sábado, 30 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18794: Os nossos seres, saberes e lazeres (274): De Aix-en-Provence até Marselha (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Dia destinado a visitar o maior palácio gótico, nove Papas se sucederam em Avignon no século XIV.
Palácio e fortaleza, símbolo do poder temporal e espiritual, por aqui se deambula com a noção de que o fausto e as riquezas há muito se exauriram, ficaram frescos inultrapassáveis, tudo mais no interior é uma sombra do passado. Palácio de esplendor mas seguramente um pesadelo na História do Cristianismo, houve Papas e antipapas a excomungarem-se uns aos outros. A cidade guarda o seu esplendor, é também motivo turístico por duas razões: não se pode visitar Avignon sem ir à ponte de St-Bénézet e no verão os amantes do teatro têm aqui um ponto de encontro inexcedível, o festival para onde convergem as maiores trupes do mundo inteiro.

Um abraço do
Mário


De Aix-en-Provence até Marselha (6)

Beja Santos

O dia vai ser dedicado a Avignon, Património da Humanidade, o que já estamos a ver é a residência onde viveram sete Papas durante 68 anos. Foi uma quezília com motivos políticos sórdidos, um rei endividado que precisava de aniquilar o credor, a Ordem do Templo, para isso havia que contar com um beneplácito papal, um francês aceitou assinar essa sentença que destruiu a ordem religiosa com maior poder económico e financeiro da Idade Média. Em 1309, Clemente V decidiu instalar em Avignon a capital da cristandade e no ano seguinte dissolveu a Ordem do Templo. É o Papa de Avignon, e a razão de ser desta espantosa construção, um palácio que se confunde com um castelo fortificado.



O viandante vai munido do guia Michelin e no turismo recolheu alguma informação. Avignon ou Avinhão é uma cidade com história, em Roma vivia-se uma grande instabilidade, para aqui veio Clemente V ajudar Filipe o Belo a cometer uma patifaria, o seu sucessor João XXII escolheu definitivamente a cidade para sede do Papado, ergueram-se casas luxuosas, novas igrejas, apareceram comerciantes, diplomatas e juristas. Mesmo quando Avignon entrou em declínio depois do Papa regressar a Roma, houve aquele período dos antipapas, e resta dizer que no século XX, mais propriamente em 1947, Jean Vilar aqui instituiu um festival de reputação mundial.


A residência que os Papas construíram no século XIV foi uma das maiores construções fortificadas do seu tempo. Hoje, maioritariamente, as salas estão vazias, mas há traços inequívocos da grande pompa que aqui existiu. Iniciou-se a construção da fortaleza papal, o Palácio Velho, no tempo de Bento XII. Mais tarde, com Clemente VI ampliou-se a construção, o chamado lado sul do palácio. A arquitetura do Palácio dos Papas é austera, mas muito funcional. É curioso constatar que quando, nos finais do século XIV, os Papas regressaram a Itália, utilizaram o esquema de Avignon tanto nas novas residências que aí ergueram, como até na ampliação do Vaticano. No Palácio Velho as funções públicas agrupavam-se em torno do pátio interior, circundado por galerias abertas. No ponto mais elevado ergue-se a Torre Trouillas, albergava adegas, cavalaria e servia de sala de armas. No lado sul estendiam-se os aposentos privados do Papa naquela a que se dá o nome de Torre do Papa ou Torre dos Anjos, e que albergava o seu quarto de dormir e o escritório privado, o studium.



Como o viandante tem um escasso sentido de orientação, nestas coisas de andar com a mole humana parece uma maria-vai-com-as-outras, já não sabe bem se está na Ala do Conclave, no Grande Refeitório, na Sala de Audiências, e muito mais há para ver e dizer, finalmente acaba por se deslumbrar com a decoração de que hoje restam raros fragmentos, perdeu-se a ver frescos de uma enorme beleza, o quarto de dormir do Papa é um espaço incomparável.


O que vemos aqui são detalhes desses belíssimos frescos, a caça com falcão, um encantador de pássaros e uma cena de pesca num viveiro, irresistível não fixar tais imagens.




Desiluda-se quem pensa que Avignon é só o palácio dos Papas, há belíssima arquitetura, e há um ícone, impossível não ir visitar, a ponte de Avignon ou Pont St-Bénézet com a capela de S. Nicolau. Paga-se o bilhete à entrada e vem a história, tem todos os ingredientes para ser lenda. Em 1177, St-Bénézet, então um jovem pastor, agindo por inspiração divina, deu-lhe para começar a construir a ponte, trabalho jamais acabado, recebeu beneficiações, mas também grandes destruições, foi deixada ao abandono até ao século XIX, então restauraram os quatro últimos arcos. Vem nos guias turísticos que a ponte teria cerca de 900 metros, destinada a peões e cavalos, estendia-se ao longo de 22 arcos, atravessava o Ródão. A canção Sur le pont d’Avignon corre o mundo inteiro, imprescindível deambular por aqui, para receber bênçãos e para perceber até onde pode ir a fé e a tenacidade.



Mesmo em frente ao palácio dos Papas temos um edifício de 1619, a Casa da Moeda, fachada de três pisos, com rés-do-chão rusticado e nos pisos superiores decorações em relevo pesadas, com as armas dos Borghesa.


Avignon tem museus, mas convém controlar a bulimia cultural, toca a passear pelos jardins e saborear a cidade. É nisto que se depara o viandante a melodia extraída de um realejo de rua, com o seu exuberante tocador. Assim o viandante se despede, volta a apanhar comboio para Arles, tem amanhã um dia em cheio.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18770: Os nossos seres, saberes e lazeres (273): De Aix-en-Provence até Marselha (5) (Mário Beja Santos)

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