nos dizer que desde a descoberta da Guiné até ao ano de 1834 não encontrou nos arquivos da Repartição quaisquer elementos respeitantes a operações militares.
Tudo começa em 8 de janeiro de 1834, realizou-se o Auto de Ratificação da Praça de Bolor, sítio de Etame, pertencente a Cacheu, de uma parte o provedor de Cacheu, Honório Pereira Barreto e da outra Jaguló, rei e senhor do território de Bolor, que cedeu o território denominado Baluarte.
Estamos agora em 9 de outubro de 1856, é feito um contrato entre o tenente-coronel Honório Pereira Barreto, governador da Guiné, e os gentios de Nagas, representados pelo régulo de Cadi e por Nhaga, pai do régulo de Nagas, por o gentio desejar restabelecer as relações com a praça de Cacheu que há cinquenta anos se achavam suspensas, por causa de uma guerra que houve entre as mesmas. Neste contrato é celebrada a paz entre a praça de Cacheu e o gentio de Nagas, podendo os habitantes de Cacheu negociar nas terras de Nagas, ficando reservado aos portugueses a navegação e comércio do braço do rio de Farim, que se chama Armada, não sendo concedida esta vantagem a estrangeiros.
Com data de 6 de março de 1857 estabelece-se uma convenção entre o governo da Guiné e os Felupes de Varela. Esta convenção foi feita por motivo do governador da Guiné, Tenente-Coronel Honório Pereira Barreto, ser herdeiro do seu falecido pai, o Major João Pereira Barreto, de uns territórios que os Felupes de Varela da margem direita da barra de Cacheu, em tempos tinham cedido a este senhor. O governador Barreto, como os Felupes não desejassem que este território fosse para os franceses, cedeu-o ao Governo de Portugal, ficando desde esta data de 6 de março ratificado a favor da nação portuguesa. Dois anos depois, celebra-se o tratado de concessão à nação portuguesa pelos Felupes de Jufunco (Cacheu) de todo o seu território.
O Tenente-Coronel Miguéis recorda em 1870 foi proferida sentença a favor de Portugal pelo presidente norte-americano Ulysses Grant, ficava esclarecida a questão de Bolama.
Em 24 de janeiro de 1871, foi vítima de uma rebelião de Grumetes na Praça de Cacheu o governador interino daquele distrito, Capitão Álvaro Teles Caldeira. Em 8 de março, uma força composta pelo Batalhão de Caçadores N.º 1 e de marinheiros da Armada Real efetuou um ataque à população de Cacanda (Cacheu), destruindo-a totalmente. Os indígenas desta povoação inquietavam constantemente a Praça de Cacheu, acabando por assassinar o governador do distrito. O Capitão J. A. Marques desenvolvendo um plano de ataque anteriormente combinado, consegue conduzir à vitória todas as nossas forças.
Em 19 de abril, foi lavrado o termo de ratificação e reconhecimento de cessão feita pelos Felupes de Varela de todo o território deste nome, ao governo português. Como também em 3 de agosto de 1879 foi feito um tratado de cessão do território ocupado pelos Felupes de Jufunco à nação portuguesa. Estamos agora em 8 de abril de 1980 e ficamos a saber que foi condecorado com o Grau de Comendador da Ordem de Torre e Espada o Tenente-Coronel Agostinho Coelho por ter sufocado em Bolama uma revolta do Batalhão de Caçadores N.º 1, que tinha por fim constranger o mesmo governador a mandar pôr em liberdade dois oficiais desse batalhão.
Nesse mesmo ano, em 1 de junho, celebrou-se o tratado de paz na povoação de Buba entre os régulos Beafadas, o chefe principal do Forreá, Sambel Tombon e o Governo Português, sendo comandante militar o Capitão de Caçadores N.º 1 da África Ocidental, Tomás Pereira da Terra.
A enumeração de tratados é infindável, mas talvez valha a pena continuar até depois chegarmos ao aprisionamento do régulo do Oio, Abdul Injai, o braço direito de Teixeira Pinto.
Voltamos a 1881 e o autor enumera tratados entre o Governo e os chefes Beafadas de Guinala e Baduk, tratado de paz entre o Governo e os régulos Fula-Forros e Futa-Fulas do Forreá e Futa-Djalon. Regista o autor também conflitos originados pelos Beafadas de Jabadá. Foi celebrado no Presídio de Geba o tratado de paz e obediência do régulo Fula-Preto do Indorna Dembel, Alfa Dacan e o governo da colónia.
Em 1883 ocorre um episódio que aparece versado noutras fontes. Os Fula-Pretos atacaram S. Belchior, aprisionaram cristãos e reduziram a cinzas as suas casas. O responsável pelo presídio de Geba, Alferes Marques Geraldes, organizou uma pequena expedição e foi a Indornal, onde conferenciou com o régulo Dembel, fez a entrega das duas mulheres raptadas e pagou uma indemnização ao governo.
No ano seguinte foi feito um tratado entre o Governador de Cacheu e os régulos de Bolor. Em 16 de abril de 1885, a bordo da escuna Forreá, fundeada no rio das Ilhetas, foi feito um ato de vassalagem ao governo português. Em 11 de outubro do mesmo ano, atacou-se Sambel Nhantá (Cuor, Geba) e foram louvados o Capitão Caetano da Costa Pessoa e o negociante Agostinho Pinto.
Em 15 de janeiro do ano seguinte regista-se um ataque à tabanca de Bijante, no Cubisseco. Em 19 de junho, uma força de 500 Fulas comandada pelo filho de Umbucu investiu contra duas tabancas de Mansomine. Este ataque foi contra as forças de Mussá Molô, de Sancorlã. Era chefe do presídio de Geba o Tenente Francisco António Marques Geraldes que arranjou numa hora uma expedição de 200 homens, atacou as tabancas do régulo de Mansomine, arrasou-as em três horas. Depois Geraldes dirigiu-se a Sancorlã e derrotou Mussá Molô. Geraldes foi então promovido a capitão por distinção. O autor regista que em 1896 havia os seguintes destacamentos na Guiné: Geba, S. Belchior, Sambel Nhantá, Gã Dafé, Contabane e Cacine.
Em 8 de julho de 1919, é declarado o estado de sítio nas regiões dos comandos militares de Bissorã e dos Balantas e na circunscrição civil de Farim, foi nomeado comandante militar o Capitão Augusto José de Lima Júnior. O motivo foi pôr termo à situação anormal criada pela insubmissão do régulo Abdul Injai. O texto que se segue, e que desobedece completamente às considerações até agora neutras que o autor expende ganham um cunho pessoal, vale a pena ler o texto integral, aguça-se a curiosidade do leitor só com o seu texto de arranque:
“Será possível que Abdul Injai se revoltasse?
Abdul Injai, Tenente de Segunda Linha pelos serviços prestados ao Governo Português durante as campanhas da Guiné, o grande amigo dos portugueses, o braço-direito de Teixeira Pinto, o cabo de guerra indígena de maior vulto nas guerras contemporâneas, o homem que descansando as fadigas guerreiras no seu regulado continua cedendo ao governo os seus homens para auxiliarem as tropas regulares que sucedem às campanhas de pacificação; este herói a quem o governo, depois de Teixeira Pinto, tudo deve… revolta-se?”
(continua)
Jorge Frederico Vellez Caroço, Governador da Guiné
Honório Pereira Barreto, um resto da sua estátua na Fortaleza de Cacheu
Fortim de Cacheu, gravura do século XIX, Arquivo Histórico Ultramarino
____________Nota do editor
Último poste da série de 8 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22525: Historiografia da presença portuguesa em África (279): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (16) (Mário Beja Santos)
Subscrever:
Mensagens (Atom)