sexta-feira, 29 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18790: Notas de leitura (1079): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (41) (Mário Beja Santos)

Há sobejas razões para dizer que esta imagem é o ícone máximo da Guiné Portuguesa e da Guiné-Bissau. Ninguém que por ali passou resistiu ao assombro daquelas linhas ondulantes, teve que questionar que esforço da raça ali era motivo de préstito. Chegada a independência, na euforia cega de sapar pela raiz toda a simbólica da presença colonial, tentou-se dinamitar o monumento, não tugiu nem mugiu, aquela tonelagem de pedra aguentou todos os assaltos. Este monumento faz ligação com o passado, como um dia, esgotados todos os ressentimentos do colonialismo, se perceberá que Honório Pereira Barreto é um dos pais na nação e que aqueles colonizadores que aqui arribaram lançaram as bases de uma nova identidade que durante séculos se esfumou no conceito da Senegâmbia Portuguesa. 
© Imagem que se recuperou do nosso blogue, com a devida vénia


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Estamos agora na presença de um gerente que tem a noção precisa de que é necessário transmitir para Lisboa informações úteis sobre a evolução agrícola. Na indústria ninguém investe, e fica comprovado que durante o período da governação de Arnaldo Schulz se trabalhou afincadamente para que, a despeito da ferocidade da guerra, se incrementassem projetos para melhoria de sementes e a atração de novas culturas. Tudo isso o gerente conta e numa linguagem neutral e assética a guerra está no pano de fundo.
Vai chegar o ano de 1969 e surge uma referência a de que pode aparecer um novo banco, o gerente presta as informações de tudo quanto ouviu.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (41)

Beja Santos

No relatório de 1966, o gerente entende continuar a detalhar a situação das colheitas, mas desta vez usa uma assinalável contenção verbal. Fala no escasso número de produtos exportáveis, sem referir explicitamente a guerra diz que se mantêm as circunstâncias impeditivas ao maior desenvolvimento agrícola. Quanto aos principais produtos (mancarra, coconote e óleo de palma) diz não haver estimativas oficiais que avaliem o grau da sua produção anual. É sofisticado, contorna de novo o impacto da luta armada dizendo que não se consegue da população autónoma o manifesto das suas produções. Mas não esconde as razões da quebra da produção de arroz:
“O arroz, que em anos não muito recuados chegou a atingir um volume de produção apreciável, desapareceu praticamente do rol do já minguado número das principais culturas.
Esta quebra de produção deve-se ao facto do chamado celeiro da Província – o Sul – se situar precisamente na zona mais afectada pelo terrorismo e que impede as populações de se dedicarem com regularidade aos trabalhos agrícolas”.

E recorda a ação do governo no campo da agricultura: intensificação da cultura da mandioca, empreendimento levado a cabo em Bolama; intensificação da cultura do caju, durante o ano de 1966 já tinham sido exportadas 766 toneladas; melhoramentos e renovação de sementes, com escolha de campos para a adubação de mancarra, introdução de uma nova variedade de arroz vinda das Filipinas, semeada uma faixa-terreno com sementes de Kenafe, fornecidas pela Companhia Têxtil do Pungué, de Moçambique; dava-se continuidade ao trabalho de utilização em terrenos recuperados na região de Empada. Mais adiante, o gerente relevava o que se fazia no centro-piloto de Prábis, efetuara-se um ensaio experimental de fertilização numa cultura de arroz, ao mesmo tempo que se preparava o arrozal tinham sido estabelecidos viveiros e instalara-se uma horta com parte destinada à multiplicação de sementes e outra com objetivo comercial; fora igualmente instalado um apiário; começara a derruba do palmar natural que iria ser substituído por palmeiras melhoradas.
E é pormenorizado no fomento da palmeira, escrevendo o seguinte:
“Para o triénio 1965/1967 fora estabelecida a seguinte meta: plantação de 5 mil hectares de palmeiras melhoradas. Conjugando este objectivo com os meios naturais e humanos à disposição da Brigada de Estudos Agronómicos, concluiu-se pela impossibilidade de material de cumprir aquele programa”.
Mas ainda havia trabalhos realizados durante o ano em curso como produção de sementes híbridas no Posto Agrícola do Pessubé, onde também se mantinha um pequeno viveiro de ensaio com o fim de industriar o pessoal nas técnicas próprias, fora instalado na ilha de Bubaque um centro de fomento de palmeiras melhoradas e transferira-se dos viveiros Teixeira Pinto para o centro-piloto de Prábis por estarem mal localizados. Conclui esta relação sobre a situação agrícola informando que se continua a desenvolver o fomento do caju.
Nunca aludindo às contingências da guerra, escreve que durante o período ficara concluído o cais de Bambadinca, tendo sido encomendada uma grua para o mesmo e que estavam em reparação os cais de Binta, Bigene, Cacheu e Buba.

Já em 1967, escreve que se pode considerar satisfatório o ano agrícola, “pois que as colheitas de amendoim e de arroz, nalgumas localidades, excederam todas as expectativas, alcançando, não obstante o condicionalismo da presente conjuntura, um volume realmente considerável. Apesar de se ter trabalhado com uma elevada dose de improvisação, algo de válido resultou dos ensaios levados a efeito na campanha agrícola de 1967. Em presença do ineditismo de muitos trabalhos realizados, não restam dúvidas que a primeira conclusão é a de que foi dado um primeiro passo para a resolução do problema. Efectivamente, tanto no campo das plantas industriais, como alimentares e forrageiras, introduziram-se espécies e variedades novas, cuja adaptação se pode considerar, para a maioria dos casos, de elevado interesse. Estão neste caso o tabaco escuro seco ao ar, as leguminosas forrageiras e siderantes, a soja, o feijão nhemba e o girassol, além das indicações valiosas sobre a cultura do milho e ensilagem”.
Acrescenta referências ao trabalho da Brigada da Guiné da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar, em Pessubé, quanto ao fomento da palmeira, bananeira e do caju.

O texto referente a 1968 é bastante lacónico:
“Persiste a insuficiência da produção agrícola na Província e, em consequência, o declínio nas exportações, no poder de compra do autóctone e no movimento comercial nos locais onde não estacionam efectivos militares, porque naqueles em que eles permanecem mais tempo, como é natural, mormente em Bissau, vê-se que os negócios têm progredido sensivelmente, dado que eles e suas famílias são, sem dúvida, os principais consumidores e constituem, por isso, um forte sustentáculo de momento ao comércio dessa área, que, assim, consegue cumprir com pontualidade os seus compromissos, vivendo, até, certo modo, algo desafogadamente.
Temos portanto que a Balança Comercial, por força da diminuta exportação e do aumento da importação que se verificou, continua desequilibrada, outro tanto não sucedendo à Balança de Pagamentos, cuja posição é boa, mostrando considerável salto positivo, o qual proveio, em grande parte, dos pagamentos que, de conta da Metrópole, aí se vêm fazendo”.
Aumentara, portanto, graças ao desenvolvimento do setor comercial, o número de operações e a melhorias dos lucros do BNU na Guiné.

Em 1969, a situação da praça não conhece alterações profundas, como se escreve:
“Mais um ao se passou sem que fosse possível conseguir o restabelecimento da vida ordeira e pacífica desta parcela do território nacional, apesar dos enormes esforços materiais e humanos que têm sido empregados nesse sentido e ainda no do seu desenvolvimento socioeconómico.
Verificou-se um ligeiro aumento na produção agrícola, a que não foram estranhas as melhores condições climatéricas e a protecção dada pelas nossas tropas às populações rurais, que puderam intensificar as suas culturas tradicionais, em especial a mancarra e o arroz.
Desta melhoria conseguida no sector agrícola também beneficiariam as actividades comerciais de toda a Província, que continuaram a poder solver satisfatoriamente os seus compromissos, não só no que respeita ao crédito concedido directamente pelo banco mas ainda às suas responsabilidades provenientes das mercadorias importadas.
Na indústria não houve praticamente investimentos.
Em face do baixo nível ainda verificado na produção agrícola, em relação às reais possibilidades da província, e ao seu insignificante poder industrial, continuou a ser necessário importar quase todos os bens de consumo destinados aos efectivos militares e à população civil.
Contudo, os meios de pagamento sobre o exterior não foram de forma alguma afectados. Esta solidez da balança de pagamentos deve-se às transferências da Metrópole, destinadas às Forças Armadas”.

Mas em 1969 surgia uma ameaça ao BNU na Guiné. Em 14 de Maio desse ano, o gerente informava o governador em Lisboa, a título confidencial da possibilidade de se estabelecer um banco comercial na Província.

(Continua)


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Notas do editor:

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Último poste da série de 25 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18776: Notas de leitura (1078): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (6) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Estes relatórios do Banco Nacional Ultramarino que BS nos traz parecem tão "sem graça", e repetitivo (fraca agricultura, inexistência de indústria, nada se desenvolve), que penso que alguns até perguntarão, o que tem isto a ver com a "nossa guerra", aqui.

Eu pessoalmente acho estes relatórios que vêm desde o tempo da 1ª República, do tempo do Estado Novo sem guerra e do tempo da Guerra com o PAIGC, nos explicam muito da história

E aqui podemos "repetir"e imaginar, pelo que assistimos após a independência, relatórios idênticos, falta de desenvolvimento, ou seja a Guiné continua com dificuldade em se desenvolver, tal como antigamente.

Ou seja, caso não apareça petróleo, aquelas regióes, (não só a Guiné-Bissau), vizinhas e contiguas ao deserto do Saara, vão ter muitas dificuldades por imensos anos, por falta de bons solos agrícolas e escassez de água doce.

A Guiné não é o país mais complicado.

Para mim, aqueles povos já viram a pobreza das suas terras há muitos anos, que há muitos anos tentam fugir âquele pesadelo, por todos os meios.

Esses relatórios de Beja Santos ajudam a compreender também a nossa guerra onde estivemos metidos.

"Os colonialistas" não deviamos ter abandonado tão cedo aqueles povos, agora vêm pedir ajuda a casa dos colonialistas...mas ninguém arranja solução.