Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27489: Historiografia da presença portuguesa em África (506): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1950 (64) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
Entrou-se num processo rotineiro de institucionalização administrativa: informações sobre créditos concedidos, legislação do Ministério das Colónias, atividade do Conselho Disciplinar, mais regulamentos, nomeações, fica-se com a sensação que há uma maior ocupação do território, as circunscrições têm mais postos, o Governo concede aforamentos, há mais nomeações, etc. Privado, por razões orçamentais, de se lançar em grandes projetos infraestruturais, Raimundo Serrão deixa seguir o percurso traçado por Sarmento Rodrigues, tem bastantes inaugurações para fazer. Mas decidiu deixar a sua marca de água, o ensino liceal, Sarmento Rodrigues, por razões lógicas. fez espalhar pela colónia as chamadas escolas primárias, naturalmente que se impõe agora dar continuidade aos estudos. Quando deixar a província, Raimundo Serrão encomendará a Fausto Duarte um livro de autoglorificação intitulado Guiné, Alvorada do Império, publicado em 1952, onde se podem ler pérolas como esta: "O engenheiro Serrão é um puritano da arte, um perfeito esteta que o escalpelo da sua ação e experiência burila e retoca com segura mestria e amplia até, como se asas gigantescas a atirassem a grandes alturas, em busca de perfeição”. Para efeitos promocionais, fica tudo dito.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1950 (64)


Mário Beja Santos

Estamos em pleno consulado do Capitão de Engenharia Raimundo Serrão, prosseguem as obras, tal como a institucionalização administrativa. Um problema que se vai pôr em 1950 prende-se com a inflação e o açambarcamento. No Suplemento n.º 5, de 9 de maio, publica-se a portaria n.º 205, invoca-se as medidas do Governo Central e a adoção de medidas enérgicas destinadas a defender a economia nacional contra todas as tentativas de açambarcamento e as altas artificiais de preços. E escreve-se na Portaria que “Na colónia pouco ou nada se tem feito nesse sentido, de que resultou, devido à má compreensão dessa benevolência, o encarecimento injustificado dos géneros considerados de primeira necessidade e dos artigos indispensáveis aos principais ramos de atividade”. Por isso se cria na Guiné a Comissão Reguladora de Preços, presidida pelo Inspetor do Comércio Geral, passa a ser competência da Comissão a organização e superintendência dos serviços de fiscalização sobre a fixação de preços, o âmbito de atuação da Comissão em toda a colónia, atuarão o administrador de conselho ou de circunscrição, a delegacia de saúde, nas localidades onde não houver nem serviços aduaneiros nem de saúde, irão intervir o administrador de circunscrição e o seu secretário e um comerciante idóneo.

Serão elaboradas tabelas de preços de venda ao público, ter-se-á em conta uma base de incidência que deve ter sido encarada pelos intervenientes como altamente rebuscada. Diz-se explicitamente que nenhum preço atualmente fixado pelo comércio podia ser elevado a partir da data da publicação desta portaria, dá-se conta de como se procederá na fiscalização, a natureza das contravenções por açambarcamento e especulação, como se fará a repressão dos crimes de especulação e açambarcamento e o tipo de sanções.

No Boletim n.º 19, de 11 de maio, anunciam-se novos procedimentos relativamente ao estudo e combate da doença do sono, detetara-se que, apesar de terem sido concedidas regalias especiais aos doentes indígenas, o método de persuasão não dera os resultados esperados, pelo que o governador da colónia determinava que o tratamento da doença do sono era obrigatório para os doentes, de harmonia com as prescrições feitas pelas competentes autoridades sanitárias. Constituíam-se como infrações penais, por exemplo: a ocultação às autoridades da Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono de casos suspeitos de doença do sono em pessoa de família ou dependentes; o transporte de doentes do sono para ou através de zonas infetadas, sem os cuidados aconselhados para evitar a infeção da mosca; o procedimento que induza os indígenas a resistir a exame, tratamento ou qualquer outra determinação das autoridades sanitárias.

Como iremos ver igualmente no ano de 1951, Raimundo Serrão procura uma intervenção que tenha a sua marca de água, ela vai passar pelo ensino. Como se encontra no Suplemento n.º 7, de 9 de junho, publicam-se disposições do estatuto do ensino liceal aplicadas à colónia. Resumidamente, o ensino dos liceus é distribuído por três ciclos; o 1.º ciclo, com a duração de dois anos, e o 2.º ciclo, com a duração de três anos, têm por objetivo preparar para a sequência de estudos e ministrar a cultura mais conveniente para a satisfação das necessidades comuns da vida social, a par dos fins de revigoramento físico, de aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, de formação de caráter e do valor profissional e de fortalecimento das virtudes morais e cívicas; o 3.º ciclo, com a duração de dois anos, mantendo nos mesmos objetivos é especialmente destinado a preparar os alunos para o ingresso em grau superior de ensino.

O aspeto curioso desta organização de estudos foi a mesma que eu vivi em Lisboa nos anos 1950 e 1960. Raimundo Serrão terá concebido para ponto de partida um liceu-colégio, daí o estatuto consagrar o seguinte: “Os estabelecimentos particulares que, devidamente autorizados, ministrem o mesmo ensino que é ministrado nos liceus são obrigados a obedecer a todos os preceitos pedagógicos do presente estatuto.” E estabelecem-se os termos regulamentares das matrículas dos alunos.

Acho conveniente voltar um pouco atrás, a 1946, na revista Defesa Nacional, número de novembro de 1946, dedicado à Guiné, aborda-se o problema aeronáutico; ele vai ressurgir na governação de Raimundo Serrão por duas razões: a preparação da pista de aviação para, no futuro, haver voos para Bissau e incentivos a uma vida associativa de clubes aeronáuticos na Guiné.

O Coronel Aviador José Pedro Pinheiro Correia é o autor do texto, recorda que em 1941 a Pan American, ao tempo uma conceituadíssima transportadora aérea, foi obrigada no inverno de 1941 a alterar a sua rota normal dos Açores, encontrou em Bolama condições ideais para a deslocação dos seus Clippers. Houvera anteriormente raides de Lisboa a Bissau, tinham sido identificadas dificuldades na descolagem, mas com os Clippers da Pan American não tinha havido qualquer dificuldade para levantar com os seus trinta passageiros. O coronel aviador fazia sugestões para o futuro aeronáutico da Guiné:
“Em face da situação geográfica da província da Guiné, suas condições climatológicas e possibilidades técnicas dos seus terrenos e planos de água, não é difícil prever que, num futuro mais ou menos condicionado pelo estabelecimento, da parte de Portugal, de uma política aérea definida, a Guiné deverá ocupar o lugar a que tem direito e lhe compete na rede aérea mundial.

Assim poderemos prever:
1.Bolama ou Bissau deverão vir a possuir um aeroporto apetrechado com um equipamento que lhe permita vir a constituir, dentro do Império Português, uma das placas girantes mais importantes do tráfego aéreo mundial e permitir apoiar as seguintes ligações aéreas:
a) Europa-América do Sul
b) Europa-África Ocidental
c) Europa-África do Sul
d) Europa-América do Norte (para grandes hidros de carga durante o inverno em que o mar dos Açores é impraticável).

2. Bolama ou Bissau deverão vir a ser escolhidas como primeira etapa para a linha aérea imperial da TAP.
3. Dentro da província da Guiné deverá ser estabelecida uma rede interna de soberania e apoio moral às populações do interior da colónia (confesso que este ponto me parece fora de contexto).
4. A província da Guiné deverá estar ligada pela via aérea a algumas das colónias estrangeiras que a rodeiam, em especial a: Dacar-Bathurst-Monróvia".


É por demais sabido que as propostas do sr. coronel se tornaram rapidamente anacrónicas, o hidroavião foi substituído pelo Super Constellation, anos depois irá aparecer o aeroporto de Bissalanca, os voos da ilha do Sal para Bissau, mas jamais a província terá o poder radial com que o sr. coronel aviador sonhou.


Uma fotografia que se tornou icónica, um soldado guineense, sentinela no Baluarte da Puana, Fortaleza de S. José de Amura, o rio Geba ao fundo
Boé, Fonte de Madina, 1946
Granja de Pessubé, construção de carros de bois, 1946
A Bissau dos tempos pós-coloniais

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 26 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27467: Historiografia da presença portuguesa em África (505): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, continuação de 1949 (63) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27467: Historiografia da presença portuguesa em África (505): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, continuação de 1949 (63) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
É gritante, flagrantemente gritante, o conteúdo das matérias dos Boletins Oficiais da governação de Sarmento Rodrigues, da do período que ficou a cargo do encarregado de Governo e agora do novo Governador, Engenheiro Raimundo Rodrigues Serrão. O que conta agora é a institucionalização da vida administrativa, vai surgir a aviação civil, fala-se dos direitos dos aposentados, de segurança social, como seja as indemnizações, pensões e compensações por acidentes de trabalho dos indígenas, do abastecimento de água em ruas ou zonas servidas pela rede geral da distribuição de água, dos direitos dos funcionários a medicamentos, há melhoria do abastecimento em carnes verdes, há necessidade da Guiné se apetrechar com aparelho estatístico, e aumenta o número dos clubes de futebol, fundou-se uma associação de desporto com o nome Nuno Tristão Futebol Clube, em Bula. Ainda não se falou numa preocupação que é latente em Raimundo Serrão, ele quer pôr o liceu a funcionar, no fundo o espírito da colónia-modelo parece enraizar-se nas preocupações do novo governador, enquanto decorrem as construções deixadas pelo seu antecessor procura melhorar o aparelho administrativo, pô-lo na dimensão da modernidade.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, continuação de 1949 (63)


Mário Beja Santos

Estamos em julho de 1949, no Boletim Oficial n.º 29, do dia 18, são publicados os estatutos do Nuno Tristão Futebol Clube, tem a sua sede em Bula, o emblema constará de camisola amarela, calção preto, meia preta com lista amarela e as armas da colónia, o seu estandarte será também preto e amarelo com as armas da colónia. Os fins da associação são: promover diversões familiares entre os associados, a prática das diversas modalidades desportivas, expansão do espírito associativo e o progresso da associação.

O reforço da vida administrativa passava também pela introdução de infraestruturas de abastecimento portadoras de sinais da civilização. No Boletim Oficial n.º 30, de 25 de julho, consta uma Portaria que nos recorda que a população de Bissau, 11 mil habitantes, lutava com sérias dificuldades quanto à aquisição de carnes verdes, refere-se que o serviço de aquisição, matança de rezes e fornecimento de carnes verdes é do verdadeiro interesse público, sendo necessário dotar o serviço com fundo permanente para aquisição de gado, autoriza-se a Câmara Municipal de Bissau tomar as medidas atinentes. É também nesta perspetiva que se deve olhar o regulamento para serviço de abastecimento de água nas circunscrições civis, consta do Suplemento ao n.º 30, n.º4-A, 26 de julho, atenda-se aos propósitos:
- As administrações das circunscrições civis fornecerão água potável para usos domésticos e industriais a todos os proprietários e inquilinos de prédios, bem como as repartições, dependências e utilizações públicas situadas nas ruas, zonas ou locais servidos pela rede geral de distribuição;
- A água será fornecida ininterruptamente de dia e de noite, exceto em casos fortuitos e de força maior;
- Nas ruas ou zonas servidas pela rede geral de distribuição de água é obrigatória a instalação de canalizações de distribuição, esta obrigação pertence sempre ao proprietário do prédio. É um minucioso regulamento que contempla as canalizações, o fornecimento de água e muito mais.

As preocupações sociais vão começar a dar pelo nome de segurança social e direitos dos trabalhadores. No Suplemento n.º 4-B, de 26 de julho, consta um despacho do gabinete do governador em que se pretende regulamentar a proteção aos indígenas vítimas de acidentes de trabalho e por isso se publicam instruções sobre acidentes de trabalho em concordância com o Código do Trabalho dos Indígenas, que tinha sido aprovado por um decreto de 6 de dezembro de 1928. Vejamos alguns aspetos relevantes:
- Terão direito às indemnizações, pensões ou compensações fixadas neste regulamento todos os trabalhadores indígenas que forem vítimas de um acidente de trabalho, do qual lhes resulte alguma lesão ou doença que tenha ocorrido no local e durante o tempo de trabalho ou na prestação de trabalho ou fora do local e tempo de trabalho normal, se ocorrer enquanto se executam ordens ou realizam serviços sobre a autoridade da entidade patronal. O legislador é também minucioso, dirá o que não é acidente de trabalho ou o que não se poderá considerar como acidente de trabalho, em condições o sinistrado perde o direito a qualquer pensão ou indemnização, etc., etc.

Vejamos agora o Boletim Oficial n.º 36, de 5 de setembro, determina que os comerciantes fiquem obrigados a manifestar mensalmente, para fins exclusivamente estatísticos, as quantidades compradas e os preços praticados. Isto porquê? O legislador explica:
“Não dispõe a Guiné de estatísticas da sua produção agrícola. Os números publicados quanto a este aspeto da estrutura económica da colónia resultam de simples estimativas que nem sempre traduzem a realidade dos factos, refletindo com exatidão a atividade agrícola geral dos indígenas, nem permitem traçar com segurança a política económica mais adequada às necessidades locais. Enquanto não for possível a organização daquele ramo de estatística por forma a fornecer elementos de grande utilidade, quer sob o ponto de vista económico-agrícola, quer sob o ponto de vista político e social de ocupação do território, tenta-se suprir a lacuna existente organizando o manifesto comercial agrícola que permitirá ao Governo conhecer, com o rigor possível, não só o volume dos produtos da lavra indígena que afluem aos centros comerciais de cada circunscrição como a evolução anual dos respetivos preços, as compras feitas por uma circunscrição em qualquer das outras e as existências em armazém no fim de cada mês.”
E estabelece-se esta obrigatoriedade de que todos os comerciantes que compram os produtos agrícolas aos indígenas são obrigados a manifestar mensalmente as quantidades compradas e os preços praticados.

Temos finalmente o Suplemento n.º 17, de 31 de dezembro, publicam-se os Estatutos do Aero Clube da Guiné, organismo de interesse público e privado com sede em Bissau, tendo como objetivo o desenvolvimento da aviação civil na Guiné Portuguesa. “Para atingir os fins enunciados, o Aero Clube dedicar-se-á ao ensino, prática e propaganda da aeronavegação e, mais particularmente, procurará criar e desenvolver escolas de pilotagem e transportes aéreos, destinados aos seus associados; também o Aero Clube poderá promover a prática de desportos e à realização de reuniões, festas e sessões educativas; o Aero Clube será o porta-voz dos interesses da associação civil, desportiva e turística da Colónia junto dos competentes organismos do Estado.” E prescrevia-se, conforme o espírito do tempo, que o Aero Clube orientaria a sua atividade de forma a favorecer o interesse nacional, ficando indiferente em matéria política ou religiosa, sendo estranho às opiniões políticas e crenças religiosas dos seus associados.

Creio que o leitor pode verificar que o novo Governador está mais vocacionado para a institucionalização da vida administrativa, nada do que espelha a sua atuação durante estes meses de 1949 nos faz recordar a dinâmica introduzida por Sarmento Rodrigues, Raimundo Serrão quer uma boa administração para a colónia, como veremos proximamente em 1950 estará atento ao transporte do correio por toda a colónia, estatutos sindicais, instruções especiais da polícia e fiscalização do movimento migratório de nacionais e estrangeiros, sanidade urbana, serviços meteorológicos ou camarários. A administração cresce, tenho que estar à altura do espírito da colónia-modelo que tinha sido insuflado por Sarmento Rodrigues. Claro está que haverá construções mas sobretudo das obras lançadas pelo anterior Governador.

Em julho de 1949 chega o novo Governador, o Engenheiro Raimundo Rodrigues Serrão
Engenheiro Raimundo Rodrigues Serrão
Escreveu um dia Avelino Teixeira da Mota que a Mata do Cantanhez é a mais bela do mundo
Planta da Praça de São José de Bissau, desde a Ponta de Balantas até à Ponta de Bandes, Bernardino António Alves de Andrade, 1776, Arquivo Histórico Ultramarino
Geba, habitação de Fulas, postal antigo
Fotografia retirada da Casa Comum/Fundação Mário Soares, porventura representação da família de um régulo
Sala de aulas do Liceu Honório Pereira Barreto

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 19 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27441: Historiografia da presença portuguesa em África (504): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1949 (62) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27441: Historiografia da presença portuguesa em África (504): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1949 (62) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
O capitão de fragata Manuel Maria Sarmento Rodrigues já partiu para outros desígnios, está agora a construir-se a sua lenda, a sua memória indissolúvel. O encarregado do Governo propõe o seu nome para a ponte de Ensalmá, destinada a unir a ilha ao continente. Ponte que acabou num desastre ecológico, veio a independência e esqueceu-se a manutenção. O Boletim Oficial traz boas notícias, a produção de arroz é exuberante, a cidade está convertida num estaleiro. Na circunstância, aproveitei para fazer uma larga referência ao discurso de Sarmento Rodrigues no mesmo dia em que assistiu ao início da construção da ponte-cais de Bissau e em que também rejubilou com o início dos trabalhos da ponte de Ensalmá, hoje substituída por uma construção bastante sólida e que se espera que não tenha o triste fim que teve aquela construção em ferro que a incúria transformou em sucata.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, inícios de 1949 (62)


Mário Beja Santos

1949 ainda guarda a sombra tutelar de Sarmento Rodrigues. O encarregado do Governo, até chegar o Governador Raimundo Serrão, será o Tenente-coronel Pedro Joaquim da Cunha e Menezes Pinto Cardoso, o Chefe de Gabinete é o 1.º Tenente António Augusto Peixoto Correia, que um dia será governador da Guiné e depois Ministro do Ultramar.

Antes de voltar a essa sombra tutelar que foi Sarmento Rodrigues, importa dizer que a produção de arroz se revelou excecional neste ano. Foi criada a povoação de Cantonez, na Circunscrição Civil de Catió, deu-se como justificação a necessidade de se exercer uma mais ativa e eficiente fiscalização sobre o comércio de arroz, era público e notório que a produção ia sendo drenada clandestinamente para território estrangeiro. Tomaram-se medidas em prol dos interesses económico das praças indígenas, definindo que estas quando em serviço público superiormente autorizado, ao deslocarem-se a mais de dez quilómetros da área do aquartelamento e desde que a deslocação demorasse 24 horas ou mais, seriam abonados de ajuda de custo diária de cinco escudos.

No Boletim Oficial n.º 18, de 2 de maio, consta o diploma legislativo 1:444:
“Interpretando o sentir da população da Guiné que com a maior grandiosidade e brilho tem homenageado o ex-governador desta colónia, Capitão de Fragata Manuel Maria Sarmento Rodrigues;
Indo ao encontro das intenções dos membros do Conselho de Governo;
Considerando a obra verdadeiramente notável que realizou durante o período do seu governo;
Considerando ainda o especial e persistente interesse que dedicou à velha aspiração da Guiné, a construção de uma ponte ligando a ilha de Bissau ao Continente, cujos trabalhos inaugurou oficialmente em 10 de julho de 1948;

Com a aprovação do Governo, o encarregado do Governo manda o seguinte: a Ponte de Ensalmá será designada Ponte Governador Sarmento Rodrigues, o que nos remete para um discurso do ex-governador no início oficial da construção da ponte-cais, em Bissau, igualmente em 10 de julho de 1948, é uma bela peça, não só de recorte literário, espelha o que o tinha trazido à Guiné naquela vertigem desenvolvimentista:
Nós por cá não somos muitos, não somos demais. Estamos absorvidos por um programa vasto que não nos deixa livres nem mãos nem meios. Precisamos de quem a nós se junte e nos ajude a levar por diante todas as obras, a remover todos os obstáculos.

A construção de uma ponte-cais, como esta de Bissau, levou-nos primeiro a solicitar a intervenção do Ministério, não só para a orientação técnica, como para a concessão do crédito que saía fora dos limites do orçamento ordinário. E acabou por trazer para a Guiné o concurso de uma empresa até estranha à Colónia, dispondo de meios financeiros, materiais e técnicos, apta a realizar esta e outras obras importantes.
Começamos hoje oficialmente os trabalhos de construção do maior benefício que ao comércio, e, portanto, à economia da Guiné poderia ser dado. Para se chegar a este dia de regozijo, foi preciso durante longos anos preparar os estudos, os projetos, e os meios. Nesta obscura campanha de tenacidade, tomaram parte principal o Governo da República e o Governo da Colónia, desde vários anos a esta parte. Os ministros Vieira Machado, Marcello Caetano e Teófilo Duarte e o Governador Vaz Monteiro. No Governo Central esteve sempre presente, a manter a continuidade e a assistir com a sua extraordinária competência e infatigável atenção para com a Guiné, o ilustre Subsecretário Sá Carneiro.

Coube-nos, apenas, a rara sorte de poder acompanhar a aceleração do projeto e a sua aprovação e de conseguir rapidamente os meios para a execução. Chegámos, porém, ao fim do processo. E digo-o confiadamente, porque hoje nada falta, nem projeto, nem fórmulas, nem dotações, nem materiais… nem empresa capaz de levar até ao fim esta obra.
Não é esta obra original entre nós. Desde 1870 que o Governo pensava a sério na edificação de uma ponte-cais em Bissau, e algumas pontes de madeira serviram por vezes a empresas particulares. Mas só em 1889 o Estado começou solenemente a construção da primeira ponte para atracação de navios, em parte de alvenaria e em parte de madeira, a que foi dado o nome de Correia e Lança, o governador de então.

E aqui bem perto estão as ruínas de realização semelhante à atual, levada a cabo mercê da inteligência e capacidade do ilustre governador Carlos Pereira, a quem os destinos desta colónia estiveram tão bem empregues durante os três primeiros anos da República.
Aquela ponte, que foi criação sua, era uma perfeita obra de engenharia e excedeu a duração de garantia, apesar das brutalidades que posteriormente lhe foram feitas, fruto da ignorância – ia a dizer da esperteza – de quem mais tarde a utilizou para fins diferentes para que foi projetada. Todas as violências se fizeram. Em vez de apenas os encostar, amarraram-lhe os navios, que a faziam continuamente oscilar perante o esforço das correntes fortíssimas; como não havia cabeços, abriram-lhe buracos, por onde passavam os cabos;
e por último, para que, em vez das vagonetas previstas, pudessem no seu leito transitar os mais pesados camiões, tiraram-lhe o ligeiro empedrado e pavimentaram-na solidamente com betão!

Eis por que, na presença de tão bárbaro procedimento, eu não oculto as minhas dúvidas sobre o futuro desta nova obra, sobre o destino de tantas energias já gastas, de tantos sacrifícios que se fizeram e que ainda se hão de fazer para chegar com a empresa até ao fim.
Por isso eu pretendi que esta construção tivesse aquela característica que tanto me tem preocupado aqui na Guiné e que desejaria sempre imprimir em todas as obras: a duração indefinida; resistência capaz de sofrer todos os maus-tratos, de dispensar os menores cuidados.

O velho cais do Pidjiquiti, ao qualquer nos últimos anos pudemos acrescentar o seu troço mais importante, nem assim tem podido evitar as grandes aglomerações que ultimamente se têm verificado, mercê de uma extraordinária atividade que é um seguro índice do progresso e da vontade de trabalhar e construir que por toda a parte se observa.
Espero que antes de dois anos e meio possa o primeiro navio atracar à ponte, resolvendo de vez o problema de maior acuidade que à economia da Guiné se põe. Ficarão assim mais livres os navios, mais disponíveis as lanchas, mais seguras as mercadorias, mais favorecidos os passageiros. Não mais veremos o pouco edificante, embora pitoresco, espetáculo da balburdia das lanchas atulhadas, acotovelando-se no único desembarcadouro; das mercadorias sofrendo tratos nas cargas e descargas; dos navios ao largo esperando da sua vez de carregar!
E teremos engrandecido a cidade de Bissau, capital da mais encantadora e rica parcela do Ultramar português.”

Único número publicado, vê-se a sua ligação à Mocidade Portuguesa e fala-se muito no colégio-liceu de Bissau, terá funcionado junto do Museu e Centro de Estudos da Guiné Portuguesa
Outra ilustração do jornal Voz Académica
Uma referência a Amílcar Cabral, no jornal de 1953
A ponte-cais do Pidjiquiti, 1950, fotografia Foto Serra

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 12 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27413: Historiografia da presença portuguesa em África (503): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1948 (61) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27413: Historiografia da presença portuguesa em África (503): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1948 (61) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
Estamos no último ano da governação de Sarmento Rodrigues, avisara à chegada que vinha por pouco tempo, havia obras para acabar e outras para começar, tinha muita pressa em ver resultados em domínios como infraestruturas, saúde, cultura, agricultura, e muito mais. Se se pedisse uma síntese do que houve de mais significativo neste período, diria que a Guiné passara a ter o formato de uma colónia e abandonava a apreciação de que era um local de Praças e Feitorias, em que o comércio era maioritariamente detido pelos estrangeiros. O nome Sarmento Rodrigues está ligado ao combate à doença do sono, às comemorações do Quinto Centenário da Descoberta da Guiné, à melhoria de ouriques para benefício da orizicultura, à construção de moradias, ao abastecimento de água, à tentativa da renovação de Bolama, a muitos novos postos sanitários, à inauguração da barragem de Picle, o Boletim Oficial passou a ter regularidade, construiu-se o Bairro de Santa Luzia, abriu-se a primeira pista do campo de aviação em Bissalanca, construíram-se faróis, aprovou-se a construção do Museu de Bissau... Isto nos meses de 1946, faltam 1947 e 1948. A Guiné estava finalmente posta no mapa e compreende-se como o ministro Marcello Caetano se sentia profundamente agradado pela escolha deste governador dinâmico e imbuído do espírito civilizador. Não é por acaso que termino a minha investigação dos século XIX e XX na governação de Sarmento Rodrigues, quem veio depois encontrava obra feita com o espírito de uma colónia-modelo.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1948 (61)


Mário Beja Santos

1948 é o último ano da governação de Sarmento Rodrigues, a dinâmica continua imparável. Como já se referiu, no Boletim Oficial n.º 4, de 19 de janeiro, o governador anuncia a criação de um centro comercial na praia de Varela, de modo a permitir às pessoas que pretendam passar ali uns dias de repouso se abastecerem convenientemente. Por isso o governador determina que aos comerciantes ali estabelecidos seja exigido o compromisso de manterem em depósito os géneros de mercearia necessários ao abastecimento dos frequentadores daquela praia. No Boletim n.º 7, de 16 de janeiro, é proibida a prostituição em todo o território da Guiné, atenda-se ao parágrafo inicial do diploma legislativo 1:405:
“Considerando que a dignificação da mulher tem, desde tempos recuados, acompanhado de perto o progresso da humanidade, podendo olhar-se como um índice de civilização por ser uma das suas maiores conquistas.”


No Boletim Oficial n.º 22, de 31 de maio, é determinado que o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa proceda desde já ao inventário dos documentos e livros existentes na Colónia, cuja recolha e preservação interessa ao Arquivo. Em 1 de julho de 1948 aparecem publicados no Suplemento n.º 9 os estatutos do Clube de Futebol Os Balantas, de Mansoa, do Futebol Clube de Tombali, de Catió, e do Atlético Clube de Bissorã. No Boletim Oficial n.º 11, de 9 de julho, são publicadas as bases regulamentares do Museu da Guiné Portuguesa, incluindo Biblioteca e Arquivo Histórico. Pelo Boletim Oficial n.º 33, de 16 de agosto, fica regulamentada a missão antropológica e etnológica da Guiné.

Mas voltemos ao início do ano, há novidades no campo da saúde. Do Boletim Oficial n.º 3, de 19 de janeiro, Sarmento Rodrigues toma várias deliberações. Tinha sido despistada a dracontíase em S. Domingos pela Missão de Doença do Sono, havia que imediatamente se fazer o estudo da disseminação desta doença por toda a colónia, e os tratamentos seriam obrigatórios para todos os indivíduos atacados, impondo-se uma sensibilização do público, explicando aos indígenas os perigos da moléstia e como se contrai.

Noutra portaria, recorda-se que em 4 de julho de 1947 os serviços de saúde tinham iniciado uma campanha contra a ancilostomíase na ilha de Bissau, tinha sido detetada uma infestação, havia de se continuar a agir. “Havemos de levar por diante e acabar em bem esta campanha que ficará sem par em qualquer tempo e em qualquer colónia, o que constituirá para a Guiné um justo título de honra que perdurará nos tempos. Tinham sido estabelecidos os preparativos essenciais que consistiam nos exames microscópicos em todo o território, na abertura de fossas, na aquisição dos ingredientes, na preparação dos meios de transporte. Dispomos já de parte dos ingredientes e os restantes vêm a caminho. Já temos os meios de transporte e o pessoal está preparado. Tudo está a postos. Mas esta obra vai ainda engrandecer-se com duas outras paralelas. É que, tal como se fez em Bissau, todos os indivíduos ao serem tratados contra a ancilostomíase serão vacinados contra a varíola e contra a febre amarela. Esperamos receber de uma assentada 50 mil tubos de vacina antivariólica e dispomos desde já apreciável reserva de vacina antiamarílica.”

E o governador determinava um conjunto de iniciativas envolvendo as delegacias de saúde, a abertura de fossas e que em volta de todas as povoações fossem feitas e mantidas uma capinação com derrubas dos arbustos maninhos.

No suplemento n.º 10, de 7 de julho, temos o diploma legislativo n.º 1:420, a Lei da Caça da Guiné Portuguesa. Convirá aqui registar alguns parágrafos, pois consagram claramente a visão do legislador:
“A Guiné Portuguesa, justamente afamada como uma bela região de caça, esteve durante séculos sem recolher e condensar os elementos de informação que se tornavam indispensáveis a uma perfeita avaliação dos seus valores cinegéticos.
Não creio que em África algum desporto possa superar o da caça nos seus benefícios para o homem, pois em nenhum outro melhor se aperfeiçoará esse conjunto de superiores qualidades de resistência física, de tenacidade, de apuramento dos sentidos, de arrojo – tudo isto enquadrado na selva e em contacto com a natureza.

O verdadeiro caçador em África deverá ser ainda estoico e brioso, lutador e leal, duro e generoso. Há de preferir ao veloz automóvel, ou à imprópria mochila, a marcha a pé, com travessias de lagoas ou rios, a vau ou a nado; não se temerá do Sol, nem da chuva, nem das distâncias.
Não matará os animais inofensivos com processos traiçoeiros. Bem lhe bastarão as suas armas, produto do engenho humano, para vitimar uma indefesa perdiz; deixe-lhe, ao menos, a possibilidade de empregar as suas asas e prove depois disso que é um destro atirador.
Não dizimará por prazer matar, nem quando as mortes acarretem prejuízos graves para a espécie. Assim, não há de produzir hecatombes nas plácidas manadas, sem proveito nem honra, porque isso, mais do que perícia ou arrojo, seria prova de instintos sanguinários. Um belo tiro, um belo troféu, devem satisfazer a natural ambição de um caçador que se preza. As fêmeas serão, naturalmente, poupadas.

Um caçador digno desse nome não ousará profanar esses santuários da bicharada que são as reservas, onde os animais vivem e se sentem em liberdade e revelam como os homens é que são, por vezes, as verdadeiras feras. Só quem não tenha olhos capazes de sentir a beleza daquele espetáculo poderia traiçoeiramente matar algumas dentre os milhares de aves aquáticas que confiadamente vivem junto aos homens, sem receio algum, tal como na lagoa de Cufada.”


Promulga-se a lei da caça da Guiné Portuguesa, define-se caça (consiste na procura, perseguição e apreensão de animais bravios), é-se caçador com 18 anos completos, define-se igualmente que não pode constituir objeto de caça, explana-se sobre o exercício da caça. Não haveria caça na mata do Cantanhez, na lagoa de Cufada nem na praia de Varela; classificam-se os terrenos de caça agrupados em áreas (terrenos abertos e reservas de caça). E diz-se que afixação de reservas de caça atribuição do governador da colónia, mediante informação da Comissão de Caça, ouvidos os serviços de agricultura e veterinária.

Na "morança" dos fulas forros, futa-fulas da exposição, ouvindo alguns músicos indígenas
Visitando as obras do Museu de Bissau
Durante a visita à barragem de Picle, o Comandante Sarmento Rodrigues mostra a vasta região por onde ela se estende
O Subsecretário de Estado, ladeado pelo Governador da Colónia e Perfeito Apostólico durante a visita ao Asilo de Bor
À chegada ao Sedengal, o Subsecretário de Estado senta-se num trono construído pelos cassangas
Em Sabutul, o Subsecretário de Estado assiste às lutas de felupes

Imagens retiradas do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, número especial comemorativo do Quinto Centenário da Descoberta da Guiné, outubro de 1947, as imagens referem-se à visita do Subsecretário de Estado das Colónias que ocorreu entre janeiro e fevereiro de 1947
Boletim Oficial de 24 de janeiro de 1949: os guineenses ficam a saber que o Capitão de Fragata Sarmento Rodrigues já não é Governador da Guiné. Aqui regressará em 1955, acompanhando o General Craveiro Lopes, será recebido triunfalmente

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 5 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27389: Historiografia da presença portuguesa em África (502): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1947 (60) (Mário Beja Santos

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27389: Historiografia da presença portuguesa em África (502): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1947 (60) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
Vale a pena ler a publicação da Agência Geral das Colónias referentes à viagem do engenheiro Ruy de Sá Carneiro, Subsecretário de Estado das Colónias à Guiné, chegou a Bissau em 27 de janeiro e regressou em 24 de fevereiro, andou numa dobadoira, Sarmento Rodrigues não lhe deu descanso, logo no dia seguinte começou a fazer inaugurações em Bissau, no Bairro de Santa Luzia e das instalações de abastecimento de água à cidade; no dia seguinte acompanhou os trabalhos da barragem de Picle, depois visitas a obras, a escolas, a hospitais, andou por Mansoa, Canchungo, Cacheu, Barro, S. Domingos, Suzana e Varela, Farim e Bafatá, Gabu, Fá, Bambadinca e Xitole, Porto Gole, Fulacunda e Catió, Guileje, Bolama, Bubaque, missões geohidrográfia e geológica... Era o espelho de uma dinâmica imprimida por aquele governador que chegara em 1945 e que logo anunciara vir por pouco tempo e ter muitas coisas para fazer, primeiro acabar as obras que vinham do passado, trazia um enorme entusiasmo para inaugurar muitas outras coisas, o que de facto aconteceu.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1947 (60)

Mário Beja Santos

1947 é um ano marcado pela visita do Subsecretário de Estado das Colónias, Engenheiro Ruy de Sá Carneiro, chega a Bissau em 27 de janeiro, tem à sua espera um programa trepidante, dão-se só alguns exemplos: inauguração do Bairro de Santa Luzia, para indígenas; visita aos trabalhos de aproveitamento agrícola na barragem de Picle, visita ao Asilo de Bor, visita ao Forte de Cacheu, festa dos Felupes em Suzana, grande desfile de indígenas em Bafatá, visita à serração de Fá, aos novos edifícios e obras em curso em Porto Gole, inauguração do Palácio do Governo em Bolama, depois de reconstruído… isto é só uma amostra.

Mas vamos pôr o foco em Sarmento Rodrigues, continua a trabalhar a um ritmo acelerado. A agricultura está manifestamente no topo das suas preocupações, mas quer reforçar a malha administrativa, exibir as potencialidades que a colónia oferece, são remodelados os serviços geográficos e cadastrais, melhorados os serviços da estatística, decorre uma exposição em Bissau, dão-se amnistias que são concedidas em homenagem às comemorações do quinto centenário da descoberta da Guiné. Vejamos agora a legislação.

No Suplemento ao n.º 4, Boletim Oficial n.º 5, de 27 de janeiro, publica-se uma Portaria de Marcello Caetano, as armas, bandeira e selo da cidade de Bissau:
Armas – em campo de prata, uma torre de vermelho, aberta e iluminada do mesmo esmalte, entre duas cabeças de negro toucadas também de vermelho. Coroa mural de ouro de cinco torres. Listel branco com os dizeres – Cidade de Bissau.
Bandeira – esquartelada de vermelho e de negro. Cordões e borlas de vermelho e de negro. Haste e lança douradas.
Selo – circular, tendo ao centro as peças das armas sem indicação dos esmaltes. Em volta, entre duas circunferências concêntricas os dizeres: Câmara Municipal de Bissau.

A modernização também se irá refletir no Código da Estrada da Guiné Portuguesa, consta do Suplemento ao n.º 23, no Boletim Oficial n.º 17, de 14 de junho, não deixa de ser uma curiosidade no artigo 29: “Nenhuma viatura de tracção animal pode circular ou estacionar na via pública desde o anoitecer ao amanhecer, sem que tenha acesa uma luz branca, pelo menos, na frente do lado esquerdo. Nos carros de bois poderá a lanterna ser conduzida na mão do respectivo carreiro. Quando os veículos formarem comboio, o primeiro veículo deve ter, pelo menos, uma luz na frente e o último uma luz vermelha na retaguarda.”

São reiterados os diplomas sobre o pagamento de pensões aos funcionários aposentados, os proventos da Segunda Guerra Mundial permitem agora abrir os cordões à bolsa. Das palavras que irá enviar ao Jornal da Marinha Mercante, número que ia ser publicado em 15 de dezembro de 1946, Sarmento Rodrigues alude ao comportamento da Guiné com a metrópole, mais propriamente de Portugal, durante o conflito mundial: “Abundantes fornecimentos de oleaginosas evitaram danos que não é fácil avaliar; arroz em apreciáveis quantidades foi enviado para Cabo Verde, Madeira e Açores e até para a própria metrópole; metade da borracha que em Portugal se consumiu, durante esse período de dificuldades, foi a Guiné que a remeteu; e até açúcar, que a Colónia não produz, pôde ser devolvido para Portugal, mercê das economias que se produziram fazer.”

Chega o Subsecretário de Estado das Colónias, tem logo uma tirada de exaltação nacionalista: “Eu espero ver, nesta Guiné fabulosa, dos primeiros aos últimos colonizadores, os representantes da flor dos obreiros que através desse Mundo esculpiram o nome português nas estrelas e nos mares, nas pontes finas das terras e nas bocas largas dos rios, nas altas montanhas e nos baixos traiçoeiros, nas pessoas e nas coisas.” O governador está animado de uma esforçada fadiga de fazer, fazer depressa, mas sólido e honrado. Como dirá, dirigindo-se aos Papéis de Biombo, em Picle, a 29 de janeiro:
“A gente que hoje não tem vista capaz de alcançar o fim das bolanhas cheias de arroz; a gente que tem nas suas moranças os telhados cobertos de espigas a secar e nos quartos os celeiros atulhados; a gente que rodeia as tabancas com altos cercados com belas plantações de mandioca; os que tiveram campos de milho e batata doce, os que têm manadas de vacas e porcos de cortelho e galinhas nos pátios – são os mesmos que no ano passado passavam fome, porque as bolanhas eram lalas e os cercados eram palha; e por isso, em vez de arroz comeram os frutos do tarrafe, cozidos vinte vezes, como aqui me disseram.”

Fazer e fazer depressa. No Suplemento ao n.º 29 do Boletim Oficial n.º 22, de 21 de julho, temos a publicação da Portaria n.º 50, a criação do Asilo de Bissau, destinado a receber mendigos inválidos, de ambos os sexos, que não tenham paredes para prover ao seu abrigo e sustento. Atenda-se à filosofia do diploma: embora o asilo se destine principalmente aos indígenas, poderá, em casos excecionais, albergar qualquer civilizado que se encontre em extrema necessidade; o asilo começará por receber os homens velhos, devendo, à medida que as suas instalações e rendimentos aumentem, promover o abrigo de todos os mendigos, de ambos os sexos; os fundos do asilo serão os provenientes dos donativos públicos e dos subsídios concedidos pelo Governo da Colónia, câmaras municipais, administrações das circunscrições e outros organismos; a assistência sanitária será prestada gratuitamente pelos serviços de saúde.

No Boletim Oficial n.º 30, de 28 de julho, é louvado o Administrador de Circunscrição Fernando Rogado Quintino “pela muita dedicação, competência e extraordinária atividade que tem demonstrado no desempenho do seu cargo, levando a efeito, com zelo incansável empreendimentos notáveis onde sobressaem – além das obras das enfermarias, residências, postos sanitários, pontões, fontes e outras - a construção da nova ponte de Mansoa, com nova estrada e aterros, e a ponte metálica de Bissorã”. Nesse mesmo dia é também louvado o 2.º Tenente Avelino Teixeira da Mota “pelos serviços extraordinários e importantes efetuados com os incansáveis e aturados estudos, trabalhos de campo e colheita de elementos para a elaboração da nova carta geográfica e etnográfica da Guiné Portuguesa”. Mas há aqui um outro aspeto que prende a atenção. O chefe da missão do estudo e combate da doença do sono tinha considerado atacados de tripanossomíase um conjunto de indígenas de Bolama e da ilha das Galinhas, e por isso o governador isentava-os de pagamento de imposto de palhota ou capitação e de quaisquer outras contribuições ou impostos a que estejam sujeitos.

Por último, e numa outra dimensão das preocupações deste governador temos no Boletim Oficial n.º 31, de 4 de agosto uma portaria referente ao plano de urbanização da praia Varela, tinham sido abertas as novas ruas e plantadas muitas dezenas de milhares de árvores, em matas e pomares, edificado um posto sanitário, feita a captação de água e iniciada a construção da central elétrica e da torre de água, e então escreve-se: “É tempo de se considerar uma realidade a tentativa de criação de uma estância de repouso e de lhe dar todo o seguimento que as finanças permitam e as necessidades aconselhem, a fim de que os funcionários e particulares possam o mais cedo possível gozar-lhe os benefícios. Para estes últimos está reservada uma grande área residencial onde poderão desde já escolher os seus talhões e fazer as vivendas. Para os funcionários impõe-se ir gradualmente edificando por conta do orçamento geral da colónia e também pelos das circunscrições. O Governo está fazendo e continuará a fazer novas obras. Às circunscrições assiste o dever de contribuir levantando à sua custa casas que são suas.”

No final da sua viagem à Guiné, o Engenheiro Ruy de Sá Carneiro escreverá que tal digressão lhe permitira constatar o nacionalismo vibrante das populações e tomar contacto com os primeiros resultados das medidas de grande vulto que se estavam a empreender.


Sarmento Rodrigues na Ilha Roxa com as autoridades locais
Em Bubaque com o régulo Gen-Gen
Carta da Guiné de 1933
O porto de Bissau em tempos recentes

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 29 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27364: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1946 (59) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27364: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1946 (59) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
O Governador anunciara na receção que lhe fora feita pelo Conselho de Governo, que iria fazer o plano de ação governativa com a cooperação de muitos, mas trazia um ideário bem talhado, já nele trabalhara em Lisboa: acabar obras públicas em execução, dinamizar outras, contava com o apoio técnico do Gabinete de Urbanização Colonial; impunha-se criar uma política de saúde, fazer escolas, infraestruturas de diferente tipo, estradas, pontes, o maior número possível de caminhos viáveis; e rever a dinamização agrícola. E podemos constatar que se envolveu numa política cultural que não tinha precedentes: o museu, o centro cultural, o boletim cultural, os homens das Letras e das Ciências que virão até à Guiné. Por isso, se entendeu que se deviam citar alguns parágrafos do que ele escreveu em 1946, nunca esconde que tem pouco tempo pela frente, o que é verdade, estará poucos anos na Guiné, pôs em definitivo a colónia no mapa.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1946 (59)


Mário Beja Santos

À semelhança do que acontecera em 1945, repetem-se as autorizações de abertura de linhas de crédito, não se podem fazer omeletes sem ovos; o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa vai estar à venda, o governador aplica-se em planos agrícolas, desde a orizicultura aos apoios à zootecnia; entra em vigor o código da estrada da colónia da Guiné, no final do ano o Boletim Oficial publica o Regulamento dos Serviços de Saúde da Colónia da Guiné, é a Portaria n.º 165, Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial n.º 21, de 30 de dezembro. Aparecem estabelecidos os serviços centrais, locais, a rede sanitária geral, bem como os estabelecimentos e serviços especiais. Tenha-se atenção ao artigo 41, referente à prestação da assistência:
“A assistência médica, cirúrgica e farmacêutica será sempre gratuita: aos indígenas que não estejam ao serviço de particulares; aos indigentes; ao pessoal missionário; às praças de pré do Exército e da Armada, bem como às pessoas de família exclusivamente a seu cargo; aos internados em estabelecimentos de deficiência; aos presos e detidos nas cadeias, presídios e colónias penais.”
Pelo Diploma legislativo n.º 1:337-A, suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial n.º 23, de 30 de dezembro: têm direito a assistência médica, cirúrgica, obstétrica e estomatológica gratuitas, além daqueles a quem o regulamento de saúde da colónia já as concede, todos os funcionários públicos civis e militarem em ativo serviço, contratados e assalariados e os aposentados e reformados e as suas famílias, quando os proventos do agregado familiar a cuja convivência pertençam, sejam inferiores a 20 mil escudos anuais.

Voltando atrás, ao Boletim Oficial n.º 12, de 25 de março desse ano, o governador encarrega Fausto Duarte, Secretário da Comissão Municipal de Bolama de preparar o anuário da Guiné Portuguesa, deverá entregar o original até ao fim do mês de outubro desse ano, ficando os serviços públicos obrigados a fornecer a este organizador os elementos não confidenciais. No Suplemento ao n.º 41, do Boletim Oficial n.º 16, com data de 16 de outubro, publica-se o decreto n.º 35:686, prende-se com a necessidade de melhorar as condições de vida das Praças reformadas dos extintos quadros coloniais residentes na metrópole, pelo que fica autorizado o governador da colónia da Guiné a abrir créditos especiais.

Mas nada melhor que pôr Sarmento Rodrigues no discurso direto. Numa mensagem enviada à Revista da Marinha, no seu número dedicado ao V Centenário da Descoberta da Guiné, com data de 31 de janeiro de 1946, escreve o seguinte:
“Falar na Guiné Portuguesa é dizer aos portugueses que não a conheçam que a dois passos de Lisboa todos poderiam encontrar a mais pitoresca, a mais variada, a mais prometedora das terras portuguesas de África.
Na verdade, em nenhuma outra parte do Império se poderia encontrar uma tal profusão de raças, de crenças, de costumes, de trajos, do que na Guiné. Desde os Felupes, bravios, honestos e sóbrios, aos Balantas, ladrões sentimentais, trabalhadores, foliões e bêbados; aos Bijagós cheios de pitoresco; e aos Fulas e Mandingas que trazem consigo as vestes, tradições e traços do mundo árabe; desde as idílicas várzeas onde se criam milhares de toneladas de arroz, aos milhões de palmeiras emaranhadas que dão à paisagem aspetos de beleza incomparável; das montanhas de amendoim que se erguem em toda a parte na época das colheitas, à labuta incansável dos transportes fluviais; da saia de malha de canais e rios que recortam o litoral e sulcam as terras, às numerosas ilhas e às solidões continentais do Gabu; das chuvas diluvianas, aos calores ardentes e às frescas brisas do fim do ano; das mulheres airosas e homens ativos…”


Aquando da exposição que fez, na 2.ª Conferência de Administradores, em 4 de dezembro, revela de novo a fibra do seu caráter:
“Nós não queremos obras de violência. O que for feito sê-lo-á sob uma ideia de justiça e de consistência. Nunca será demais pôr em relevo os transcendentes benefícios que os trabalhos já feitos dos ouriques de Bissau, Cacheu e Mansoa trouxeram à Guiné.
Valorização das terras, combate à miséria e à vadiagem, moralização da mentalidade dos indígenas – paralelamente à demonstração que o Governo faz da sua verdadeiramente paternal atitude, que não envolver prepotência e não exclui a firmeza.
Nós não viemos cá para passar a vida e deixar uma herança que nos sirva de escárnio. Por isso, temos de pôr completamente de parte a ideia de enganar para agradar. Agrade-se, mas com provas evidentes de trabalho feito. Não só feito, como bem feito.
Já por vezes tenho dito que ao chegar à Guiné me pareceu que tudo ruía em redor de mim. Era uma pressão em parte exata – porque os prédios caíam ou exigiam demolição: as secretarias de Canchungo e S. Domingos, a igreja de Farim, a ponte de Bubaque, etc., etc. – dizia, impressão em parte exata, mas também influência pelo grande trabalho de obras inacabadas, umas pela sequência natural dos trabalhos e pelas dificuldades da guerra, outras abandonadas, não se sabe porquê. Esforcei-me por descobrir as feridas primeiro, curá-las depois.
Nada de estatísticas rosadamente falsas, nem problemas a que se volte a cara para não os não resolver. É preciso que tudo seja são e posto à luz clara do dia.”


Discursando sobre o papel que cabe ao Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, dirá o seguinte:
“Este Centro, de âmbito ilimitado, desprende-se da luta de interesses económicos, tão dominante nesta época e nesta terra, para marcar a existência, e também a superioridade, do espiritual.
As suas diretrizes estão traçadas. Mas desejaria especialmente referir-me a um aspeto particular, de importância primária. É ao superior interesse que espero que lhes mereça o estudo do que diga respeito aos valores indígenas, das suas artes primitivas, das suas línguas, costumes e tradições, de tudo que possa registar uma existência, uma personalidade que o tempo fatalmente destruirá. O Boletim Cultural, cujo terceiro número acaba de chegar, é uma prova, e bem eloquente, do que há de valores dispersos pela província. A Guiné Portuguesa deixou de estar isolada no Sudão, na África, no Globo. Entrou em comunhão com o Mundo Português.”


E despeço-me com as palavras que ele enviou ao Jornal da Marinha Mercante para o seu número comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné:
“Não é ela (a Guiné) ainda o que poderá vir a ser. Sofre de vários males, que espero do tempo e do juízo dos homens ver sarados. Ainda persiste, em apreciável escala, a miragem dos negócios simples e rápidos. É uma sobrevivência dos tempos ingratos em que o colono era cercado de inimigos, fruto do clima e das gentes rebeldes.
Não devemos deixar de frisar que não é pequena, podendo mesmo considerar-se das mais valiosas dentro das nossas colónias, a iniciativa de trabalho dos indígenas.”

Notícia da visita à Guiné do Subsecretário de Estado das Colónias
Sarmento Rodrigues na Ilha Roxa com as autoridades locais
Em Bubaque com o régulo Gen-Gen
Bolama, cerimónia do Juramento de Bandeira
Encontrei há dias o Dr. João Loureiro, responsável pela publicação do acervo dos bilhetes-postais de todo o Império, devo-lhe a atenção pessoal por me ter oferecido livros da Guiné, já referenciado no nosso blogue. Deu-me notícia das ofertas que está a fazer à Sociedade de Geografia de Lisboa e lembrou-me que entregara um livrinho feito por um juiz natural do Estado da Índia que estivera em Bissau, devia-se-lhe a planta da Praça de S. José de Bissau, é o desenho original, depois republicado em inúmeras edições de outros autores. Mordido pela curiosidade, pedi para ler a obra e fotografar a planta original, é esta.

(Continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 22 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27341: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1945 (58) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27341: Historiografia da presença portuguesa em África (501): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, finais de 1945 (58) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2025:

Queridos amigos,
Entendi que se deviam publicar as linhas de ação governativa de Sarmento Rodrigues, ele diz que vem por pouco tempo, que pretende acabar obras e deixar muitas outras em andamentos, sente-se que vem bem apoiado pelo ministro Marcello Caetano, ao longo de 1945 observa-se a abertura de créditos, acabara a guerra e havia dinheiro, desanuvia-se a atmosfera de grande austeridade, lançam-se os fundamentos do que o governador idealizava para a Guiné: obras públicas, transportes, portos, pontes, reformulação de toda a política de saúde, investigação cultural. Quando deixar a colónia, em 1949, o seu sucessor, Raimundo Serrão, passará anos a inaugurar obras do seu legado. Legado tão forte que quando Craveiro Lopes visitar a Guiné em 1955, a grande estrela será Sarmento Rodrigues, então ministro das Colónias.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, finais de 1945 (58)


Mário Beja Santos

Vai começar a era de Sarmento Rodrigues, veremos ao longo de 1945 sucessivas autorizações de abertura de linhas de crédito, todas elas justificadas por dotações insuficientes. O novo governador chega e começa por trocar saudações com o Conselho de Governo.

O Comandante Manuel Maria Sarmento Rodrigues irá proferir na abertura dos trabalhos (mera sessão protocolar) um discurso surpreendente, vale a pena reter alguns parágrafos, pois deixa bem claro ao que vem e o que pretende fazer:
“Vossas Excelências esperariam, talvez, que nesta ocasião lhes fosse apresentado um programa do Governo. Justamente, uma das incumbências que Sua Excelência o Ministro me deu foi de elaborar um plano de Governo. Não serei eu só, mas Vossas Excelências, todas as pessoas esclarecidas e de boa-vontade, que hão de ter parte nele com as suas informações, os seus exemplos e a sua previsão. E, depois disso, mais do que planear, terão de executá-lo. Deposito a maior esperança na colaboração de todos. Não seria possível encontrar aqui homens que negassem o seu esforço par ao engrandecimento da colónia.

Conheço a dureza da vida na Guiné, por um lado causada pelas asperezas do clima, do outro pelas dificuldades económicas de cada um. É indispensável, portanto, fazer o possível por conseguir mais conforto e bem-estar para todos, de modo que esta colónia possa um dia ser, mais do que a região atrativa e prometedora do que já é, uma terra onde a vida possa decorrer sempre com agrado.
Julgo que isso será possível. Habitações higiénicas; higiene nas ruas e em volta das povoações; meios de vida mais fáceis; ambiente social cada vez mais digno; satisfação das necessidades espirituais.
Sua Excelência o Ministro enfrenta um vasto programa de melhoramentos na colónia, para a realização dos quais já começaram a trabalhar os organismos superiores do Ministério.

Muitos deles aqui se movimentam também. Habitações, saneamento, água e hospitais; pontes, portos, obras hidráulicas, aeroportos, farolagem; missões científicas, de geodesia, hidrografia, zoologia, antropologia, botânica, medicina, etc.; desenvolvimento do serviço missionário, na parte religiosa e na parte do ensino indígena; defesa militar na colónia; assistência às atividades económicas, nomeadamente às agrícolas e industriais, direta e indiretamente; ensino dos indígenas em agricultura, pecuária e artes e ofícios; e outros.
Infelizmente, o momento atual não é de molde a permitir a fácil realização deste vasto programa, porque em grande parte rareiam os elementos para a sua execução. Junta-se à falta de técnicos a escassez de materiais e a dificuldade de transportes. Heis porque, mais do que nunca, se impõe a colaboração de todos; levara moralidade administrativa a todos os setores, aos mais pequenos detalhes; intransigência, contudo que possa traduzir corrupção e vício. É nestas bases de moral sem transigências que temos de trabalhar.”


Imediatamente a seguir discursa na primeira sessão do Conselho de Governo, aí sim temos as linhas gerais do que planeou para a ação governativa:
“É premissa basilar não estagnar, não haver uma pausa sequer. O ritmo de trabalho, da atividade, tem de ser acelerado. Figura no primeiro plano das realizações, como mais visível, o trabalho das obras públicas. Temos uma vasta lista de obras projetadas para um período que desejaríamos que fosse bastante curto. Coloco à frente as construções por acabar e que pretendo arrumar. Afigura-se-me como ação de prestígio para nós a conclusão ou aproveitamento imediato de todos os edifícios que estão incompletos: Palácio, Sé, capelas de Catió, Bafatá, Canchungo, Mansoa e Gabu, moradias projetadas para os funcionários em Bissau, o monumento ao Esforço da Raça, edifício da Praça do Império, cuja origem quase se desconhece, e outras tentativas dispersas pela colónia, aguardando que as acabem.”

E passa em revista o que pretende fazer: instalar o Tribunal Administrativo, o Tribunal da Comarca, Escrivães e Conservatória; na Praça do Império instalar um Museu, Arquivo e Biblioteca. “Tenho também intenção de restaurar a Colónia Penal Agrícola, pois é necessário haver um local onde sejam conservados os condenados ao cumprimento de penas, os quais não têm presentemente lugar nas cadeias. Até hoje não descobri as razões que levaram à suspensão da Colónia Penal. Por toda a colónia há imensas obras eu se impõem, como as sedes dos postos administrativas de Prabis, Cacine, Bedanda, Bambadinca, Xitole, Bula, Enxudé, Binar, Enxalé, Piche, Pirada, Ilha Roxa, Caravela e outros; as secretarias das administrações de Bissau e Canchungo; residência dos administradores de S. Domingos e Gabu, do secretário de Farim e dos aspirantes em Bafatá, Catió, Bubaque e Farim.” E seguidamente fará menção da rede de estradas, pontes e reparações de envergadura.

E sinais desta atividade vão aparecer no Boletim Oficial, torna-se claro que o Ministro das Colónias, Marcello Caetano, lhe está a dar um apoio incondicional. Veja-se o suplemento ao n.º 46, Boletim Oficial de 17 de novembro, publica-se o Decreto-lei n.º 43:677, fala-se no levantamento hidrográfico da colónia da Guiné, é necessário um navio adaptado às especiais condições hidrográficas da colónia, o Ministério da Marinha destinará uma canhoneira, fala-se da logística, duração dos trabalhos, etc.

As questões de saúde merecerão do governador a devida atenção, como se pode ver numa portaria publicada no Boletim Oficial n.º 51, com a data de 17 de dezembro. Iniciara os seus trabalhos na colónia a Missão de Estudo e Combate à Doença do Sono, o governador determinava: que todos os indígenas a quem seja feito o diagnóstico de tripanossomíase fossem obrigatoriamente mandados apresentar nos postos de tratamento; e que os doentes indígenas considerados no período nervoso da afeção ficassem isentos de pagamento do imposto palhota e de quaisquer outras contribuições ou impostos a que tivessem sujeitos. Nesse mesmo Boletim Oficial era criado o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa que teria como seu órgão o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

No último dia do ano, no suplemento n.º 53 do Boletim Oficial n.º 25, publica-se o Decreto-lei n.º 34:478, do Ministério das Colónias, tem a ver com o envio de missões antropológicas e etnológicas, a quem Sarmento Rodrigues dará todo o impulso aos seus trabalhos. Enfim, o plano de ação governativa com o declarado apoio do Governo e com a chegada de dinheiro e meios e técnico ganhava o seu ímpeto.

Sarmento Rodrigues regressava de Lisboa e trazia boas notícias: dinheiro, equipamentos, a vinda de cientistas, apoio governamental para infraestruturas, obras públicas e saúde
Museu e Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. Foto Serra, 1955
Tocado de Korá. Imagem retirada deste número de Ronda pelo Ultramar
Duas páginas do mesmo número da revista
(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 15 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27320: Historiografia da presença portuguesa em África (500): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1945 (57) (Mário Beja Santos)