sábado, 7 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18821: Convívios (866): Encontro do pessoal da CART 2732, levado a efeito no passado dia 17 de Junho de 2018, em Minde, Fátima (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA)

Foto de família dos participantes no Convívio, de 2018, do pessoal da CART 2732 e seus familiares

CONVÍVIO DO PESSOAL DA CART 2732

DIA 17 DE JUNHO DE 2018

MINDE (FÁTIMA)

Um belo recanto da Quinta D. Nuno onde decorreu o Convívio

Os madrugadores: Ex-Alf Mil Casal; ex-Alf Mil Bento: Coronel Art Carlos Abreu (ex-Cap Art, CMDT do COP 6); ex-Soldado Condutor Azevedo; ex-Fur Mil Mec Auto Dias e ex-Soldado Condutor Dores.

Localizado mesmo a tempo de poder participar pela primeira vez em convívios da CART 2732, o nosso inesquecível Furriel Enfermeiro Marques

Já mais próximo da hora de almoço estão nas fotos: o Ex-Fur Mil CMD Mendonça e família; o ex-Fur Mil Ismael Santos e esposa; o ex-Cap Mil Jorge Picado e o ex-Alf Mil Francisco Baptista

E eis que chega o nosso operador de Transmissões, João Malhão, com a notícia de que a Operação não podia ser abortada. O almoço estava por minutos.

Os laços de amizade também se estendem aos familiares. Aqui a Isabel, esposa do Ornelas, com o ex-Alf Mil Manuel Casal, visivelmente regozijados pelo reencontro.

Três ex-furriéis da CART 2732: Carneiro, Lourenço e Mendonça

Mesmo na sombra são bonitas as nossas bajudas

ex-Furriéis Carneiro e Dias, ex-Soldados Condutores Dores e Azevedo

Na foto, o ex-Cap Mil Jorge Picado e o ex-Alf Mil Francisco Baptista

Ornelas, ex-1.º Cabo Atirador, que foi também um excelente "maqueiro", com o seu mestre, ex-Fur Mil Enf.º Luís Marques

O ex-1.º Cabo Aux Enf.º Reis Pedro, um dos organizadores do Convívio, falando com a esposa do ex-Fur Mil Carneiro que aparece na foto momentaneamente distraído

Uns sorrisos bonitos das companheiras do Vinhal, Ornelas e Inácio, respectivamente. De lado, a esposa do Casal

O ex-Cap Mil Jorge Picado abraça os seus ex-Alferes, Bento e Casal. Ao lado o ex-Alf Mil Baptista que veio posteriormente para a Companhia

O ex-Fur Mil CMD Mendonça, que passou pouco tempo na CART 2732, por ser ferido em combate e ter sido evacuado, fala com o ex-Fur Mil Fonseca, quem sabe se disso mesmo.

Mesa da Presidência: ex-Fur Mil Enf.º Luís Marques, ex-1.º Cabo Aux Enf.º Reis Pedro, ex-Soldado TRMS João Malhão e ex-Alf Mil Manuel Casal
 
Mesa da Presidência: o senhor General Artur Neves Pina Monteiro, de camisa às riscas verticais, até há pouco tempo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, que se fez acompanhar de sua esposa, também na foto, deu-nos a honra de presidir ao Convívio da CART 2732. Aqui a conversar com o senhor Coronel Calos Abreu.


A mesa das nossas esposas

Nesta mesa: os ex-furriéis milicianos, Vinhal, Carneiro, Ismael Santos, Mendonça e Fonseca...

... o ex-Fur Mil Mec Auto Dias e o ex-1.º Cabo At Art Ornelas...

... os ex-furriéis milicianos Fonseca e Lourenço, e os ex-Soldados Condutores Dores e Azevedo

Nesta foto, onde lamentavelmente faltam o João Malhão e o Reis Pedro, ocupados a fazer contas no restaurante, e o Marques, em parte incerta, estão: fila superior: Carneiro, Azevedo, Ezequiel Filipe e Bento; fila do meio: General Pina Monteiro, Dias, Ismael Santos, Francisco Baptista, Manuel Casal, Coronel Carlos Abreu, Jorge Picado e Mendonça; fila de baixo: Ornelas, Dores, Inácio Silva, Lourenço, Matos, Fonseca e Vinhal

Aqui estão as nossas meninas, muitas delas já namoradas ou esposas no tempo da guerra

Aqui fica, para memória futura, o devido destaque a estes dois camaradas que pensaram e levaram a efeito este Convívio. Caríssimos Pedro e Malhão, os nossos agradecimentos.

Quem sabe se lembrando os 50 anos do nosso embarque com destino à Guiné, que ocorre em 13 de Abril de 2020, nos voltemos a encontrar, desta vez no Funchal, de onde partimos em 1970 para a nossa aventura.

Fotos e legendas: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18802: Convívios (865): XXXIII encontro anual da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) - Seia, 9 de junho de 2018 (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P18820: Fotos à procura de... uma legenda (106): O milagre do vinho, ontem, do Cartaxo (que chegava ao Cacheu...), hoje de... Pias, que entope as prateleiras das nossas superfícies comerciais, em caixas de cartão... (Virgílio Teixeira / Luís Graça)


Foto nº 60 >

Foto nº 60A


Foto nº 60 B

Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > Novembro de 1968 > O alf mil SAM Virgílio Teixeira (o segundo a contar da esquerda), a ajudar a descarregar garrafões de vinho, alguns dos quais têm o rótulo do Cartaxo (presumivelmente, da Adega Cooperativa do Cartaxo).

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018) / Blogue Luís Graça & Caramadas da Guiné (2013). Todos os direitos reservados


1. Mensagem. de 3 do corrente, enviada pelo nosso grã-tabanqueiro Virgílio Teixeira , ex-alf mil,  SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) [natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 7 dezenas de referências no nosso blogue]:

Assunto - Os vinhos a martelo para as tropas da Guiné

Luís no seguimento dos assuntos vinícolas (*), que são da tua nova especialidade, aqui vai uma foto na luta da "trasfega" dos garrafões de 10 [ ou 5 ?] litros do barco para os camiões com destino ao armazém geral.

Consigo ler 'Cartaxo' e outro parece dizer 'Paladar' mas este último não me recorda de ver ou se existe. Podes dar uma ajuda?

Os vinhos Cartaxo não são lá da tua região de nascença? E o Paladar?

Foto recolhida no cais de S. Domingos em Novembro de 68. Está nos Postes de São Domingos.

Um abraço,
Virgílio


2. Comentário de LG:

Virgílio, mais uma foto do teu álbum, que é uma caixinha de surpresas... E esta vale ouro...  O Cartaxo, na época, e durante muitos anos, era a terra do milagre do vinho.  Tinha muita parra e muita uva... De resto, o Ribatejo e a Estremadura produziam grandes quantidades de vinho, sem se olhar à qualidade... Não havia piquenique, nos anos 60, onde não pontificasse o "tintol" do Cartaxo... Era a época em que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses...

Hoje o milagre chama-se "Pias", uma terrinha, uma freguesia,  que fica lá para o Alentejoo profundo, concelho de Serpa, na margem esquerda do Guadiana... E que eu saiba só tem dois produtores e engarrafadores de vinho, mas há mais de um dúzia de marcas de vinho (em embalagem de cartão...) que começam por Pias. e que são tudo menos vinho regional alentejano. O seu sucesso é tal que inundas as grandes superfícies... Ora trata-se de vinhos provenientes da UE (União Europeu), o que não é "ilegal", mas é "eticamente" reprovável do ponto de vista comercial... É que vinho alentejano é que não deve ser, e muito menos de Pias... E os armazéns são aqui da grande Lisboa e região centro: Pias é uma "mina"...

Não direi que são "vinho a martelo" (, a expressão é forte, e tecnicamente incorreta...)  mas a verdade é que o uso e abuso do topónimo Pias engana muito consumidor desprevenido, que não lê os rótulos... Pode ser vinho (e é, já o provei, a contra-gosto...). Não, não é "vinho regional do Alentejo", mesmo que tenha 13º...  Hoje bebe-se "Pias" como no passado se bebia "Cartaxo"... Só que na época não havia a famosa "bag in box" (caixa de cartão) que, como se sabe, não deixa o vinho oxidar (ou "azedar"):  a torneirinha, de plástico, é um vedante, deixa sair o precioso líquido, mas impede a entrada de ar, evitando por isso o nosso conhecido fenómeno da  "oxidação"...

Diz o "Jornal dos Sabores", em edição digital de 6 de julho de 2017: 

(...) “Leva este que é alentejano, é de Pias” sugeria o acompanhante de um cliente de uma grande superfície, indicando um vinho, em bag in box, que ostentava na marca a palavra ‘Pias’. A avaliar pelo número de marcas que fazem parte da atual oferta, a localidade de Pias está ‘em alta’ na cotação vinícola. Numa pesquisa (pouco aprofundada), identificámos 12 marcas de vinho acondicionado em bag in box em que é usada a palavra que pretende «identificar» aquela freguesia alentejana do concelho de Serpa. Mas é provável que existam mais algumas."...

O jornal identificou pelo menos uma dúzia de "marcas" de pretensos vinhos de Pias: Arca de Pias; Amigos de Pias; Anta de Pias; Alma de Pias; Castelo de Pias; Chão de Pias; Ermida de Pias; Lagar de Pias; Ouro de Pias; Porta de Pias; Só Pias; Vinhos de Pias... Mas parece haver mais...

Ora, e tanto quanto eu sei, só há dois produtores de Pias, de resto, com excelentes vinhos, honra seja feita àquela terra... Um deles é Sociedade Agrícola de Pias, que produz e comercializa os vinhos Margaça. Depois há outra marca, que é o Encostas de Pias.

Virgílio, eu sou da Estremadura, o Cartaxo, perto de Santarém,  fica no Ribatejo, a uma horita de caminho (c. 60 km), no sentido nordeste.  Hoje felizmente fazem-se belíssimos vinhos nas duas regiões... E o Cartaxo puxa pelos seus pergaminhos históricos  quer voltar a ser a "capital do vinho", enquanto  a minha terra, Lourinhã (, no passado também com má fama de "marteleira", mas que sempre produziu vinhos desde há pelo menos 800 anos...)  é hoje a capital dos dinossauros e... da aguardente DOC Lourinhã... (Coisa que muita gente não sabe: só há três regiões DOC de aguardente vínica no mundo: Cognac, Armagnac e... Lourinhã!)...

Mas as regiões vitívinícolas em Portugal são apenas as seguintes: Vinhos Verdes, Trás-os-Montes, Douro, Bairrada, Dão, Beira Interior, Távora-Varosa e Lafões, Lisboa, Ribatejo, Península de Setúbal, Alentejo, Algarve, Madeira, Açores...

Conselho ao consumidor: quando comprar (e/ou beber) vinho,  leia por favor os rótulos das garrafas...

Virgílio, o outro vinho , marca "Paladar", nunca ouvi falar... Fica o desafio aos nossos leitores: estes fotos merecem uma boa legenda (**)...
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Notas do editor

Guiné 61/74 - P18819: História de vida (47): O centenário dos nossos pais (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

1. Em mensagem do dia 3 de Julho de 2018, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos este belíssimo texto a propósito do centenário de seus pais que ocorre este ano.


O CENTENÁRIO DOS NOSSOS PAIS

Para recordar e homenagear os nossos pais, no ano do centenário do seu nascimento, estamos aqui os filhos, os netos e os bisnetos, está toda a sua descendência.

Ele chamou-se Emídio António Baptista. Ela chamou-se Maria das Dores Magalhães. Nasceram na Rua dos Paus, em Brunhoso, em casas que distavam entre si cerca de cem metros. Nesse convívio próximo, que marcou o seu crescimento de meninos e adolescentes, aprenderam a conhecer-se, a estimar-se e a admirar-se.

Ele, sendo o filho varão mais velho da família, com a morte do pai, que aconteceu quando tinha apenas 16 anos, teve uma adolescência difícil pois teve que trabalhar duramente na lavoura e ajudar a mãe a dirigir a casa agrícola. Muitas vezes a nossa mãe, na varanda ou atrás das janelas, terá visto esse seu vizinho passar com carros de vacas, carregados ou vazios, para as hortas, para as sementeiras, para as colheitas do trigo e do centeio ou para a cortiça.

Fisicamente era bastante alto, forte, atlético e ágil. Sem nunca se vangloriar disso foi durante muitos anos campeão do lançamento da relha e do ferro, jogos tradicionais muito praticados pelos jovens e homens desse tempo. Nas feiras de Mogadouro vinham por vezes lançadores doutros concelhos a desafiá-lo para a prática desses jogos.

Ela era uma jovem inteligente, bonita, duma vaidade austera, humilde na sua relação com todos mas orgulhosa dos pais que tinha. Gostaria de ter sido professora primária mas não a deixaram estudar. Nesse tempo o dinheiro não abundava e aos filhos de pequenos lavradores nunca lhes era dada essa possibilidade.

Aprendeu a costurar, arte que lhe foi muito útil para vestir filhas e filhos durante muitos anos, aprendeu a tratar do linho, da lã, a tecer e a fazer outros trabalhos domésticos.

Já numa fase tardia da adolescência, frequentando esporadicamente a casa dele, na companhia da Adelaide, sua irmã mais velha, de quem era amiga, duma forma discreta, como ambos gostavam, sem palavras, com um olhar claro e transparente, terá respondido ao olhar dele, que sim, que o amava.

O arquivo secreto da nossa mãe, onde guardava as cartas do namorado, depois marido, e dos filhos, era numa arca de madeira, no meio de lençóis de linho. Foi lá que uma filha, adolescente e curiosa, encontrou um dia algumas cartas que o namorado lhe terá escrito durante a vida militar. Cartas que começavam sempre por “Minha Maria”. Mas a nossa mãe encontrou-a nesse delito de inconfidência, quando ainda só tinha lido uma carta. Foi uma pena para a história da família, pois essas cartas nunca mais foram encontradas e perdemos a possibilidade de conhecer melhor o lado mais meigo e gentil do nosso pai que sendo educado na sociedade paternalista transmontana, procurou sempre esconder debaixo duma capa mais dura.

Do que escreveu, restam apenas três livros de deve e haver, de uma escrita simples de contabilidade dum lavrador e negociante de cortiça, com algumas observações ocasionais sobre a sua vida pessoal e familiar, que os filhos tiveram o cuidado de guardar.

Casaram com a idade de 24 anos e foram viver para uma casa pequena, próxima da casa da mãe dele, que tinha sido duma parenta conhecida por Maria Pequena. Só com cozinha e um quarto, foi a casa onde tiveram os primeiros filhos, dois ou três. Mais tarde foram viver para casa dos pais dela, enquanto iam construindo a casa deles, que encheram de filhos. Foram dez os filhos, três morreram ainda meninos. Somente recordamos, alguns de nós, o Zézinho, um menino calmo e meigo, de tez clara, era o mais novo de todos, um menino muito lindo, dizia toda a gente, segundo a nossa mãe. Era muito lindo, eu conheci-o.

Dos sete que se criaram falta aqui um, infelizmente morreu cedo, o Tomás, que hoje recordamos igualmente com muita emoção. Foi um grande trabalhador, tanto na casa dos pais como na casa dele, quando constituiu família. Eu, muito próximo dele na idade, nalguns trabalhos e noutras vivências, senti muito a sua falta. Todos os irmãos a sentem, cada qual à sua maneira, os filhos muito mais.

As boas árvores conhecem-se pelos frutos que produzem e o Tomás deixou três filhos e uma filha, todos bem educados, honrados e trabalhadores.

Os nossos pais, de início com poucos meios para criar a família que crescia quase todos os anos, foram cultivando terras emprestadas pela mãe dele ou pelos pais dela. Por outro lado, ele começou a negociar em cortiça, um negócio que já fora do pai dele e dum seu avô. Já conhecia alguns produtores do concelho e alguns fabricantes de Lourosa. Tinha uma grande convivência e amor, aos sobreiros que algum avô ou bisavô dele tinha semeado ou plantado nos montes da Lagariça, Ferreiros, Ortelã, Ribeira, Relva e Azinhal. Conhecia bem a cortiça.

Negociar é uma arte de que somente alguns conseguem conhecer os segredos e sabem praticá-la com êxito. Para além da seriedade e da fidelidade à palavra dada, com o seu feitio reservado mas sempre cordial, sabia usar as palavras certas para conquistar a confiança e a simpatia dos outros, o que transformava as suas relações comerciais em relações de verdadeira amizade.

A nossa mãe trabalhava muito. Andava sempre cansada, dizia-se que sofria do coração, mas nunca parava. Gostava de ter meninos, adorava-os. E os meninos cresciam, ficavam grandes e continuavam a dar muito trabalho. Mas ela continuava com um amor imenso a esses meninos que iam crescendo e se faziam homens e mulheres.

Ajudava algumas pessoas mais pobres. Com muita discrição uma vizinha, boa pessoa, com poucos recursos, de quem o homem até não gostava muito por a achar muito intrometida. Dava esmolas às ciganas que lhe batiam à porta a pedir pão, batatas e o azeite para o fiolho. Todas essas mulheres tinham muitos filhos, ela também mãe de muitos filhos imaginava a dor das outras mães por não terem pão para lhes matar a fome. Uma delas, uma cigana gorda, mal encarada, pedinchona, batia-lhe à porta quase diariamente e a nossa mãe dava-lhe sempre esmola, contra a vontade de alguns dos filhos, que não gostavam dela. É que essa cigana além de ter muitos filhos era viúva. Ajudava muito, também, as famílias de triteiros - faziam pequenas acrobacias, eles e os filhos e outros pequenos números de circo – que por vezes lhe pediam a curralada, em frente à casa, para se albergarem e darem espectáculos.

O nosso pai, tenho pensado que sem dar esmolas, dava uma boa ajuda aos seus trabalhadores, da seguinte forma:
Depois das ceifas, das colheitas do trigo e do centeio e da tiragem da cortiça, os meses de Setembro, Outubro e Novembro agravavam muito a pobreza dos trabalhadores, pois a colheita da azeitona só começava a 8 de Dezembro. Lembro-me que nalgum desse tempo parado, que podia ser de fome para algumas casas, contratava quinze a vinte homens, dos mais habituais ao serviço da sua casa agrícola, para trabalhar na Lagariça a fazer desmatagem dos sobreiros. Mas essa desmatagem profunda, feita com o arranque manual dos arbustos feita com pás e picaretas, durante cerca de um mês, nunca chegava a atingir meio hectare, o que não era significativo face aos vários hectares de área de sobreiros que ele lá tinha. Durante muito tempo intrigou-me esse facto, mas depois, conhecendo o carácter discreto do nosso pai e o respeito que tinha pelos trabalhadores, acabei por me convencer de que ele fazia essa desmatagem para benefício dos sobreiros mas sobretudo para benefício dos homens, que eram dignos chefes de família como ele e que precisavam de dinheiro para a alimentar, mas que também, sabia-o ele bem, nunca aceitariam esmolas de ninguém.

Era simpático com os jovens, comprava-lhes sacos de cavacos de cortiça, a bom preço. Alguns dos nossos primos e outros desse tempo ainda hoje me falam nisso. Aos filhos não nos comprava nada, talvez com receio de irmos encher os sacos às rimas de cortiça dele. Eu, de garoto, só me lembro dos trocos dos responsos que me dava o padre Zé na Igreja, e alguma coroa que encontrava quando andava ao rebusco lá em casa.

Se me encontrava na rua à luta com outros rapazes chamava-me e dava-me umas bofetadas com a mão dura dele, que magoava mesmo. Eu achava-o injusto porque pensava que o culpado da luta era o outro e o meu pai nem razões queria saber. Era assim, bastante duro com os rapazes, filhos dele, a quem procurava educar através duma educação espartana. Queria fazer de nós guerreiros destemidos. Recordo-me que, quando mobilizado para a Guiné, fui passar três dias a Brunhoso com ele, ele que nunca tinha cozinhado, fazia umas sopas muito boas. Estava sozinho, a mulher estava com os mais novos, que estudavam em Vila Real. Quando parti, foi comigo a Mogadouro, a despedida foi perto da estátua do Trindade Coelho, ele comoveu-se e deixou cair umas lágrimas, eu fiquei emocionado. Enfim, as lágrimas de um duro comovem qualquer guerreiro.

Com as filhas era mais meigo e tolerante e se tinha alguma censura a fazer-lhes encomendava-a à mulher. Quando veio a moda da mini-saia muitos recados ouviu a nossa mãe por causa de uma filha, que habilidosa, subia sempre as saias que a mãe lhe fazia abaixo do joelho.

O nosso pai morreu cedo, aos 59 anos, depois duma doença grave que o atormentou durante três anos. A nossa mãe, viúva, com a mesma idade, sofreu muito com a partida do seu companheiro de sempre. Para agravar o enorme desgosto pela sua morte sofreu muito pela solidão em que ficou na sua casa vazia. Os filhos, alguns estavam casados, outros trabalhavam longe e outros ainda estudavam. Enquanto a saúde lho permitiu nunca quis deixar a casa dela, apesar de solicitada por filhas e filhos. Algum tempo mais tarde, a Lurdes, já casada e com meninas, alegou que precisava da ajuda dela e conseguiu levá-la para junto de si alguns anos.

Estava presa à terra dela com raízes fortes. Lá estavam todas as suas melhores recordações, dos seus queridos pais, do seu marido e dos filhos nas suas várias fases de crescimento. Na Igreja, essa casa grande e sagrada que a transportava para junto de Deus, todos os Santos lhe eram familiares.

Gostava de ir à horta de Lamas, esse chão para ela sagrado, que herdara dos seus pais, que ajudara a cultivar e tratar ainda menina, com os pais, e já adulta, com o seu homem e os filhos. A burra dela, muito dócil, foi o seu transporte e boa companhia de muitos anos, no caminho para lá, que os netos e netas adoravam, sobretudo quando subiam nela para a beira da avó. Gostava de encher a despensa com todo o género de hortaliças para dar aos filhos quando iam estar com ela ou somente visitá-la.

Porque lhe sobrava o tempo e porque não gostava de estar parada fazia também colchas de renda para os filhos.

O quarto dos nossos pais conserva ainda na parede da cabeceira da cama um quadro com a imagem do Sagrado Coração de Jesus, um grande rosário de cortiça numa outra parede e algumas imagens e estatuetas de santos pousados sobre uma cómoda, onde também se encontra um retrato de um soldado garboso, fardado com elegância, dos finais da década de trinta do século passado. Quando o seu Emídio morreu, a nossa mãe foi buscar essa fotografia do seu namorado, à arca onde a tinha guardado, e colocou-a nesse altar junto dos santos. Tinha-lhe sido enviada por ele de Mafra onde esteve na tropa, com uma linda dedicatória e era a única que tinha da sua juventude. A fotografia torna o nosso pai mais presente, a nossa mãe está presente em toda a decoração que ela fez, que as filhas e netas mantêm, com santos, santas e o amor da sua vida.

No silêncio do dia, da aldeia quase deserta, há uma nostalgia que se espalha pela casa vazia que parece trazê-los à vida. Eles continuam vivos, vivos no sangue que nos corre nas veias, vivos no amor, no trabalho, na dedicação, vivos nos ensinamentos e nos exemplos de vida, que foram muitos. Vivos na raça, na coragem, no génio, os nossos pais, vossos avós e bisavós, foram uns heróis e como os heróis eles são imortais!

Tiveram muitas qualidades, que sempre gostámos de ver projectadas em filhos e netos. Legaram-nos uma herança imaterial imensa, muito mais valiosa do que as terras ou sobreiros que nos deixaram, que todas as gerações de Magalhães Baptistas têm que preservar

Francisco Maria Magalhães Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de julho de 2018 30 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18470: História de vida (46): O meu saudoso mano mais novo, Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014) (João Schwarz da Silva) - III (e última)

Guiné 61/74 - P18818: Os nossos seres, saberes e lazeres (275): De Aix-en-Provence até Marselha (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Foi bom regressar a Arles, sabe muito bem pôr os pés em diferentes estádios da civilização, aqui prepondera o romano, o romanesco, o gótico e um certo feitiço dos séculos da penumbra, antes da cidade reocupar a atenção que lhe passou a ser conferida por ser Património da Humanidade. Calcorreou-se lugares conhecidos, mas o polo da atração era um museu que tem uma posição fascinante junto do Ródano, pejado de tesouros, só desenhos de Picasso estão lá 57, há para ali fotografia de muitos génios, convém não esquecer que Arles se arroga a possuir um centro de fotografia de fama internacional.
A próxima visita também será de arromba, aquele viandante que já visitou Pompeia e museus arqueológicos em Roma ou Nápoles nunca vira uma arquitetura tão faiscante para acolher peças de tantíssima qualidade do génio romano.

Um abraço do
Mário


De Aix-en-Provence até Marselha (7)

Beja Santos

Antes do viandante voltar a Arles, em plena ponte de Avignon, olhando para a outra margem do Ródano entrou numa certa euforia, naquela vegetação do Sul de França anunciava-se a primavera, apareciam as primeiras folhas, já tinham sido avistadas as chamadas flores bravias, agora é um maciço florestal que começa a vicejar, que bonito, esta ode à alegria, ao renascimento!


Estamos em Arles, é dia para deambulação e de visita a corpo inteiro ao Museu Réattu. Pelo caminho, registam-se detalhes como estes dois, esta porta de gótico final, digam lá a verdade se não há aqui uns sinais de manuelino.


Já muito se disse sobre o portal de São Trófimo, uma inexcedível beleza do romanesco provençal. Entrando na catedral, confessa-se que toca a imponência, mas para se ser franco escasseiam os adjetivos. Ergue-se sobre o antigo fórum romano, é basílica de três naves, diz o guia turístico que é a maior e a mais esbelta desta época da Provença, último quartel do século XII, exalta-se a sua extraordinária parcimónia. Os historiadores de arte têm dificuldade para uma boa datação, há lá construção do início do século XI, muitos elementos do século XII, a cabeceira data do século XV. Enfim, arquitetura compósita, um tanto como por toda a parte, ia-se fazendo aos poucochinhos, remendava-se, alteava-se, os doadores rasgavam capelas, outros benfeitores adornavam com alfaias religiosas, frescos, pinturas.


Também do claustro de São Trófimo já se fez exaltação, mas foi durante o passeio, depois de contemplar a perfeição das esculturas, de admirar o programa teológico, com apóstolos, o túmulo vazio de Cristo depois da Ressurreição, a ascensão de Cristo aos céus, e muito mais, que num determinado ângulo, com céu esborratado de nuvens se apanhou este ângulo até á torre, e nos fica a ilusão de que ela se adornou daquele azul profundamente azul, como se também ascendesse para encontrar Cristo.


A cidade romana está por toda a parte, mas é um grandioso anfiteatro onde os turistas chegam, trata-se do seu monumento maior, mexendo nos guias, folhetos e mapas, aparecem cores que pouco correspondem ao que o viandante visualiza, muito lhe agrada esta imagem com os seus claros-escuros, sombras misteriosas, pois para ali há corredores subterrâneos, mas o que esmaga são estas possantes arcadas exteriores com passagens em corredor, a contornar toda esta monumentalidade. Todos os epítetos são menores perante este exercício de génio. E ponto final.



Cá estamos, o Museu Réattu é o prato de substância para dia tão primaveril. Houvesse espaço e mostrava-se várias imagens para se ver uma certa grandiloquência desta construção, aqui esteve o grão-priorado de uma ordem de cavaleiros. Depois o pintor Jacques Réattu (1760-1833) comprou o edifício que hoje alberga o museu. Há muita produção local, a começar pelas obras de Réattu, mas Picasso ofereceu 57 desenhos da safra de 1970/71, tinha o génio malaguenho 90 anos. A graciosidade disto tudo é que o edifício está na curva do Ródano, tem várias paisagens a seu favor, a intensidade luminosa do céu, o tumulto da corrente do Ródano, uma linda margem e muitos sinais tanto do Império Romano como da Idade Média.




Aqui misturam-se facilmente o antigo e o moderno, pois há diferentes coleções, fruto de diferentes doações e um esplendoroso acervo fotográfico, lá iremos.




Há um belo Picasso dentro de um florilégio de arte contemporânea, vejam-se duas obras de aproveitamento, uma de lixo, outra de junção de instrumentos de trabalho.




O viandante aproveitou a oportunidade para se empanturrar do que há de melhor em fotografia, temos aqui imagens de consagrados como Dora Maar, Edward Weston, Cecil Beaton, Ansel Adams ou Gisèle Freund, só por esta oportunidade, enquanto por aqui se ciranda, já só se pensa em regressar, feita a digestão de tão magnificente banquete. Aquela bailarina, feita torso seco de carnes a sair da escuridão, Virgínia Woolf fotografada por Gisèle Freund, e aquela impagável fotografia de Julia Pirotte, Rapaz perante um cartaz de cinema, imagem de 1944. Sem palavras.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18794: Os nossos seres, saberes e lazeres (274): De Aix-en-Provence até Marselha (6) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18817: (In)citações (120): SOS, Língua Portuguesa: a situação na Guiné-Bissau e em Angola (São e Paulo Salgado, ex-cooperantes)

1. Texto enviado ontem, para publicação,  pelos nossos amigos e grã-tabanqueiros Paulo e São Salgado, um casal com larga experiência de cooperação nalguns PALOP, como é o caso da Guiné-Bissau e de Angola, e em particular nas áreas da saúde e da educação. O Paulo, além de gestor e consultor em gestão de saúde,  foi alf mil op esp da CAV 2721, (Olossato e Nhacra, 1970/72). A São é economista. Ambos são transmontanos de Torre de Moncorvo, e vivem em Vila Nova de Gaia.

SOS – Língua Portuguesa!

O que vamos escrever sobre a língua portuguesa nas ex-colónias portuguesas, países independentes há várias décadas, não são comentários de comentários, glosas de glosas, sobre o muito que já foi referido sobre este assunto (*).

Pode esta ser uma apreciação ou um contributo nossos; não mais do que isso (**). E reflecte a nossa experiência e, de algum modo, as preocupações de quem foi cooperante na área da educação e na área da saúde. Desde já pedimos indulgências a quem souber mais do que nós – e há muitos que sim, em especial quem trabalha no Instituto Camões, ou por alguns estudiosos atentos e historicamente isentos. Apenas focamos o que sabemos sobre a Guiné-Bissau e Angola, não obstante termos visitado Moçambique e S. Tomé e Príncipe.

Primeiro: O português falado na Guiné-Bissau, em Angola, em Moçambique, em S. Tomé e Príncipe, em Cabo Verde e em Timor apresenta diversos matizes e dimensões. Tendo sido declarado como a língua oficial, verifica-se o seguinte relativamente à Guiné-Bissau e a Angola, mas considerando que se trata de uma visão parcelar:

a) Na Guiné-Bissau, os textos oficiais são em português, seja nos Tribunais, seja na Presidência da República, seja no Governo, nas escolas e noutros serviços públicos (embora nas escola, haja tendência para “fugir para o crioulo…). 

Nos eventos a que assistimos e ou em que participámos, como congressos, workshops, jornadas, etc., se a língua oficial era e é o português, muitas vezes, ou quase sempre, se encaminhava para o crioulo, porque era mais fácil e envolvente a comunicação para todos os participantes. 

Recordamos três exemplos, entre muitos: 

(i) as orientações de natureza clínica às matronas (parteiras das e nas tabancas) eram em crioulo e as próprias imagens ilustrativas tinham as designações nesta língua – o que, nestas circunstâncias, era correcto de forma que as mensagens passassem plenamente para as destinatárias; 

(ii) nas sessões de formação que orientámos tivemos de usar muitas vezes o nosso fraco crioulo; num determinado momento, o então Secretário de Estado da Saúde, pessoa que domina perfeitamente o português e que eu estimo muito, referiu-me, a mim, Paulo Salgado, que deveria aprender o crioulo. 

(iii) uma nota mais: existia o Centro Cultural de Portugal e existia, à data das nossas várias presenças na Guiné-Bissau, o Centro Cultural do Brasil – duas instituições interessantes, operacionais e interventivas; mas existia, em edifício, pujante e em crescendo de influência, o Centro Cultural Francês; decerto, acreditamos, que desde 2006 muitos factos concretos terão ocorrido em matéria de cultura e de ensino das línguas portuguesa e francesa.

b) Em Angola, nas cidades, fala-se o português, por vezes com um ligeiro sotaque, frequentemente em bom português; no interior (aldeias e comunas), que visitámos, não se falava o português ou falava-se mal. São as línguas nativas que servem de meio de comunicação. 

No entanto, por exemplo, nos congressos das Ordens dos Médicos, dos Advogados e noutros eventos fala-se o português, embora houvesse situações, compreensíveis, de intervenções em inglês e espanhol. Uma nota: os brasileiros têm contribuído, de algum modo, para difusão da língua portuguesa.

Segundo: Nas tabancas da Guiné-Bissau ensina-se o árabe (ensino praticado pelos marabus), junto dos povos que seguem o Islão, e ali aprendem as crianças a língua árabe; recorda-se que a língua árabe tem mais falantes do que qualquer outro idioma e é falada por mais de 280 milhões que a usam como língua materna, seja no Norte de África e boa parte da África Subsariana, seja no Sudoeste Asiático e Médico Oriente. É a língua oficial de 26 países; o Corão, o livro sagrado islâmico, foi escrito nesta língua. Falada em 58 países, o árabe só é menos difundida no mundo do que o inglês

Terceiro: Na época da guerra colonial, que o escriba Paulo Salgado viveu durante 23 meses, Cabral procurou fomentar o português, que se ensinava nas matas, não obstante as dificuldades; há livros e cadernos interessantes desta atitude do grande pensador, político e lutador, e de outros seus companheiros de jornadas. Quem, militar que tenha sido na Guiné, não sabia que jovens professores ensinavam disciplinas, sobretudo aprender a ler e escrever e a contar, nas zonas libertadas, em português?

Quarto: Em Angola, com a presença de várias centenas de milhares portugueses da Metrópole durante os séculos XIX e XX, houve um processo de disseminação da língua, aliás uma forma de assimilação amplamente fomentada pelas autoridades coloniais, assimilação tão cara e defendida pelos europeus em África e noutras partes do Mundo.

Quinto: Portugal não tem sabido efectuar, em partilha saudável, de forma eficaz e efectiva, o desenvolvimento da língua. Não tecemos comentários sobre este fenómeno. Mas dizemos o seguinte: por que razões não se instalaram escolas de ensino do português nas cidades dos Países que adoptaram o Português? Por que razão não soubemos fazer como os ingleses e franceses que têm abundantes escolas nos países anglófonos e francófonos, respectivamente? 

Decerto que instalar uma escola em cada cidade e vila mais importantes destes países de expressão portuguesa, enviar professores portugueses e recrutar alguns locais, e formar outros em cada País seria dispendioso. Mas não valeria o sacrifício? Isto, não com a ideia de “colonizar”, mas de ajuda num registo de cooperação autêntica, fraterna, solidária, de acordo com o princípio da reciprocidade. Bem sabemos que são meritórias algumas iniciativas, quer institucionais, quer individuais, nestes dois países, interessantes, mas episódicas, não duradouras.

Sexto: Seria na educação e na saúde o grande exemplo de Portugal de cooperar com estes países. É, cremos nós, um imperativo ético e histórico.

Duas notas finais:

Primeira – Nós respeitamos o que alguns camaradas do blogue afirmam, ou que transmitem nas mensagens, como é óbvio; no entanto, se estamos no mundo da globalização, para o qual contribuímos de forma intensa no período das Descobertas (ou expansão), qual o nosso papel no Mundo? É o de deixar correr? É o de pôr a cabeça debaixo da areia?

Segunda – A nós interessa a História; passar ao lado da História é como desistir, e isso nós não queremos.

Os tabanqueiros,

Maria da Conceição Salgado e Paulo Salgado
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18806: Ser solidário (214): SOS!!!... SOS!!!... Por Timor Leste e pela língua portuguesa... Há um esforço (deliberado) da Austrália para fomentar o uso do inglês, e da Indonésia, para promover o bahasa... Camarada, manda até ao fim do dia um email ao Senhor Presidente da República para que envolva Portugal e os portugueses nesta campanha em defesa da educação, em português, na pátria de Xanana Gusmão e Ramos Horta... O verdadeiro "campeonato do mundo", não o da bola mas o do futuro, joga-se e ganha-se aqui... (João Crisóstomo, Nova Iorque)

(**) Último poste de 10 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18731: (In)citações (119): Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços (1) (Manuel Luís Lomba)

Guiné 61/74 - P18816: Notas de leitura (1081): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42) (Mário Beja Santos)

Cine-Bolama. Fotografia extraída, com a devida vénia, do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, a fotografia é de Francisco Nogueira, Edições Tinta-da-China, 2016


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Chegámos aos derradeiros relatórios, cobrem os anos de 1970, 1971 e 1972, nada mais consta no Arquivo Histórico do BNU.
Procurando levar este empreendimento a um bom porto, segue-se, por sequência cronológica o acervo documental de ofícios, informações sobre as mais variadas matérias, desde quezílias entre os gerentes de Bolama e Bissau, confrontos entre o gerente de Bissau e o médico avençado, peças como um telegrama em que o gerente de Bissau comunica em Janeiro de 1971 que o governador solicitava ao BNU que participasse com mil contos para a constituição de uma sociedade destinada à publicação de um jornal na Guiné, a administração deliberara não adquirir posição de acionista mas pusera à disposição daquela entidade o pretendidos mil contos como ajuda do banco, por isso mesmo o gerente deveria avistar-se com Sua Excelência o Governador e comunicar-lhe a decisão de Lisboa.
O leitor prepare-se para notícias insólitas, tem mais peças para que o caleidoscópio dê outra visibilidade ao discurso formal e mítico que enformou a nossa geração.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42)

Beja Santos

Quando se leem os derradeiros documentos enviados da filial de Bissau para a administração do BNU em Lisboa sente-se a distância abissal daqueles primeiros relatórios que podemos folhear no Arquivo Histórico do BNU, como se sabe só há referências destas publicações a partir de 1917. Eram então textos com elevado investimento pessoal, tinham carga opinativa e um desafronto que ainda hoje nos deixa aturdidos. Não há nada como exemplificar, socorro-me do relatório da filial de Bolama, de 1927.
Escrevem-se coisas deste jaez:
“O meu comercial estagnou, sem condições de desenvolvimento e de nulo valor, longe de todos os centros de produção e de população”. Eram tempos diferentes, é certo, o BNU aceitava penhores e garantias em aguardente. Tinha-se dado uma falência de estrondo, Victor Gomes Pereira conhecia a execução hipotecária, e o gerente comentava assim: “Não possuía faculdades de trabalho para administrar a sua casa que há muito estava agonizante. Habituado a uma vida faustosa, mantido pelo crédito que no Banco desfrutava, não pensava senão em grandezas que deslumbrassem as odaliscas do seu harém. Assim acabou a lenda de Victor Gomes Pereira, cuja situação os meus dois antecessores pintaram a Vossas Excelências com espessas camadas de tinta cor-de-rosa, que o signatário se entreve a raspar, como lhe cumpria, pondo a nu uma situação que há anos se vinha arrastando por uma forma irregularíssima e criminosa até”.

Mas são comentários que não se confinam a erros praticados pela própria filial, também ao descrever a situação geral da colónia, comenta que o Estado procurava fomentar o aumento da produção com a criação de duas instituições altamente problemáticas e de remotos efeitos: a Granja Agrícola e a Estação Pecuária. Não se exime a explicar porquê, fala na primeira pessoa do singular, não lhe parece que a Granja Agrícola possua facilidade especiais de vulgarização de novos métodos culturais e termina a sua dissertação recordando a pobreza do solo da Guiné. Exprime a sua opinião sobre a distribuição de sementes e a cultura pecuária. Não deixa de verberar que a colónia está a encher-se de funcionários em emissão especial, é um encargo sem proveito algum. E toma posição sobre a mudança da capital para Bissau, que ele diz considerar ser benéfica a todos os títulos.

Veja-se agora a diferença. Estamos em Maio de 1969 e o gerente expede para Lisboa a seguinte informação:
“Apressamo-nos a levar ao conhecimento de Vossa Excelência que, muito confidencialmente, fomos hoje informados que o senhor Secretário-Geral da Província, desempenhando presentemente as funções de Encarregado de Governo, solicitou na sessão do Conselho do Governo de hoje ao Senhor Inspector do Comércio Bancário que fizesse o expediente necessário para a apreciação da viabilidade do estabelecimento de um banco comercial na Província.
Não temos, porém, qualquer indicação de qual o banco que pretende estabelecer-se aqui.
Aproveitamos ainda a oportunidade de informar Vossa Excelência que Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho e o Senhor Ministro do Ultramar, aquando da sua recente visita à Guiné, em breve diálogo com que nos honraram na recepção levada a efeito no Palácio do Governo, se mostraram muito interessados em que o Banco substituísse o actual edifício da filial, que acharam antiquado, por um imóvel moderno e de acordo com a projecção e grandeza do nosso Banco”.

No relatório de 1970, é detalhadíssima a informação sobre as colheitas. Quando lemos estas análises de situação não devemos abstrair que o BNU detinha há décadas a Sociedade Comercial Ultramarina, era vital estar a par do que se produzia, do que se exportava e quais as culturas em experimentação. Depois de considerar que 1970 não fora um ano satisfatório no campo da agricultura, discreteou sobre os empreendimentos em curso, a cultura orizícola na área de Teixeira Pinto, Bissau em Antula, Tite, e depois detalhou o que se estava a fazer nas culturas da mancarra, palmeira, mandioca, hortofrutícola, apícola e cajueiros. Nesse ano havia trabalhos num conjunto de estradas: Bula-S. Vicente; João Landim-Bula-Có-Pelundo-Teixeira Pinto; Teixeira Pinto-Cacheu; Mansabá-Farim; Nova Lamego-Piche-Buruntuma; Bambadinca-Xime; Nhacra-Cumeré-Quartel; Sara-Bacar-Fronteira. E terminava o relatório mencionando os preços médios locais dos principais produtos alimentares e de consumo corrente.

O relatório de 1971 é redigido com a idêntica neutralidade e assepsia. Diz que o ano não podia ser considerado como um ano agrícola mas que devia ser classificado como razoável. Não fala na guerra mas nos “condicionalismos atuais” que justificavam a importação de 20 mil toneladas de arroz. Faz seguidamente a descrição sumária da intensificação da cultura orizícola, da multiplicação e distribuição de sementes selecionadas, o fomento da cultura da mancarra e da palmeira e dá os números do óleo de palma, das frutas, plantas em viveiro e o estado do fomento florestal. No relatório do segundo semestre desse segundo ano menciona que a produção agrícola tem um nível modestíssimo, o que não era de admirar porque faltava um clima de paz e confiança: “Infelizmente, apesar de todos os esforços da administração pública, ainda não foi possível alcançar essa meta tão desejada e indispensável ao progresso da Guiné”. Não deixa de informar que as exportações continuam a ser insignificantes e sintetiza o artificialismo que paira na vida económica da Guiné: “O comércio, principalmente o de Bissau, continuou a tirar partido do poder de compra do sector militar, e daí poder solver os seus compromissos com relativa facilidade, o que, também, contribuiu para que os negócios da Filial se processassem com a segurança aconselhável e que sempre procurámos ter presente, por forma a não nos afastarmos das superiores directrizes traçadas por Vossas Excelências e que, quando bem interpretadas e seguidas, conduzem, indubitavelmente ao progresso e expansão do Banco”.

Estamos agora em 1972, é o último relatório guardado em arquivo, conserva a mesma singeleza e guarda as distâncias de modo a que os comentários possam ser lidos como de alguém que procura evidenciar-se ou ter opiniões próprias:
“Durante o exercício findo o comércio teve oportunidade de realizar boas operações, sobretudo de artigos importados do estrangeiro, o que lhe possibilitou liquidar, com relativa facilidade, os seus compromissos assumidos e aumentar, de um modo geral, os stocks permanentes nos seus estabelecimentos.
A indústria deu agora o seu primeiro sinal ao iniciar a construção de uma fábrica de cerveja e refrigerantes, em que se prevêem investimentos da ordem dos 100 mil contos, e que é propriedade da Companhia de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, SARL. Esta unidade fabril deve proporcionar à Província anualmente uma economia em divisas de algumas dezenas de milhares de contos, além de empregar muitos trabalhadores locais.
No campo agrícola, porém, pouco ou nada se avançou em relação aos anos anteriores. Foi necessário continuar a importar praticamente todos os bens de consumo, com o que se despenderam largas centenas de milhares de contos em cambiais. Na distribuição do crédito, procurou-se, e estamos certo que se conseguiu, aplicá-lo com a indispensável segurança, sem perder de vista os superiores interesses da Província”.

Conclui-se este apanhado de apreciações sobre os relatórios sobre os relatórios de Bolama e Bissau, entre 1917 e 1972 com duas informações encontradas nos dossiês.

A primeira prende-se com um hotel que se pretendia construir na Praça do Império, tinha sido ponderado o arranjo urbanístico da referida praça e o atual edifício da Associação Comercial, era um projeto arquitetónico francamente tropical, fazia-se uma descrição minuciosa das dependências constantes na cave, rés-do-chão e os três andares, com 53 quartos no total. Dizia-se que “o edifício será estruturalmente em pórtico de betão armado, com panos de enchimento de tijolo formando paredes duplas, na melhor protecção dos efeitos da temperatura e humidade exteriores e a cobertura será constituída por lajes maciças de betão tratadas hidrófuga e termicamente”.
Previa-se que o custo total do empreendimento fosse de 26 milhões de escudos.

A segunda é referente a um ofício enviado da filial de Bissau com o plano de obras para 1974-1975. Previa-se que no Verão de 1974 começasse a construção da delegação de Bafatá do BNU. O atual edifício de Bissau ia ser demolido e no mesmo local construído um novo, o projeto iria ser brevemente submetido à aprovação do município de Bissau, a Filial funcionaria provisoriamente num pavilhão.

E dos relatórios vamos agora passar para um outro volume de papel, por vezes bem impressionante, a documentação avulsa correspondente ao mesmo período.

Participação de doença de um funcionário público

Exemplo de uma mensagem cifrada do BNU

(Continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 29 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18790: Notas de leitura (1079): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (41) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18800: Notas de leitura (1080): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (7) (Mário Beja Santos)