quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5838: Estórias de Jorge Picado (12): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (VII): Colecta e roubo em Binhante

1. Mensagem de Jorge Picado (ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72), dirigida ao nosso Blogue, com data de 16 de Fevereiro de 2010: 

 Amigo Carlos Vinhal 

Com este tempo invernoso que teima em recordar-nos que o Carnaval com o corpinho ao léu, só mesmo nos climas tropicais, deu-me para arrancar mais uma historieta daquelas passadas na Guiné, mas que nada tem a ver com esta quadra. Aliás, destas duas datas vividas naqueles anos de 1970/71, apenas deu para recordar a primeira, pois foi a partida que o Exército me fez de me enfiar no barco a caminho dessas longínquas paragens. A segunda nem dei por ela, apesar de estar em Bissau a aguardar a nova colocação. Para te distraíres, após as folias de hoje envio-te esta pequena prosa.

Abraços 
Jorge Picado


COLECTA E ROUBO EM BINHANTE 

Durante a minha estadia no CAOP 1, o IN fez uma incursão silenciosa a um aldeamento situado entre Teixeira Pinto, actual CANCHUNGO, e Pelundo. Este acto ocorreu na noite de 24 para 25 de Junho de 1971 na povoação de BINHANTE. Para os que não percorreram aquele Chão, BINHANTE situa-se a NNE de Teixeira Pinto, a uma distância desta, por estrada, de cerca de 5 quilómetros. Quase a meio do percurso de Teixeira Pinto para o Pelundo, virava-se para Norte e depois de percorrer pouco mais de 1 quilómetro entrava-se na povoação, conforme se pode observar na figura.

 
Binhante_1 

 Ao empregar a expressão incursão silenciosa, quero referir-me àquelas acções que militarmente eram classificadas como colecta e roubo das populações sob controlo das NT, feitas sempre pela calada da noite, muito provavelmente com a conivência de algum ou alguns elementos das próprias tabancas, quiçá familiares ou mesmo elementos da guerrilha oriundos dessas povoações que calmamente durante o dia ali penetrassem para durante a noite facilitarem a abertura das portas aos seus camaradas ou ainda, mais raramente sem essa conivência, mas sob fortes ameaças de vidas de raptados. Uma vez que o acontecimento só era comunicado pela manhã, as NT já não tinham possibilidade de interceptar os guerrilheiros. No entanto BINHANTE, como referi, ficava sensivelmente a meio do percurso de TEIXEIRA PINTO-PELUNDO, distando pouco mais do que 5 quilómetros de cada e os elementos do PAIGC, do CHURO ou COBOIANA, foram lá! Portanto no dia 25 pela manhã, lá tive de acompanhar os camaradas, possivelmente da CCaç 2660, que foram fazer o levantamento da ocorrência e ajuizar dos estragos, para que na medida do possível e, quanto mais depressa, se obtivessem os meios para recompor a situação. 
Das minhas breves notas respigo “Colecta e roubo em Binhante – Incendiaram 14 moranças, grandes estragos POP. Ameaças e sevicias, levaram POP como carregadores. 4 Sacos arroz na Gouveia em nome do CAOP. Assinei eu. Binhante 2 vezes”. 

Perante o sucedido e os lamentos da população ou do Chefe da Tabanca, recebendo evidentemente ordens para tal, tive de voltar a TEIXEIRA PINTO, onde levantei 4 sacos de arroz que requisitei na Casa Gouveia em nome do CAOP e fui entregá-los ao chefe da tabanca para satisfação das primeiras necessidades alimentares, isto evidentemente em nome da APSICO. 
Remeto uma fotografia referente a este acontecimento que, embora datada de JUN71, não deve ter sido obtida nesse dia 25, mas talvez posteriormente. Digo isto por não ter a certeza se no CAOP 1 se faziam recolhas radiofónicas de eventos. Se isto era verdade, então pode ter sido obtida nesse mesmo dia.
 
Binhante > 25JUN71 

Fotos: © Jorge Picado (2010). Direitos reservados. 

Na imagem são bem evidentes os sinais de habitações destruídas pelo fogo. Pode-se ver parte duma casa, representada por uma parede – feita em adobos de lama – e rachada no canto, com sinais de fumo por cima duma abertura – janela ou porta –, sem telhado e os restos de cibes queimados, em segundo plano, que suportavam exteriormente a cobertura, sinais mais do que suficientes de ter sofrido um incêndio recente. Além disso há dois militares – um metropolitano sentado com gravador ao lado e um guineense, talvez cabo, segurando o microfone na mão direita – registando o depoimento dum nativo – que pela veste e pés calçados demonstra um certo estatuto, chefe de tabanca (?) – acompanhado de outros naturais, um dos quais – o do chapéu – revela uma cara carrancuda. Repare-se na forma tradicional de transporte natural dos bebés por estas mães que, pelas suas vestes, mostram igualmente possuir um certo estatuto social. Seriam as mulheres do que está a ser entrevistado? Quem seria o militar sentado? De alguma das subunidades do CAOP 1? Ou do PIFAS de Bissau? As mesmas interrogações faço sobre o que segura o microfone, mas como poucos são aqueles desse tempo que militam na Tabanca, não creio poder chegar a qualquer conclusão. 

É tudo por hoje. 

Abraços para todos 
Jorge Picado
 __________ 

Nota de CV: 

5 comentários:

Anónimo disse...

Amigo Jorge Picado

Com este teu apontamento fizeste-me de novo lembrar uma situação identica em T Pinto,passada numa noite intensamente chuvosa lá por Outubro.

Desencadeou-se uma "guerra" do caraças! Talvez a venha a contar,já que até hoje ninguem soube o que se passou e está "vivo" na minha memória.

Um abraço e à espera de mais
Luis Faria

Anónimo disse...

Caro Jorge,
Nessa altura a CCaç 3327 estava em Tixeira Pinto que, como sabes, depois foi para os destacamentos de Bajope, Chulame, Bassarel, etc.

Em Bajope aconteceu algo parecido com a tua história, mas os elementos do PAIGC não deitaram fogo às casas.

Quando a população foi confrontada com o facto de não terem avisado a tropa em devido tempo, a resposta foi simples: metiam-se dentro de casa pois tinham medo de serem raptados e serem obrigados a servir como carregadores ou mesmo combatentes ao lado do PAIGC.

Essa é uma faceta que no blogue ainda não foi explorada (nada li sobre o assunto), mas os relatos de raptos de jovens de ambos os sexos são bastante extensos.

No ar fica uma pergunta que julgo ser pertinente: como é que o PAIGC recrutava combatentes para renovar e complementar as suas fileiras?

Um abraço,
José Câmara

Anónimo disse...

Caros Amigos Luís Faria e José Câmara

Tenho andado fora destas lides e eis que hoje vos encontro...

Fico à espera dessa lembrança, Luís, alíás como de todas as que continuarás a publicar, pois pode ser que vá descortinando no meu subconsciente, se é que ficou mais alguma coisa gravada, algo mais daqueles tempos em T.Pinto.

Também de ti, Câmara, estou com curiosidade de ler a tua passagem por Bassarel e não só, pois desloquei-me lá várias vezes.

Abraços
Jorge Picado

Anónimo disse...

Boa noite Sr. Jorge.
Após algumas pesquisas sobre Binhante, a terra natal da minha mãe, deparei-me com este blogue e devo dizer que fiquei surpreendida com a casualidade. O senhor que está a ser entrevistado na foto é o meu tio-bisavô, chama-se Cunha Gomes e era o régulo de Binhante. A informação dada pela minha avó coincide com o que o senhor Jorge narra na descrição da foto. Obrigado por partilhar estas relíquias que me permitem conhecer a identidade da minha família.
Os melhores cumprimentos!.
Luísa.

Anónimo disse...

Luísa

Desculpe tratá-la apenas pelo seu único nome, pois é pena não se ter identificado melhor.

Se por ventura voltar a este postado e verificar esta minha resposta, verificará que que ainda por cá permaneço.
Fiquei muito sensibilizado por esta partilha que deixei para memória futura, ter servido para, ao fim de mais de 10 anos, alguém com raízes naquele território, que nos marcou profundamente, ter visto um seu antepassado, identificando-o para que não ficasse no anonimato, como tantos outros.
Repare-se que as minhas notas foram colocadas 39 anos depois dos acontecimentos, quando resolvi finalmente falar pela primeira vez de acontecimentos que tinha "enterrado num buraco mais profundo do meu cérebro" e a minha memória já apresentava muitas falhas. Por isso as minhas lacunas e interrogações.

Obrigado por esta surpresa que me deixa MUITO FELIZ.
Bem haja.

JPicado