Ó pra cima, ó pra baixo, na colina de Santana
Em honra de Gomes Freire de Andrade
e dos demais mártires da Pátria de todos os tempos (*)
por Luís Graça
Pela colina de Santana acima,
lá vamos nós, ó malta,
atrás da banda, em bando,
sonâmbulos, funâmbulos, a quatro patas,
dando vivas à liberdade!
Sete colinas tem a cidade onde cabem todos,
ou quase todos,
os poucos, afinal, que não naufragaram
nas praias dos sete mares.
Vamos amnésicos, e já protésicos,
velhos gaiteiros, pândegos,
infantes e artilheiros,
com muito mundo e poucas vidas,
mal sabendo que, no alto da colina,
boas são as vistas das novas avenidas,
e melhores os ares.
Este país é como a lesma,
agora, ó pra cima,
é o povo, canhestro, quem mais manda,
mas se é outra a banda e novo o maestro,
a música é sempre a mesma, fandanga.
Quer mude ou não o clima, todos querem ficar por cima!
Valha-nos, ao menos, Deus
que ao rei e ao borracho vai pondo a mão por baixo.
E quem não salta, ó malta,
vai no elevador do Lavra,
é a ralé das vilas e pátios,
a caminho das manufaturas reais,
e alguns, de baraço ao pescoço,
degredados para Angola, Timor ou Guiné.
Se fores senhor com privilégio, valido ou por valer,
ou até doutor em leis e cânones,
não tens nada que saber, segue fora dos carris,
apanha o cortejo régio,
colina de Santana abaixo até ao Terreiro do Paço.
Bem formosas e melhor seguras
nas suas reais patas vão as açafatas
da Rainha Catarina, que foi de Inglaterra,
a caminho das manufaturas reais,
e alguns, de baraço ao pescoço,
degredados para Angola, Timor ou Guiné.
Se fores senhor com privilégio, valido ou por valer,
ou até doutor em leis e cânones,
não tens nada que saber, segue fora dos carris,
apanha o cortejo régio,
colina de Santana abaixo até ao Terreiro do Paço.
Bem formosas e melhor seguras
nas suas reais patas vão as açafatas
da Rainha Catarina, que foi de Inglaterra,
senhora de etiqueta e de berço,
que sabe pôr os pontos nos ii.
No palácio da Bemposta, meninas,
as leis podem, ser duras mas são leis,
depois do chá e do chichi, o terço
que todas vós rezareis.
Ladinas e engraçadas, essas açafatas,
à noite escapam-se, encapuçadas,
para a sétima colina.
É a movida, qual má vida ?!
Já que não temos os doces prazeres terrenos de Versalhes,
joguemos, ao menos, o jogo do gato e do rato,
que sabe pôr os pontos nos ii.
No palácio da Bemposta, meninas,
as leis podem, ser duras mas são leis,
depois do chá e do chichi, o terço
que todas vós rezareis.
Ladinas e engraçadas, essas açafatas,
à noite escapam-se, encapuçadas,
para a sétima colina.
É a movida, qual má vida ?!
Já que não temos os doces prazeres terrenos de Versalhes,
joguemos, ao menos, o jogo do gato e do rato,
com o pescoço no fio de aço da guilhotina.
Cortesão não é criado, mas criatura,
nunca mostra má catadura,
vai respeitoso, na procissão do Senhor dos Passos,
cabisbaixo, devidamente ataviado, ordeiro,
e nunca é o primeiro a ladrar como um vulgar cãocidadão.
E muito menos dá a palavra à canalha
que desce o Lavra, alvoraçada,
a caminho do Rossio onde o poder pode estar por um fio.
Cortesão não é criado, mas criatura,
nunca mostra má catadura,
vai respeitoso, na procissão do Senhor dos Passos,
cabisbaixo, devidamente ataviado, ordeiro,
e nunca é o primeiro a ladrar como um vulgar cãocidadão.
E muito menos dá a palavra à canalha
que desce o Lavra, alvoraçada,
a caminho do Rossio onde o poder pode estar por um fio.
Continuará a ir de liteira o nobre
e de chinela no pé o baixo clero,
e, aos dois enchendo a barriga, o pobre,
o coitado, o proletário,
regista, veemente e fero, o poeta panfletário.
Com tanto palácio, convento e hospital em redor,
não sei o que nos move, senhor físico-mor
do reino de Portugal, dos Algarves
e de além-mar em África…
Não me atrevo a perguntar ao cardeal,
que é o santo inquisidor-mor,
porque aos grandes deste mundo não calam fundo
as perguntas que não têm fácil resposta.
Num país de alarves,
e de brandos costumes, dizem os estranjeiros de fora,
não quero dizer asneira,
mas, citando o grande pregador António Vieira,
direi que, primeiro, a caridade, depois a esperança,
que é sempre a última a morrer,
e por fim a fé, ou a fezada,
que é irmã da sorte que protege os audazes.
Mas mais do que as três virtudes teologais
é a força da forca e o terror de morte
que nos fazem correr,
a todos nós, simples mortais…
E, no último minuto, a piedade
que a corda do carrasco de el-rei faz suster.
Somos um povo piedoso, meu irmão,
mas finge que olhas, discreto,
para a ostentação dos ricos,
sem a sombra do pecado da inveja dos pobres.
Em Lisboa, que tem arte barroca e forca em cada esquina,
não sigas pelo cume da airosa colina,
foge da Carlota Joaquina,
enfia-te pela viela escura, mal cheirosa e porca
sem que ninguém te veja.
Esta é a nossa terra, Pátria amada, camarada,
diz a letra do fado do Velho do Restelo,
quem vai à guerra perde o couro e o cabelo.
E logo mais à frente a tabuleta
com a verdade que dói
e ao mesmo tempo reconforta:
Gomes Freire, de traidor a herói,
hoje enforcado, amanhã condecorado,
que é doce e honroso morrer pela Pátria!
O rei, ou o regente, esse já ninguém o leva a sério,
não será imperador do Brasil,
acabou de perder a coroa e o império,
no casino do Estoril.
De roleta em roleta, o país vai para o maneta,
cobre-se de ervas e de silêncio de cemitério
o campo dos mártires da Pátria.
O rei, ou o regente, esse já ninguém o leva a sério,
não será imperador do Brasil,
acabou de perder a coroa e o império,
no casino do Estoril.
De roleta em roleta, o país vai para o maneta,
cobre-se de ervas e de silêncio de cemitério
o campo dos mártires da Pátria.
A gente aqui no bem bom do sobe e desce
e a economia que não cresce,
ameaça o FMI no Telejornal.
Mas vamos indo, menos mal,
vendendo aos turistas Portugal,
só não temos é tempo para nada,
e, quando o tivermos, é para morrer.
E o cruzeiro, amor, que queríamos fazer
aos fiordes da Noruega ?
Deixa lá, querido, há-de vir a retoma e o aumento da reforma,
antes de eu ficar velha, surda, muda e cega…
Pela colina de Santana abaixo
lá vamos nós, sonâmbulos, funâmbulos,
a toque de caixa, pró Aljube,
onde nos tratam da saúde…
Deixem lá, camaradas de armas, veteranos,
que daqui a cinquenta anos
já não estaremos cá,
mas haverá de novo festa na urbe,
e os cravos, as rosas e os jasmins
voltarão a florir nos jardins.
Lisboa, Festival Todos 2016,
Colina de Santana, 10/9/2016.
e a economia que não cresce,
ameaça o FMI no Telejornal.
Mas vamos indo, menos mal,
vendendo aos turistas Portugal,
só não temos é tempo para nada,
e, quando o tivermos, é para morrer.
E o cruzeiro, amor, que queríamos fazer
aos fiordes da Noruega ?
Deixa lá, querido, há-de vir a retoma e o aumento da reforma,
antes de eu ficar velha, surda, muda e cega…
Pela colina de Santana abaixo
lá vamos nós, sonâmbulos, funâmbulos,
a toque de caixa, pró Aljube,
onde nos tratam da saúde…
Deixem lá, camaradas de armas, veteranos,
que daqui a cinquenta anos
já não estaremos cá,
mas haverá de novo festa na urbe,
e os cravos, as rosas e os jasmins
voltarão a florir nos jardins.
Lisboa, Festival Todos 2016,
Colina de Santana, 10/9/2016.
Versão revista hoje.
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Nota do editor:
Último poste da série > 9 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17748: Manuscrito(s) (Luís Graça) (124): Homenagem aos trabalhadores da vinha e do vinho...
Último poste da série > 9 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17748: Manuscrito(s) (Luís Graça) (124): Homenagem aos trabalhadores da vinha e do vinho...