Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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segunda-feira, 7 de julho de 2025
Guiné 61/74 - P26992: Notas de leitura (1817): “Os Caminhos da Morte”, por Manuel da Costa; Nimba Edições, 2023 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Junho de 2024:
Queridos amigos,
Manuel da Costa não é um nome desconhecido, revelou a sua qualidade literária e inegável bravura ao escrever Maré Branca em Bulínia, o tema já era o narcotráfico. Recorde-se que o autor é engenheiro, tenente-coronel e alto funcionário na Guiné-Bissau, colaborando em programas internacionais. Dá-nos agora um espetacular e turbilhonante romance negro, gente degolada, com homicidios disfarçados de acidentes rodoviários, conexões entre o peixe graúdo e o peixe miúdo, veteranos da guerra e gangsters, mandantes que estão bem na vida, inevitavelmente há impolutos na polícia e na Justiça, mas no final o crime compensa ou fica impune. E o autor não esconde ao que vem: "Com a maior reverência pela verdade e por um diálogo franco que pelo uso excessivo da força. Pelo saber e pela valentia de quem se entrega nessa luta em defesa da honra e por amor à pátria. Eis um policial para chamar à razão os falcões da tabanca e, com toda a modéstia, civilizadamente, calar a boca de quem pisa e manda calar o zé-ninguém que vive sem voz." É um consolo ver a literatura guineense com sangue na guelra.
Um abraço do
Mário
Ninguém o supera nas denúncias do lamaçal guineense
Mário Beja Santos
Há uns anos, conheci este escritor corajoso graças ao livro “Maré branca em Bulínia”, uma quase metáfora muito bem engendrada e com subtil arquitetura da escrita, a revelação nua e crua do narcotráfico na Guiné-Bissau.
Manuel da Costa é um engenheiro-escritor que tem um percurso imparável, formou-se no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, é mecânico de eletricidade e instrumentos de aviões, tenente-coronel, Diretor Geral de Modernização da Produção das Forças Armadas, tem outras altas incumbências, é relator de documentos do maior relevo, é comentador radiofónico, poeta e romancista.
“Os Caminhos da Morte”, Nimba Edições, 2023, será porventura a sua obra mais recente, apresentando como um romance policial, do tipo do “romance negro” (investigação detectivesca com casos macabros, mafiosos, tiroteios e ciladas) e o autor esclarece-nos quanto aos seus propósitos, não esconde que a alegoria ficcional é inferior à realidade:
“Bulínia é um país fictício e tudo o que escrevo sobre ele é produto da minha imaginação. As boas criaturas e os grandes monstros que criei são cidadãos de Bulínia e não pertencem a mais nenhuma nação. Assim, se os nomes que dei às personagens e aos crimes investigados tiverem alguma semelhança com uma ou outra qualquer realidade, tenham a certeza que se trata de mera coincidência. Os Caminhos da Morte aborda o problema do narcotráfico na vertente do combate e consumo de drogas em Bulínia.” E despede-se desafrontadamente: eis um policial para chamar à razão os falcões da tabanca e, com toda a modéstia, civilizadamente, calar a boca de quem pisa e manda calar o “zé-ninguém” que vive sem voz.
Numa completa inversão da clássica trama policial, logo saberemos quem dirige a batuta da rede criminosa, e vão desfilando: a canalha cúmplice dos narcotraficantes, os gangsters, saberemos muito cedo que há ramos das Forças Armadas que desobedecem à Justiça, e há um detetive herói, um inspetor da Polícia Judiciária, Mário Baticã Ferreira. Tudo começa com um homem morto no Bairro dos Veteranos da Revolução, degolado e cortado à catana. Comparecem a Polícia de Intervenção Rápida e o pessoal da Brigada de Investigação Criminal da Polícia de Ordem Pública. A médica forense é mulher do Dr. Marcelino, o mandante do crime, associado ao Patrão Lino, outra figura sinistra.
Fora um crime cometido por profissionais, não deixaram indícios, com exceção de uma beata de cigarro (revelar-se-á de grande importância). O assassinado tinha um pé em Portugal e outro em Bulínia, vivia dos negócios de empresários de construção civil e era patrão de cocaína. A médica forense entregou o relatório da autópsia ao inspetor Baticã Ferreira. Apurou-se as escoriações, o que bebera e comera, começava a investigação por identificar os últimos passos. Baticã trabalha em parceria com o investigador Lona Dafa, procuram saber quem é quem nesses bandos que faziam assaltos, mas havia o aspeto surpreendente de que aquele crime não fora praticado por delinquentes inexperientes. Começam a interrogar gente ligada a toda a espécie de crimes, começaram por um mandante de assaltantes, depois foram a uma discoteca por onde passou o assassinado com uma rapariga; Baticã recebe a visita da namorada do assassinado, ela dá informações, estava na discoteca e apareceram três rapazes, o assassinado, de nome Aliu Candé, partiu com eles. A mulher portuguesa daquele denunciou alegadamente o mandante do crime, alguém a quem Aliu devia dinheiro em Lisboa, ela sabia que o marido era traficante.
Tudo leva a crer que o romance enveredara por um processo investigativo bem convencional, não é o caso, vamos descobrir que existem informadores dos narcotraficantes dentro das polícias, que há generais dedicados ao crime que exercem o seu poder de influência junto de decisores políticos. Procura-se junto de outro suspeito, Quintino Diague, aparece uma pistola, uma nova pista de investigação. Temos novo assassinato, é inegável que por detrás dos crimes anda o Patrão Lino. Há também uma rapariga que foi degolada, temos aqui um emaranhado de pistas. Nesta teia de situações em que o leitor sabe que a realidade supera a ficção, são reveladas as conivências entre militares, forças de segurança e políticos. Mário Baticã é incansável, estão identificados os jovens que mataram Aliu Candé, o negócio da cocaína vai produzindo mais vítimas, Tio Caló é degolado.
Manuel da Costa é primoroso na formulação dos enredos e na simplicidade empolgante com que vai capturando o leitor:
“O Coronel Besna Na Rembe desconfiou de Busnassum. Ameaçou matá-lo com makarov apontando contra a cabeça dele para lhe destruir os neurónios. Sem demoras, ele confessou o crime e o pecado que fizera. Traição. Porém, disse-lhe que foi a mando do Senhor Marcelino. O Coronel Besna não perdeu mais tempo com ele. Foi para o Patrão Lino no escritório. Disse-lhe que não lhe pagava a dívida porque a droga era do antigo Grupo Águia que a Polícia desmantelou. Exigiu ainda que lhe pagassem o carro que mandou incendiar. Deu-lhe apenas três dias para se desenrascar. Nem uma hora a mais senão, iriam fazer ajuste de contas.”
O mandante Dr. Marcelino tem uma espia junto da polícia, vai ficando aterrado com as informações que ela lhe traz, há um general, uma figura lendária do tempo revolucionário, também anda metido no negócio. O autor desloca-se agora para outra zona purulenta, a justiça, os políticos afastam os incorruptíveis, aparece agora um magistrado que vem substituir o impoluto Procurador-Geral da República. Entra em cena o famoso juiz Crisóstomo Alvarenga que quando abriu o dossiê encontrou os nomes do general, do capitão, o Dr. Marcelino, os três rapazinhos carrascos, e mais outros nomes sonantes do mundo do mal, gente dos Grupos Hipopótamo e Manduku, pediu licença para ir gozar férias de inverno em Portugal.
O incorruptível Dr. Augusto Correia dos Reis volta a pegar no caso, faz-se justiça formal, e assim se vai desfechar a tragicomédia:
“De repente, quando os condenados estavam a ser conduzidos para a prisão pela Polícia, a fim de irem cumprir a ordem do meritíssimo juiz, chegou uma carrinha de dupla cabine cheia de tropas fortemente armadas. O objetivo dessa incursão rompante no Tribunal era apenas para resgatar o Capitão Busnassum sob o pretexto que era oficial das Forças Armadas e não podia ser levado para uma prisão de alta segurança. Portanto, tinha de ser preso nas instalações militares para cumprir a sua pena de acordo com a antiga lei da era colonial que ainda estava em vigor.
Gerou-se uma grande confusão entre magistrado, polícias e militares. Não se entenderam. A bem ou a mal, os soldados aplicaram a lei da força para ver se cumpriam a missão. Então, deu-se pânico geral no Tribunal quando soaram rajadas de kalashnikov para o ar e chicoteadas com cinturões. Houve fuga em debandada e ninguém mais parou para defender o que quer que fosse.”
A literatura guineense tem sangue na guelra, e não só bons escritores, são destemidos a pôr a nu o lamaçal que não se confina ao narcotráfico.
De leitura obrigatória.
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Nota do editor
Último post da série de 4 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26984: Notas de leitura (1816): "A Expansão Quatrocentista Portuguesa", de Vitorino Magalhães Godinho; Publicações Dom Quixote, última edição em 2018 – 1 (Mário Beja Santos)
terça-feira, 1 de julho de 2025
Guiné 61/74 - P26973: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (5): em 30 de junho de 1975, vindo de Bissau, eu fazia a reportagem das primeiras eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular (Carlos Filipe Gonçalves)



Cabo Verde > Ilha do Sal > Aeroporto > 28 de junho de 1975 > Há 50 anos eu fazia a reportagem das eleições em Cabo Verde, em 30 de junho de 1975. Na foto a chegada da equipa da comunicação social da Guiné-Bissau à Ilha do Sal, no sábado 28 de junho de 1975. Da esquerda para direita:
- Flora Gomes e Sana Nahada (operadores-câmara filmar);
- António Óscar Barbosa (Cancan) (#) e Carlos F. Gonçalves (jornalistas);
- Agostinho (fotógrafo).
Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves 2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Eis um extrato do meu livro sobre a Rádio Barlavento, no qual descrevo esse dia e a reportagem no dia da eleições (*):
(...) Em junho de 1975 fui indicado para integrar a equipa de reportagem da Rádio Difusão Nacional da Guiné (RDN) que se deslocou a Cabo Verde para cobertura das festividades da Proclamação da Independência. (##)
(….) Na segunda-feira 30 de junho de 1975 faço a reportagem das eleições de deputados, para a Assembleia Nacional Popular. Depois de uma volta pelos bairros, onde vi filas enormes de votantes, acabo por entrar na assembleia de voto da Escola Nova. Fui recenseado na hora, inscrito na lista eleitoral, recebi um boletim de voto e votei!
Na terça-feira, à tarde apanhei o voo para a Praia, onde vou encontrar os colegas da rádio de Bissau, Cancan e Zeca Martins e a malta do cinema que está encarregue de filmar todos os acontecimentos. A missão agora é a reportagem do dia 5 de Julho, no próximo sábado. (…) (**)
(##) O PAIGC sempre teve, desde Conacri, uma equipa de operadores de câmara, fotógrafos e operadores de som, que registava todos os acontecimentos. Faziam agora parte dos órgãos de comunicação social.
(...) Cidade da Praia, 21 Mai (Inforpress) - Os primeiros deputados cabo-verdianos reuniram-se em sessão plenária em 04 de Julho de 1975, véspera da Independência Nacional, no salão da Câmara Municipal da Praia, para constituírem a primeira Assembleia Nacional Popular (ANP), com Isaura Gomes única deputada.
A acta da primeira sessão legislativa da primeira legislatura, consultada pela Inforpress, revela que os 56 deputados eleitos por todos os círculos eleitorais do país reuniram-se pelas 16:30 nos Paços do Concelho da Praia.
Nas listas únicas constavam nomes de dois sacerdotes (...).
A Comissão Eleitoral de então, presidida pelo jurista Raul Querido Varela, funcionou no edifício do Palácio da Justiça.(...)
Foi esta Comissão que, a 03 de Julho de 1975, procedeu ao apuramento geral do resultado das eleições dos deputados à Assembleia Nacional de Cabo Verde.
Este apuramento aconteceu nos termos do disposto nos artigos 102 a 105 da lei eleitoral de Cabo Verde, aprovada pelo decreto-lei 203/A 75, de 15 de Abril de 1975, do Governo provisório da República Portuguesa. (...)
O falecido Abílio Duarte, que a 05 de Julho proclamou a independência de Cabo Verde, no Estádio da Várzea, foi o primeiro presidente do parlamento cabo-verdiano. (...)
Após a instalação da mesa definitiva, Abílio Duarte declarara aberta a primeira sessão da Assembleia Nacional Popular.
De seguida, convidou os deputados a porem-se de pé, procedendo-se à leitura do texto de juramento colectivo, por uma questão de economia e tempo.
“Juro por minha honra dedicar a minha inteligência e energias ao serviço do Povo de Cabo Verde, cumprindo com fidelidade total os deveres da alta função de Deputado à Assembleia Nacional Popular”, foi assim que os eleitos de então juraram para servirem o país.
Feito o juramento, segundo consta da acta, a sessão foi suspensa por uns instantes e, de seguida, o presidente convidou os jornalistas a abandonarem a sala de sessão. (...)
Nessa mesma sessão, além do texto da proclamação da República de Cabo Verde, foi aprovada, por unanimidade, a Lei da Organização Política do Estado (LOPE), e foi, ainda, adoptada a lei que atribui a Amílcar Cabral o título de Fundador da Nacionalidade.
De acordo com o documento de 42 páginas dactilografadas, na época, a eleição do Presidente da República e do primeiro-ministro foi por aclamação.
“Povo de Cabo Verde, hoje, 05 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde proclama solenemente a República de Cabo Verde como Nação Independente e Soberana (...)”, lê-se no texto apresentado pelo presidente da ANP.
Abílio Duarte concluiu a leitura do texto de proclamação da independência dizendo que “a República de Cabo Verde lança um apelo a todos os Estados independentes, organizações e organismos internacionais, para que reconheçam de jure como Estado soberano, de harmonia com o Direito e a prática internacionais”.
Foi ainda nesta sessão legislativa que Aristides Pereira fora eleito primeiro Presidente da República de Cabo Verde e Pedro Pires como primeiro-ministro.
Em 1975, houve quem considerasse que Cabo Verde era um país “inviável” e com a independência ia desaparecer do mapa.
No livro do jornalista José Vicente Lopes “Aristides Pereira: Minha vida, nossa história”, o primeiro Presidente de Cabo Verde relata episódios sobre a situação financeira herdada da então potência colonial.
“Portugal deixou-nos praticamente com uma mão à frente e outra atrás (…), porque também estava com sérios problemas de sobrevivência devido ao caos financeiro e económico que nele se instalou com o 25 de Abril”, disse Aristides Pereira, para quem o que mais os governantes de então temiam era a seca.
Mas, segundo ele, graças à campanha de sensibilização feita junto de alguns países africanos e de Portugal, conseguiram colmatar as carências que havia para arrancar.
Para assinalar o 50º aniversário da independência nacional, a Assembleia Nacional vai reunir-se no dia 05 de julho, em sessão solene, sob a presidência de Austelino Correia, com um parlamento constituído por três partidos políticos: o Movimento para a Democracia (MpD, poder), o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e a União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), ambos da oposição. LC/AA.
(Revisão / fixação de texto: LG)
quinta-feira, 19 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26938: Ser solidário (285): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (14): Mercado de venda de produtos em segunda-mão no dia 21 de junho na cidade de Bressanone – Região Italiana do Alto Adige (Renato Brito)
Boa tarde Carlos Vinhal,
Com a presente venho por este meio partilhar a “cartolina” que prossegue com a campanha de angariação de fundos para construir uma escola na aldeia de Sintcham Arafam – Guiné-Bissau.
Desta feita mais um mercado de venda de produtos em segunda-mão no dia 21 de junho na cidade de Bressanone – Região Italiana do Alto Adige.
Cumprimentos,
Renato Brito
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Nota do editor
Último post da série de 15 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26802: Ser solidário (284): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (13): Apresentação do projecto na Sede da Associação Macaréu, dia 31 de Maio de 2025, pelas 18h30, Rua João das Regras, 151 - Porto. Também uma oportunidade para experimentar a gastronomia e ouvir música da Guiné-Bissau (Renato Brito)
quinta-feira, 12 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26912: Diálogos com a IA (Inteligência Artificial) (4): A Canção dio Cherno Rachide (tr. e adapt. de Manuel Belchior): quem teria sido a o sábio Logomane ? Um figura histórica ou uma personagem lendária ou alegórica ?
Capa do livro de Manuel Belchior - Grandeza africana : lendas da Guiné Portuguesa [S.l. : s.n., s.d.] (Lisboa : Oficinas de S. José : Edições O Mosquito. - 125 p., 23 p. il. (capa e il. de José Antunes, 1937-2010) (Cortesia de Torcato Mendonça, 1944 -2021)
Canção do Cherno Rachide
Filhos amados, vosso pai Rachide
Uma regra de vida vos vai dar,
Segui-a com rigor e não tereis
Nada que lastimar.
Raparigas, sabei que um homem espera
Encontrar na mulher três qualidades:
Respeito aos seus segredos, ao leito
E a todas as vontades.
A vós, rapazes, dou-vos um conselho
Que todo o sábio para si tomou
De outro, ainda mais sábio, Logomane,
Que outrora assim falou:
- «Deves ter fé em Deus que tudo vê
«E tudo pode acerca dos mortais,
«Trabalha com ardor e serás útil
«A ti e aos demais.
- «Estuda e elevarás a tua alma
«Que os livros bons te podem ensinar
«Muitas coisas formosas deste mundo
«E a Deus agradar.
- «A palavra, o alimento e o sono
«Como remédio deverás tomar:
«O bastante p’ra que o corpo não sofra
«Mas sem nunca abusar.
- «A boca é uma e as orelhas duas.
«Isso te indica como proceder,
«Usa o ouvido mais do que o falar
«E saberás viver.
- «Em três partes o estômago divide,
«P’ra comida só uma reservar,
«As outras hão-de ser bem necessárias
«P’ra água e para o ar.
- «A noite é grande e não deve ser gasta,
«Do sol posto à manhã, toda a dormir,
«Destina parte dela à oração,
«Terás feliz provir.
- «Deves casar p’ra nunca cobiçares
«Mulher doutro. Não nego, o casamento
«Traz desgosto profundo.
«Mas se a fêmea procuras fora dele,
«Em vez desse desgosto terás dois,
«Neste e no outro mundo".
Meus filhos, quem seguir estes conselhos
No decurso da vida há-de contar
Satisfação a esmo.
E maiores triunfos que o atleta
Que vença toda a gente nos torneios,
Pois vence-se a si mesmo.
- ter fém em Deus;
- trabalhar com ardor;
- estudar;
- usar com moderação a palavra, o alimento e o sono;
- saber ouvir;
- comer frugalmente;
- dormir o suficiente;
- orar;
- casar;
- não cobiçar a mulher alheia...
Quem terá sido o sábio Logomane, que vem citado em "A Canção do Cherno Rachide", imã que morreu em setembro de 1973 na antiga Guiné Portuguesa ? A Canção foi alegadamente traduzida do árabe pelo etnógrafo português Manuel Dias Belchior (ou Manuel Belchior, n. 1911). (Temos dúvidas se o Manuel Belchior era fluente em árabe, fula e mandinga; ou se fonte original oral não seria antes o fula; o Cherno Rachide era futa-fula.)
(i) Resposta da Gemini IA / Google
Logomane e a Canção do Cherno Rachide
Sinto muito, mas não consigo encontrar informações sobre um sábio chamado Logomane que esteja diretamente ligado a Cherno Rachide, um imã que teria morrido em setembro de 1973 na antiga Guiné Portuguesa.
É possível que a referência a "Logomane" seja:
- Uma figura local ou tribal menos documentada: a Guiné Portuguesa (atual Guiné-Bissau) tinha umo rico painel de líderes religiosos e comunitários; pode ser que Logomane fosse uma figura respeitada num contexto local, mas cuja história não foi amplamente registada;
- Um nome simbólico ou alegórico: em muitas tradições orais e canções, nomes podem ser usados metaforicamente para representar sabedoria, antiguidade ou um idealM
- Uma grafia alternativa: o nome pode ter sido registado de diferentes formas ao longo do tempo;
- Informação pouco divulgada: a história de Cherno Rachide e a "Canção do Cherno Rachide" podem ser parte de um corpo de conhecimento oral ou documentos menos acessíveis publicamente.
Ao que tudo indica, Logomane é uma figura de sábio ou mestre citada na "Canção do Cherno Rachide", e não um indivíduo historicamente documentado de forma independente em registos ocidentais.
Fragmentos da canção que circulam online, mencionam Logomane com frases como:
"De outro, inda mais sábio, Logomane / Que outrora assim falou: - Deves ter fé em Deus que tudo vê. / E tudo pode acerca dos mortais. / Trabalha com ardor e serás útil. / A ti e aos demais. - Estuda e elevarás a tua alma. / Que os livros te podem ensinar. / Muitas coisas formosas deste mundo. / E a Deus agradar. - A palavra, o alimento e o sono. / Como remédio deverás tomar: O bastante p'ra que o corpo..."
Estes versos sugerem que Logomane é um porta-voz de valores religiosos, morais e educacionais, comuns nas tradições islâmicas e orais da região. Ele representa a sabedoria ancestral e a importância da fé, do trabalho e do estudo.
Para aprofundar a pesquisa: Consultar as obras de Manuel Belchior: se tiveres acesso a "A Grandeza Africana – Lendas da Guiné Portuguesa" ou "Contos Mandingas", poderás encontrar o contexto completo da canção e, possivelmente, mais informações sobre Logomane e a sua significância dentro da tradição que Belchior recolheu. (...)
(ii) Perplexiti IA
O sábio Logomane citado em "A Canção do Cherno Rachide"
Identidade de Logomane
Na canção "A Canção do Cherno Rachide", traduzida do árabe para português por Manuel Belchior, surge a referência a um sábio chamado Logomane, de quem se cita um ensinamento: “Deves ter fé em Deus que tudo vê. E tudo pode acerca dos homens”...
Contexto da referência
A citação de Logomane parece funcionar, no contexto do poema, como uma invocação de autoridade tradicional e sabedoria religiosa, típica da literatura oral e da poesia islâmica da África Ocidental.
Sobre o Cherno Rachide
O Cherno Rachide, imã muçulmano e figura religiosa de grande prestígio na região de Quebo (Aldeia Formosa, na época colonial), faleceu em setembro de 1973, pouco antes da proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau.
Conclusão
A referência a Logomane em "A Canção do Cherno Rachide" deve ser entendida como evocação de uma autoridade tradicional de sabedoria islâmica, sem que haja, até ao momento, confirmação documental de se tratar de uma figura histórica específica. O uso do nome reforça o tom de transmissão oral e de respeito pela cadeia de mestres espirituais típica da poesia religiosa da África Ocidental.
Manuel Belchior foi um funcionário colonial português com formação superior (Escola Superior Colonial) que desempenhou uma longa carreira administrativa no Ultramar Português, especialmente na Guiné Portuguesa, entre 1938 e 1961.
Além da recolha de lendas, Belchior também se interessou por questões antropológicas, analisando costumes, sistemas de sucessão e relações sociais das comunidades locais. Foi ainda autor de estudos históricos e culturais, como "Sobre a origem do termo Guiné", publicado no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.
O seu legado é relevante para a preservação da memória oral e cultural da Guiné-Bissau, tendo contribuído para o conhecimento das tradições africanas junto do público lusófono e académico.
Apesar do contexto colonial, a sua metodologia de recolha etnográfica tem sido reconhecida por preservar a identidade cultural e literária da Guiné-Bissau.
________________
(**) Vd. postes de;
7 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22076: Antropologia (42): "Grandeza Africana, Lendas da Guiné Portuguesa", por Manuel Belchior (2) (Mário Beja Santos)
segunda-feira, 9 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26902: Notas de leitura (1807): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (3) (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Estão aqui muitos anos de aturado trabalho, investigação de longo fôlego que marcou a diferença na historiografia ao pôr o acento tónico na luta na Guiné Portuguesa que se iria constituir um fator principal do direito da descolonização e do próprio 25 de Abril. Todo o processo da independência da Guiné-Bissau tem subjacente a intervenção genial de Amílcar Cabral pela sua habilidade diplomática e por ter encontrado uma estratégia adequada conducente à declaração unilateral da independência. Acresce que o autor observa com extremo cuidado como este processo da independência acabou por definir os termos e os limites da descolonização portuguesa. Foi este o grande avanço e o virar de página que António Duarte Silva imprimiu neste ramo da historiografia.
Um abraço do
Mário
A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (3)
Mário Beja Santos
A diferentes títulos, este primeiro livro de António Duarte Silva constituiu uma singularidade nos termos da visão de como se processara a independência da Guiné-Bissau da colonização portuguesa. A historiografia da época (acima de tudo, a de caráter internacional) centrava-se no pensamento de Cabral e na forma como procedera estrategicamente na luta armada, em caso algum, toda essa vasta bibliografia jamais pusera acento tónico no que havia de revolucionário no processo jurídico que fora montado para a declaração unilateral da independência, por exemplo, matéria que o autor disseca em profundidade. Obviamente que não foge a dar-nos a moldura da ascensão do nacionalismo guineense, o papel que tiveram as decisões tomadas na reunião em Bissau em 1959, como se preparou a luta armada, a questão da unidade Guiné-Cabo Verde, a ligação do processo independentista guineense com o de outras colónias quando outros movimentos emancipalistas de colónias portuguesas africanas.
Em consequência, o ponto alto desta laboriosa investigação é desenhado pela originalidade das estratégias conducentes à declaração unilateral, não descurando que pelo caminho houve tentativas de negociação que pudessem conduzir à autodeterminação da colónia. Vimos no texto anterior o essencial da constituição do Boé, as reproduções da declaração de independência foram enormes, em pouco mais de 80 países reconheceram a República da Guiné-Bissau.
Mas há que atender a uma outra dimensão contemporânea à aceitação e reconhecimento do novo Estado independente, o caminho que nos conduz ao 25 de Abril, a existência do MFA da Guiné. Com o 25 de Abril, como o autor observa aprofundadamente houve um percurso por vezes muito acidentado nas negociações, isto a despeito de os Capitães de Abril reconhecerem que se impunha ratificar a existência de um novo Estado, partiu-se do cessar-fogo, de conversações em Londres e em Argel, perante o insustentável de não haver vontade para combater o próprio Spínola, como estribado do Conselho de Estado, promulga legislação que abre as portas à autodeterminação das colónias, a partir daí abria-se uma larga clareira para se chegar ao Acordo de Argel, a lei 7/77, de 27 de julho, fora determinante. Depois a Guiné-Bissau é admitida na ONU, concluído o Acordo de Argel que, como o autor releva, teve um papel impulsionador para outras independências.
Para os estudiosos, a quarta parte desta investigação de referência, dedicada à formação do Estado, é de consulta obrigatória, analisa os textos da formação do Estado Guiné-Bissau, é um exaustivo levantamento de caráter jurídico em que o autor conclui dizendo que “A Guiné-Bissau é, quanto aos modos da formação do Estado, um Estado criado por descolonização mediante uma declaração unilateral de independência. Em primeiro lugar, porque a proclamação de independência se fundou juridicamente no direito à autodeterminação e independência dos povos coloniais e, à data da sua formação, a Guiné-Bissau já não era, face ao direito internacional vigente, parte do território português. Depois, porque a luta armada de libertação nacional se tornara legítima quanto a repressão do exercício do direito à autodeterminação correspondia a um uso da força contrário à Carta da ONU e, mais ainda, porque o PAIGC fora reconhecido como único, autêntico e legítimo representante do povo.”
Esta apreciação inovadora carreada pelo autor prossegue com a sua leitura do direito à autodeterminação, leitura que desagua no direito de descolonização em que se formou a Guiné-Bissau pois o autor diz que a formação da Guiné-Bissau foi um acontecimento excecional, constituindo uma etapa importante internacional da descolonização, e passa-se revista a todo o processo histórico vivenciado pelos movimentos de libertação das colónias portuguesas, o estabelecimento de contactos do PAIGC com a ONU, a justificação do recurso à guerra, e, por fim, as bases jurídicas do reconhecimento da Guiné-Bissau, um processo que não foi linear para todas as independências das colónias portuguesas. Os anexos do trabalho incluem peças fundamentais: relatório da reunião do PAI, de 19 de setembro de 1959; proclamação do Estado da Guiné-Bissau; Constituição da República da Guiné-Bissau, aprovada em 24 de setembro de 1973; as leis portuguesas conducentes ao reconhecimento do Estado soberano da Guiné-Bissau; a legislação guineense sobre a orgânica do Estado, a atribuição a Amílcar Cabral do título de Fundador da Nacionalidade; a resolução da ONU de 2 de novembro de 1973 que alude à presença ilegal de Portugal na Guiné-Bissau; a moção do MFA da Guiné de 1 de julho de 1974; o texto do Acordo de Argel e respetivo anexo.
Para a época, o autor revelava a mais extensa bibliografia relativa à colonização, guerra colonial e luta de libertação nacional, bem como a bibliografia sobre o processo de independência da Guiné-Bissau e a sua relação com a descolonização portuguesa.
Dá-se como provado o que o autor induz na sua escrita da contracapa da obra: uma perspetiva multidisciplinar, abordando as vertentes histórica, jurídica e política quer nos planos interno, colonial e internacional; trata das características locais do colonialismo português e do desenvolvimento do nacionalismo guineense; recorre a fontes primárias, documentos inéditos e alguns testemunhos orais, apoia-se numa bibliografia extensa e pesquisas em múltiplos centros de documentação.
Sujeito às rugas do tempo e às correções suscitadas por novas fontes e novos olhares sobre este complexo caminho que levou à independência da Guiné-Bissau, mantém-se com um estudo admirável que beneficiará toda e qualquer investigação em torno da presença portuguesa e da criação do Estado soberano da Guiné-Bissau.
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Notas do editor:
Post anterior de 2 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26875: Notas de leitura (1805): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (2) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 8 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26898: Notas de leitura (1806): "Gil Eanes: o anjo do mar", de João David Batel Marques (Viana do Castelo: Fundação Gil Eanes, 2019, il, 132 pp.) - Parte III: O orgulho da ENVC (Estaleiros Navais de Viana do Castelo)
segunda-feira, 2 de junho de 2025
Guiné 61/74 - P26875: Notas de leitura (1804): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (2) (Mário Beja Santos)

Queridos amigos,
Foi neste seu primeiro livro que António Duarte Silva vislumbrou o que havia de inédito na estratégia congeminada por Amílcar Cabral para sair do impasse da luta armada graças à declaração unilateral de independência, que ele analisa em detalhe, conjugando o direito e a política, foi um processo cuja anatomia envolveu o confronto estratégico de Spínola e Cabral, o progressivo isolamento diplomático de Portugal e a credibilização do PAIGC sempre em alta; o autor esmiúça o processo eleitoral da Assembleia Nacional Popular e como se prepararam as reuniões para a independência. No terceiro e último texto, iremos ver a descolonização portuguesa e o reconhecimento da Guiné-Bissau, chamando a atenção para o riquíssimo acervo documental e bibliográfico que o autor nos preparou.
Um abraço do
Mário
A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (2)
Mário Beja Santos
Como se assinalou no texto anterior, o investigador António Duarte Silva encarou esta obra como um roteiro em quatro partes: colonialismo e nacionalismo na Guiné; o que houve de inédito e revolucionário na declaração unilateral da independência, que ocorreu formalmente em 24 de setembro de 1973; que caminhos trilhou a descolonização portuguesa e como a República da Guiné-Bissau nasceu de um conjunto de normas e atos políticos singularíssimos: o direito à autodeterminação previsto na Carta das Nações Unidas, como o PAIGC se fez legitimar não só pela lutar armada mas como um lutador pela independência que tinha território ocupado pelo colonizador; e o caso inédito de que essa declaração unilateral da independência foi acompanhada com prontidão pelo reconhecimento do número maioritário dos Estados pertencentes às Nações Unidas e como pelo 25 de Abril, se chegou ao reconhecimento português e à admissão da Guiné-Bissau na ONU.
O autor enfoca o tempo e o modo da descolonização portuguesa, como se procurou a negociação com o Governo português para chegar à autodeterminação, sem qualquer êxito, e também como o pensamento de Cabral era consistente na definição do que devia ser a soberania e poder constituinte: idealizou uma assembleia que votasse a independência, gerou empatia no ONU, a Assembleia Nacional Popular começou por aprovar a independência, depois a Constituição e designou os titulares dos outros órgãos centrais do Estado. Há aqui um dos pontos capitais da análise que o autor faz à formação da Guiné-Bissau enquanto Estado africano.
Ele diz expressamente:
“O Estado, em África, resulta de um transplante e não só a evolução das sociedades e dos sistemas político-jurídicos africanos profundamente marcada pelo fenómeno colonial como a sociedade pós-colonial foi pré-definida de um modo decisivo através do princípio da territorialidade, da imposição do sistema normativo ocidental e da mundialização do sistema inter-estatal. De facto, os Estados africanos, sobretudo da África negra, corresponderam a uma repetição geral do Estado moderno. A mundialização do Estado moderno constituiu um dos traços dominantes do nosso tempo e acelerou-se no decurso dos últimos decénios. O Estado africano, cuja existência é anterior à de uma nação sobre a qual se possa fundar, tem de indo construindo a sua própria nação. Enquanto procede à construção nacional, o Estado resume-se à mera soma de aparelhos administrativos, que procuram separar-se da sociedade civil, já que a sociedade civil não permite ainda distinguir a função do órgão e o órgão do seu titular. A grande maior dos Estados africanos imitou formalmente o Estado metropolitano. Acresce que a receção do modelo estadual europeu foi essencialmente organizacional, pois nem o espírito democrático foi assimilado, nem o Estado africano, precisamente por vir de fora e ser imposto de cima, tem a contextura do Estado moderno.”
E daí a observação que o autor faz das particularidades da Guiné-Bissau, continuo a pensar que se trata de uma apreciação que nenhum investigador da problemática guineense devia ignorar. E, logo de seguida, o autor procede a uma síntese de como a Guiné fez parte do império colonial português, é uma figura política e jurídica surgida a Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, a presença portuguesa na região foi sempre muito mitigada, a sua colonização assentou no trabalho forçado, no imposto de capitação e na exportação comercial – aí tiveram um papel de capital a chamada Casa Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, esta ligada ao Banco Nacional Ultramarino.
Dado o contexto, o autor muda de campo de observação para todo o histórico da declaração de independência, o que remete para uma síntese do direito colonial, do que se passou no teatro de operações, como foi evoluindo o envolvimento internacional e a ação diplomática de Amílcar Cabral, a importância que teve em termos políticos internacionais, a visita de uma missão especial da ONU no início de abril de 1972 a alguns pontos do Sul da Guiné, como Cabral pôde potenciar as conclusões da missão e o beneplácito recebido pela Assembleia Geral da ONU; temos igualmente um quadro das tentativas de negociação. Cabral congeminara uma estratégia para a declaração unilateral da independência: a convocação de eleições nas chamadas zonas libertadas, elaborou um documento intitulado Bases para a criação da 1.ª Assembleia Nacional Popular na Guiné, estava a ganhar forma o cenário para a independência a que Cabral fisicamente não assistiu, na última mensagem de Ano Novo, proferida no mês em que foi assassinado, ele refere-se expressamente à eleição e reunião da Assembleia Nacional Popular, dizendo que a Guiné-Bissau até aí é uma colónia dispondo de um movimento de libertação e cujo povo libertou durante anos de luta armada parte do seu território nacional, passaria a ser, aprovada a independência, um país dispondo do seu Estado e que tem uma parte do seu território nacional ocupada por forças armadas estrangeiras.
Entre o assassinato de Cabral e a declaração unilateral da independência, e indo um pouco atrás, houvera a ofensiva portuguesa no Sul, a reocupação do Cantanhez, a chamada Operação Grande Empresa, que inicialmente deixou o PAIGC em grande confusão; seguem-se os acontecimentos de março e abril, a chegada dos mísseis terra-ar e de duas grandes operações montadas para cercar Guidage e Guilege, com resultados devastadores. Spínola envia para Lisboa um relatório atemorizador: “Aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar.”
De 18 a 22 de julho, próximo de Madina do Boé, realiza-se o segundo congresso do PAIGC; Aristides Pereira é eleito como Secretário-Geral e Luís Cabral como Secretário-Geral Adjunto; reveem-se os estatutos do PAIGC e convoca-se a Assembleia Nacional Popular com o fim de proclamar a independência. O lugar inicialmente escolhido era Balana, no Sul, por razões de segurança e por ter havido rotura de ligações diplomáticas entre o Senegal e a Guiné-Conacri, escolheu-se um ponto de Boé, e não seriam ainda 9 horas de 24 de setembro quando a dita assembleia proclamou o Estado da Guiné-Bissau.
O autor disseca o teor da Proclamação do Estado, analisa a Constituição do Boé e extrai uma breve conclusão:
“Das muitas considerações que esta Constituição pode suscitar, destaca-se que a Guiné-Bissau foi criada como Estado constitucional, cuja Lei Fundamental não foi uma mera técnica de descolonização, antes o produto de uma luta de libertação nacional ampla e duradoura, e pretendia ser o estatuto de um Estado-Nação combinando os (dominantes) modelos europeus com soluções próprias da sua história, em especial, da descolonização da Guiné-Bissau (e, também, de Cabo Verde).”
(continua)
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Notas do editor:
Vd. post de 26 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26849: Notas de leitura (1801): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (1) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 30 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26864: Notas de leitura (1803): "Um Império de Papel, Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940)", por Leonor Pires Martins; Edições 70, 2012 (Mário Beja Santos)
sexta-feira, 30 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26865: Agenda Cultural (887): Visitas guiadas à exposição "Imaginários da Guiné-Bissau - O Espólio da Álvaro de Barros Geraldo (1955-1975)", patente de 8 de maio a 31 de agosto de 2025, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Rua da Escola Politécnica 56, Lisboa (Catarina Laranjeiro)
1. Mensagem de Catarina Laranjeiro, investigadora no Instituto de História Contemporânea da NOVA (FCSH), com data de hoje, 30 de Maio de 2025, dando conta das visitas guiadas à Exposição "Imaginários de Guiné-Bissau", no Museu Nacional de História Natural e da Ciência:
Boa tarde,
Gostaria muito de contar com vocês nas visitas comentadas da exposição Imaginários da Guiné-Bissau: O Espólio de Álvaro de Barros Geraldo, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência.
A primeira visita é já este domingo!
A exposição, que contou com a curadoria minha e da Inês Vieira Gomes, parte do espólio de Álvaro de Barros Geraldo para questionar o argumento da “manutenção da paz” num território em guerra.
Através de imagens de emboscadas, cerimónias e iniciativas militares e sociais, propõe-se uma leitura crítica desse discurso e dos seus legados pós-coloniais, neste ano em que celebramos os 50 anos das independências das antigas colónias portuguesas.
O Museu é um espaço fresco, com um belo jardim para quem vier com crianças.
Aqui ficam as datas das visitas comentadas, sempre às 11h00:
01.06 (domingo): Visita comentada por Daniel Barroca e João Egreja
29.06: Visita comentada por Catarina Mateus e Inês Vieira Gomes
13.07: Visita comentada por Ariana Furtado e Catarina Laranjeiro
27.07: Visita comentada por Aurora Almada e Santos e Paulo Catrica
31.08: Visita comentada e debate com Amadu Dafé e Onésio Soda
Um abraço
Catarina
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Nota do editor
Último post da série de 24 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26840: Agenda Cultural (886): Entrada livre... O nosso grão-tabanqueiro, luso-guineense, Mamadu Baio & Amigos (incluindo o João Graça, violino, mais 5 guineenses), amanhã, dia 25, no Palácio Baldaya, Estrada de Benfica, 701, Lx, às 17h30, na 16ª edição do festival "Junta-Te Ao Jazz"... Encerra, às 18h30, com o grande Paulo Flores, a voz angolana do kizomba, do semba, da resiliência e da esperança
quarta-feira, 21 de maio de 2025
Guiné 61/74 - P26824: Diálogos com a IA (Inteligência Artificial) (3): A festa do Tabaski entre os muçulmanos da Guiné-Bissau (com Armando Oliveira, Cherno Baldé, Catarina Meireles e Luís Graça)
I. O Cherno Baldé é o nosso "agente" em Bissau: na realidade, este "menino" de Fajonquito, hoje homem grande, pai de 4 filhos, casado com um bonita nalu (e cristã!), quadro superior com formação universitária na Ucrânia, ex-URSS, e em Portugal, hoje consultor independente na área de desenvolvimento e gestão de empresas, representa todos os nossos amigos guineenses que não têm forma de comunicar connosco, e que mantêm, com os portugueses, antigos combatentes, fortes laços afetivos, baseados numa experiência e num respeito comuns...
Como já aqui o dissemos, era (e é) pouco santa mas grande a nossa ignorância em relação à religião e demais aspetos da cultura dos guineenses, fossem (ou sejam) eles animistas, muçulmanos ou cristãos ("grumetes") (*)
A "festa do carneiro", como é popularmente conhecida na Guiné-Bissau, refere-se à celebração do Eid al-Adha, também chamado de Tabaski em muitos países da África Ocidental. É uma das datas mais importantes do calendário islâmico, comemorada por muçulmanos em todo o mundo, incluindo a vasta comunidade muçulmana da Guiné-Bissau.
O Eid al-Adha celebra o ato de fé e obediência do profeta Ibrahim (Abraão), que, segundo a tradição islâmica, estava disposto a sacrificar o seu filho Ismael em obediência a Deus. No entanto, Deus substituiu o filho por um carneiro, que foi sacrificado no seu lugar.
Como se celebra na Guiné-Bissau:
Na Guiné-Bissau, esta celebração tem características culturais e comunitárias muito próprias:
- Sacrifício do carneiro: Famílias muçulmanas que têm condições financeiras compram um carneiro para sacrificar, simbolizando o sacrifício feito por Abraão. O animal deve ser abatido de acordo com os preceitos islâmicos.
- Partilha da carne: A carne do animal é geralmente dividida em três partes – uma parte para a família, uma para familiares e amigos, e outra para os mais necessitados, reforçando o espírito de solidariedade.
- Orações comunitárias: De manhã, as pessoas reúnem-se em grandes espaços abertos para realizar orações especiais em conjunto.
- Momentos de convívio: É também um momento de união familiar, onde se vestem roupas novas ou tradicionais e se visita familiares e vizinhos.
- Relevância social: A festa tem um grande impacto na vida social e económica do país, com movimentações nos mercados, nas aldeias e nas cidades.
Este é um evento muito aguardado e vivido com grande fervor religioso e sentido comunitário na Guiné-Bissau.
Se quiseres saber mais sobre tradições religiosas ou culturais no mundo lusófono, explora gptonline.ai — está cheio de conteúdos úteis!
B. Resposta do Gemini IA / Google:
A "festa do carneiro" entre os muçulmanos da Guiné-Bissau é a celebração do Eid al-Adha, também conhecido localmente e em outras partes da África Ocidental como Tabaski.
Esta é uma das duas maiores e mais importantes festividades do calendário islâmico (a outra é o Eid al-Fitr, que marca o fim do Ramadão).
O Eid al-Adha comemora a disposição do Profeta Ibrahim (Abraão) em sacrificar o seu filho Ismael (na tradição islâmica) como um ato de obediência a Deus. No entanto, Deus interveio e substituiu Ismael por um carneiro (ou outro animal), que foi então sacrificado em seu lugar.
Assim, a principal característica desta festa é o sacrifício ritual de um animal, geralmente um carneiro, mas também pode ser uma cabra, vaca ou camelo, dependendo das possibilidades da família. A carne do animal sacrificado é tradicionalmente dividida em três partes: uma para a família que realizou o sacrifício, uma para os parentes e amigos, e uma para os pobres e necessitados.
Para além do sacrifício, o Eid al-Adha na Guiné-Bissau, assim como em outras comunidades muçulmanas, é um momento de:
- Orações especiais (Salat al-Eid): Os muçulmanos reúnem-se em mesquitas ou espaços abertos para realizar orações congregacionais;
- Reuniões familiares e sociais: As pessoas vestem as suas melhores roupas, visitam familiares e amigos, trocam cumprimentos e partilham refeições festivas;
- Atos de caridade e generosidade: É um momento para ajudar os menos afortunados, oferecendo-lhes comida e apoio financeiro;
- Reflexão e renovação da fé: Os muçulmanos lembram-se da história do sacrifício de Ibrahim e reafirmam a sua fé e submissão a Deus.
É importante notar que a data exata do Eid al-Adha varia a cada ano, pois é baseada no calendário lunar islâmico. As celebrações geralmente duram alguns dias. Na Guiné-Bissau, como em outros países com populações muçulmanas significativas, o Tabaski é geralmente um feriado nacional.
Guiné-Bissau > Bissau > 2004 > Festa do Tabaski (ou do carneiro) (em árabe, Aïd el- Kebir ou Aïd el-Adha) > O nosso grã-tabanqueiro Cherno Baldé com os seus 4 filhos... A festa do Tabaski (designação corrente nos países de forte tradição muçulmana da África ocidental) é, a seguir à festa do fim do Ramadão, a mais importante do Islamismo, equivalente ao Natal cristão. A data é variável, em 2015, foi a 24 de setembro. (***)
Foto: © Cherno Baldé (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legenda: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > A festa do Tabaski... em que pela 1ª vez participaram três europeus, não-muçulmanos, duas portuguesas e um espanhol...
Foto (e legenda): © Catarina Meireles (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Cordialmente,
Cherno AB
2025 M05 15, Thu 16:46:59 GMT+1
Depois de muitas resistências, dúvidas, declinações... lá consegui que me deixassem assistir ao ritual ("eucaristia") numa tabanca perto de Bafatá, de seu nome Tabatô − muito especial, particularmente pela sua forma de vida comunitária, que assenta na música e dança étnicas. São fabulosos!
Fui com mais uma amiga (portuguesa) e um amigo (espanhol). Vestimos roupas típicas, ocupámos as posições indicadas (segundo a ordem social vigente) e imitámos tudo o que nos diziam para fazer... E não me senti diferente... ao contrário, até me senti mais especial!
No fim do ritual, chamaram-nos (aos 3 brancos) para junto dos Homens Grandes e ajoelhámos-nos em círculo.
Para quê? Para dar graças a Alá por esta dávida − pela primeira vez 3 brancos visitaram aquela tabanca no dia do Tabaski. Era um sinal divino de prosperidade e de vida longa (incluindo para nós!)
As explicações foram reforçadas várias vezes para que percebessemos o quão importante e bem-vinda era a visita dos 3 brancos.
Eu disse:
− Sim, 3 é número sagrado!
Eles rejubilaram com o entendimento do misticismo!
Foi-me pedido que falasse... e falei. Pedi uma cadeia de união − corrente de mãos dadas.
− Não há preto, não há branco, somos todos irmãos... daí esta cadeia de união.
E do meu lado esquerdo soou uma voz meiga, dum dos homens que me acolheu nas 3 vezes que fui a essa tabanca:
− Obrigado, Fátima de Portugal!
Catarina Meireles
Notas do editor:
(*) Vd poste de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26801: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte VIII
(**) Último poste da série > 8 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26778: Diálogos com a IA (Inteligência Artificial) (2): camarada Arsénio Chaves Puim, o que o "Big Brother" sabe sobre ti!... Nada, entretanto, que gente não soubesse já... Afinal, a tua vida é um livro aberto (Luís Graça, Abílio Machado e Gemini IA/Google)
(***) Vd. poste de 31 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15556: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (50): Na minha língua materna, o fula, não existe a expressão "Feliz Natal"... Mas felizmente que a Guiné-Bissau é um país de tolerância religiosa, em que as duas religiões monoteístas, islamismo e cristianismo, coexistem bem com o animismo