Mostrar mensagens com a etiqueta Os nossos regressos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Os nossos regressos. Mostrar todas as mensagens

domingo, 24 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26188: Cem pesos, manga de patacão, pessoal ! (9): uma viagem na TAP, de Bissau a Lisboa, em finais de 1970, custaria hoje c. 1450 euros (Valdemar Queiroz); uma viagem de férias (ida e volta), c. 1900 euros, em fevereiro de 1971 (Carlos Vinhal)



Bilhete de avião de regresso a Lisboa, em 18 de dezembro de 1970


Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Terminada a comissão,  o Valdemar Queiroz, que era de rendição individual (como todos os outros graduados e praças esepcialistas da CART 11), foi para Bissau onde gastou os últimos "pesos" (o patacão da guerra) e tomou o avião da TAP de regresso a casa, em 18/12/1970, como se pode comprovar no documento acima reproduzido.  

O bilhete,como era só de ida, custou-lhe a módica quantia de 4740 escudos, incluindo 80$00 (que deve ser o imposto de selo e  a taxa... "aeroportuária"). Lá se ia, quase todo, o "patacão" de um mês...




Recibo (?) nº 453, emitido pela agência de viagens Fernando S. Costa, Bissau, 13 de fevereiro de 1971

Foto (e legenda): © Carlos Vinhal (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Já o nosso coeditor Carlos Vinhal (fur mil art MA, CART 2732, Mansabá,1970/72, SPM 1388) veio de férias, em 15 de fevereiro de 1971, e pagou à agência de viagens Fernando S. Correia a importância de 6430$80 (vd. documento acima). 

Não sabemos se nesse valor estava incluído o preço da ligação aérea Lisboa-Porto (nem a comissão da agência).  De qualquer modo, para ir de férias, um furriel miliciano tinha que desembolsar mais do que o que ganhava num só mês.
 

3. Quanto valeria hoje esse patacão ?

(i) 4340$00 (em 1970) seriam hoje 1455 euros (!) (uma roubalheira ?);

(ii) 6430$80 (em 1971) equivaleriam  hoje a 1944 euros...

Fonte: Pordata > Simuladores > Simulador de Inflação > Quanto vale hoje o dinheiro do passado ?

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 24 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26187: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (8): uma viagem, de avioneta, nos TAGP, de São Domingos a Bissau, em 22/2/69, custava 224 escudos (ou "pesos"), o equivalente hoje a 70 euros (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

domingo, 17 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24966: Efemérides (422): A minha despedida da Guiné faz hoje, dia 15 de Dezembro, cinquenta anos (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Comando)

1. Mensagem do nosso camarada Ramiro Jesus (ex-Fur Mil Comando da 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73), com data de 15 de Dezembro de 2023:

Venho, hoje, comemorar a minha despedida da Guiné, que aconteceu faz hoje cinquenta anos.

Foi, como calcularão todos os que por lá passaram, um dos dias mais felizes que vivi até àquela data.

Agora, passado meio século e com o "peso" das memórias e dos Dezembros, há, no entanto, um sentimento de nostalgia, quando revejo as imagens que relembram tudo o que ali foi vivido, como sejam aquelas que anexo e que foram tiradas já de dentro do NIASSA, assim que começou a deslizar pelo Geba e já no mar, entre as Ilhas Canárias.

O pior foi a partir dali, pois, com o mau tempo e os estômagos em bandoleira, por causa da ração de combate, poucos conseguiam comer e segurar as refeições.

Quando desembarcámos (já no dia 23, depois da chegada ao Tejo na noite de 22), parecíamos chineses ou japoneses, de raça amarela, portanto.

Boas-Festas e um alfa bravo para todos os vitor, eco, tango, eco, rómio, alfa, november, oscar, sierra (veteranos)!

Ramiro Jesus


15 de dezembro de 1973: adeus, Guiné!

Fotos: © Ramiro Jesus (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24913: Efemérides (421): À beira de fazer 52 anos do embarque do BCAÇ 3872 para a Guiné, admiro-me hoje da forma complacente com que encarei a viagem bem como o destino (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24629: Convívios (971): CCAÇ 3398 (Buba, 1971/73): Cinquentenário do regresso, Freiriz, Vila Verde, 2set2023 (Joaquim Pinto Carvalho)



Infografia: Joaquim Pinto Carvalho (2023)


1. Realizou-se em Freiriz, Vila Verde, distrito de Braga, em 2 do corrente, o anunciado convívio do pessoal da CCAÇ 3398 / BCAÇ 3852, "Incendiários" (Buba, 1971/73) (*), com a presença de cerca de 3 dezenas de ex-combatentes, a que se juntaram familiares (**). 

Não faltou como sempre o antigo cap inf Filipe Ferreira Lopes, hoje cor inf ref, que também passou pela CCAÇ 1788, 1967/69, como alferes QP, tendo substituído temporariamente o cap inf Artur Manuel Carneiro Geraldes Nunes (1934-1968), morto em combate.

Por ocasião deste convívio dos 50 anos do regresso dos "Incendiários", o nosso camarada e amigo Joaquim Pinto Carvalho,   mostrou mais uma vez os seus dotes musicais e poéticos. Ficam aqui, para "memória futura", três textos da sua autoria,  lidos (o soneto "Regressurreição" e a "Ode Alegre do Regresso") ou cantados,  durante a jornada (a letra do hino "Incendiário"). 

O Joaquim Pinto Carvalho, que tem mais de 60 referências no nosso blogue, e é membro nº 633 da Tabanca Grande; foi alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73); natural do Cadaval, é advogado, poeta e régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Atalaia, Lourinhã; é autor ainda  de uma brochura com a história da unidade, a CCAÇ 3398, distribuída no respetivo XXV Convívio, realizado no Cadaval, em 18/9/2021.





“INCENDIÁRIO”

(letra adaptada à música da cantiga popular do cancioneiro minhoto “Laurindinha”; autoria: Joaquim Pinto Carvalho,


Ó “incendiário” que foste à guerra

Ó “incendiário” que foste à guerra

E que regressaste ai-ai-ai vivo à tua terra ai-ai-ai

E que regressaste ai-ai-ai vivo à tua terra

 

Vivo à tua terra de que foste um dia

Vivo à tua terra de que foste um dia

Para assentar praça ai-ai-ai nesta companhia ai-ai-ai

Para assentar praça ai-ai-ai nesta companhia

 

Nesta companhia lá no BC 10

Nesta companhia lá no BC 10

Depois o Niassa ai-ai-ai levou-te à Guiné ai-ai-ai

Depois o Niassa ai-ai-ai levou-te à Guiné

 

Levou-te à Guiné, foste “periquito”

Levou-te à Guiné, foste “periquito”

Nas terras de Buba ai-ai-ai havia mosquito ai-ai-ai

Nas terras de Buba ai-ai-ai havia mosquito

 

Havia mosquito e muita bolanha

Havia mosquito e muita bolanha

Mas naquela guerra ai-ai-ai já ninguém te apanha ai-ai-ai

Mas naquela guerra ai-ai-ai já ninguém te apanha

 

Já ninguém te apanha já ninguém te quer

Já ninguém te apanha já ninguém te quer

É na tua terra ai-ai-ai  é que é bom viver ai-ai-ai

É na tua terra ai-ai-ai  é que é bom viver 

 

É que é bom viver e ter alegria

É que é bom viver e ter alegria

E sem esquecer ai-ai-ai a nossa companhia ai-ai-ai

E sem esquecer ai-ai-ai a nossa companhia

 

A nossa companhia - a dos “incendiários”

A nossa companhia  - a dos “incendiários”

Que está de parabéns ai-ai-ai neste cinquentenário ai- ai-ai 

Que está de parabéns ai-ai-ai neste cinquentenário



(Música: Oh Laurindinha, canção tradicional popular. Há várias interpretações musicais no You Tube. Ver por exemplo aqui: Sons da Terra - "Laurindinha" & "Ouvi o Passarinho"RTP - A Festa é Nossa (Manteigas) 18 Fevereiro 2012) (com a devida vénia...)


Oh Laurindinha, vem à janela.
Oh Laurindinha, vem à janela.
Ver o teu amor, (ai ai ai) que ele vai p'ra guerra.
Ver o teu amor, (ai ai ai) que ele vai p´ra guerra.

Se ele vai pra guerra, deixá-lo ir.
Se ele vai pra guerra, deixá-lo ir.
Ele é rapaz novo, (ai ai ai) ele torna a vir.
Ele é rapaz novo, (ai ai ai) ele torna a vir.

Ele torna a vir, se Deus quiser.
Ele torna a vir, se Deus quiser.
Ainda vem a tempo, (ai ai ai) de arranjar mulher.
Ainda vem a tempo (ai ai ai) de arranjar mulher.

Ele torna a vir, se Deus quiser.
Ele torna a vir, se Deus quiser.
Ainda vem a tempo, (ai ai ai) de arranjar mulher.
Ainda vem a tempo (ai ai ai) de arranjar mulher.
Ainda vem a tempo, (ai ai ai) de arranjar mulher.
Ainda vem a tempo (ai ai ai) de arranjar mulher.
Ainda vem a tempo, (ai ai ai) de arranjar mulher.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23759: Mi querido blog, por qué no te callas?! (8): É como a ponte, que atravessámos duas vezes, a maior parte de nós, "ao p'ra lá e ao p'ra cá": parece que treme, mas não cai...


Lisboa > Março de 2007 > A Ponte 25 de Abril, sobre o Rio Tejo (Ponte Salazar, até ao 25 de Abril de 1974), reflectida sobre a fachada de vidro de um dos edifícios da Administração do Porto de Lisboa... Parece que treme mas não cai...

Foto: © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa >  Junho de 1970 > A ponte sobre o Rio Tejo e o Cristo Rei, na margem esquerda... Em 1970, a febre da construção na outra banda já tinha começado, mas o Cristo Rei ainda era uma figura solitária na paisagem... Foto, sem legenda, do álbum do Otacílio Luz Henriques, 1.º cabo bate-chapas,  CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). 

Foto: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > 8/1/1964 > A ponte sobre o Rio Tejo, em construção: imagem do pilar norte, tirada do T/T Quanza. Uma foto notável com esta obra, emblemátca do Estado Novo, cuja construção demorou 3 anos e meio (novembro de 1962 a agosto de 1966): no regresso, o BCAÇ 619 já passou sob o tabuleiro da  Ponte Salazar... Foto do álbum  de Carlos Alberto Cruz , ex-fur mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió e Cachil,  1964/66)

Foto (e legenda): © Carlos Alberto Cruz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > Cais da Rocha Conde Óbidos> 18 de agosto de 1965> Embarque do pessoal da CCAÇ 1426 e de outras unidades para o TO Guiné, no T/T Niassa; ao fundo a ponte sobre o Tejo ainda em construção, não estando ligados as diferentes secções do tabuleiro... (Seria inaugurada um ano depois, em 6 de agosto de 1966.)

Foto: © Fernando Chapouto (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > 29 de maio de 2012 > Ponte sobre o Rio Tejo > Iniciada a sua construção em 5 de novembro de 1962, foi inaugurada em 6 de agosto de 1966... Ainda havia, em 1962, montes de golfinhos no Tejo e centenas de fragatas e outras embarcações à vela... A contentorização do transporte de mercadorias marítimas  e o fim da estiva manual marcaram o seu fim... 

Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > Rio Tejo > 5/11/2011 > Pôr do sol no Atlântico, visto do estuário do Tejo, em Belém, junto ao Museu do Combatente (Forte do Bom Sucesso).

Foto: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Os mais velhos da geração da guerra colonial / guerra do ultramar / guerra de África viram-na crescer, entre 1962 e 1966, à belíssima ponte sobre o Tejo. Foi uma das coqueluches da política de obras públicas do Estado Novo. Deram-lhe o nome do homem forte do regime de então, o Salazar (que seguramente nunca passou debaixo dela, como nós, que fomos combater em África, a seu mando).

A grande maioria dos antigos combatentes passou debaixo dela, duas vezes, de barco, na viagem com destino  a Angola, Moçambique ou Guiné, e depois no regresso à Pátria... "Ao p'ra lá e ao pr'a cá", como diria o "caçula" do meu cunhado nortenho, que foi parar a Angola, em 1970 (e o mais velho a Moçambique, em 1963, só escapou o do meio, que  era cambo... e ficou livre da tropa; o resto eram raparigas, e nenhuma se ofereceu para enfermeira paraquedista, embora o pai fosse patriota e tivesse vindo uma vez ao Terreiro do Paço, arrebanhado para um comício da União Nacional, dando vivas ao Marcello Caetano e ao Portugal pluricontinental e plurirracial).

A grande maioria de  nós fez esta viagem de regresso, por via marítima, de Bissau a Lisboa, no Niassa, no Uíge, nos navios da nossa marinha mercante postos ao serviço do transporte da tropa mobilizada para a guerra, lá longe, a milhares quilómetros de casa. Era com emoção que se avistava a barra do Tejo, o Bugio, Cascais, a Costa da Caparica, a Trafaria, a torre de Belém, os Jerónimos, a ponte, o Cristo Rei, o casario de Lisboa, os golfinhos, as frgatas, o  cais da Rocha de Conde de Óbidos, donde tínhamos partido, 22, 23, 24 meses antes...

A maioria de nós atravessou esta ponte duas vezes, mas a água que corria sob ela já não era mais a mesma.  Tal como nós, quando fomos e quando viemos, também já não éramos mais os mesmos... Ninguém sobrevive, impunemente, a uma guerra...

E depois lá se ia de comboio até à nossa unidade mobilizadora... Essa derradeira vaigem, paga pelo Estado, tinha um profundo significado: a passagem à peluda, as últimas despedidas, a promessa de nos voltarmos a ver e a abraçar, enfim,  o regresso, solitário, a casa, onde nos esperavam, em alvoroço, a família, os amigos, os vizinhos...  

O "day after", o dia seguinte, não era fácil, não foi fácil para muitos de nós...  Uma geração partida e repartida,  uns tomaram os caminhos da emigração, transatlântica  (Brasil, EUA, Canadá) ou transpirenaica (França, Alemanha)... Outros, deixaram as suas terras  de vez (as pacatas aldeias, vilórias e pequenas cidades do interior),  fixando-se na grande Lisboa e no grande Porto, procurando oportunidades de trabalho, prosseguindo os estudos, reconquistando em Abril a(s) liberdade(s) perdida(s),  constituindo família, descobrindo o prazer de viajar por essa Europa fora, agora com outra mochila e outros sonhos... 

"Cacimbados", "apanhados do clima", "estranhos", "envelhecidos", "mudados", "fechados, de poucas falas", "truculentos", "noctívagos", "bebendo e fumando em excesso"... eram expressões que trocávamos uns com os outros, ou que ouvíamos aos nossos amigos, familiares e vizinhos... a nosso respeito, depois do regresso.

A (re)adaptação, em muitos casos, não foi fácil, e levou o seu tempo... A maior parte casou, teve filhos e netos e tentou ser feliz... Mas nunca mais foi o mesmo, tal como a água do Tejo que passa sob a sua ponte...

 2. Enfim, há que lembrar, por mor da verdade,  que, a partir de 1972, 
 os TAM (Transportes Aéreos Militares) compraram dois Boeing 707 e a rapazida passou a chegar mais depressa aos teatros de operações, mas também a casa, no regresso,  os que tiveram a estrelinha da sorte (ou a "santinha da sua devoção" ) a protegê-los... 

Que a guerra os esperava e já se fazia tarde, diziam os maiorais, também eles já cansados da guerra... Mas as saudades de casa, da terra, da Pátria / Mátria / Fátria, também eram mais do que muitas... Houve quem não aguentasse a espera do avião dos TAM e se metesse no avião da TAP, pagando a passagem do seu bolso...

O nosso blogue tem a  veleidade (utópica?) ou a pretensão (ingénua?) de tentar juntar o maior número dos que ainda estão vivos e ajudá-los a reconstituir o puzzle das suas memórias da guerra (e da Guiné, muito em particular)... 

Teima, ao fim destes anos todos, em pô-los a contar as histórias dos seus verdes anos. E a partilhá-las, neste blogue. Que, tal como  sugere a primeira foto de cima, é como a ponte, parece que treme, mas não cai... 

Que os bons irãs da Tabanca Grande nos continuem a proteger. E que no final do próximo ano de 2023, posssamos dizer: chegámos à meta dos 900 (*). Mesmo sabendo que a picada  da vida é cada vez mais dura e perigosa, "cheia de minas e armadilhas"... 

Ah!, e que daqui a uns meses, lá para abril ou maio, quando chegar a primavera (se lá chegarmos), tenhamos ainda a soberana e humana vontade de nos encontrarmo-nos, no XV Encontro Nacional da Tabanca Grande, que, recorde-se,  até chegou a estar  marcado para Monte Real, em 2 de maio de... 2020. (LG)
___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 8 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23684: Mi querido blog, por qué no te callas?! (7): Campanha dos 900 membros da Tabanca Grande até ao fim de 2023... Toca a "tocar o burro"... Porque, como diz o provérbio guineense, Buru tudu karga ki karga si ka sutadu i ka ta janti (O burro, com pouca ou muita carga, se não é açoitado, não anda)...

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23465: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVIII: Em 1976, uma viagem pela velha Europa para esquecer a guerra e espairecer do PREC


Itália > Veneza > 1976 >  De gôndola, com pose de turista



Países Baixos> Amesterdão > s/d > ... Numa outra viagem


Fotos (e legendas) © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Joaquim Costa, ontem e hoje. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor do ensino secundário 
(os últimos 20 anos em Gondomar).




Já saiu o seu livro de memórias (parte da história da sua  vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua (*): 
“Memórias de Guerra de um Tigre Azul” (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp)
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (**). 

O livro pode ser pedido diretamente ao autor, através do email jscosta68@gmail.com .
O valor é de 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro. Não esquecer de indicar o endereço postal.

 

Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVIII:  Em 1976,  uma viagem pela velha Europa para esquecer a guerra e espairecer do PREC   



O encontro improvável, em Veneza, de três “Morcões” do Norte 
e  de um "Alfacinha", especialista em Matacanhas

  

Nos primeiro anos depois da Guiné vivi sofregamente os dias, “engasgando-me” aqui e ali na ânsia de agarrar o mundo todo num só dia. Fui à  procura de resgatar os três anos “roubados” da minha juventude, até hoje ainda não devolvidos.

No ano de 1976 , eu e mais dois companheiros, o Gil Marques, jovem empresário da indústria têxtil e o Miguel, professor de economia e contabilidade, decidimos, depois de mais uma noite de copos na tasca do “Pega”, hoje um restaurante com nome no “Evasões” e “Boa Cama Boa Mesa” (à nossa custa), decidimos aproveitar as férias (e espairecer um pouco da loucura do PREC ) numa viagem (de 30 dias) pela Europa, numa das nossas Dianes,

Num dia se decidiu e no outro abalamos (já tinha na minha posse o famoso “Salvo conduto” inexplicavelmente, já sem guerra e em democracia, ainda obrigatória para passar a fronteira) , com partida junto ao nosso café das tertúlias e “jogatanas” de bilhar diárias, o “Pica Pau” com todos os presentes e amigos desejando boa viagem, na Diane do Gil.

Lá consegui meter num pequeno saco umas peças de roupa, um mapa e uma tenda que nunca havia montado. Decidida a primeira paragem em Madrid, como pessoa mais sensata do grupo [???], lá fui pensando em programar minimamente o itinerário de toda a viagem até à capital espanhola.

Já em França, a caminho de Nice, com um amortecedor a queixar-se do peso, surgem na estrada muitos jovens a pedir boleia (muito comum na época em Portugal e em toda a Europa). Eis quando aparece uma jovem no meio do caminho, quase nos obrigando a parar, com o Miguel aos gritos, pára, pára ... mas o Gil não parou. Ficamos furiosos , mas ele, com a sua calma, de quem não foi à guerra e tem ainda toda a sua juventude pela frente (pois muitas mais lhe vão aparecer à frente), chama os dois “velhos” à razão:

−  Não vamos passar o tempo nisto! 

Dois dias já gastos (talvez ganhos ?) com as lindas catalãs (professoras primárias a trabalhar em Barcelona) desrespeitando o programa minuciosamente elaborado pelo Costa (apenas uma tarde em Madrid), e para além do mais o amortecedor não ia aguentar. 

 −  Oh Gil ! Aguenta, aguenta! 

Tanto insistimos que ele que deu a volta, passou novamente pelo local onde ainda se encontrava a miúda e lá paramos para dar boleia à donzela (que confirmava todos os atributos conhecidos do “mito urbano” sobre as Suecas!). Enquanto o Miguel abria gentilmente a porta, surge por detrás de um arbusto (estilo David Attenborough) um rapaz com dois metros de altura, com a miúda sorrindo dizendo: 

  Não se importam de levar também o meu namorado?     empurrando-o para dentro do carro antes que dissessemos que não.

Durante a viagem o Gil, preocupado com o amortecedor, passou o tempo a chamar nomes ao gigante Sueco, utilizando todo o vocabulário vernáculo do norte que tinha mais à mão, enquanto o rapaz olhava para ele, divertido, sempre com um sorriso nos lábios.

Este incidente foi motivo de conversa até Veneza, onde montámos (tentamos montar ), pela primeira vez,  a tenda num parque de campismo (até Veneza sempre dormimos ao relento apenas com o saco cama).

Começámos a montar a tenda mas não atinávamos com a quantidade de ferros. Já desesperados, diz o Gil:

 
  Não és tu engenheiro? Então trata tu disso,  que eu vou tomar banho. 

O Miguel aproveitou a deixa e fez o mesmo.

Ainda não refeitos da boleia dada ao gigante Sueco, durante o banho continuaram os insultos ao rapaz em

voz alta que se se ouviam em todo o parque. Até eu, que também não atinava com a tenda (ou faltava ferros ou faltava pano), estava a ficar incomodado com os palavrões (afinal sou professor,  “carago”...).

Entretanto, sinto uma mão no meu ombro, viro-me, e vejo um homem lourinho, de olhos claros dizendo, em bom português: já uma pessoa não pode estar com a família sossegada no parque de campismo, sem estar sujeita a ouvir este chorrilho de palavrões. 

Este lourinho era o grande amigo Caetano (Furriel enfermeiro da companhia), o mesmo que me tirou uma matacanha do dedo grande do pé (com a sua faca do mato?) no Cumbijã (Guiné) de boas e más memórias.

Queria eu fugir das lembranças da guerra, mas nem aqui, no norte de Itália estava a salvo... nem do PREC pois que na altura o PCI (Partido Comunista Italiano) e a DC (Democracia Cristã) mediam forças taco a taco, com governos que não duravam 1 mês... E sempre carregados com um saco de notas, pois só para pagar uma fatia de melancia era um molhe de notas (vinte e cinco mil liras!)

Foram umas belíssimas férias: baratas, com muita adrenalina, poucos banhos e ... ???

___________

Notas do editor:

(*) 8 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23336: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVII: O "meu" regresso à Guiné (3): Os Bijagós que muitos de nós nunca vimos - II (e última) Parte

(**) Vd. poste de 8 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23245: Agenda cultural (811): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, 11 de junho de 2022, sábado, 11h00: Luís Graça apresenta o livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul"

terça-feira, 22 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23100: In Memoriam (433): Joaquim Bonifácio Brito (1950-2022), um Tigre do Cumbijã (CCAV 8351, 1972/74), que ficou em Bissau até à guerra civil de 1998, como empresário na área da restauração, e que agora vivia no Algarve (Joaquim Costa)



Joaquim Bonifácio Brito (1950 - 2022)


1. Mensagem do Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, autor do livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74" (Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.)

Data - 22 mar 2022 00h42
Assunto - Mais um Tigre do Cumbijã que nos deixou

Amigo Luís, 

Recebi hoje a triste notícia que mais um dos bravos Tigres de Cumbijã. Joaquim Bonifácio Brito (*), a viver no Algarve, acabou de falecer.

Uma semana atrás tinha falado com ele a propósito do meu livro e continuava entusiasmado com a vida,  dando-me a conhecer alguns projetos na área da restauração.

Este camarada, da minha companhia (CCav 8351), e do meu pelotão, não regressou com a companhia, ficando em Bissau abraçando uma nova vida como empresário da Restauração.

Manteve-se na Guiné, resiliente, não obstante os vários episódios de tentativas quase mensais de golpe de Estado.

Já não resistiu à guerra civil, entre os fiéis a Nino Vieira e Ansuname Mane, sendo resgatado com toda a família, apenas com a roupa que tinham vestido, na operação Crocodilo (junho de 1998).

Tudo lá deixou, depois de 25 anos de trabalho no país que adotou, pois segundo ele o seu restaurante servia uma média de 100 refeições por dia.

Contudo sempre manteve um carinho muito especial pela sua Guiné. Nos encontros anuais de 2007 a 2009, sempre me procurava a saber notícias de Bissau sabendo que o meu filho Tiago Costa  fazia parte da equipa que estava a construir uma ponte no Cacheu, em São Vicente.

Sendo o nosso Blogue uma fonte de informação que chega a todos os cantos do mundo, gostaria de lhe deixar, aqui, a minha pequena homenagem a um homem que amou a Guiné.

As minhas condolências à família

Camarada Tigre, Joaquim Brito, estejas lá onde estiveres, espero que estejas em Paz.(**)

Joaquim Costa

___________

Notas do editor:

Último postea da série > 

(*) 12 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23072: In Memoriam (432): António Brandão de Melo (1950-2022), ex-Fur Mil Inf da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

terça-feira, 8 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23057: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXIV: O regresso a casa, com a cidade do Porto a abrir os seus braços só para mim



Porto > Parte Ribeirinha da Zona Histórica do Porto, ao final do dia > c. 2016 > Foto do nosso saudoso camarada, e grande fotógrafo, amante da "Invicta", o Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017) (ex-Fur Mil Arm Pes Inf, Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70). Publicada em 5 de setembro de 2016, na sua página do Facebook Jorge Portojo  (seu nome artístico), a escassos meses da sua morte, em 7 de abril de 2017. Reproduzido aqui com a devida vénia...

Quem vem e atravessa o rio
junto à serra do Pilar
vê um velho casario
que se estende até ao mar.

(...) E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa.

letra de Carlos Tê, música de Rui Veloso)



Foto nº 1 > Uma imagem vale mais do que mil palavras...O Joaquim Costa, de braços abertos


Foto nº 2 >  O Vago Mestre Ferreira, o homem do arroz com estilhaços e o amigo Machado de óculos escuros


Foto nº 3 > O meu grande amigo Afonso... O homem da “caminhada louca” com o olhar cúmplice da sua esposa Luísa

Sobral do Monte Agraço> 20 de Abril de 2002 > O meu 1.º encontro-convívio, o 6º da CCAV 8351, "Os TIgres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74)

Fotos (e legeendas) © Joaquim Costa  (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondamar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor.

Já saiu o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua.
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (*)



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (**)

Parte XXIV - O regresso a casa

Estranhamente o dia da partida e a viagem para Portugal foram vividos quase em silêncio. Só quando se avistou Lisboa,  o pessoal gritou de felicidade e cantou: “cheira bem cheira a Lisboa”, mas sem grande entusiasmo. 

Sentia-se um ambiente estranho. Alegre, descontraído e ao mesmo tempo contido. O fim das hostilidades e uma pequena brisa do vendaval do PREC, que também chegou ao Cumbijã, talvez possam explicar esta melancolia.

Chegados a Lisboa, foi tudo muito rápido: Partida para um quartel que não faço ideia qual, nem onde fica, desfazendo-me de tudo que me recordasse a Guiné (deitei, literalmente, tudo num caixote de lixo, até os “roncos” de Nhacobá e muitas fotografias)... 

E mal nos despedimos uns dos outros, apenas uns acenos de circunstância com aqueles que nos cruzavámos na azáfama de nos libertamos “rapidamente e em força” (onde é que eu já ouvi isto?) dos último três anos.

Chegado ao Porto (Campanhã), pese embora a sofreguidão em rever a família, uma força vinda das entranhas, levou-me ao centro da cidade, apanhando um comboio com destino à estação de S. Bento com o dia ainda a romper. 

Quatro anos de estudante fizeram desta cidade a minha casa. A esta hora poucas pessoas se viam nas ruas e nos transportes. Senti a cidade a abrir os seus braços só para mim. Foi a primeira sensação do regresso a casa,  depois de uma longa e cansativa viagem.

Caminhei quase sozinho pelos Aliados, sentindo a falta do café Astória e do Imperial, este com a sua imponente porta giratória e o engraxador residente. Subi os Clérigos, passei pelo Estrela, o Aviz, o Piolho e ainda pelo Ceuta, felizmente, tal como os deixei. 

Respirei fundo várias vezes, chegando mesmo a limpar uma lágrima por este abraço da cidade que adotei e se me entranhou.

Durante uns anos nem falei nem queria ouvir falar da Guiné. Encontrei mais tarde o Portilho, o Albuquerque, o Beires, o Parola, o Félix e o Caetano em Itália (Veneza), em conversas de circunstância, não fazendo uma única referência à Guiné, procurando abreviar a conversa e fugir daqueles encontros como a fugir do passado recente.

Passados 28 anos depois do regresso da Guiné,  fiquei maravilhado com a carta do Tomé a convocar-me para o 6º encontro da companhia, em Sobral de Monte Agraço.  Com o entusiasmado até as lágrimas me vieram aos olhos com a perspetiva de rever aquela maravilhosa família.

No dia marcado lá abalei eu, mais nervoso do que quando embarquei para a Guiné.

Chegado ao local marcado na carta do Tomé: o mercado municipal, avistei, ainda dentro do carro, um grupo de idosos, não reconhecendo ninguém comentei com a minha mulher e o meu filho Ricardo: "De maneira nenhuma este grupo de idosos (já mais para lá do que para cá), é o pessoal da minha companhia"...

Abri a janela do carro e perguntei a uma pessoa que passava se aquele edifício, onde estavam os idosos, era o mercado municipal, confirmando que sim. Vai daí telefonei ao Tomé a saber se o grupo já tinha abalado para a igreja. Informa-me que não e que todo o pessoal ainda se encontrava junto ao mercado. 

Entretanto, o meu filho Ricardo, que tinha visto comigo, nos dias anteriores, as fotografias da Guiné que tinham escapado ao caixote do lixo em Lisboa, identificou o Afonso. Afinal, aquele grupo de idosos eram os temidos Tigres do Cumbijã

Tal como na Guiné, mantive o hábito de não me ver ao espelho!!!

(Continua)

3. Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.(*)

O livro, saído neste último Natal de 2021, aguarda a melhor oportunidade para a sua apresentação ao público.

Mas podem desde já serem feitos pedidos ao autor: valor 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro.

Os pedidos devem ser feitos para o e-mail:


indicando o endereço postal.



____________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 1 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22954: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXIII: Velhice vai no Bissau, Ó-lé-lé...lé-lé...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22954: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXIII: Velhice vai no Bissau, Ó-lé-lé...lé-lé...


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Buba > CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74 > 27 de Junho de 1974> O pessoal  "instalado" na LDG batizada com o nome do nosso capitão, Vasco da Gama, a caminho de Bissau... “Tudo ao molho e Fé em Deus”... Nada de euforias!


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 >  25 de Junho de 1974 > Aqui vamos nós… sem euforias... a caminho de casa
 
Fotos (e legendas): © Carlos Machado / Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto 3 > Guiné > Bissau > c. 1960/70 > Vista aérea de Bissau. Ao centro, o Palácio do Governo e a Praça do Império. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 118". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL). (Cortesia do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondamar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor.

Já saiu o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua.
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (*)



Paz &  Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (**)

Parte XXIII - … VELHICE VAI NO BISSAU, “Ó-LÉ-LÉ-LÉ-LÉ…”


Entretanto, lá chega o dia, há muito desejado, de deixarmos o Cumbijã, com destino a Bissau (riscando o último “pau” na caserna), em trânsito para a peluda.

Coisa estranha!,  na partida não se sentia o entusiasmo normal destas situações. Compreensível, tendo em conta o fim (ainda que tacitamente) das hostilidades.

Deixamos o Cumbijã à guarda da companhia que havia abandonado Guileje, a CCAV 8350. Um reencontro, fraterno, mas estranho, depois de Estremoz. O normal seria a nossa substituição por periquitos e não por alguém tão velhinhos quanto nós, como era o caso da CCav 8350. Estava, obviamente, em curso algo de injusto para uma companhia que passou por um dos momentos mais dramáticos da guerra na Guiné.

Ao passarmos o cavalo de frisa, abandonando definitivamente Cumbijã, uma lágrima senti ao canto do olho. Não sei se de alegria pela partida, se de tristeza pelas perdas e sofrimento de tantos camaradas e elementos nativos, questionando-me: porquê?

Afinal tudo se resolveu da noite para o dia (de 24 para 25 de Abril de 1974)!? Eu, só sei que não sei! Alguém que me explique,  que eu estou muito cansado...

Ao fazermos o caminho de Cumbijã para Buba  (Foto nº 1) para apanharmos a LDG para Bissau, junto à bolanha das “Touradas”, um grupo de elementos do PAIGC emerge da mata, armados até aos dentes e nós já completamente desarmados (senti arrepios na espinha), acenando com as mãos e as armas. 

Foi um momento muito estranho, dava a sensação que do dia para a noite o mundo tinha virado do avesso. Ficamos na dúvida se foi um gesto fraterno ou de alívio (passe a presunção). Grupos do PAIGC tinham já ido, creio eu, a todos os aquartelamentos da zona numa visita de cortesia e ao mesmo tempo para falarem com as populações sobre os rápidos desenvolvimentos que iriam conduzir à independência.

Vivi com alguma perplexidade, a forma como gerimos o fim das hostilidades. Esta feliz fotografia publicada no Blogue (paradigma do momento) fala por si!


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974: visita de Bunca Dabó e do seu bigrupo, fortemente armado... Ao centro, o nosso amigo e camarada Jorge Pinto, então alf mil, em farda nº 2, desarmado, fazendo as "honras da casa" (*). O aquartelamento e a povoação foram ocupados pelo PAIGC apenas em 2 de setembro de 1974. (Natural de Turquel, Alcobaça, o Jorge Pinto é professor do ensino secundário, reformado.)

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Um dos beligerantes sempre se apresentando armado até aos dentes enquanto o outro, completamente desarmado, de mãos nos bolsos e de palito ao canto da boca.

Muita... muita negligência, muita descontração e muita “fé...zada” que o Natal é todos os dias…

Nunca a companhia se encontrou ou falou com grupos do PAIGC, nem nunca fomos contactados para os receber (talvez porque não tínhamos população?). Soubemos que passados uns dias depois da nossa saída, estes entraram, a seu pedido, em Cumbijã.

Em Bissau foi descanso, muitos bifes com batatas fritas, muita...muita ostra, com cerveja e ás vezes, imaginem! vinho verde branco fresquinho.

A minha perceção, chegado a Bissau, era o de um clima de “fim de guerra” e ao mesmo tempo tenso.

Só conheci Bissau, fugazmente, nos momentos de partida e regresso de férias, pelo que não dava para comparar. Contudo, era evidente um ambiente de descompressão, que sempre acontece com o fim da guerra, por parte dos militares, mas, ao mesmo tempo, de um nervosismos indisfarçável dos europeus aí residentes: quadros de empresas, funcionários públicos e principalmente comerciantes. O semblante do proprietário da escola de condução, meu instrutor, onde tirei a carta, gritava através do seu silêncio ensurdecedor em cada aula.

Quanto à população em geral a vida continuava, nas suas rotinas de sempre, como se nada tivesse acontecido… ou estivesse para acontecer.

Deu para comprar um terço de um carocha (o carro pertencia a 3), onde o Gouveia me ensinou a conduzir, e um relógio “Citizen” (excelente relógio que ainda hoje funciona) para gastar os últimos pesos

Deu ainda para tirar a carta de condução, em tempo recorde, graças às lições do Gouveia (no meu ⅓ de carocha), com exame no dia anterior ao embarque para Portugal. Incumbi o camarada Mourato, furriel periquito do meu pelotão, para me enviar a dita carta logo que estivesse pronta. 

A carta tardou tanto a chegar que resolvi inscrever-me numa escola de condução para tirar uma nova. Felizmente, antes do exame lá recebi o dito papel com as desculpas do Mourato que não a enviou, por correio, com receio que a mesma não chegasse ao destino dada a anarquia reinante de fim do império. Acabou por ma enviar já em Portugal.

Galinha Gorda... por muito dinheiro

Já em Bissau (a conhecer e a viver um pouco do seu dia dia), éramos chamados a fazer proteção à cidade.

Bissau, em grande parte do seu perímetro, tinha uma proteção de arame farpado com vários pontos de vigia ao longo do seu percurso.

Quando entrava de serviço, uma das funções era fazer a ronda, de jipe com um condutor, por todos os postos de vigia assegurando que todos os soldados estavam nos seus postos e em alerta. Era evidente o desleixo nos postos de vigia dado que se tinha já interiorizado que a guerra tinha acabado.

Num dos postos de vigia, da responsabilidade de soldados da companhia, parei para conversar um pouco. Logo me arrependi porque de imediato vem na minha direção uma mulher esbaforida, a queixar-se de não sei do quê, não conseguindo perceber absolutamente nada do que dizia dada a pressa com que falava. Apercebo-me que os soldados,  em vez de ficarem comigo para me protegerem daquele “ataque” de fúria da mulher, todos se afastam, com um sorriso entre dentes.

Percebi logo que havia história. A mulher, um pouco mais calma, vai ao chão e pega numa pena de galinha e aponta para os soldados. Mistério fácil de desvendar, para este “Sherlock Holmes” do Cumbijã. Estamos perante um crime cheio de rabos de palha: o rancho do almoço estava intacto e junto ao posto de vigia uma fogueira ainda mal apagada.

Exerci a minha autoridade (?) fazendo uma acareação entre as partes. Dizia a mulher: "Estes militares foram à minha tabanca, roubaram, mataram e comeram a minha galinha".

Os soldados afirmaram: "Concordamos com tudo o que a mulher disse menos o rouba da galinha já que foi a mesma (a galinha) que entrou, sem autorização, no nosso posto de vigia, pondo em risco a nossa segurança"…

Assim se chegou à reconstituição do “crime”: Um soldado, que já tinha feito ali serviço, tomou de ponta aquela galinha. Trouxe umas sementes da caserna para a aliciar a entrar na guarita seguindo o carreiro de sementes, deixadas por ele, da tabanca até à guarita, acabando aqui por a matar. Perante a galinha morta, depois de conferenciarem, tomaram a decisão mais sensata de assá-la e comê-la.

Todos assumiram o pecado da “gula” ao afirmarem: "Assámos a galinha e todos a comemos. Soube-nos também como se fosse roubada... mas não foi!"

Afinal não foi nada fácil atribuir culpas, pelo que fui colocando pesos (dinheiro) na mão da mulher até ela se calar. Ou seja: Paguei, mas não comi… mas também não pequei de gula!

Continua...


.

Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.(*)

O livro, saído neste último Natal de 2021, aguarda a melhor oportunidade para a sua apresentação ao público. 

Mas podem desde já serem feitos pedidos ao autor: valor 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro.

Os pedidos devem ser feitos para o e-mail: jscosta68@gmail.com, indicando o endereço postal.
__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 31 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22861: Notas de leitura (1404): Joaquim Costa, "Memórias de guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina. Guiné: 1972/74", Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp. - Parte I: "E tudo isto, a guerra, para quê ? Não sei"...

(**) Último poste da série > 16 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22911: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXII: Os torneios de futebol e a Cilinha que não veio, e a notícia do 25 de Abril que só chegou a 26...

Postes anteriores (faz agiora um ano que começámos a publicar esta série, que já deu um livro):

20 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22824: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI: A "marcha louca" na véspera do Natal de 1973

26 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22754: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XX: outras guerras, outros protagonistas: os mosquitos, as abelhas, as formigas, as matacanhas...

12 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22711: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIX: As hortinhas... dos "durões"

2 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22682: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVIII: A ração de combate

11 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22621: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVII: a minha "bigodaça”... que tanto incomodou os senhores da guerra

22 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22561: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVI: O regresso de férias e o terceiro murro no estômago

31 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22499: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XV: Férias em julho/agosto de 1973... e o teste da cerveja

25 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22482: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIV: " Bora lá... para a nova casa, Nhacobá" (Op Balanço Final)


8 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22350: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XII: A primeira noite em Nhacobá (Op Balanço Final)

23 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22308: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XI: Op Balanço Final: Assalto a Nhacobá ou o dia mais longo

7 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22261: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte X: a segunda "visita dos vizinhos" (com novo ataque ao arame)

26 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22225: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IX: O primeiro murro no estômago

1 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22159: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VIII: A primeira visita... dos "vizinhos", com ataque ao arame!

13 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22100: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VII: Cumbijã: a nossa modesta casinha, os picadores e a crueldade das minas

24 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22032: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VI: (i) batismo de fogo... com a reza do terço; e (ii) uma patuscada... de gato por lebre!

23 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22028: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte V: As nossas lavadeiras... e o furriel 'Pequenina'

12 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21996: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IV: O embarque, as 'hospedeiras'… e África Minha

27 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21953: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte III: Depois de Chaves, Estremoz, RC 3, onde fomos formar companhia...

13 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21893: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte II: A minha passagem pela maravilhosa cidade de Chaves depois do martírio de Tavira

3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21844: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 3851, 1972/74) - Parte I: Caldas da Rainha (A chegada às portas da tropa: um fardo pesado); Tavira (Amor, ódio e... trampa)