quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5830: Controvérsias (66): A questão colonial (II): Colonização portuguesa - Particularidades (Descolonização e Conclusão) (José Brás)

1. Segunda e última parte do trabalho do nosso camarada José Brás*, iniciado no poste 5826**, sobre o tema "A questão colonial".


A Questão Colonial (II)
Colonização portuguesa - Particularidades

José Brás

DESCOLONIZAÇÃO


- descolonização se chama com frequência à passagem da soberania portuguesa para as mãos dos movimentos de libertação que nesses territórios se bateram durante anos de armas na mão, perante a falência das suas tentativas de negociação e à intransigência de Lisboa para organizar uma saída equitativa e digna.

- e desde logo nos aparece como realidade que não pode ser escamoteada, o facto aqui assinalado das específicas condições, tempo e formas da colonização portuguesa e as diferenças que demonstra no cotejo do que foi o colonialismo de outras potências europeias.

- abusando um pouco da imagem, pode mesmo assumir-se com algum cuidado, que, afinal, portugueses em Angola, nem colonialistas foram, antes, sem prejuízo da existência de excepções, gente pobre e de fraca formação que buscava em outras terras o que na sua lhe era negado há séculos, remetidos, cá e lá, a vidas muito duras e sem horizontes, despejados em território imenso e rico mas sem preparação nem meios de explorar os seu recursos e assistindo à sua própria exploração por empresas cujas sedes se encontravam fora de Angola, algumas em grandes grupos económicos nacionais, e muitas mesmo, fora das fronteiras portuguesas.

- colonialistas seriam, portanto, outras potências que ocuparam macivamente outros territórios na América, na África e na Austrália, e aí, usando a sua superior capacidade económica e técnica, delapidaram recursos e os exportaram para as sua metrópoles, deixando tais territórios exauridos, ainda que a população local com preparação suficiente para governar.

- é um facto conhecido que… em Angola circulavam crescentemente capitais estrangeiros que iam deitando mão dos principais recursos do território, ainda que a par de algumas empresas nacionais, todas, salvo erro, com sedes em Lisboa;
na guerra que era sustentada à custa de sacrifícios extremos do povo português, jogavam papel importante potência estrangeiras com interesses locais, uns na exploração de recursos, outras pensando deitar a mão a bom bocado, outras ainda na luta por hegemonias e domínio global, estratégicos do ponto de vista político, militar e económico, algumas delas jogando papel duplo, apoiando os dois lados da contenda, às claras ou mais dissimuladamente, transformando o território num palco de operações subterrâneas pelo domínio, onde jogavam principalmente russos e americanos, bem como suecos, franceses, italianos, entre outros menores.

- Portugal que havia sido escasso colonizador, ficou no meio desse jogo, participante menor e sem a mínima capacidade de influenciar, sobretudo em Angola, jóia da coroa, dividida em três movimentos de libertação com origens e programas (ou a ausência deles) diferentes e opostos, e mesmo esses movimentos, profundamente divididos e enfraquecidos dentro de si próprios, presas fáceis desse jogo internacional que já se jogava antes de 74 e que passou a ocupar o pano todo da mesa do casino e das cartas marcadas.

- em 74, éramos em Lisboa, um país devastado pelo esforço da guerra em três frentes, crescentemente exigente em meios materiais e humanos, à beira dos limites, e em África quase só gastadores dos recursos do orçamento metropolitano, com milhares de militares do quadro cansados da guerra em comissões sucessivas, sempre afastados das famílias; muitos mais milhares de oficiais e sargentos milicianos, muitos absolutamente contrários à guerra e fazendo-a em nome dos restos da consciência de Pátria, outros recusando-a, pura e simplesmente, centenas de milhares de soldados jovens arrancados às famílias e à produção de riqueza possível no território metropolitano, e um regime despótico já com marcas claras de divisão dentro de si próprio e sustentado apenas em uns tantos ultras e na polícia política.

- é este quadro que marca cá dentro, o mesmo tipo de acção que os movimentos de libertação haviam seguido antes, igualmente sem qualquer tipo de saída política para os problemas internos do País e para a solução da questão colonial, e é neste quadro que parece legítimo ler e entender o caos que se gerou em Lisboa e o outro muito maior que envolveu os portugueses residentes nas colónias.

- a chamada descolonização não aconteceu nunca porque descolonização tem que ser entendida como um processo em que as partes acordam entre si um estatuto de preparação de quadros e regras e de transferência progressiva do poder para novas formas de organização política dos locais em descolonização.

- e o que aconteceu de facto, está muito longe de configurar processo aproximado a esse ideal. Destapou-se apenas a caixa de Pandôra e de todos os malefícios nela acumulados durante séculos, aqui e lá, no simulacro de negociações só possíveis porque os movimentos de libertação tinham pressa de tomar o poder e ajustar as suas contas, e os responsáveis portugueses tinham pressa de descascar a batata quente.

- no centro de tudo isto, sem esquecer a sacrificada população local, coloquem-se aqui os portugueses, gente engajada na vida local de uma terra que consideravam sua porque nela tinham projectado o seu futuro, gerado e feito crescer os seus filhos, amealhado o que a sua capacidade permitia em bem-estar e meios, e que de um momento para o outro, sem compreender as razões de um povo que acabava de libertar-se de 50 anos de repressão e atraso, se vê expulsa dessa terra pela ameaça suprema sobre a sua vida e a dos seus, encaixotada em aviões e barcos grandes e pequenos, e caindo quase apenas com a roupa que trazia vestida numa terra a que já não se sentia ligada.

- e a verdade de cada um é a que cada um apreendeu do quotidiano e se consolidou no hábito prolongado e não contestado, adquirindo um estatuto perene e, aparentemente, imutável.

- a verdade destes portugueses é a que lhe aparece como traição dos militares e dos políticos de Lisboa que os abandonaram sem capacidade de se defenderem das ameaças nem organização própria que suportasse uma participação em pé de igualdade com as organizações da população local, na construção dos destinos daquela terra.

- a alegada descolonização não passa, neste quadro, por parte dos colonos brancos e de muitos negros que estavam do nosso lado, de uma fuga atribulada e massiva perante a completa impotência de se opor ou de participar no crescer da realidade nova e sem esperança de reversão da situação, sobretudo a partir da derrota do exército da África do Sul e de mercenários internacionais, entre eles, alguns proeminentes portugueses, e da constatação segura de que os Acordos de Alvor, assinados pelos três movimentos angolanos com discursos de exaltação da unidade, não passavam para nenhum deles de simples compasso de espera para se prepararem e ajustar contas com o passado e com o futuro.

- em relação aos militares portugueses ainda presentes no terreno até ao dia da independência, ainda que não seja de esquecer que poderiam com um pouco de habilidade, coragem e predisposição, ter feito bem melhor, a realidade ficou muito claramente expressa a partir do momento em que se assumiu que a guerra acabara e que a volta a casa se faria quanto mais depressa melhor e que para isso era necessário entregar o poder ou os poderes, fosse a quem fosse, e é seguro que as simpatias quase generalizadas e almirantizadas, seguiam na direcção do MPLA.

- como diz João Paulo Guerra no seu livro “O Regresso das Caravelas”, fomos o primeiro Império Colonial em África e também o último.


Sintetizando…

- a colonização e a descolonização dos territórios encontrados e ocupados a partir do século XV, têm uma relação muito claramente correspondentes nas formas, nos tempos, nas densidades da ocupação e nas características culturais dos colonizadores;

- as terras mais rápida e densamente povoadas; por grupos de cidadãos entre os quais abundavam técnicos e quadros com formação mais elevada, depressa se encontraram contrastados nos seus interesses individuais e de grupo pelas exigências metropolitanas, mais rápida e eficazmente se organizaram, reclamaram e obtiveram independência total sob poder branco e, quase sempre, no massacre das populações locais;

- as terras de ocupação posterior, em zonas de África mais temperadas, obtiveram uma autonomia progressiva e negociada sob a direcção de governos dos colonos mas com tomada do poder mais tarde pelas populações locais;

- as terras da África do norte e central, como a Argélia, Angola, Quénia, Moçambique, etc., tiveram ocupação mais tardia e menos densa e por populações brancas de menor preparação e aptidão técnica que ficaram sempre numa grande dependência militar e administrativa das respectivas metrópoles, não foram nunca capazes de se organizar como força reivindicativa credível para receber a transferência de poderes, e acabaram sem influência nas acções que levaram à independência e sem lugar nos respectivos aparelhos de Estado. Exceptua-se a esta regra, o caso do Zimbabwe, que teve um governo branco num pequeno período e logo desalojado pela acção das populações negras.


CONCLUSÃO

Como facilmente se constata, Portugal está incluído no terceiro grupo, isto é, no caso em que os colonos não foram capazes ou não quiseram organizar-se atempadamente para reivindicar a sua autonomia política e se viu confrontado com o nascimento de movimentos emancipalistas dos colonizados e sem a participação dos europeus ou dos seus descendentes, ainda por cima, recusando a negociação e preferindo a guerra prolongada e, no caso de guerras deste tipo, sem esperanças de vitórias definitivas, e geradoras de sofrimentos e de ódios crescentes e do consequente bloqueio das saídas para o problema.

É simplista a argumentação de que não houve nem racismo nem colonialismo português, baseada apenas na circunstância de condições específicas da colonização portuguesa e dos seus agentes directos, os colonos.

É igualmente simplista o argumento de que a culpa foi do 25 de Abril em Lisboa, dos militares cobardes e dos políticos que negociaram a transferência do poder.
O 25 de Abril era inevitável, necessário e só pecou por tardio face a um poder despótico, prolongado e constrangedor da modernização do País;

Os militares portugueses contabilizaram 13 anos de guerra, 820.000 jovens mobilizados, 8.831 mortos, 30.000 feridos, 15.000 deficientes e mutilados, e uma multidão de cidadãos que ainda hoje sofrem sequelas da sua participação no conflito.

Os políticos que negociaram a transferência do poder, fizeram-no no centro de um turbilhão que envolvia os interesses internacionais em jogo, a pressão popular gerada na metrópole contra a continuação da guerra e na iminência do paradoxo que era a conquista da liberdade e da democracia em Lisboa e a manutenção da guerra contra os movimentos de libertação que, previsivelmente, iriam aumentar a sua oposição armada contra a presença portuguesa, agora ainda mais legitimamente e mais apoiada internacionalmente.

De facto, o verdadeiro culpado do drama da descolonização nas suas formas e consequências particulares e globais, na destruição de milhares de vidas organizadas em África, do prejuízo de todas as partes envolvidas e do seu futuro civilizacional, foi o regime que cegamente se fechou ao movimento da história, ao exemplo dado por outras potência coloniais e a uma visão de alcance e de futuro, desencadeando uma guerra de 13 anos e, em muito boa parte, as guerras que se seguiram nos antigos territórios coloniais.

Pretender ignorar isto e buscar bodes expiatórios naqueles que, com maior ou menor grau, foram também vítimas, não parece razoável, nem pronuncia, nesta parte, o futuro de harmonia e de calma indispensáveis a este País.

Nota:
Os quadros apresentados, bem como a motivação e alguns considerandos, são colhidos no trabalho Ideologia Nacional dos Brancos Angolanos, de Fernando Pimenta, apresentado no VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, realizado em Coimbra em Setembro de 2004, com propósitos mais detalhados sobre uma leitura do fenómeno indiciado no título desse trabalho, propósitos, como é evidente, diferentes dos que dão forma a este texto.

Aconselham-se os leitores deste trabalho a consultarem tal documento que pode ser encontrado no site http://www.blogger.com/www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs, ou enviado a partir do meu endereço electrónico a quem manifestar desejo de o ler.

Aconselha-se ainda a leitura do livro "Angola, os Brancos e a Independência", igualmente de Fernando Pimenta, Edições Afrontamento, “O Regresso das Caravelas” de João Paulo Guerra, Oficina do Livro, “Passagens para África”, "O Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole", de Cláudia Castelo, Edições Afrontamento, e outras obras de investigação independente sobre o fenómeno aqui abordado.

JB
__________

Notas de CV:

(*) José Brás foi Fur Mil na CCAÇ 1622 que esteve em Aldeia Formosa e Mejo nos anos de 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim", Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.

(**) Vd. poste de 16 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5826: Controvérsias (65): A questão colonial (I): Colonização portuguesa - Particularidades (Introdução, Colonização e Ocupação) (José Brás)

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro Camarada e Amigo. Bem pouco fica por dizer num assunto de tantas,e tao intercaladas complexidades.Em perspectiva "literário-revisionista",e com o espírito de Lapao empedernido,gosto sinceramente d'esta:...."é seguro que as simpatias quase generalizadas e...almirantizadas". Aquele abraco Amigo.

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro camarigo José Brás

Sabes do respeito e estima que te tenho, como aliás a todos e cada um dos atabancados.

Li com atenção o teu texto e dou-te os parabéns por ele.

Faz-me pena no entanto que no fim e nas tuas conclusões acabes por, a meu ver, fazer exactamente o mesmo que fazem aqueles que atribuem todos os males da descolonização aos militares e politicos do seguimento do 25 de Abril.

Ou seja, de uma penada assacas as responsabilidades todas ao regime anterior, (que as teve sem dúvida), e "limpas" a actuação desgraçada, irresponsável, e sempre dirigida num só sentido daqueles que tomaram os destinos da Nação.

Se me disseres que lhes "caiu o menino nos braços" e não sabiam o que fazer, ainda vá, mas não foi só isso, foi uma "descolonização" orientada e dirigida para determinados fins e não houve uma palavra sensata que tentasse explicar aos portugueses, por exemplo, que os retornados não eram sanguinários colonizadores.

Aliás, meu amigo, colonizaram mais em poucos anos a Rússia, por exemplo, deixando os novos países sem alguns recursos que possuiam, (omo a pesca, por exemplo), do que os Portugueses em todo o tempo que lá estiveram.

Mas esta é uma discussão que tem sempre muito a ver da forma como vemos as coisas, (a coisa politica), e por isso mesmo haverá sempre discordância nas opiniões.

Rcebe o meu abraço camarigo que vai para todos também.

Anónimo disse...

José Brás,

Angola=1.246.700 km2=Inglaterra,França e Espanha.

Imaginemos que não desaparecia o Mapa-côr-de-rosa.

O tempo dirá se a colonização foi a possível, se a guerra foi a possível, e se a paz foi a possível.

Se as fronteiras permanecerem e se chegarmos aos "acordos ortográficos", será feita a maior homenagem aos que tombaram nas várias guerras pelo mundo fora.

Mas a tua análise está desenvolvida com toda a lógica.

Um abraço,

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Caro camarigo
Mexia Alves

Um dos problemas da comunicação, aliás, parte inseparável do trabalho de comunicar, tem duas vertentes praticamente irmãs gémeas, uma da responsabilidade do emissor e outra do receptor.
De facto é frequente que o emissor se deixe atraiçoar pelo desejo grande de dizer uma coisa, escolher as palavras do discurso que parecem mesmo a calhar para dizer o que quer dizer e, no entusiasmo, perder-se num fraseado só claramente entendível por si próprio e saindo labiríntico para o receptor.
E, muitas vezes nem a tentativa de rever, descobre o erro, embalado na música das sílabas e da mensagem.
Por outro lado, muitas vezes o receptor, preparado para ouvir uma coisa que no seu íntimo já se consolidou como imagem, lê, ouve, vê, não o que o emissor diz, mas apenas aquilo que esperava já.
Na função de instrutor de voo, tive de aprender uma verdade que, quase todos nós ouvimos ainda que em sectores diferentes do conhecimento, sobretudo se for nossa obrigação formar.
Por exemplo, um piloto no fim de uma viagem, querendo rapidamente autorização do ATC (Air Tráfic Control) para iniciar a descida para a final, requer autorização, ouve a autorização pedida, inicia a descida para o nível requerido quando afinal o ATC lhe havia dado indicação para se manter em espera no nível inicial.
Estamos todos a ver o perigo de tal erro, risco, aliás, já responsável por acidentes e mortes.
Tem isto a ver com quê, afinal?
Com uma ligeira distorção que me aparece no teu comentário ao texto “A Questão Colonial”.
Seguramente não terei eu dito e repetido uma verdade que gostarias de ouvir e eu apenas toquei de raspão.
Tu, nessa postura tão intrinsecamente humana de querer ouvir o que pensas que de mim podes ouvir, nem ouviste tudo o que eu disse, nem mesmo o que eu disse só de raspão.
Lamentas que eu, no final, numa penada ilibe os militares que estiveram envolvidos na parte final da descolonização, sobretudo em Luanda.

De facto, a mim me parece que não é possível concluir tal, ainda que eu não tenha dito em grandes parangonas das culpas que também tiveram.
Recordo duas passagens que sugerem que tais culpas existiram mesmo e que se não existissem, algumas coisa poderiam ter corrido melhor.
Cito:
“- é este quadro que marca, cá dentro, o mesmo tipo de acção que os movimentos de libertação haviam seguido antes, igualmente sem qualquer tipo de saída política para os problemas internos do País e para a solução da questão colonial, e é neste quadro que parece legítimo ler e entender o caos que se gerou em Lisboa e o outro muito maior que envolveu os portugueses residentes nas colónias.” “ … e os responsáveis portugueses tinham pressa de descascar a batata quente.”
“- a verdade destes portugueses é a que lhe aparece como traição dos militares e dos políticos de Lisboa que os abandonaram sem capacidade de se defenderem das ameaças nem organização própria que suportasse uma participação em pé de igualdade com as organizações da população local, na construção dos destinos daquela terra.” “…- em relação aos militares portugueses ainda presentes no terreno até ao dia da independência, ainda que não seja de esquecer que poderiam com um pouco de habilidade, coragem e predisposição, ter feito bem melhor, a realidade ficou muito claramente expressa a partir do momento em que se assumiu que a guerra acabara e que a volta a casa se faria quanto mais depressa melhor e que para isso era necessário entregar o poder ou os poderes, fosse a quem fosse, e é seguro que as simpatias quase generalizadas e almirantizadas, seguiam na direcção do MPLA.”

José Brás

Anónimo disse...

...
Vamos lá ver! Não carrego nas tintas?
Provavelmente não, e isso entende-se se se ler com atenção todo o documento que remete para o tipo e qualidade da colonização portuguesa, muito anterior a Salazar, a determinação das consequências e das culpas (se isso se pode dizer assim) que haviam de resultar pelo tipo e qualidade dessa colonização.
Claro que remete também para a teimosia do regime na recusa de todas as hipóteses alternativas para a solução do problema, mesmo as colocadas por gente do regime, como Norton de Matos, Humberto Delgado, Botelho Moniz e até, por fim, de Marcelo Caetano e Spínola.
E nesse quadro, por maior que seja a nossa sensibilidade para a tragédia dos chamados retornados, parecer-me-á sempre exagerado descarregar sobre tais militares a culpa principal do caos gerado, quando, no tabuleiro das disputas internacionais que se desataram, não passavam de pequenos e fragilizados peões.
Uma coisa nunca poderá ler-se no que já escrevi, escrevo e possa vir a escrever, é uma acusação qualquer contra essa gente que tudo perdeu, a grande maioria sem culpas individuais fora do quadro da sua ligação a uma Pátria que já compreendiam mal e que nunca os ajudou a tempo para um embate inevitável.
Em tudo o resto, para enquadrar ainda melhor o que digo, cito mais: “Neste propósito, talvez demasiado alto em relação com os meios disponíveis, o autor avança, em primeiro lugar sobre a sua visão pessoal acerca do assunto, honestamente confessado como indissociável das suas opções sociais e princípios morais…”
Agora o mais importante!
É neste quadro da existência da Tabanca Grande que se pode pensar com esta liberdade e respeito, mantendo a amizade que nos liga por cima de qualquer divergência que nós os dois nem temos.
Agradeço-te a gentileza do teu comentário que muito me agradou, sinceramente
E aqui te deixo a prova disso no abraço que gostaria de te dar dia 26, e não podendo fisicamente, te envio agora.
José Brás

Hélder Valério disse...

Caro Zé Brás

É um trabalho de fôlego!
Parece-me sério, bem defendido, em que expões os teus pontos de vista e que são, na generalidade, pouco susceptíveis de serem negados ou contrariados.

Podia, à primeira vista, pensar-se que estariam deslocados do âmbito deste espaço plural mas, no entanto, não foi por causa dos encontros e desencontros da História, como relatas, que nós fomos para a Guiné e, por isso mesmo, se justifica este Blogue?

Um abraço
Hélder S.

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro camarigo José Brás

A lhaneza do teu comentário, ao meu comentário leva-me a começar este novo comentário com um abraço forte e camarigo para ti.

Compreendo perfeitamente o que dizes, até porque cada um de nós é fruto do que lhe foi ensinado, é fruto das suas convicções e por isso mesmo um mesmo texto pode ser, e é com certeza lido e interpretado de forma diferente, por diferentes pessoas.

Mas eu, meu caro camarigo, referia-me a estes paragráfos que colocaste como conclusão do teu trabalho. Cito-te:
«De facto, o verdadeiro culpado do drama da descolonização nas suas formas e consequências particulares e globais, na destruição de milhares de vidas organizadas em África, do prejuízo de todas as partes envolvidas e do seu futuro civilizacional, foi o regime que cegamente se fechou ao movimento da história, ao exemplo dado por outras potência coloniais e a uma visão de alcance e de futuro, desencadeando uma guerra de 13 anos e, em muito boa parte, as guerras que se seguiram nos antigos territórios coloniais.

Pretender ignorar isto e buscar bodes expiatórios naqueles que, com maior ou menor grau, foram também vítimas, não parece razoável, nem pronuncia, nesta parte, o futuro de harmonia e de calma indispensáveis a este País.»

Por isso te dizia, ou escrevia, (afinal é como se estivesse a falar contigo), que um leitor como eu, e certamente muitos, podem chegar à mesma conclusão que eu, ou seja que tu concluis que as responsabilidades são do regime anterior e mais nada.

Claro que não me passa, nem nunca passou pela cabeça que alguma vez "acusasses", ou fosses desagradável com aqueles que tudo perderam e que no fundo são o chamado "elo mais fraco" de toda esta história.

Abraço-te novamente e pelo menos um dos copos que beber no dia 26, será lembrando-me de ti.

Abraço camarigo para todos.