1. Mensagem datada de 9 de Janeiro de 2025, de Renato Brito, voluntário, que na Guiné-Bissau integra um projecto de construção de uma escola na aldeia de Sincha Alfa, trazendo até nós mais uma Cartolina, a número 11.
Boa tarde Carlos Vinhal,
Venho por este meio dar-lhe notícia de mais um bilhete-postal. Desta feita o regresso à Guiné-Bissau para dar início à parte operativa do projecto de construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa.
Nesta viagem, pretende-se visitar juntamente com um pequeno grupo da aldeia, um projecto agrícola comunitário a cerca de 80 km a sul da cidade de Gabú. Este projecto envolve 9 aldeias situadas no Parque Natural do Boé.
Este vídeo apresenta uma síntese do projecto:
https://www.youtube.com/watch?v=1vpEar6ISJA
Também, neste Parque Natural trabalha uma associação que tem por objectivo proteger a população de chimpanzés no seu habitat natural:
https://www.daridibo.org/
Ainda, a narrativa de uma interessante expedição ao rio Corubal que atravessa este território:
Corubal 2022 – The last wild river in West Africa
https://www.vigilife.org/en/vigilife-corubal-2022-en/
Dos meandros da internet duas referências:
1- Documentários “Nô Raça” - Série de 14 programas que explora as origens, os locais e as tradições de 13 etnias guineenses.
Lista dos 13 episódios:
https://www.rtp.pt/programa/episodios/tv/p39325/1
2 - Guia das aves comuns da Guiné-Bissau
Download disponível aqui:
https://monte-ace.pt/site/GuiaAves-PNTC_WEB.pdf
Cumprimentos,
Renato
_____________
Notas do editor
Vd. post de 25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25981: Ser solidário (274): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (10): O mel da Guiné-Bissau (Renato Brito)
Último post da série de 9 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26247: Ser solidário (276): A Associação Anghilau ("criança", em língua felupe), fundada pelos irmãos mais novos, Manuel, Miguel e Duarte, do cap cav Luís Rei Vilar (Cascais, 1941 - Susana, 1970), tem nova página na Net
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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domingo, 12 de janeiro de 2025
Guiné 61/74 - P26380: Ser solidário (277): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (11): Início da parte operativa do projecto de construção de uma escola na aldeia de Sincha Alfa e visita a um projecto agrícola comunitário a cerca de 80 km a sul da cidade de Gabú (Renato Brito)
quinta-feira, 9 de janeiro de 2025
Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024
PAIGC > Foto nº 1 > Soldado com arma (LGFog RPG-7)
PAIGC > Foto nº 3 > Exames médicos: uso do microscópico
PAIGC > Foto nº 4 > Intervenção cirúrgica ao ar livre, no mato: médicos cubanos, enfermeiro guineens
PAIGC > Foto nº 5 > Ambulância de Zinguichor, Senegal
PAIGC > Foto nº 7 > Loja do Povo, em Sara, na região do Oio
PAIGC > Foto nº 10 > Cabo Verde, ilha de Santiago, Praia> Mural: o juramento de Amílcar Cabral (1969): "Eu jurei a mim mesmo que tenho que dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e em Cabo-Verde. Ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho".
As fotografias, com exceção da última, são do médico Roel Coutinho. Existe uma série para uso livre de fotografias do Dr. Coutinho no Wikimedia Commons .
https://commons.wikimedia.org/wiki/Commons:Guinea-Bissau_and_Senegal_1973-
1974_(Coutinho_Collection)
https://commons.wikimedia.org/wiki/Commons:Guinea-Bissau_and_Senegal_1973-
1974_(Coutinho_Collection)
Roel Coutinho, 2016, foto de Patrick Sternfeld / capa
da revista "Benjamin", junho 2016, ano 28, nº 104.
Com a devida vénia...
Sobre Roel Coutinho:
Tinha acabado de se licenciar em medicina (em 1972). Especializar-se-ia depois em microbiologia médica. Doutorou-se em 1984, em doenças sexualmente transmissíveis. É um especialista mundial em HIV/Sida, com mais de 600 artigos publicados em revistas científicas.
Roel Coutinho nasceu em 1946, nos Países Baixos, em Laren, perto de Amesterdão, província da Holanda do Norte. Tem ascendência luso-judaica, sefardita: os antepassados, marranos ou cristãos-novos, devem ter saído de Portugal para a Holanda no séc. XVII. Os portugueses, cristãos novos, e de novo reconvertidos ao judaísmo, constituíam uma comunidade prestigiada e influente, pela cultura, o dinheiro e o poder. Sempre usaram os seus apelidos portugueses até à II Guerra Mundial.
Prova da importância da comunidade luso-judaica de Amesterdão (onde nasceu o grande filósofo Espinosa, 1632-1677), é a "Esnoga", a monumental Sinagoga Portuguesa, inaugurada em 1675, e chegou a ter 3 a 4 mil fiéis. Hoje a comunidade está reduzida a umas escassas centenas de pessoas: espantosamente o edifício da "Esnoga Portuguesa", monumento nacional, escapou à destruição da II Guerra Mundial e à ocupação nazi; é visita obrigatória para os portugueses que forem a Amesterdão. (LG)
Sobre Joop de Jong:
Médico, doutorado, psiquiatra e psicoterapeuta: (i) professor emérito de Psiquiatria Cultural e Saúde Mental Global na Amsterdam University Medical Centre; (ii) professor ajunto emérito de Psiquiatria na Escola de Medicina da Universidade de Boston e professor visitante emérito de Psicologia na Universidade de Rhodes, África do Sul; (iii) fundador e diretor da Organização Psicossocial Transcultural (TPO), que presta serviços de saúde mental e psicossociais, especialmente em áreas de pós-guerra e pós-desastre, em mais de 20 países em África, Ásia e Europa; (iv) trabalhou a meio tempo como psicoterapeuta e psiquiatra com imigrantes e refugiados na Holanda: (v) tem integrado os contributos da saúde mental pública e global, psicoterapia, psiquiatria, antropologia e epidemiologia em intervenções comunitárias; (vi) e autor e coautor de 335 artigos, capítulos e livros.
(Nota curricular e foto, reproduzidos, com a devida vénia, de: World Association of Cultural Psychiatry)
Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação
Por Prof. Joop de Jong
"Texto da apresentação que o meu amigo e colega Dr. Joop de Jong (neerlandês) fará na Praia, Cabo Verde, no simpósio Amílcar Cabral no dia 9 de setembro 2024. https://www.100amilcar.com/agenda/event-five-la65y-9xatt (Simpósio Internacional > Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal | Cabo Verde e Guiné-Bissau, 9-12 de setembro de 2024).
"Trata-se de uma exposição sobre o sistema de saúde desenvolvido pelo PAIGC na zona norte da Guiné durante a guerra."
__________
O Prof. Joop de Jong foi trabalhar como jovem médico nas zonas libertadas no Norte da Guiné en 1973. Voltou como psiquiatra para Bissau em 1981 para desenvolver a psiquiatria no país. Ajudou construir um hospital de psiquiatria no bairro de Brá, Bissau. Publicou sobre "Jangue na Guiné-Bissau: uma síndrome cultural entre as mulheres Balantas".
De Jong é professor emérito de Psiquiatria Cultural e Saúde Mental Global.
Introdução
O desejo de independência é muitas vezes impulsionado pela indignação moral e pela falta de perspetiva social. Antes da luta pela independência e desde a fundação do PAIGC em 1956, Amílcar Cabral desenvolveu uma visão para reduzir as desigualdades em que os guineenses nascem, vivem e envelhecem. Ele tentou libertar a população guineense do seu atraso em quase todos os domínios da vida: desigualdade social, pobreza, desnutrição, falta de educação e cuidados de saúde.
O desejo de independência é muitas vezes impulsionado pela indignação moral e pela falta de perspetiva social. Antes da luta pela independência e desde a fundação do PAIGC em 1956, Amílcar Cabral desenvolveu uma visão para reduzir as desigualdades em que os guineenses nascem, vivem e envelhecem. Ele tentou libertar a população guineense do seu atraso em quase todos os domínios da vida: desigualdade social, pobreza, desnutrição, falta de educação e cuidados de saúde.
Para dar uma ideia dessa tarefa hercúlea: a mortalidade infantil na Guiné Portuguesa era de sessenta por cento em 1954, a doença do sono prevalecia em dois quintos das aldeias, e os hospitais ofereciam um mínimo de cuidados nas cidades (cf. Teixeira da Mota em Cabral 1961). Portugal gastava muito pouco dinheiro em cuidados de saúde em comparação com os países vizinhos (1).
O início da guerra
Durante a primeira fase da luta, o objetivo era “cuidar dos feridos com os meios disponíveis”. “Meios disponíveis” como eufemismo para os quatro enfermeiros que se formaram em Bissau e se tornaram membros do Partido. Esses enfermeiros treinavam socorristas que eram selecionados entre os guerrilheiros (3). Uma dessas socorristas é a heroína nacional Titina Silá (4).
Cabral conheceu bem o país e as pessoas durante o Recenseamento Agrícola de 1953, anos antes da fundação do PAIGC. Ele percebeu a importância do que hoje chamamos de desenvolvimento intersetorial. Agricultura, economia, desenvolvimento rural, educação, saúde e emancipação das mulheres estão interligados. E a sinergia só pode ser alcançada através da colaboração com outros domínios e setores.
A Organização Mundial da Saúde afirmou em 2008 que a saúde da população mundial só pode melhorar trabalhando nos determinantes sociais da saúde.
(1) Em 1959, per capita, 1,1 US$. Libéria 1,6. Mauritânia 4,2. Serra Leoa 19,1 (Rudebeck 1974:39; De Jong & Buijtenhuijs 1979: 115).
(2) Para obter mais ou menos os direitos de um cidadão português, o assimilado tinha que cumprir requisitos como: ter mais de 18 anos, falar bem português, sustentar-se, ter um modo de vida civilizado e não ser recusador de serviço ou desertor (Rudebeck 1974: 22).
(7) Assim, o hospital de Sara foi deslocado dezassete vezes em um ano devido a bombardeamentos e ataques por tropas transportadas por helicópteros. Ninguém ficou ferido. Desde então, os hospitais eram regularmente deslocados.
(8) Para três hospitais no exterior. O bem equipado Hospital de Solidariedade, em Boké, com 123 leitos, onde os feridos evacuados da frente sul foram tratados. Em 1972, 136 feridos de guerra, 72 fraturas e 9 amputações foram realizadas aqui. Isso explica por que Cabral disse a um jornalista que "temos tão poucos feridos que mal vale a pena mencionar#". Os doentes e feridos da frente leste também iamj para a Guiné Conacri, ou seja, para o hospital em Kundara, com 50 leitos. E os da frente norte para o hospital em Ziguinchor, também com 50
leitos. Havia laboratórios simples e dois dos três hospitais tinham uma sala de operações e uma seção de raios-X.
(9) As doenças mais comuns em 1975 foram: infeção por ancilostomíase (66%); desnutrição proteica e energética (48%); tracoma (42%); anemia (34%); malária (34%); hérnia abdominal (27%); filariose (21%); infeções respiratórias (15%); vermes intestinais (10%); infeções cutâneas (%); ceratite (9%); bócio (8%); catarata (5%). 64% precisavam de cuidados odontológicos (A Saúde em Oio 1975: 49-53).
(10) Na frente norte, as brigadas nunca foram realmente ativas. Alguns comissários políticos, como Carmen Pereira, incentivaram as brigadas. E, ao contrário dos cuidados básicos de saúde na China, o Partido exerceu pouca pressão, como também é evidente no diário de Roel Coutinho (2022).
Bibliografia:
A. Cabral (1961) Report to the United Nations.
A. Cabral (1971) Sobre alguns problemas práticos da nossa vida e da nossa luta.
A. Cabral (1975) Unité et lutte I et II. François Maspéro. Paris.
Roel Coutinho (2022) De vrijheidsstrijd van Guinee-Bissau door de ogen van een jonge
dokter. Afrika Studie Centrum. Leiden.
Joop de Jong & Rob Buijtenhuijs (1979) Een bevrijdingsbeweging aan de macht [A liberation
movement in power]. De Uitbuyt. Wageningen.
Jong de, J.T.V.M. (1987) A descent into African psychiatry. Royal Tropical Institute.
Amsterdam. ISBN 90 6832 018 1.
Jong de, J.T.V.M. (1987) Jangue in Guinee Bissau: een cultuurgebonden syndroom onder
Balanta vrouwen [Jangue in Guinea Bissau: a culture bound syndrome among Balanta
women]. Ned Tijdschrift v Psychiatrie 2, 5886.
Joop T. de Jong & Ria Reis (2010) Kiyang-yang, a West-African post-war idiom of distress.
Culture, Medicine and Psychiatry, 34, 2, 301-321.
De Jong, J.T.V.M., Reis, R. (2013) Collective trauma píprocessing: Dissociation as a way of
processing postwar traumatic stress in Guinea Bissau. Transcultural Psychiatry, 50 (5) 644-
661.
Rudebeck, L. (1974) Guinea Bissau: A Study of Political Mobilization. The Scandinavian
Institute of African Studies. Uppsala.
Saúde em Oio (1975). Minsas. Bissau.
E os portugueses, ao contrário de outros colonizadores, não se consideravam racistas. Eles não tinham nada contra os asiáticos ou os negros, apenas contra os “nativos incivilizados” que tentavam elevar a assimilados. Nos anos 50 do século XX, 0,39% da população guineense estava registada como “assimilada” (2 ). (Foto nº 1: Soldado do PAIGC com arma. Roel Coutinho).
A desigualdade social foi causada por uma diferença de poder e recursos. Quando Amílcar e um punhado de camaradas começaram a luta em 1963, eles não tinham poder, dinheiro ou
conhecimento. Como eles lidaram com isso?
Nesta apresentação, descrevemos as iniciativas do PAIGC para melhorar os cuidados de saúde da população e dos combatentes pela liberdade. Mostramos em linhas gerais que o PAIGC - muito antes da reunião da OMS em Alma Ata em 1976 - tentou combater a desigualdade social melhorando a agricultura, a educação e os cuidados de saúde.
A desigualdade social foi causada por uma diferença de poder e recursos. Quando Amílcar e um punhado de camaradas começaram a luta em 1963, eles não tinham poder, dinheiro ou
conhecimento. Como eles lidaram com isso?
Nesta apresentação, descrevemos as iniciativas do PAIGC para melhorar os cuidados de saúde da população e dos combatentes pela liberdade. Mostramos em linhas gerais que o PAIGC - muito antes da reunião da OMS em Alma Ata em 1976 - tentou combater a desigualdade social melhorando a agricultura, a educação e os cuidados de saúde.
Isso aconteceu em parte como uma reação ao regime português que, ao longo da luta, tornou-se mais severo e aumentou a repressão da população local. E quando a luta pela libertação teve sucesso. De Spínola tentou igualar os sucessos do Partido com o seu programa “Guiné melhor”. Ele até falou sobre “realizar uma verdadeira revolução social para aumentar a autoestima e a dignidade da população” (O Século, 7 de agosto de 1970).
A dinâmica entre libertador e opressor, entre cuidados curativos e preventivos e entre cultura indígena e moderna, determinou o desenvolvimento dos cuidados de saúde. Esboçamos esses desenvolvimentos desde o início da luta.
O início da guerra
Durante a primeira fase da luta, o objetivo era “cuidar dos feridos com os meios disponíveis”. “Meios disponíveis” como eufemismo para os quatro enfermeiros que se formaram em Bissau e se tornaram membros do Partido. Esses enfermeiros treinavam socorristas que eram selecionados entre os guerrilheiros (3). Uma dessas socorristas é a heroína nacional Titina Silá (4).
Os socorristas eram integrados nas unidades de combate para salvar o máximo possível de soldados e outras vidas com alguns curativos, líquido desinfetante e soro antitetânico. Os gravemente feridos eram transportados em macas feitas de galhos até a fronteira. E, de lá, evacuados a uma grande distância para as capitais dos países vizinhos, Conacri ou Dakar. (Foto nº 2: Evacuação com maca para Senegal. Roel Coutinho).
O auge da luta
Entre 1965 e 1970, o PAIGC conquistou cada vez mais áreas libertadas. Os portugueses responderam com "a cenoura e o pau”. Por um lado, deslocaram a população local para as
“aldeias protegidas” ["reordenamentos"].
O auge da luta
Entre 1965 e 1970, o PAIGC conquistou cada vez mais áreas libertadas. Os portugueses responderam com "a cenoura e o pau”. Por um lado, deslocaram a população local para as
“aldeias protegidas” ["reordenamentos"].
Esta abordagem foi copiada dos franceses na Argélia e dos americanos no Vietname. O objetivo era “proteger” as guarnições militares contra-ataques dos “terroristas” com a ajuda de uma camada de habitantes locais. Por outro lado, o mato foi bombardeado com mais frequência. O PAIGC adaptou-se organizando o máximo possível de cuidados acessíveis nas zonas libertadas para militares e moradores das aldeias . Nesse período, foi criada uma rede de mais de cem postos de saúde (5) .
Enfermeiros auxiliares formaram a espinha dorsal do serviço médico e ofereceram cuidados básicos. Os pacientes podiam ser internados temporariamente enquanto aguardavam a visita de um médico do hospital mais próximo. Casos de emergência eram transportados para lá em macas. (Foto nº 3 : exames médicos mo, com uso do microscópico. Roel Coutinho).
Num nível de atendimento superior, foi criada uma rede de hospitais setoriais e regionais (6) . Aqui, os pacientes encaminhados eram tratados e os enfermeiros auxiliares eram treinados.
Os hospitais foram construídos com materiais locais. Tudo era feito de ramos e palha e ficava bem escondido entre as árvores. Duas cabanas alongadas com vinte camas cada para
os doentes. Uma cabana como consultório, uma como sala de operações e algumas cabanas para o pessoal. Muito era feito ao ar livre. (Foto nº 4: Operação no ar livre. Médicos cubanos, enfermeiro guineense. Roel Coutinho).
Devido à construção simples, tudo podia ser facilmente deslocado. Quando os bombardeamentos aumentaram, o PAIGC decidiu que cada hospital deveria ser deslocado anualmente (7) . Incluindo doentes e pessoal, isso levava cerca de três dias.
Cabral (1975, II: 216) percebeu a importância dos cuidados autónomos nas áreas libertadas. penas casos muito graves eram evacuados para um dos três hospitais nos países vizinhos (8) .
Num nível de atendimento superior, foi criada uma rede de hospitais setoriais e regionais (6) . Aqui, os pacientes encaminhados eram tratados e os enfermeiros auxiliares eram treinados.
Os hospitais foram construídos com materiais locais. Tudo era feito de ramos e palha e ficava bem escondido entre as árvores. Duas cabanas alongadas com vinte camas cada para
os doentes. Uma cabana como consultório, uma como sala de operações e algumas cabanas para o pessoal. Muito era feito ao ar livre. (Foto nº 4: Operação no ar livre. Médicos cubanos, enfermeiro guineense. Roel Coutinho).
Devido à construção simples, tudo podia ser facilmente deslocado. Quando os bombardeamentos aumentaram, o PAIGC decidiu que cada hospital deveria ser deslocado anualmente (7) . Incluindo doentes e pessoal, isso levava cerca de três dias.
Cabral (1975, II: 216) percebeu a importância dos cuidados autónomos nas áreas libertadas. penas casos muito graves eram evacuados para um dos três hospitais nos países vizinhos (8) .
A liderança do Partido também percebeu que os cuidados eram muito curativos e distantes da população para fazer algo sobre a terrível condição de saúde dos moradores rurais (9). Essa péssima saúde estava relacionada à desnutrição, que por sua vez estava relacionada com a imposição colonial de cultivar culturas comerciais em detrimento das culturas alimentares. A má condição de saúde também era resultado da falta de higiene, baixa taxa de vacinação e alta taxa de analfabetismo.
Duas iniciativas deveriam melhorar essa situação. Cada setor recebeu uma brigada de saúde composta por três assistentes. Eles tentaram ensinar aos aldeões os princípios de higiene, nutrição e cuidados materno-infantis. E encaminhavam os doentes para os postos de saúde. Com sucesso variável. Cabral lamentou que os “camaradas não prestassem atenção suficiente às brigadas de saúde” (Cabral 1971: 13) (10).
A segunda iniciativa preventiva consistia em campanhas de vacinação e na prevenção da malária com redes mosquiteiras e profilaxia da malária. (Foto nº 5. Ambulância, Ziguinchor, Senegal.Roel Coutinho).
Vacinação
O médico holandês Roel Coutinho trabalhou em 1973 nas áreas libertadas. Ele descreve uma viagem pela floresta para ir fazer vacinação num acampamento:
"Com a velha ambulância, dirigimo-nos de Ziguinchor, no Senegal, até a fronteira com a Guiné-Bissau.
"Em ritmo acelerado e em silêncio mortal, caminhámos por 1,5 horas por um caminho estreito através de uma floresta escura. Com uma 'canoa', atravessámos o rio. Esperámos na borda densamente arborizada da floresta ao longo do rio. Alguns soldados surgiram entre as árvores. Quando entrámos na floresta, vi que o acampamento estava ali. Espalhados entre as árvores estavam camas com redes mosquiteiras penduradas acima. Alguns soldados desapareceram entre as árvores para avisar que haveria vacinação e consulta. (Foto nº 6: O Dr. Roel Coutinho vacinando com pistola de vacinação. Roel Coutinho):
"Revezávamo-nos para vacinar com a pistola de vacinação. Quando a pistola de vacinação ficava bloqueada por poeira, os enfermeiros mudavam rotineiramente para seringas e agulhas. Durante as consultas, verificou-se que um dos pacientes estava em tão mau estado que teve de ser levado de maca e ambulância de volta para o hospital em Ziguinchor# (De Jong & Buijtenhuijs 1979).
O Partido investiu muito tempo na melhoria e diversificação da agricultura e na criação de lojas comunitárias onde os agricultores podiam trocar seus produtos por itens de primeira
necessidade. (Foto nº 7: Loja do Povo, Sara. Roel Coutinho).
E o Partido incentivava o que hoje chamamos de atividades geradoras de rendimento.
Outra prioridade foi a emancipação das mulheres, por exemplo, através da educação. (Foto nº 8: Escola para adultos, mulher; foto nº 9: Escola para adultos, guerrilheiros).
Cultura
E o PAIGC descobriu, através de tentativa e erro, que a cultura era uma espada de dois gumes.
A atitude de Cabral em relação à cultura pode ser melhor descrita nestes termos: “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. Assim, os curandeiros guineenses, como em inúmeras outras culturas da África Subsaariana, oferecem proteção contra balas e, naturalmente, contra a feitiçaria e bruxaria.
Vacinação
O médico holandês Roel Coutinho trabalhou em 1973 nas áreas libertadas. Ele descreve uma viagem pela floresta para ir fazer vacinação num acampamento:
"Com a velha ambulância, dirigimo-nos de Ziguinchor, no Senegal, até a fronteira com a Guiné-Bissau.
"Em ritmo acelerado e em silêncio mortal, caminhámos por 1,5 horas por um caminho estreito através de uma floresta escura. Com uma 'canoa', atravessámos o rio. Esperámos na borda densamente arborizada da floresta ao longo do rio. Alguns soldados surgiram entre as árvores. Quando entrámos na floresta, vi que o acampamento estava ali. Espalhados entre as árvores estavam camas com redes mosquiteiras penduradas acima. Alguns soldados desapareceram entre as árvores para avisar que haveria vacinação e consulta. (Foto nº 6: O Dr. Roel Coutinho vacinando com pistola de vacinação. Roel Coutinho):
"Revezávamo-nos para vacinar com a pistola de vacinação. Quando a pistola de vacinação ficava bloqueada por poeira, os enfermeiros mudavam rotineiramente para seringas e agulhas. Durante as consultas, verificou-se que um dos pacientes estava em tão mau estado que teve de ser levado de maca e ambulância de volta para o hospital em Ziguinchor# (De Jong & Buijtenhuijs 1979).
O Partido investiu muito tempo na melhoria e diversificação da agricultura e na criação de lojas comunitárias onde os agricultores podiam trocar seus produtos por itens de primeira
necessidade. (Foto nº 7: Loja do Povo, Sara. Roel Coutinho).
E o Partido incentivava o que hoje chamamos de atividades geradoras de rendimento.
Outra prioridade foi a emancipação das mulheres, por exemplo, através da educação. (Foto nº 8: Escola para adultos, mulher; foto nº 9: Escola para adultos, guerrilheiros).
Cultura
E o PAIGC descobriu, através de tentativa e erro, que a cultura era uma espada de dois gumes.
A atitude de Cabral em relação à cultura pode ser melhor descrita nestes termos: “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. Assim, os curandeiros guineenses, como em inúmeras outras culturas da África Subsaariana, oferecem proteção contra balas e, naturalmente, contra a feitiçaria e bruxaria.
Cabral sabia que alguns combatentes se sentiam invulneráveis por causa disso. Por isso, ele às vezes enviava um ajudante para evitar que um comandante se levantasse e avançasse no meio de uma chuva de balas (11).
A cultura e os modelos de explicação cultural também desempenham um papel nas consultas médicas, tanto no tratamento individual quanto nas iniciativas de saúde pública.
É difícil aceitar que pacientes com tuberculose interrompam seu tratamento médico assim que a tosse com sangue pára. Curandeiros respondem a esse enigma após uma longa série de entrevistas:
É difícil aceitar que pacientes com tuberculose interrompam seu tratamento médico assim que a tosse com sangue pára. Curandeiros respondem a esse enigma após uma longa série de entrevistas:
“Claro que sabemos que vamos morrer se tossirmos sangue e, por isso, vamos ao hospital com seus medicamentos poderosos. Mas o que vocês não entendem é que a hemorragia é causada por uma flecha ou bala invisível para vocês, de uma arma de feitiçaria que atinge o peito por dentro. E o curandeiro ou curandeira é o único que pode curar essa ferida. Por isso, os pacientes vêm até nós o mais rápido possível após suas injeções e pílulas para uma verdadeira cura”.
Mas Cabral e a liderança do Partido também testemunharam as terríveis consequências do poder da cultura durante o primeiro congresso do Partido em Cassaca em 1964. Um grupo
de mulheres Balantas nómadas fez acusações de feitiçaria. As mulheres diziam que as bruxas eram responsáveis pela morte de aldeões, enviando aviões e helicópteros portugueses para
atacá-los.
Mas Cabral e a liderança do Partido também testemunharam as terríveis consequências do poder da cultura durante o primeiro congresso do Partido em Cassaca em 1964. Um grupo
de mulheres Balantas nómadas fez acusações de feitiçaria. As mulheres diziam que as bruxas eram responsáveis pela morte de aldeões, enviando aviões e helicópteros portugueses para
atacá-los.
Os anais do Partido não são claros sobre esse período, mas provavelmente algumas centenas de bruxas foram torturadas e mortas por comandantes do PAIGC. Esses comandantes tiveram que responder durante o congresso do Partido e cerca de uma dezena deles foram condenados à morte (De Jong, 1987; De Jong & Reis, 2010: 313; 2013).
Vinte e cinco anos depois, os Balantas foram tomados por um culto de possessão em massa, o Ki-yang-yang. O culto de cura emancipa a posição das mulheres entre os Balantas, bem como
a posição dos Balantas dentro do Estado guineense.
a posição dos Balantas dentro do Estado guineense.
O culto também ajuda os Balantas a lidar com o trauma da luta pela libertação (De Jong & Reis, 2010; 2013). Os seguidores estão convencidos de que os líderes um dia tirarão uma motocicleta do chão para todos. A semente dessa esperança mítica foi plantada por Amílcar, que prometeu prosperidade material à população após a independência.
Discussão
Um sistema de saúde é composto por todos os atores que tentam melhorar a saúde e os cuidados. O sistema é construído sobre serviços, trabalhadores da saúde, medicamentos essenciais, financiamento, liderança e sistemas de informação. Vimos que esses componentes estavam ausentes no início da luta pela independência e que o PAIGC operava num vácuo.
O movimento de libertação construiu, num período de aproximadamente 15 anos, um sistema de saúde simples. O sistema de saúde fornecia cuidados curativos consistindo em diferentes escalões de postos e hospitais nas áreas libertadas e nos países vizinhos. Com o objetivo de organizar cuidados acessíveis, próximos e acessíveis para os combatentes e a população local. Numa fase posterior, o Partido focou-se na descentralização e na prevenção.
Quanto à escassez de trabalhadores da saúde, o Partido organizou uma cascata de níveis de formação e treino. Médicos estrangeiros e médicos guineenses que retornaram do exterior,
treinavam e supervisionavam várias categorias de trabalhadores da saúde locais.
Discussão
Um sistema de saúde é composto por todos os atores que tentam melhorar a saúde e os cuidados. O sistema é construído sobre serviços, trabalhadores da saúde, medicamentos essenciais, financiamento, liderança e sistemas de informação. Vimos que esses componentes estavam ausentes no início da luta pela independência e que o PAIGC operava num vácuo.
O movimento de libertação construiu, num período de aproximadamente 15 anos, um sistema de saúde simples. O sistema de saúde fornecia cuidados curativos consistindo em diferentes escalões de postos e hospitais nas áreas libertadas e nos países vizinhos. Com o objetivo de organizar cuidados acessíveis, próximos e acessíveis para os combatentes e a população local. Numa fase posterior, o Partido focou-se na descentralização e na prevenção.
Quanto à escassez de trabalhadores da saúde, o Partido organizou uma cascata de níveis de formação e treino. Médicos estrangeiros e médicos guineenses que retornaram do exterior,
treinavam e supervisionavam várias categorias de trabalhadores da saúde locais.
É uma forma de educação continuada que gradualmente resulta em competência crescente. Mas, na independência, o nível dos enfermeiros era insuficiente, tanto do lado do PAIGC quanto do lado colonial. Isso também se aplicava aos médicos que estudaram na Universidade Lumumba em Moscovo.
O Partido também estabeleceu um sistema de distribuição de medicamentos. A maioria desses medicamentos foi doada por países comunistas e comitês de solidariedade. (Foto nº: Praia, Cabo Verde, mural: Retrato e juramento de Cabral).
O Partido também estabeleceu um sistema de distribuição de medicamentos. A maioria desses medicamentos foi doada por países comunistas e comitês de solidariedade. (Foto nº: Praia, Cabo Verde, mural: Retrato e juramento de Cabral).
Cabral conheceu bem o país e as pessoas durante o Recenseamento Agrícola de 1953, anos antes da fundação do PAIGC. Ele percebeu a importância do que hoje chamamos de desenvolvimento intersetorial. Agricultura, economia, desenvolvimento rural, educação, saúde e emancipação das mulheres estão interligados. E a sinergia só pode ser alcançada através da colaboração com outros domínios e setores.
A Organização Mundial da Saúde afirmou em 2008 que a saúde da população mundial só pode melhorar trabalhando nos determinantes sociais da saúde.
Algumas décadas antes, o PAIGC e Amílcar Cabral já se concentravam em fatores que reduzem a desigualdade social entre as pessoas. Dentro das suas possibilidades limitadas, fizeram tudo o que podiam para melhorar as condições precárias em que os guineenses nasciam, cresciam e envelheciam.
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Notas do autor:
(1) Em 1959, per capita, 1,1 US$. Libéria 1,6. Mauritânia 4,2. Serra Leoa 19,1 (Rudebeck 1974:39; De Jong & Buijtenhuijs 1979: 115).
(2) Para obter mais ou menos os direitos de um cidadão português, o assimilado tinha que cumprir requisitos como: ter mais de 18 anos, falar bem português, sustentar-se, ter um modo de vida civilizado e não ser recusador de serviço ou desertor (Rudebeck 1974: 22).
(3) E que muitas vezes perderam um membro na luta ou sofrem de uma doença grave como a lepra.
(4) Em 1963, ela foi escolhida para ir à União Soviética para uma formação em guerra de guerrilha, junto com Teodora Inácia Gomes. Após o seu regresso, ela treinou outros guerrilheiros. Em 1964, ela fez um curso de primeiros socorros na União Soviética. Em 30 de janeiro de 1973, ela foi morta em uma emboscada pelo exército português. Ela se afogou no rio Farim, a caminho do funeral de Amílcar Cabral, que foi assassinado uma semana antes.
(5) 117 postos de saúde. Na frente sul, 42; na frente norte, 64; e na frente leste, 11 (De Jong &; Buijtenhuijs, 1979).
(6) No total, 13. Em 1973, havia sete hospitais setoriais (3 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste) e seis hospitais regionais (2 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste). Os hospitais regionais começaram a ser estabelecidos a partir de 1966 e eram dirigidos por um cirurgião, e os hospitais setoriais a partir de 1971, sob a direção de um assistente médico.
(4) Em 1963, ela foi escolhida para ir à União Soviética para uma formação em guerra de guerrilha, junto com Teodora Inácia Gomes. Após o seu regresso, ela treinou outros guerrilheiros. Em 1964, ela fez um curso de primeiros socorros na União Soviética. Em 30 de janeiro de 1973, ela foi morta em uma emboscada pelo exército português. Ela se afogou no rio Farim, a caminho do funeral de Amílcar Cabral, que foi assassinado uma semana antes.
(5) 117 postos de saúde. Na frente sul, 42; na frente norte, 64; e na frente leste, 11 (De Jong &; Buijtenhuijs, 1979).
(6) No total, 13. Em 1973, havia sete hospitais setoriais (3 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste) e seis hospitais regionais (2 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste). Os hospitais regionais começaram a ser estabelecidos a partir de 1966 e eram dirigidos por um cirurgião, e os hospitais setoriais a partir de 1971, sob a direção de um assistente médico.
(7) Assim, o hospital de Sara foi deslocado dezassete vezes em um ano devido a bombardeamentos e ataques por tropas transportadas por helicópteros. Ninguém ficou ferido. Desde então, os hospitais eram regularmente deslocados.
(8) Para três hospitais no exterior. O bem equipado Hospital de Solidariedade, em Boké, com 123 leitos, onde os feridos evacuados da frente sul foram tratados. Em 1972, 136 feridos de guerra, 72 fraturas e 9 amputações foram realizadas aqui. Isso explica por que Cabral disse a um jornalista que "temos tão poucos feridos que mal vale a pena mencionar#". Os doentes e feridos da frente leste também iamj para a Guiné Conacri, ou seja, para o hospital em Kundara, com 50 leitos. E os da frente norte para o hospital em Ziguinchor, também com 50
leitos. Havia laboratórios simples e dois dos três hospitais tinham uma sala de operações e uma seção de raios-X.
(9) As doenças mais comuns em 1975 foram: infeção por ancilostomíase (66%); desnutrição proteica e energética (48%); tracoma (42%); anemia (34%); malária (34%); hérnia abdominal (27%); filariose (21%); infeções respiratórias (15%); vermes intestinais (10%); infeções cutâneas (%); ceratite (9%); bócio (8%); catarata (5%). 64% precisavam de cuidados odontológicos (A Saúde em Oio 1975: 49-53).
(10) Na frente norte, as brigadas nunca foram realmente ativas. Alguns comissários políticos, como Carmen Pereira, incentivaram as brigadas. E, ao contrário dos cuidados básicos de saúde na China, o Partido exerceu pouca pressão, como também é evidente no diário de Roel Coutinho (2022).
(11) Nino Vieira, que mais tarde liderou o golpe contra Luís Cabral, é um exemplo do que os companheiros de luta consideravam um caso de invencibilidade ou invulnerabilidade.
Bibliografia:
A. Cabral (1961) Report to the United Nations.
A. Cabral (1971) Sobre alguns problemas práticos da nossa vida e da nossa luta.
A. Cabral (1975) Unité et lutte I et II. François Maspéro. Paris.
Roel Coutinho (2022) De vrijheidsstrijd van Guinee-Bissau door de ogen van een jonge
dokter. Afrika Studie Centrum. Leiden.
Joop de Jong & Rob Buijtenhuijs (1979) Een bevrijdingsbeweging aan de macht [A liberation
movement in power]. De Uitbuyt. Wageningen.
Jong de, J.T.V.M. (1987) A descent into African psychiatry. Royal Tropical Institute.
Amsterdam. ISBN 90 6832 018 1.
Jong de, J.T.V.M. (1987) Jangue in Guinee Bissau: een cultuurgebonden syndroom onder
Balanta vrouwen [Jangue in Guinea Bissau: a culture bound syndrome among Balanta
women]. Ned Tijdschrift v Psychiatrie 2, 5886.
Joop T. de Jong & Ria Reis (2010) Kiyang-yang, a West-African post-war idiom of distress.
Culture, Medicine and Psychiatry, 34, 2, 301-321.
De Jong, J.T.V.M., Reis, R. (2013) Collective trauma píprocessing: Dissociation as a way of
processing postwar traumatic stress in Guinea Bissau. Transcultural Psychiatry, 50 (5) 644-
661.
Rudebeck, L. (1974) Guinea Bissau: A Study of Political Mobilization. The Scandinavian
Institute of African Studies. Uppsala.
Saúde em Oio (1975). Minsas. Bissau.
(Revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue: HE / LG)
Nota do editor LG:
(*) Último poste da série > 6 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26355: Notas de leitura (1761): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (1) (Mário Beja Santos)
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quarta-feira, 8 de janeiro de 2025
Guiné 61/74 - P26364: S(C)em comentários (55): O fantasma do "capitão-diabo" (João Teixeira Pinto) e o "djubi" que, na fortaleza do Cacheu, de costas voltadas, não está a pensar no futuro-mais-que-perfeito, mas no presente mais comesinho e mais premente: o que é que eu vou comer hoje ao almoço… (Luís Graça)
Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > Estátua desmantelada do cap inf João Teixeira Pinto (o "capitão-diabo"), agora na fortaleza do Cacheu. Fotograma do vídeo do Carlos Silva, "Guiné-Bisssau, Estatuária" (2020) (7' 01")
A estátua do Teixeira Pinto fora erguido em Bissau, no Alto do Crim, parque municipal (atual Largo da Assembleia Municipal). É da autoria de Euclides Vaz (Ílhavo, 1916 - Lisboa, 1991) e deve ter sido executada emf inais dos anos 50/princípios dos anos 60.
A estátua, em bronze, desmantelada, encontra-se há muitos anos, ao ar livre, no forte do Cacheu, que funciona, infeliz e vergonhosamente, como uma espécie de caixote do lixo da presença histórica dos portugueses na Guiné.
É pena, porque, quer queiramos ou não, temos uma história comum, e só podemos ganhar, uns e outros, os portugueses e os guineenses, se soubermos construir pontes ligando o passado, o presente e o futuro, Está na altura de fazermos as pazes com o passado... E o passado deve ser explicado aos nossos filhos e netos. Essa pedagogia histórica está por fazer.
2. Ao jovem guineense que, na imagem acima, aparece de costas para a estátua, desmantelada, do "Capitão-Diabo", eu diria o seguinte:
Nota doo editor:
Último poste da série > 7 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26358: S(C)em Comentários (54): "Fui saneada em 17 de abril de 1975 do Hospital da Força Aérea que ia abrir em janeiro de 1976" (Maria Ivone Reis, ex-maj enfermeira paraquedista, 1929-2022)
É pena, porque, quer queiramos ou não, temos uma história comum, e só podemos ganhar, uns e outros, os portugueses e os guineenses, se soubermos construir pontes ligando o passado, o presente e o futuro, Está na altura de fazermos as pazes com o passado... E o passado deve ser explicado aos nossos filhos e netos. Essa pedagogia histórica está por fazer.
2. Ao jovem guineense que, na imagem acima, aparece de costas para a estátua, desmantelada, do "Capitão-Diabo", eu diria o seguinte:
"Que adianta, 'djubi', virares as costas ao passado, ou seja, à História ?...Não terás futuro se não souberes aprender as lições do passado e do presente... Percebo a tua postura: não tens direito ao sonho, estás a pensar, não no futuro-mais-que-perfeito, mas no presente mais comesinho e mais premente: o que é que eu vou comer hoje ao almoço…
Que Deus, Alá e os bons irãs te protejam!"... Luís Graça
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Nota doo editor:
Último poste da série > 7 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26358: S(C)em Comentários (54): "Fui saneada em 17 de abril de 1975 do Hospital da Força Aérea que ia abrir em janeiro de 1976" (Maria Ivone Reis, ex-maj enfermeira paraquedista, 1929-2022)
sábado, 4 de janeiro de 2025
Guiné 61/74 - P26344: O nosso blogue em números (101): a nossa pequena Guiné-Bissau ficou, em 2024, no 10º lugar dos países que mais nos visitam...
Figura 1 - Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024 (n=1,2 milhões): distribuição do número de visualizações de páginas por país. Portugal aparece em 1º lugar, com 25,3 % do t0tal, seguido dos EUA (18,8%)...Em 10º lugar, vem a nossa pequena Guiné-Bissau (0,8%), à frente de países europeus como a França, a Suécia, o Reino Unido, a Espanha...
Fonte: Blogger (2024)
Figura n º 2 - Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, de 2010 a 2024 (n=14 milhões): Mapa-múndi com a distribuição do número de visualizações de páginas. Embora muito pouco percetível, há um pontinho nos Açores, Madeira, Cabo Verde, Guiné-Bissau...
Fonte: Blogger (2024)
1. Em 2024, a nossa pequena Guiné-Bissau era o 10º país com maior de visualiações de páginas do nosso blogue (n=9,25 mil visualizações).
Apraz-nos registar que a Guiné-Bissau, em 2023, com 7,4 mil visualizações (1,1%), vinha em 12.º lugar, na lista dos países onde tínhamos leitores ou visitantes.
Temos, naturalmemnte, Portugal em 1.º lugar, mas a perder peso relativo, em relação aos anos anteriores: 219 mil visualizações em 2023, menos de 1/3; 303 mil em 2024, representando apenas um 1/4 do total (1,2 milhões).
Na lista dos "vinte mais" (ou "top 20"), não há, em 2024, mais nenhum país lusófono para além de Portugal, Brasil e Guiné-Bissau (representam 28,6%, menos seis pontos percentuais do que no ano anterior)...
Em todo o caso temos que admitir que o nosso público leitor, lusófono, é mais vasto, havendo camaradas nossos um pouco por toda a parte, na diáspora, dos EUA à Europa... (embora isso seja menos provável nos países asiáticos).
A Suécia volta a ficar num modesto 12.º lugar...o que se pode explicar pela saída, para os States, do nosso querido José Belo e as suas renas...
A única consolação, para o nosso régulo da Tabanca da Lapónia, é que a Suécia continua em 6.º lugar, à frente do Reino Unido, Hong Kong, Singapura e.... Rússia, quando se analisam os dados relativos ao total acumulado de visualizações, por país, desde maio de 2010 até ao final de 2024 (n=14 milhões). À sua frente, vêm Portugal, EUA, Brasil, Alemanha e França (Figura 2).
(Continua)
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Nota do editor LG:
Último poste da série > 3 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26340: O nosso blogue em números (100): cerca de 1,2 milhões de visualizações páginas em 2024 (da parte de 4,76 mil visitantes)
quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
Guiné 61/74 - P26231: Historiografia da presença portuguesa em África (455): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, o importante relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, Marques Geraldes, 1887 – 1 (13) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Setembro de 2024:
Queridos amigos,
Atenda-se que Francisco António Marques Geraldes é figura nossa conhecida pelo seu valoroso comportamento militar em Geba; o relatório de que aqui se retiram largos extratos é datado em 1 de janeiro de 1886, meses depois, oficialmente, toda esta região foi entregue à França, em nenhuma circunstância se ouviram quer os portugueses que aqui residiam quer as autoridades gentílicas, daí o clamor de protesto que demorou a extinguir-se. Devido à cobiça francesa, o corpo estranho da região do Casamansa no todo da superfície do Senegal nunca se conformou com a identidade imposta, daí as escaramuças a que de vez em quando a imprensa faz menção. E, sem qualquer margem para dúvidas, este é o derradeiro relatório que conservamos sobre Ziguinchor.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, o importante relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, Marques Geraldes, 1887 – 1 (13)
Mário Beja Santos
Tenho a declarar que o documento mais relevante que encontrei no Boletim Official, ao longo deste ano de 1887, excluindo o chamado bilhete de identidade do que é hoje a Guiné-Bissau, prende-se com o relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, uma figura já nossa conhecida, Francisco António Marques Geraldes, que conseguiu desbaratar as hostes de Mussá Moló. É um documento de grande significado histórico, que nos ajuda a compreender as reações de repúdio da população de Ziguinchor quando se soube que o Governo português entregara de mão beijada toda a região do Casamansa, ninguém ignorava que os portugueses ali negociavam há séculos, o presídio de Ziguinchor era antiguíssimo. Marques Geraldes elaborou o seu relatório com referência a 1 de janeiro de 1886, o relatório será publicado a partir de 25 de junho de 1887, permito-me destacar largas passagens, já que lhe confiro grande importância até para o entendimento do que é hoje a questão do Casamansa e a sua tendência separatista, creio para não exagerar que alguma das motivações profundas podem ser entendidas à luz deste documento.
Dá-se a palavra a Marques Geraldes:
“O descobrimento do rio Casamansa pelos portugueses remonta a uma época muito antiga posto que inserta, apesar de alguns quererem dizer que foi Gonçalo Gambôa o seu primeiro descobridor, em 1640. Nota o visconde de Santarém que um mapa de África feito por Hondins, e publicado em Paris em 1609, já apresenta um estabelecimento nosso no rio Casamansa; e que num outro Bertins, publicado em 1640, acha-se na parte concernente a este rio, empregada a palavra Guião, palavra como é sabido, muito usada pelos portugueses no século XV, como emblema de autoridade, e copiada textualmente por aquele sábio de um antigo mapa no qual dava o pavilhão das quinas como o único aqui existente. O nome deste rio vem, segundo os escassos dados que tenho à vista, de um rei dos Banhuns chamado Casamansa, que ao tempo do seu descobrimento governava estes pontos. Diz-nos Álvares de Almada que os portugueses viviam em plena segurança na Corte deste rei e é de crer mesmo que fosse este o primeiro ponto escolhido deles para se estabelecerem, visto encontrarem aí proteção que noutra qualquer parte seria menos segura.”
E, mais adiante:
“Nos primitivos tempos do seu descobrimento, eram os Banhuns quase os únicos habitantes destas paragens. As dissidências que mais tarde se levantaram entre eles chamaram a atenção dos Felupes e Mandigas, vindos do interior, que pouco a pouco os foram dizimando, achando-se, pois, o rio ocupado pelas seguintes raças: margem direita, Felupes e Mandigas; margem esquerda, Felupes, Banhuns e Balantas.” Descreve com detalhe o modo de vida dos Banhuns, as suas crenças, a sua agricultura, a sua religião, a riqueza do território, o comércio da escravidão e passa a comentar ao pormenor o presídio de Ziguinchor:
“Está este presídio situado na margem esquerda do rio Casamansa, em terra de Banhuns e distante da barra aproximadamente 25 milhas. A sua posição comercial é das mais vantajosas, pois comunica pelo interior com o rio Bujetó ou Lala, que vai desaguar em S. Domingos, estando, além disso, em constante relação com as possessões francesas de Selho e Carabane. A posição do presídio à beira-mar é numa pequena elevação, torna este ponto de linda perspetiva para quem vem de fora. A povoação é cercada por uma estacada de pau-ferro, acabando os seus dois extremos na margem do rio.”
Refere o património habitacional, dizendo abertamente que as casas estão em más condições, quem habita no presídio, o estado degradado em que se encontra a igreja e refere-se assim aos Grumetes da Senegâmbia Portuguesa:
“São estes os mais dóceis, muito amigos da terra que os viu nascer e fiéis respeitadores da autoridade. São quase todos de origem Banhum, mesclada com a Felupe, falando o dialeto crioulo, miscelânea do antigo português corrompido com a linguagem dos Banhuns e Felupes.”
Alude à natureza da alimentação, a abundância de peixe e tem uma nota trocista sobre o comportamento dos Grumetes:
“No princípio das chuvas os Grumetes que estão fora recolhem a fim de se proceder aos trabalhos que o cultivo do arroz exige. Em novembro, isto é, logo em seguida à colheita daquele cereal, parte deles lã vão outra vez a caminho da Goreia ou da Gâmbia, onde se empregam como marinheiros a bordo das embarcações costeiras. A sua principal missão consiste em aparecerem depois da sua terra, vestidos de ponto em branco, badine em punho, percorrendo as ruas três ou quatro dias consecutivos com pasmo de todos os seus companheiros. Em seguida, é arrecadada a roupa dentro da mala, de onde não torna a ver a luz do dia, senão para ser vendida por menos de metade do seu valor para ocorrer a qualquer necessidade do momento.
A mulher, como na maior parte dos povos de África, vive num estado quase completo de abjeção e é sobre ela que pesam todos os trabalhos domésticos. É para admirar que, achando-se estes Grumetes prontos a auxiliar o Governo em qualquer expedição que pretenda fazer, tenham, contudo, horror ou ódio pela vida militar, naturalmente devido à sujeição que ela impõe. A lembrança de um recrutamento levaria quase todos a fugir para o território gentílico, onde têm parentes e amigos, sendo certo que todos, sem exceção falam os dialetos Banhuns e Felupe, com a mesma perfeição que o crioulo. O Grumete é meio termo entre o cristão e o gentio.”
Marques Geraldes volta agora a sua atenção para o que existe no interior do presídio. “Existem neste presídio duas repartições públicas; a do chefado e a delegação fiscal, que começou a vigorar por proposta minha no ano de 1882 e informação do respetivo diretor da alfândega de Cacheu. Qualquer das duas repartições funciona em casas particulares, sendo a da delegação fiscal bem pouco em harmonia com o fim a que se destina.” Depois dá pormenores sobre estas habitações e a escola, refere que a igreja “é o único edifício público que aqui temos e esse mesmo em miserável estado, vergonhoso até, se nos lembrarmos que este ponto está continuamente a ser visitado pelos estrangeiros. É de barro coberta de palha; as paredes tanto interior como exteriormente nunca foram rebocadas; o altar está em decoroso e os santos, pelo seu péssimo estado, mais provocam o riso do que devoção. Os ornamentos estão todos danificados pela bagabaga. Este edifício foi erigido há perto de 20 anos a expensas do povo e por ele tem sido reparado todos os anos.”
Mapa muito antigo onde se revela que o território da Guiné era, segundo o cartógrafo, parcela integrada do que se chamava a Etiópia Anterior, aparecem ali designações como Senegal e Terra dos Negros
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 27 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26202: Historiografia da presença portuguesa em África (454): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (12) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Atenda-se que Francisco António Marques Geraldes é figura nossa conhecida pelo seu valoroso comportamento militar em Geba; o relatório de que aqui se retiram largos extratos é datado em 1 de janeiro de 1886, meses depois, oficialmente, toda esta região foi entregue à França, em nenhuma circunstância se ouviram quer os portugueses que aqui residiam quer as autoridades gentílicas, daí o clamor de protesto que demorou a extinguir-se. Devido à cobiça francesa, o corpo estranho da região do Casamansa no todo da superfície do Senegal nunca se conformou com a identidade imposta, daí as escaramuças a que de vez em quando a imprensa faz menção. E, sem qualquer margem para dúvidas, este é o derradeiro relatório que conservamos sobre Ziguinchor.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, o importante relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, Marques Geraldes, 1887 – 1 (13)
Mário Beja Santos
Tenho a declarar que o documento mais relevante que encontrei no Boletim Official, ao longo deste ano de 1887, excluindo o chamado bilhete de identidade do que é hoje a Guiné-Bissau, prende-se com o relatório do chefe do presídio de Ziguinchor, uma figura já nossa conhecida, Francisco António Marques Geraldes, que conseguiu desbaratar as hostes de Mussá Moló. É um documento de grande significado histórico, que nos ajuda a compreender as reações de repúdio da população de Ziguinchor quando se soube que o Governo português entregara de mão beijada toda a região do Casamansa, ninguém ignorava que os portugueses ali negociavam há séculos, o presídio de Ziguinchor era antiguíssimo. Marques Geraldes elaborou o seu relatório com referência a 1 de janeiro de 1886, o relatório será publicado a partir de 25 de junho de 1887, permito-me destacar largas passagens, já que lhe confiro grande importância até para o entendimento do que é hoje a questão do Casamansa e a sua tendência separatista, creio para não exagerar que alguma das motivações profundas podem ser entendidas à luz deste documento.
Dá-se a palavra a Marques Geraldes:
“O descobrimento do rio Casamansa pelos portugueses remonta a uma época muito antiga posto que inserta, apesar de alguns quererem dizer que foi Gonçalo Gambôa o seu primeiro descobridor, em 1640. Nota o visconde de Santarém que um mapa de África feito por Hondins, e publicado em Paris em 1609, já apresenta um estabelecimento nosso no rio Casamansa; e que num outro Bertins, publicado em 1640, acha-se na parte concernente a este rio, empregada a palavra Guião, palavra como é sabido, muito usada pelos portugueses no século XV, como emblema de autoridade, e copiada textualmente por aquele sábio de um antigo mapa no qual dava o pavilhão das quinas como o único aqui existente. O nome deste rio vem, segundo os escassos dados que tenho à vista, de um rei dos Banhuns chamado Casamansa, que ao tempo do seu descobrimento governava estes pontos. Diz-nos Álvares de Almada que os portugueses viviam em plena segurança na Corte deste rei e é de crer mesmo que fosse este o primeiro ponto escolhido deles para se estabelecerem, visto encontrarem aí proteção que noutra qualquer parte seria menos segura.”
E, mais adiante:
“Nos primitivos tempos do seu descobrimento, eram os Banhuns quase os únicos habitantes destas paragens. As dissidências que mais tarde se levantaram entre eles chamaram a atenção dos Felupes e Mandigas, vindos do interior, que pouco a pouco os foram dizimando, achando-se, pois, o rio ocupado pelas seguintes raças: margem direita, Felupes e Mandigas; margem esquerda, Felupes, Banhuns e Balantas.” Descreve com detalhe o modo de vida dos Banhuns, as suas crenças, a sua agricultura, a sua religião, a riqueza do território, o comércio da escravidão e passa a comentar ao pormenor o presídio de Ziguinchor:
“Está este presídio situado na margem esquerda do rio Casamansa, em terra de Banhuns e distante da barra aproximadamente 25 milhas. A sua posição comercial é das mais vantajosas, pois comunica pelo interior com o rio Bujetó ou Lala, que vai desaguar em S. Domingos, estando, além disso, em constante relação com as possessões francesas de Selho e Carabane. A posição do presídio à beira-mar é numa pequena elevação, torna este ponto de linda perspetiva para quem vem de fora. A povoação é cercada por uma estacada de pau-ferro, acabando os seus dois extremos na margem do rio.”
Refere o património habitacional, dizendo abertamente que as casas estão em más condições, quem habita no presídio, o estado degradado em que se encontra a igreja e refere-se assim aos Grumetes da Senegâmbia Portuguesa:
“São estes os mais dóceis, muito amigos da terra que os viu nascer e fiéis respeitadores da autoridade. São quase todos de origem Banhum, mesclada com a Felupe, falando o dialeto crioulo, miscelânea do antigo português corrompido com a linguagem dos Banhuns e Felupes.”
Alude à natureza da alimentação, a abundância de peixe e tem uma nota trocista sobre o comportamento dos Grumetes:
“No princípio das chuvas os Grumetes que estão fora recolhem a fim de se proceder aos trabalhos que o cultivo do arroz exige. Em novembro, isto é, logo em seguida à colheita daquele cereal, parte deles lã vão outra vez a caminho da Goreia ou da Gâmbia, onde se empregam como marinheiros a bordo das embarcações costeiras. A sua principal missão consiste em aparecerem depois da sua terra, vestidos de ponto em branco, badine em punho, percorrendo as ruas três ou quatro dias consecutivos com pasmo de todos os seus companheiros. Em seguida, é arrecadada a roupa dentro da mala, de onde não torna a ver a luz do dia, senão para ser vendida por menos de metade do seu valor para ocorrer a qualquer necessidade do momento.
A mulher, como na maior parte dos povos de África, vive num estado quase completo de abjeção e é sobre ela que pesam todos os trabalhos domésticos. É para admirar que, achando-se estes Grumetes prontos a auxiliar o Governo em qualquer expedição que pretenda fazer, tenham, contudo, horror ou ódio pela vida militar, naturalmente devido à sujeição que ela impõe. A lembrança de um recrutamento levaria quase todos a fugir para o território gentílico, onde têm parentes e amigos, sendo certo que todos, sem exceção falam os dialetos Banhuns e Felupe, com a mesma perfeição que o crioulo. O Grumete é meio termo entre o cristão e o gentio.”
Marques Geraldes volta agora a sua atenção para o que existe no interior do presídio. “Existem neste presídio duas repartições públicas; a do chefado e a delegação fiscal, que começou a vigorar por proposta minha no ano de 1882 e informação do respetivo diretor da alfândega de Cacheu. Qualquer das duas repartições funciona em casas particulares, sendo a da delegação fiscal bem pouco em harmonia com o fim a que se destina.” Depois dá pormenores sobre estas habitações e a escola, refere que a igreja “é o único edifício público que aqui temos e esse mesmo em miserável estado, vergonhoso até, se nos lembrarmos que este ponto está continuamente a ser visitado pelos estrangeiros. É de barro coberta de palha; as paredes tanto interior como exteriormente nunca foram rebocadas; o altar está em decoroso e os santos, pelo seu péssimo estado, mais provocam o riso do que devoção. Os ornamentos estão todos danificados pela bagabaga. Este edifício foi erigido há perto de 20 anos a expensas do povo e por ele tem sido reparado todos os anos.”
Mapa muito antigo onde se revela que o território da Guiné era, segundo o cartógrafo, parcela integrada do que se chamava a Etiópia Anterior, aparecem ali designações como Senegal e Terra dos Negros
Ziguinchor nos tempos modernos
Os Fijus di Terra, na região do Casamansa, que 500 anos depois da chegada dos portugueses, não se identificam em pertencer ao Senegal(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 27 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26202: Historiografia da presença portuguesa em África (454): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, continuamos na companhia de Damasceno Isaac da Costa, 1886 (12) (Mário Beja Santos)
quinta-feira, 28 de novembro de 2024
Guiné 61/74 - P26209: Ser solidário (275): Quatro anos como médico cooperante (1980-1984), em Fulacunda e em Bissau (Henk Eggens, neerlandês, consultor internacional em saúde pública, reformado, a viver em Santa Comba Dão)
Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Eu, Henk Eggens, médico neerlandês, cooperante"... Esteve dois anos em Fulacunda (1980-82) e depois em Bissau (1982-84)
Foto nº 2 > Antiga Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Fulacunda > s/d > "Casa no quartel onde depois fiquei, em 1980".
Fonte: https://rumoafulacunda.wordpress.com/fulacunda/ (com a devida vénia).
Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > *Ilustração: parto",. Fonte: Livro Formação das matronas, 1978, MINSAS, Guiné-Bissau.
Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração: rede mosquiteira para crianças*, Fonte: Livro Formação das matronas, 1978, MINSAS, Guiné-Bissau.
Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração: Cinco doenças a tratar pelos Agente de Saúde de Base", Fonte: Fonte: Livro Formação das matronas e dos agentes de saúde de base (A.S.B.) nas tabancas, 1980, CESAS, Guiné-Bissau.
Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração: latrina". Fonte: Livro Formação das matronas e dos agentes de saúde de base (A.S.B.) nas tabancas, 1980, CESAS, Guiné-Bissau.
Foto nº 9 > Antiga Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Fulacunda > s/d > "Fulacunda no tempo colonial com campo de vólei". Fonte desconhecida
Foto nº 10> Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Casa do médico, Land Rover do projeto, mota da noiva e carro 404 privado".
1. Já troquei alguns mails, com o meu colega holandês (ou neerlandês), Henk Eggens, especialista em medicina tropical e saúde pública, que vive, aposentado, em Portugal, em Santa Comba Dão, e é o administrador e editor de Portugal Portal (em neerlandês ou holandês) (*).
No passado dia 9 de setembro último, ele escreveu-me o seguinte, em resposta a um email que lhe tinha mandado:
(...) Bom dia, Luís!
Foi bom ver o teu e-mail. Temos algumas coisas em comum, isto foi claro para mim.
Primeiramente o nosso primeiro ano nesta terra: 1947!
Segundo, a paixão para conhecer outras terras: Conheceste o mundo académico do TNO na Holanda (que conheço só por nome), além do teu passado na Guiné, e provavelmente outros países.
Primeiramente o nosso primeiro ano nesta terra: 1947!
Segundo, a paixão para conhecer outras terras: Conheceste o mundo académico do TNO na Holanda (que conheço só por nome), além do teu passado na Guiné, e provavelmente outros países.
Trabalhei 20 anos no Royal Tropical Institute (**), Amesterdão, como consultor de saúde pública (lepra, tuberculose, cuidados primários de saúde). O que me levou a todos continentes no Sul. A minha vida nunca foi monótona... A nossa vida atual na aldeia, perto de Santa Comba Dão, é mais tranquila (...).
Terceiro, a paixão de comunicar algo de substancial para um público (nos blogues, no ensino). Tua carreira académica, o blogue 'Tabanca Grande' que admiro.
Durante a minha vida profissional desenvolvi cursos de saúde tropical, também 'online', e dei muitas aulas. Com muita satisfação. Gosto de ser editor de Portugal Portal e partilhar com o público neerlandófono (como se diz isso, mesmo?) sobre Portugal, a sua história, cultura, pequenas histórias da vida.(...)
Mantenhas!
(Na altura na Guiné, aprendi bem a conversar em crioulo, não havia outra hipótese de comunicar com o povo lá. Agora perdi já muito a fluidez)
Henk
Henk
2. Nova mensagem do nosso leitor Henk Eggens, médico, especialista em medicina tropical, reformado, a viver em Portugal.
Data - sexta, 1/11/2024, 13:03
Boa tarde, Luís.
Boa tarde, Luís.
Espero que estejas bem, já de volta da vindima no Norte no mês passado.
Vi a mensagem recente do bloguista Patrício Ribeiro no blogue (...) e decidi escrever-te.
(i) Recebeste o meu e-mail de 12 de setembro 2024 com a apresentação dum amigo meu, intitulado 'Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação' ? Achas apto para publicar no teu blogue?
(ii) Acabei de escrever algumas das minhas aventuras na Guiné-Bissau nos anos 1980-1984. Me pediste para contar as minhas experiências durante minha estadia como médico na região de Quínara. Segue o texto e as fotografias em anexo.
Se achas oportuno, podes publicar no teu blogue.
Um abraço desde Santa Comba Dão,
Henk
3. Comentário do editor LG:
Um abraço desde Santa Comba Dão,
Henk
3. Comentário do editor LG:
Obrigado, Henk. Já vi que tens página no Facebook. Fazes parte do grupo público Santa Comba Dão - Luagres, Factos e a Nossa Gente. E do teu CV, no Linkedin, respiguei o seguinte:
"Consultor internacional em saúde públiva, aposentou-se após quarenta e cinco anos de experiência na prestação de cuidados de saúde em países com poucos recursos em três continentes. Amplas relações de trabalho entre governos e ONG internacionais.. Missões de longo prazo em Angola, Guiné Bissau, Tanzânia e Indonésia. Missões de curto prazo em mais de 15 países.
"Idiomas: Inglês, Português: excelente. Francês: bom.
Espanhol, Kiswahili, Indonésio: básico.
Holandês: língua materna. Competências curriculares: : monitoização e avaliação, controle da tuberculose, controle da hanseníase (doença de Hansen ou lepra), desenvolvimento curricular, e-learning". Fonte: Linkedin > Henk Eggens.
Espero que esta seja a primeira de muitas colaborações tuas no nosso blogue (***), onde cabem todos os amigos da Guiné-Bissau com tudo o que os une e até com aquilo que nos pode separar. O teu portuguê é muito bom. Dei apenas um retoque numa palavra ou outra (e nomeadamente no tempo dos verbos)...
"Trabalhei apenas dois anos em Fulacunda (1980-1982). Depois, fui coordenador do Projeto de Saúde de Base no Ministério da Saúde em Bissau (1982-1984)."
Em abril de 1980, desembarquei no aeroporto de Bissalanca. Estava bem preparado. Já durante pos meus estudos de medicina, eu tinha decidido que queria trabalhar em África.
Parte do meu trabalho era treinar os voluntários (Agentes de Saúde de Base) nas tabancas para reconhecer e tratar cinco doenças (fotos nºs 5, 6 e 7).
Outro evento que me marcou foi ajudar no chamado fanado.
A minha noiva (holandesa) vivia em Bissau. Tanto quando possível viajávamos para nos encontrarmo-nos (foto nº 10). Ela tinha uma mota Honda 125 cc off-the-road. Com um barco tradicional ou um barco dum projeto holandês costumávamos travessar o rio Geba. Nem sempre havia águas tranquilas.
Em Buba havia na altura um grande projeto de abastecimento de água (foto nº 11). No antigo quartel foi estabelecido o centro do projeto, que incluiu também uns 5 a 7 técnicos holandeses. No Catió era o centro duma empresa holandesa Stenaks, que construiu centros de saúde na região de Tombali e Quínara. Foi uma grande ajuda ter estes compatriotas relativamente perto.
Foram alguns anos de muitas experiências. Foi a base para minha futura carreira na área de saúde tropical.
(***) Último poste da série > 25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25981: Ser solidário (274): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (10): O mel da Guiné-Bissau (Renato Brito)
(****) 11 de novembro de 1975
Esta é a história dum médico holandês que foi trabalhar na província rural de Quínara, Guiné-Bissau, de 1980-1984, quando o país se tornou independente havia poucos anos.
Por Henk Eggens
Em abril de 1980, desembarquei no aeroporto de Bissalanca. Estava bem preparado. Já durante pos meus estudos de medicina, eu tinha decidido que queria trabalhar em África.
Após cinco anos de estudos teóricos, tirei um ano sabático. Viajei pela África Ocidental através do Saara e pelo Congo até a África Oriental. Durante sete meses, conheci muitas Áfricas. No final dos meus estudos de medicina, fiz um curso de três meses sobre doenças tropicais, o que me preparou melhor para reconhecer e tratar essas doenças.
O meu primeiro emprego foi em Angola. Em 1976, quatro meses após a declaração de independência (****), viajei para Cabinda e trabalhei lá durante dois anos na ala pediátrica do hospital provincial. Lá, aprendi muito: a falar português, e palavrões cubanos dos meus colegas médicos. Aprendi na prática a tratar a patologia tropical. Perdi também a ilusão da viabilidade e desejabilidade duma sociedade comunista.
Em 1980, tive a oportunidade de trabalhar na Guiné-Bissau. Consegui um emprego no Ministério da Saúde da Guiné-Bissau e fui colocado na região de Quínara, no sul da Guiné-Bissau. A província tinha cerca de 40.000 habitantes. Ninguém sabia exatamente quantos. Já fazia parte da área libertadada durante a guerra colonial, com exceção dos quarteis do exército português e as tabancas.
O meu primeiro emprego foi em Angola. Em 1976, quatro meses após a declaração de independência (****), viajei para Cabinda e trabalhei lá durante dois anos na ala pediátrica do hospital provincial. Lá, aprendi muito: a falar português, e palavrões cubanos dos meus colegas médicos. Aprendi na prática a tratar a patologia tropical. Perdi também a ilusão da viabilidade e desejabilidade duma sociedade comunista.
Em 1980, tive a oportunidade de trabalhar na Guiné-Bissau. Consegui um emprego no Ministério da Saúde da Guiné-Bissau e fui colocado na região de Quínara, no sul da Guiné-Bissau. A província tinha cerca de 40.000 habitantes. Ninguém sabia exatamente quantos. Já fazia parte da área libertadada durante a guerra colonial, com exceção dos quarteis do exército português e as tabancas.
Excerto da carta de Fulacunda (1955) (Escala 1/50 mil) Fonte: Cortesia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné |
Fui morar em Fulacunda, uma vila de mil habitantes onde existiu um quartel militar (Vd. fotos nº 1 e 3).
O que encontrei quando cheguei em Fulacunda?
O que encontrei quando cheguei em Fulacunda?
Não havia hospital. Um posto de saúde em Fulacunda consistia em uma cabana, parte do antigo quartel
e havia uma cadeira ginecológica enferrujada. E uma caixa de medicamentos enviada pelo ministério.
Outros lugares na região de Quínara tinham cabanas semelhantes com um mínimo básico de recursos.
Havia mais pessoal de saúde. Em Tite, morava Augusto, um enfermeiro treinado na época colonial que sabia de tudo e me explicou muitas coisas, me tornando mais sábio sobre como as coisas aconteciam na região.
Em Fulacunda e Empada, trabalhavam dois ‘meio-médicos’ guineenses. Digo ‘meio-médicos’ porque eram jovens que foram treinados na União Soviética como feldshers, um tipo de treinamento prático para atuação médica (*****).
Além disso, havia alguns socorristas presentes nas tabancas. Em Nhala, que também era um antigo quartel do exército colonial português, havia um centro de treinamento onde os socorristas, muitas vezes analfabetos e que haviam trabalhados na guerra de libertação, recebiam treinamento formal como auxiliares de enfermagem.
No início, eu viajava muito por todas as vilas e postos de saúde para ver o que estava acontecendo. Era muito pouco. Sempre faltavam medicamentos.
As pessoas moravam longe dos postos de saúde e a medicina tradicional era a principal fonte de cuidados de saúde. Logo comecei a organizar cuidados materno-infantis. Sob a mangueira (ou o poilão), reuníamos regularmente as grávidas e as crianças e administrávamos as vacinas necessárias, contra tuberculose, sarampo, difteria, tétano, poliomielite e coqueluche. Providenciávamos medicamentos (foto nº 4) e conselhos ás grávidas. Com um cartão onde os pesos das crianças eram anotados e que eu mesmo havia mimeografado, acompanhávamos o crescimento e desenvolvimento das crianças pequenas.
As pessoas moravam longe dos postos de saúde e a medicina tradicional era a principal fonte de cuidados de saúde. Logo comecei a organizar cuidados materno-infantis. Sob a mangueira (ou o poilão), reuníamos regularmente as grávidas e as crianças e administrávamos as vacinas necessárias, contra tuberculose, sarampo, difteria, tétano, poliomielite e coqueluche. Providenciávamos medicamentos (foto nº 4) e conselhos ás grávidas. Com um cartão onde os pesos das crianças eram anotados e que eu mesmo havia mimeografado, acompanhávamos o crescimento e desenvolvimento das crianças pequenas.
Eram passeios populares. Mães e crianças vinham de longe para receber as vacinas e ouvir nossas palestras.
Parte do meu trabalho era treinar os voluntários (Agentes de Saúde de Base) nas tabancas para reconhecer e tratar cinco doenças (fotos nºs 5, 6 e 7).
Também treinámos as parteiras tradicionais (matronas). Elas recebiam um pequeno kit, uma caixinha com uma faca esterilizada e fios esterilizados para cortar e amarrar o cordão umbilical depois do parto. Além disso, eram instruídas sobre a importância de um comportamento antisséptico durante o parto (foto nº 5).
A ideia era que os voluntários na tabanca recebessem uma caixa de medicamentos com os quais pudessem tratar cinco doenças (foto nº 7). Essas eram:
A ideia era que os voluntários na tabanca recebessem uma caixa de medicamentos com os quais pudessem tratar cinco doenças (foto nº 7). Essas eram:
- paludismo (corpo quente),
- conjuntivite (dor di udjo),
- dor de cabeça,
- diarreia (panga barriga),
- tosse e feridas.
Posteriormente à formação, a tabanca recebia uma caixa de medicamentos. Depois, a própria tabanca, por meio de contribuições voluntárias (abota), arrecadava dinheiro para comprar novos medicamentos no Depósito Central de Medicamentos em Bissau.
Havia muita hesitação na tabanca para juntar dinheiro, pois nem todos confiavam que seria bem utilizado. Foi necessária muita persuasão para convencer as pessoas a contribuir, e, eventualmente, isso funcionou em algumas tabancas.
Além de poder tratar estas doenças, os Agentes foram ensinados sobre medidas preventivas da higiene nas tabancas (fotos nº 7 e 8).
Este Projeto de Saúde de Base ocorreu em vários lugares da Guiné-Bissau, sob a inspiradora liderança do vice-ministro da saúde, Dr. Manuel Boal. Havia projetos no Oio, na ilha de Canhabaque, em Tombali e no extremo leste, em Lugadjol, no setor de Madina do Boé, e em Quínara, onde eu trabalhava.
Além de poder tratar estas doenças, os Agentes foram ensinados sobre medidas preventivas da higiene nas tabancas (fotos nº 7 e 8).
Este Projeto de Saúde de Base ocorreu em vários lugares da Guiné-Bissau, sob a inspiradora liderança do vice-ministro da saúde, Dr. Manuel Boal. Havia projetos no Oio, na ilha de Canhabaque, em Tombali e no extremo leste, em Lugadjol, no setor de Madina do Boé, e em Quínara, onde eu trabalhava.
O projeto teve bastante sucesso nos primeiros anos, graças à liderança entusiástica dos coordenadores guineenses e dos cooperantes estrangeiros. Depois de algum tempo, a confiança dos aldeões foi conquistada e eles contribuíram voluntariamente com dinheiro, e isso era muito pouco dinheiro, para comprar medicamentos para serem usados na tabanca. No entanto, ficou claro que este projeto nunca seria completamente autossuficiente, pois sempre havia preços que eram altos demais para o que os aldeões podiam pagar.
As minhas atividades curativas (ou mais propriamente clínicas) eram bastante limitadas porque eu não tinha muitos recursos. Poucos medicamentos e nenhum instrumento para realizar qualquer procedimento terapêutico mesmo simples.
As minhas atividades curativas (ou mais propriamente clínicas) eram bastante limitadas porque eu não tinha muitos recursos. Poucos medicamentos e nenhum instrumento para realizar qualquer procedimento terapêutico mesmo simples.
Um dos eventos mais impressionantes foi quando, numa manhã, uma jovem mulher chegou a Fulacunda dizendo que havia sido mordida por uma cobra enquanto pegava água no rio. Ela não sabia exatamente que tipo de cobra era, mas foi mordida na perna.
O que podíamos fazer? Tínhamos soro antiofídico, mas não sabíamos há quanto tempo estava fora da geladeira, então não sabíamos se ainda era eficaz, mas usámo-lo mesmo assim. Injetámos na esperança de que ajudasse.
Observávamos a jovem mulher e, após algumas horas, os seus dedos de pé começaram a paralisar. As suas pernas começaram a enfraquecer e paralisar, e em seis horas, ela acabou por faleceu porque os seus músculos respiratórios também paralisaram.
Tentámos de tudo: respiração artificial, administração de oxigênio que tínhamos por acaso. Mas nada ajudou. Nunca esquecerei os olhos assustados e suplicantes da jovem mulher que morreu de uma picada de cobra.
Outro evento que me marcou foi ajudar no chamado fanado.
O fanado é um ritual realizado pelo grupo étnico Beafada, onde eu morava. Uma vez a cada poucos anos, jovens homens e meninos de 7 a 12 anos eram isolados na floresta por meses, onde aprendiam os segredos da tribo e como sobreviver e cumprir seu papel nas comunidades da tabanca.
Durante o período colonial, esses fanados eram realizados em segredo, e agora, com a independência, os líderes decidiram que os serviços de saúde poderiam contribuir. No final dos meses de isolamento, os jovens eram circuncidados. Meu assistente e fiel colaborador Sanquinho, o auxiliar médico, foi convidado a ir à floresta para desinfetar os pénis recém-circuncidados. Eu não podia ir porque era branco, um estrangeiro.
Ele foi. No dia seguinte, ele voltou dizendo que não conseguiu. Ele levou iodo como desinfetante, que é à base de álcool, mas o primeiro menino que foi desinfetado começou a gritar tão alto que desistiram dessa ajuda. O que fazer?
Felizmente, tínhamos outro desinfetante, a violeta genciana, que era à base de água. Sugeri usá-lo, mas com a condição de que eu mesmo fosse à floresta para observar e aplicar. Após alguma discussão, isso foi permitido e viajámos para a floresta. Em um determinado momento, chegámos a uma árvore caída, que era o limite absoluto até onde podíamos ir. Dali para a frente, a área era proibida para nós e, atrás da árvore caída, havia uma fila de meninos. Meninos com rostos assustados, com as mãos cobrindo suas partes íntimas, esperando para desinfetar os seus pénis recém-circuncidados.
Felizmente, tínhamos outro desinfetante, a violeta genciana, que era à base de água. Sugeri usá-lo, mas com a condição de que eu mesmo fosse à floresta para observar e aplicar. Após alguma discussão, isso foi permitido e viajámos para a floresta. Em um determinado momento, chegámos a uma árvore caída, que era o limite absoluto até onde podíamos ir. Dali para a frente, a área era proibida para nós e, atrás da árvore caída, havia uma fila de meninos. Meninos com rostos assustados, com as mãos cobrindo suas partes íntimas, esperando para desinfetar os seus pénis recém-circuncidados.
Um por um, eles levantavam os panos sujos que cobriam suas partes íntimas e podíamos aplicar o desinfetante. Como era à base de água, não era irritante e foi bem tolerado pelos meninos. Ganhei uma experiência valiosa e os meninos, espero, foram desinfetados após uma circuncisão que não foi feita completamente de acordo com as normas antissépticas.
A minha vida em Fulacunda não era tão fácil. A sra. Maria cuidava de mim, preparava as comidas e limpava a casa. Tinha algumas galinhas para ter um ovo no mata-bicho. Importei legumes desidratadas de Holanda e, de vez em quando, conseguíamos uns tomatinhos. Os pescadores traziam-me de vez em quando uma barracuda, peixe grande e deliciosa.
Na frente da minha casa havia um campo de jogos (antigamente para jogar vólei?) (foto nº 9). Às vezes eu instalava o meu gravador lá à noite e os moradores e nós dançávamos ao som de uma música animada.
Antes de viajar para Guiné-Bissau, comprei na Bélgica uma caixa de cartuchos (calibre 12). Provou ser muito útil. Não sabia caçar, mas o meu amigo Manuel sabia. Levou de noite um ou dois cartuchos para o mato e voltou de manhã com um antílope. Dividimos a carcaça e havia carne para umas semanas.
A minha vida em Fulacunda não era tão fácil. A sra. Maria cuidava de mim, preparava as comidas e limpava a casa. Tinha algumas galinhas para ter um ovo no mata-bicho. Importei legumes desidratadas de Holanda e, de vez em quando, conseguíamos uns tomatinhos. Os pescadores traziam-me de vez em quando uma barracuda, peixe grande e deliciosa.
Na frente da minha casa havia um campo de jogos (antigamente para jogar vólei?) (foto nº 9). Às vezes eu instalava o meu gravador lá à noite e os moradores e nós dançávamos ao som de uma música animada.
Antes de viajar para Guiné-Bissau, comprei na Bélgica uma caixa de cartuchos (calibre 12). Provou ser muito útil. Não sabia caçar, mas o meu amigo Manuel sabia. Levou de noite um ou dois cartuchos para o mato e voltou de manhã com um antílope. Dividimos a carcaça e havia carne para umas semanas.
Raramente era abatida uma vaca na tabanca. Costumavam-me chamar para inspecionar o estado de saúde da carne. Tinha um livro de medicina veterinária, assim podia verificar os pulmões, o fígado e se a carne oferecia as condições mínimas de salubridade. Levava uma balde grande para inspeção: depois de autorizar a venda da carne, era o primeiro a poder escolher a minha parte da vaca.
A minha noiva (holandesa) vivia em Bissau. Tanto quando possível viajávamos para nos encontrarmo-nos (foto nº 10). Ela tinha uma mota Honda 125 cc off-the-road. Com um barco tradicional ou um barco dum projeto holandês costumávamos travessar o rio Geba. Nem sempre havia águas tranquilas.
Em Buba havia na altura um grande projeto de abastecimento de água (foto nº 11). No antigo quartel foi estabelecido o centro do projeto, que incluiu também uns 5 a 7 técnicos holandeses. No Catió era o centro duma empresa holandesa Stenaks, que construiu centros de saúde na região de Tombali e Quínara. Foi uma grande ajuda ter estes compatriotas relativamente perto.
No tempo da chuva era praticamente impossível viajar, pois as estradas eram intransitáveis, mesmo com meu carro de trabalho, o formidável Land Rover (foto nº 10).
Foram alguns anos de muitas experiências. Foi a base para minha futura carreira na área de saúde tropical.
Obrigado, Guiné, obrigado, guineenses!
(Revisão / fixação de texto, edição de fotos: LG)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 5 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25913: Blogues da nossa blogosfera (195): "Portugal Portal," em neerlandês, de Henk Eggens: publicou em 19/7/2024 um artigo do José Saúde ("Een militair keert naar huis terug"/ "Uma soldado volta para casa")
(**) Equivalente ao nosso Instituto de Higiene e Medicina Tropical / NOVA, Lisboa
(***) Último poste da série > 25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25981: Ser solidário (274): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (10): O mel da Guiné-Bissau (Renato Brito)
(****) 11 de novembro de 1975
(*****) Na China e em Moçambique eram chamados "médicos de pé descalço"... Prestadores de cuidados de saúde, sem qualificações formais, atuando sobretudo na áreas da prevenção da doença e da promoção da saúde.
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