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quarta-feira, 23 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26718: Historiografia da presença portuguesa em África (476): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1914 e 1915 (32) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Começou em agosto a Primeira Guerra Mundial, houve que acautelar os abastecimentos; estamos ainda no rescaldo da campanha no Oio, em 1915 Teixeira Pinto e Abdul Indjai recebem instruções de Josué Oliveira Duque para submeter Papéis e Grumetes de Bissau, Teixeira Pinto à frente de um pelotão de 30 praças indígenas e Abdul Indjai com 1500 irregulares; é dissolvida a Liga Guineense, acusada de estar ao lado da permanente hostilidade dos indígenas de Bissau e de não satisfazer os fins para que fora fundada, matéria que tem feito correr muita água, não esquecer a defesa feita pelo advogado Loff de Vasconcelos, que escreveu a denúncia de que os irregulares de Abdul Indjai saqueavam as empresas, uma devastação que deixou profundas marcas na ilha de Bissau. Às vezes interrogo-me se alguma vez iremos saber a verdade do que foi o procedimento da Liga Guineense e se não foi nestas operações da ilha de Bissau que Abdul Indjai se passou a considerar inatacável na prática das suas rapinas, que irá repetir no Oio, onde será preso e depois exilado em Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1914 e 1915 (32)

Mário Beja Santos

O governador é Josué de Oliveira Duque, manda transcrever no Boletim Official n.º 34, de 22 de agosto, o acervo de louvores pelas operações contra os Balantas insubmissos, organizara-se em 14 de abril uma coluna de comando do capitão João Teixeira Pinto. Ele agora é louvado nos seguintes termos: “Pelo inexcedível zelo e proficiência com que se houve na organização da coluna constituída com os pequenos recursos da província, e pela extraordinária coragem, patriotismo e abnegação, que revelou em todas as fases das operações, que constituíram, por assim dizer, um ininterrupto combate, sem tréguas, contra um inimigo valente e traiçoeiro, sempre com notável desproporção de forças, tanto mais notável que a coluna era composta, na sua quase totalidade, de elementos indígenas irregulares.” São também louvados os 2.ºs Tenentes da Armada Artur Arnaldo do Nascimento Gomes e Raúl Queimado de Sousa, respetivamente comandantes das lanchas canhoneiras Zagaia e Flecha; mas também vários sargentos e, curiosamente, é também louvado o administrador de Bissau, Vergílio Acácio Cardoso, pela muita coragem que mostrou durante o ataque ao posto militar de Bula, onde acidentalmente se encontrava; e não deixa de ser significativo a extensão do louvor a Abdul Indjai, “pela extrema ousadia e coragem que revelou durante as operações, coadjuvando, com os auxiliares sob a sua direção, o comando da coluna tão eficazmente que, segundo opinião do mesmo comandante, lhe deve, em grande parte, o bom êxito das operações”; em portaria complementar são louvados um primeiro artilheiro e um segundo fogueiro.

No Boletim Official n.º 36, de 5 de setembro, o governador impões restrições à venda de pólvora e armas, refere que fora proibida a sua venda por ponderosos motivos de ordem pública, atendendo que era de justiça que as casas comerciais não deviam manter por mais tempo tal proibição ou tal restrição, mas que se impunha cuidado e parcimónia nas suas vendas, e com restrições, determinava: até nova ordem era proibida no território da província a importação de armas e pólvora de comércio; mantida a proibição de venda de armas de comércio; a pólvora só podia se vendida nas localidades sede de administrações de circunscrições civis ou de comandos militares; a venda só podia ser feita em indivíduos munidos de uma licença de compra passada e assinada pelo administrador de circunscrição ou comandante militar.

O ministro das Colónias, Alfredo Augusto Lisboa de Lima entendeu publicar um louvor envolvendo o antigo governador, 1.º Tenente, Carlos de Almeida Pereira, nos seguintes termos: “Tendo sido levada a efeito na província da Guiné, em 1913, a ocupação da região do Oio, de longa data e submissa, apenas com os diminutos recursos militares da província, empresa esta que a muito se afigurava de impossível realização, pela resistência a opor pelo gentio, e sendo certo que para se atingir tal objetivo muito contribuiu a boa orientação que à administração da referida província soube imprimir o ex-Governador Carlos Pereira, porquanto, sem descurar os outros ramos da administração lhe mereceu especiais cuidados a ocupação militar da província, de que resultou, não só o alargamento da nossa soberania, mas ainda o aumento considerável das respetivas receitas, que a seu turno lhe permite o mais largo progredimento da mesma colónia: manda o Governo da República Portuguesa louvar o referido oficial pelos serviços que prestou pelo governador daquela colónia, demonstrados na inteligente, perseverante e dedicada atenção que prestou aos diferentes ramos da administração, tendo tido especial relevo, pelos brilhantes resultados obtidos, a ação que exerceu promovendo o alargamento da nossa autoridade em regiões, até então hostis, por uma cuidada e eficaz operação militar.”

O início da Primeira Guerra Mundial exigiu a tomada de medidas que zelassem pelo abastecimento de cada uma das províncias. No suplemento ao Boletim Official n.º 43, de 30 de outubro, o Governo publica a Portaria n.º 323, nos seguintes termos:
“Usando as atribuições conferidas pelo decreto de 3 de agosto último;
Hei por conveniente determinar:
1ª – Fica proibida a exportação da província da Guiné para países estrangeiros de géneros alimentícios, gados e combustíveis;
2º - Fica igualmente proibida e reexportação de açúcar importado das províncias de Angola, Moçambique e Cabo Verde.”


E assim chegámos a 1915, depois de uma longa monotonia de preceitos administrativos, encontra-se no Boletim n.º 34, de 21 de agosto, referência a nova insubmissão, desta feia em Bissau. Manda publicar Oliveira Duque a seguinte portaria:
“Tendo-se tentado, por meios suasórios, chamar ao convívio da civilização e à subordinação ao Governo os indígenas da ilha de Bissau, impondo-se-lhes apenas a entrega de armas em seu poder e o pagamento do imposto de palhota e até mesmo só esta última condição;
Tendo-se ultimamente tentado fazer o arrolamento, o que não permitiram em grande parte da ilha;
Não tendo pago a maior parte das povoações arroladas pagando apenas uma parte do imposto três dessas povoações;
Sendo frequentes os desacatos feitos na povoação a soldados da guarnição, e cada vez mais acentuadas as provas de desrespeito para com a nossa soberania, o que constitui uma situação que sem risco da nossa dignidade e até do sucesso público, não pode nem deve continuar;
Hei por conveniente determinar:
1.º Que seja organizada uma coluna de operações para submeter os indígenas rebeldes da ilha de Bissau com a seguinte designação: ‘Coluna de operações contra os Papéis e Grumetes revoltados da ilha de Bissau’, sob o comando do chefe do Estado-Maior, capitão João Teixeira Pinto;
2.º Que a constituição da coluna seja a seguinte: comandante, um pelotão de 30 praças indígenas da 2ª companhia indígena, um corneteiro e dois segundos sargentos, sob o comando do tenente de Infantaria Henrique Alberto de Sousa Guerra; uma metralhadora Hotckiss 6mm com dois soldados europeus e dois indígenas; serviço de saúde tendo à frente o capitão-médico Francisco Regala; 1500 irregulares compreendendo 200 cavaleiros sob as ordens do chefe de guerra Abdul Indjai, tenente de 2ª linha, tendo como imediato o alferes de 2.ª linha Mamadu Sissé.”

A composição da coluna incluía ainda duas lanchas canhoneiras, lanchas da capitania, etc.

Segue-se o teor da portaria n.º 296, ainda do Boletim Official n.º 34, de 21 de agosto:
“Pelas averiguações a que se tem procedido sobre as circunstâncias que motivaram o estado da permanente hostilidade por parte dos indígenas de Bissau, e que determinaram as operações acabadas de efetuar, vê-se que nesse estado teve uma principal, quase única influência, a Liga Guineense, com sede na vila de Bissau e estatutos aprovados em 24 de julho de 1911.
Considerando que a mesma associação não satisfez a nenhum dos fins para que se tinha fundado, pois que não fez propaganda de instrução, e se fundou uma escola, de há muito tempo que se acha fechada; não trabalhou nunca para o progresso da província, antes por todas as formas o entravou, e nem se coaduna esse desejo de progresso com o estado de guerra, que poderia ter evitado, e até ao contrário instigou:
Hei por conveniente dissolver a mencionada Liga Guineense, cuja existência tem sido inconveniente para o progresso da província, talvez por ter determinado os seus atos apenas a intenção de ser útil aos seus consócios, pondo de parte por completo os interesses da província.”

Composição da coluna de operações no Oio, comanda João Teixeira Pinto e regista-se a presença do tenente de 2.ª linha Abdul Indjai
Relação do oficial e praças que prestaram serviço no posto militar de Mansoa de 5 de fevereiro a 2 de julho de 1914
A compra de ratos vivos ou mortos
A clara predisposição, em novembro de 1914, de intervir, dá-se como pretexto os deveres com Inglaterra

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 16 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26694: Historiografia da presença portuguesa em África (475): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1913 e 1914 (31) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26694: Historiografia da presença portuguesa em África (475): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1913 e 1914 (31) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Dir-se-á que o acontecimento dominante de 1913 foi a campanha do Oio envolvendo o comando do capitão João Teixeira Pinto, teve os seus êxitos, digamos que temporários, mas a presença portuguesa em Mansoa, Mansabá e Bissorã tornou-se mais visível, reduziram-se os ataques. Oliveira Duque, à semelhança de outros governadores, lançará quesitos aos administradores coloniais e comandantes militares, pretende ter para seu uso uma radiografia de pendor etnológico e etnográfico, mas também como suporte económico. Um seu antecessor, Carlos Pereira, tivera procedimento semelhante, irá produzir um livro sobre a Guiné, redigido em francês, apresentado numa reunião internacional, quando se lê tal obra, sente-se prontamente que ele soube ler a documentação que lhe foi enviada. O busílis, para quem investiga, é que a generalidade destes relatórios não foi publicado no Boletim Official, no caso do meu trabalho, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, tenho tido o acesso a relatórios que estão na secção dos Reservados, mas são pouquíssimos, e grande parte deles chegaram por via dos descendentes; posso admitir que há outro acervo documental até maior no Arquivo Histórico Ultramarino. O sucessor de Carlos Pereira viu a sua nomeação anulada pelo Senado, está para se perceber porquê.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1913 e 1914 (31)

Mário Beja Santos

É só no mês de agosto que dá conhecimento público da atividade do capitão João Teixeira Pinto. No Boletim Official n.º 33, de 16 de agosto, publica-se uma portaria do seguinte teor:
“Tendo-me hoje sido presente pelo chefe de Estado-Maior, comandante da coluna móvel da polícia às regiões do Alto Mansoa e Oio, o relatório dessas operações;
Considerando que dos feitos realizados, já muitos do domínio público e constatados agora em toda a sua evidência pelo referido relatório, se mostra que a heroica ocupação das mencionadas regiões foi levada a cabo pelo esforço, valentia e pertinácia do seu comandante, João Teixeira Pinto, secundado brilhantemente por alguns dos seus colaboradores e subordinados;
Considerando que as recompensas, a que os julgo com direito, não são da minha competência;
Considerando, porém, desde já pública e oficialmente, devo deixar consignado preito da minha homenagem pelos serviços prestados à província e ao país; serviços que estou certo foram tomados na consideração que merecem por sua excelência o ministro das colónias, a quem vou propor as recompensas que julgo de justiça;
Hei por conveniente:
Louvar o capitão de Infantaria, João Teixeira Pinto, pelo atos heroico praticados como comandante de uma diminuta força de tropas regulares, apoiada por uma pequena força de auxiliares, que operou nas regiões de Mansoa e Oio, conseguindo estabelecer, apesar da grande resistência do inimigo, um posto militar, repelindo com toda a energia os diferentes ataques que lhe foram feitos, e obrigando-o a aceitar a nossa autoridade, entregando o seu armamento e fazendo o pagamento do imposto e, bem assim, pela valentia, valor e coragem inexcedíveis e atos de verdadeiro heroísmo com que levou a cabo o estabelecimento de um posto militar em Mansabá (capital do Oio), submetendo à obediência aqueles povos considerados invencíveis e tendo para isso de tomar debaixo de fogo violentíssimo dezasseis tabancas de guerra, onde o gentio bem armado e municiado se defendeu corajosamente devido à sua enorme superioridade numérica, considerando, depois de inúmeros trabalho e perigos, quebrar o valor guerreiro do já lendário Oio.”


Segue-se uma lista de louvores a outros intervenientes, tenentes de Infantaria e da Marinha, Vasco Calvet de Magalhães, um 2.º sargento da 1.ª companhia indígena de Infantaria e o 1.º cabo das secções de Artilharia; os louvores estendem-se ao comandante da canhoneira Flecha e seus colaboradores.

Estamos em 1914 e no Boletim Official n.º 28, de 11 de julho, outro governador, José de Oliveira Duque, que sucedeu a Andrade Sequeira, promulga uma portaria onde se diz o seguinte:
“Hei por conveniente, atendendo à conveniência de ter as regiões ultimamente batidas pela coluna de operações a Cacheu submetidas a um regime militar, determinar que essas regiões constituam o comando militar de Basserel, com os limites: ao Norte, o rio Cacheu; a Oeste, o rio Cacheu; a linha que passa por Capó, Pacau e Mata de Cacheu (que ficam pertencendo a Cacheu), rio de Cacheu e Oceano; a Sul pelo canal de Caió, canal entre as ilhas de Jata e Pecixe, canal entre a ilha de Pecixe e canal continental de Mantambua, rio de Mansoa até rio Baboe; a Leste, pela região dos Brames de Gó, Brame Grande e Naga, compreendendo as regiões de Churo, Biange, Cubiane, Jol, Pantufa, Pelundo, Costa de Baixo, Canhoba, Tame, Bugulha, Cajegut, Caió, Jata, Basserel e povos Felupes com três postos militares, um em Basserel, sede do comando, um em Churo e outro em Caió e que o comandante militar fique com todas as atribuições de administrador da circunscrição, ficando as regiões que compõem este comando militar desanexadas das circunscrições de Cacheu e Bissau.”

Em portaria seguinte, é também constituído o comando militar de Nhacra.

No Boletim Official n.º 33, de 15 de agosto, e na sequência de procedimentos anteriores de governadores que pretenderam saber por meio de inquéritos os usos e costumes dos indígenas guineenses, o governador Oliveira Duque envia uma circular aos administradores das circunscrições e comandantes militares justificando que é conveniente, para difundir o mais possível o conhecimento desses usos e costumes, que podem ser muito diferentes de região para região, reuni-los num só diploma, determinando a todos a quem dirige a circular que procedam no prazo máximo de dois meses a conscienciosa investigação desses usos e costumes, tendo em vista especialmente estes pontos concretos: a raça ou raças que habitam a área da sua jurisdição, se tais raças são aborígenes ou imigrantes, qual a sua organização social e política, se existe respeito pelos velhos, como se procede com os delinquentes, qual o valor dos contratos que celebram, quais as relações destes povos com a vizinhança, se são guerreiros ou pacíficos, como se constitui a família, que formalidade e festas precedem o nascimento, se praticam as cerimónias do fanado, como se considera a mulher em geral, se há cuidados especiais com a mulher grávida, quais as formalidades que precedem ao casamento, se o adultério é frequente, quais as cerimónias que se têm com os mortos, quem administra a propriedade da família, qual a religião que professam; e este rol de quesitos estende-se ao vestuário, a possíveis indústrias à construção de habitação, à dança, canto e música, à existência de instituições escolares, à natureza da alimentação, as práticas agrícolas, quais os géneros coloniais existentes, quem se dedica à agricultura, quais os principais utensílios de uso doméstico…

E termina assim a portaria:
“Além destes quesitos deverá cada um, segundo o seu bom critério, ocupar-se de quaisquer outros não mencionados, que julguem dignos de menção especial, tendo em vista que nenhum, por insignificante que pareça, pode considerar-se sem valor para o fim que se tem em vista, o conhecimento mais completo possível da vida, usos e costumes, enfim do modo de ser especial dos indígenas da província.”

Pede-se às autoridades que obtenham exemplares autênticos de todos os artigos (armas, utensílios, instrumentos diversos, vestimentas e outros quaisquer) fabricados pelos indígenas da região, bem como amostras dos diferentes produtos da mesma região, a fim de, em Bolama, poder organizar-se um mostruário, ou museu provincial, que muito pode contribuir para difundir o conhecimento das aptidões especiais dos mesmos indígenas.
Acontecimento insólito: o nomeado governador interino José António de Andrade Sequeira vê a sua nomeação anulada no senado, anulação ratificada pelo presidente Manuel de Arriaga
A vida dos governos da I República era cada vez mais precária
Mandingas, Guiné, 1910
A cabeleireira, Guiné, 1910
Porto de Bafatá, 1910
(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 9 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26668: Historiografia da presença portuguesa em África (474): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 e 1912 (30) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26668: Historiografia da presença portuguesa em África (474): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 e 1912 (30) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Só lamento que tenham sido publicadas três "radiografias" aos quesitos apresentados pelo governador Carlos Pereira ainda em 1910, ele pretendia que em todos os lugares da administração lhe fornecessem elementos para ele conhecer não só aos povos da Guiné, a sua economia, as vias de comunicação, ter alguns dados precisos sobre a etnografia e a etnologia, por exemplo. Cacheu, Buba e Bissorã, de modo diferenciado, responderam. O tenente Ramos da Silva de Bissorã, vê-se que procurou oferecer ao governador mais do que era pedido. E publica-se também uma nota de louvor de uma expedição para castigar Balantas e Baiotes de que não há qualquer referência no Boletim Official, é por isso que acho que fiz bem em conjugar referências ao Boletim Official com o vastíssimo acervo documental recolhido por Armando Tavares da Silva no Arquivo Histórico Ultramarino.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 e 1912 (30)


Mário Beja Santos

A singular iniciativa do governador Carlos Pereira, pouco tempo depois de chegar a Bolama, em enviar às autoridades da administração então existente um conjunto de requisitos que, todos conjugados, lhe poderiam oferecer a gravura real da colónia vista do lado do colonizador, não teve, infelizmente, a sequência desejada. Vimos anteriormente que responderam Cacheu e Buba, só detetei no suplemento n.º 3 ao Boletim Official n.º 21, de 27 de maio de 1911, o relatório sobre a região de Bissorã, escrito pelo tenente de Infantaria Viriato Ramos da Silva, que abaixo se sintetiza.

Começa por dizer que os habituais habitantes de Bissorã eram descendentes de Balantas cruzados com gente do Oio, onde outrora estivera estabelecida a tabanca Bissorã. Não podendo resistir às constantes correrias dos Oincas, viram-se os de Bissorã na necessidade de fugir para a margem esquerda do rio Armada, em território de Balantas. O espírito irrequieto dos Soninqués do Oio e o ódio profundo que estes votavam aos Balantas seria a causa primária de frequentes desaguisados por suporem que os de Bissorã acolhiam os que iam roubar ao Oio. E dentro desta apreciação sobre a ancestralidade de Bissorã, o tenente Ramos da Silva observava que das três primitivas famílias que se estabeleceram na região descendiam dos atuais habitantes.

E mais comentava o relator que dias antes do estabelecimento do posto de que ele era comandante tinham os de Bissorã sido atacados duas vezes consecutivas, mas infligido grande derrota aos inimigos que eram representantes de quase todas as tabancas do baixo Oio. Insiste-se que se pode dizer que todos descendem de Balantas cruzados com gente do Oio. Mouros e Soninqués falam a língua Mandiga, os primeiros não bebem, os segundos são bebedores. Mandigas e Soninqués vivem juntos na mesma tabanca separadamente.

E vai dissertar sobre nascimentos, funerais, crenças e superstições. Dirá que durante o tempo que dura a aleitação o homem não faz vida comum com a mulher, compete ao pai pôr o nome às crianças. Nos funerais, os Balantas e os Soniqués costumam dar tiros para o ano consoante a grandeza do morto. É usual os Soninqués rapar o cabelo em sinal de luto. A viúva entre os Mandigas veste-se de branco durante três meses. No que respeita a crenças e superstições, os habitantes de Bissorã, como em geral todo o preto, é extremamente supersticioso. E observa que os mouros têm um verdadeiro horror ao Inferno, e faz uma apreciação cultural dizendo que os mouros conhecem algumas constelações.

Lança-se seguidamente numa descrição sobre a fauna e a flora. Quanto a animais ferozes apenas regista o lobo e a hiena. Refere depois antílopes, o gato bravo, a lebre, o porco espinho, os javalis, os ratos de palmeira, macacos de diversas qualidades. Não esquece obviamente as cobras. E quanto à variedade de insetos elenca a formiga cadáver, a bagabaga, moscas e mosquitos, abelhas e libélulas. Na lista de aves inclui: o jagudi, o milhafre, o falcão, grande variedade de rolas, pombos verdes, galinha do mato, chocas, melros, periquitos, papagaios, andorinhas, mas diz também que a lista é mais extensa. Na fauna aquática a sua lista é composta pelo cavalo-marinho e pelo jacaré-lagarto. Mais ampla é a listagem dos peixes, começando pelo bagre, a ventana e a tainha.

Passando para a flora, elenca: bissilão, pau-carvão, sibe-palmeira, farroba e as árvores da borracha. Não esquece as árvores de fruto, logo a laranjeiro, o limoeiro e a papaeira. Lembra que uma parte da riqueza guineense assenta na palmeira e na mancarra. Passando para os cereais, logo as diferentes qualidades de arroz, o milho, inclui nos tubérculos a batata-doce, a mandioca e o inhame. Disserta sobre as plantas tintureiras e as plantas medicinais. Falando da horta que se fez no seu posto, alega se semearam: couve, nabiça, chicória, feijão, batata, rabanetes, tomate e alface; o observa que talvez por serem velhas as sementes, as couves não deram resultado. Dá informações sobre as vias de comunicação: não há estradas na região, a principal via de comunicação é o rio da Armada ou de Bissorã. Quando é necessário levar correspondência ou mensagens por portador esclarece que a pé são três horas até Mansoa e para Bissau são precisos dois dias.

Estamos chegados a 1912 e no suplemento ao Boletim Official n.º 7, com data de 17 de fevereiro, a União Colonial Portuguesa anuncia a realização de um congresso colonial e para o efeito envia um questionário abrangendo os diversos aspetos que a moderna ciência colonial aconselha a debater, apelando à colaboração e participação e ao envio de memórias, comunicações ou teses. E estabelece oito secções para estes trabalhos. A primeira abrange a geografia física e económica, a geografia médica (quais as localidades das nossas colónias que oferecem condições para o estabelecimento de sanatórios), etnologia e etnografia; a segunda secção prende-se com o comércio e indústria, agricultura, vias de comunicação, pautas aduaneiras e navegação; na 3.ª secção temos a sociologia colonial (esclarece-se a definição da condição jurídica dos indígenas não civilizados, quais as melhores soluções para a política indígena na Guiné, quais as vantagens das missões científicas na cultura da raça negra); a 4.ª secção abarca a instrução pública, missões, colonização, regime penal. Trabalho e regime das terras; a 5.ª secção é referente às questões militares (há a possibilidade de ocupar pacificamente a colónia da Guiné?); a 6.ª secção é referente a finanças, banca, crédito predial e agrícola e regime tributário; a 7.ª secção compreende a administração geral, questões jurídicas e questões constitucionais; e por último a 8.ª secção tem a ver com a história da colonização. Procurei até agora sem sucesso a documentação alusiva a este congresso colonial que a União Colonial Portuguesa pretendia empreender.

O Boletim Official n.º 12, de 23 de março de 1912, informa que o encarregado do Governo achou por conveniente louvar os oficiais e as praças constantes de uma relação que vem em anexo pelo valor e disciplina manifestados durante as operações levadas a cabo para castigar os Balantas de Binhone e Baiotes de Jobel e Elia. Lista extensa que começa pelos capitães José Carlos Botelho Moniz e Joaquim Simões da Costa, vem depois uma relação de militares europeus e uma extensa lista de soldados da 1.ª e 2.ª Companhia Indígena.

Mandigas de Farim, 1910
Uma rua de Bafatá, 1910
Duas imagens retiradas do site Coleccionar com História, com a devida vénia
Farol da Ponta do Biombo, em 1910
Bissau do antigamente, imagem retirada de Casa Comum/Fundação Mário Soares, com a devida vénia

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 2 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26642: Historiografia da presença portuguesa em África (473): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 (29) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26642: Historiografia da presença portuguesa em África (473): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 (29) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Para sermos fiéis à verdade dos factos, isto é, ao conteúdo dos Boletins Officiais que estamos a analisar, parece que a I República não se distingue da monarquia constitucional, o Boletim Official convoca as mesmas temáticas mas surge agora uma novidade que não deixa de nos surpreender: o governador Carlos Pereira enviara uma gama de quesitos aos residentes, perguntas inusuais, tais como: os utensílios ou ferramentas utilizados em meio agrícola; se existia indústria acessória à agricultura (destilação, moagem, descasque mecânico de arroz,,,); quanto se pagava por homem e mulher em cada dia de trabalho; quanto vale em médio um boi vivo;em que constituem as penalidades ou multas que o Residente aplica; se existia ou não abundância de mantimentos entre os indígenas. E temos o depoimento do Residente de Buba que nos dá um quadro explicativo daquela guerra aniquiladora e que devastara a economia da região. Estes quesitos aparecem no Boletim Oficial como uma pedrada no charco, e servem para relevar que o investigador não pode abdicar da leitura do Boletim Oficial em qualquer período que seja de 1880 até à independência.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1911 (29)


Mário Beja Santos

Convém ir um pouco atrás, a um Boletim Official de 1910, onde se publica o termo de posse dado ao 2.º tenente Carlos de Almeida Pereira, como governador da província, isto ocorreu a 23 de outubro de 1910, no Palácio do Governo, estiveram presentes o encarregado do Governo, a Junta Municipal, magistrados judiciais, funcionários civis e militares, lavrou-se o termo de posse, foi lido e depois assinado.

Agora sim, estamos em 1911, e no Boletim Oficial n.º 3 de 21 de janeiro de 1911, surge-nos um apontamento bem curioso com o título Subsídios para o Estudo Hidrográfico da Província da Guiné, assina o capitão dos portos Joaquim Vieira Botelho da Costa, vejamos o que ele escreve sobre o rio Geba:
“O Geba é de fundo quase igual, de margem a margem, salvo em poucos locais. Navegar a meio, é quase regra segura em todo o seu curso, na sua grande maioria o fundo é de lodo, de cascalho em S. Belchior; pedra um pouco a montante desta população, no Xime, na margem direita do rio perto de Geba e em Bafatá; de areia em raríssimas partes. As águas comportam-se no curso do Geba desigualmente; são influenciadas pelas marés oceânicas da sua foz até Fá, do montante de Fá a pouco além de Geba correm pouco em enchente: vazam quase sempre um pouco a montante de Geba.
A enchente do rio, na parte em que se faz sentir, dura em média quatro horas; a amplitude das marés, que nas regiões da foz é de 2 braças, vai gradualmente diminuindo até Geba, onde, quando muito, será de 1 braça. As correntes, da foz até quase Fá, são violentas: de 5 milhas na vazante, de pouco mais no começo da enchente, o macaréu de enchente neste mês traz talvez uma força de 7 milhas e uma altura apenas de 0,2 metros. Este rio é largo em todo o seu curso, sendo a mínima largura de 20 metros; acima de Bafatá, na baía de Paxangone, por exemplo, e perto de Xime, sítios em que a sua largura é máxima, ela é de 150 metros. Pode-se dizer, de um modo muito geral, que é regularmente mais largo nas regiões do montante, de Geba para cima terá uns 50 metros em média, da parte de jusante terá uns 30 metros. A região da foz, a montante de S. Belchior, é também bastante larga. No porto de Bafatá o banco de laje da margem direita está só indicado na carta para não largar o ferro sobre ele, o caminho é rastejar a margem direita e em fundão a laje.”


Permito-me aqui a uma intervenção minha, tenho sérias dúvidas que o senhor capitão dos portos tenha alguma vez navegado no Geba, acho um exagero falar em 50 metros em média; aliás, e basta ver fotografias do início do século XX, no Geba estreito, do Xime até Bafatá, eram pequenas embarcações que podiam navegar no curso sinuoso do rio e com margens bastante estreitas.

Bem importante se revelam os anexos ao Boletim Oficial nº21, com data de 27 de maio de 1911, intitulados “Relatórios das Residências, Quesitos do governador em 25 de novembro de 1910 distribuído pelos residentes”.

São extensos os quesitos do governador Carlos Pereira, vamos, a título de curiosidade, ver algumas perguntas e o caráter das respostas dadas pelo residente de Farim.

Perguntado se a residência tem horta, ele responde que tem, encetara-se a plantação de algumas laranjeiras, cola, caju e mango e ananases; havia três pés de coqueiros e na época pluviosa do ano anterior plantara-se mancarra, milho, mandioca, feijão, etc. Não havia qualquer indústria acessória à agricultura. E quando perguntado se seria possível formar-se uma companhia agrícola de larga iniciativa, obtendo-se para tal a suficiente mão de obra, respondia o residente assim:
“O indígena, indolente por natureza, contenta se com o seu necessário para o seu passadio quotidiano e assim, sem muito trabalho, aproveitando a riqueza que o seu solo proporciona, trabalhando unicamente o necessário para a sua fraca alimentação, certamente, não aceitará o trabalho assalariado voluntariamente. Uma companhia agrícola que aqui viesse estabelecer e não tivesse a proteção do Governo, lutaria com sérias dificuldades para obter braços para o trabalho. É, pois, necessário, antes de uma companhia pensar em aqui se estabelecer, educar o povo pelo ensinamento da cultura adiantando o Estado os capitais criando novas necessidades, o que se conseguirá pelo aumento do comércio local, e, só assim se conseguira para o futuro braços no trabalho assalariado.”

Fala sobre o valor do trabalho, o respetivo preço, a natureza do gado e as suas epidemias e perguntado sobre as distâncias entre Farim e os vários centros de produção e consumo, responde do seguinte modo: “De Buba para Bolola, 8 km; para Cumbijã, 18; para Contabane, 32; para Xitole, 36; para Fulacunda, 30; para Impadá de Cubisseco, 42; e para S. João, 72.” Refere as dificuldades de viajar na época das chuvas por terra, abordam-se outros assuntos como o serviço de arrolamento e cobrança, pergunta-se pelo nome dos régulos da região e como é que se procede à sua nomeação, etc.

O Residente de Buba informa sobre quem é quem na sua circunscrição:
“Toda a região desta circunscrição era domínio dos Biafadas, para onde, pouco a pouco, vieram os Fula-Forros, tendo aqui recebido dos Biafadas toda a qualidade de represálias e vexames. Assim oprimidos, a colónia Fula que no Forreá se foi tornando cada vez mais numerosa, trataram de se libertar dos seus opressores, para o que se foram sucessivamente preparando, até que, julgando-se aptos para a luta, nomearam as cabeças do movimento, Bacar Guidali, pai do régulo Monjur do Gabu; Bacar Demba Biró, pai e tio do régulo Abdulai de Contabane e Umaru Hogó, avô do régulo de Bolola, Cherno Cali. Estes cabecilhas, auxiliados pelo rei de Labé, que o fez com a condição de ficar subordinado a ele o chefe que fosse escolhido para a região do Forreá, conseguiram livrar-se dos seus opressores, sendo nomeado chefe do Forreá Bacar Dembá, que mais se havia evidenciado nas lutas, porém, Bacar Guidali mandou matar não só este como o seu irmão Biró, sendo ele nomeado chefe. Estes factos passaram-se anteriormente a 1882, tempo em que o chefe do Forreá, Bacar Guidali, prestou vassalagem ao Governo português. Durante muitos anos a seguir, continuaram a luta e os Biafadas que foram esbulhados dos seus territórios do Forreá, sem que a autoridade nisso interviesse, embora por mais de uma vez tivessem pedido ao Governo para que as auxiliasse na sua defesa contra os Fula-Forros, foram, pouco a pouco, assaltando as feitorias estabelecidas nas margens do Rio Grande, que roubaram e distribuíram como represália aos brancos, feitorias que foram completamente aniquiladas. Os Fula-Pretos cativos dos Fula-Forros também oprimidos por estes, revoltaram-se contra os seus senhores, sendo chefe do movimento e principal instigador Samcobá da povoação de Candumbel, morto pelos Fula-Forros na margem esquerda do rio Corubal, na altura de Contabane, tomando nessa ocasião conta do movimento Damam, pai do atual régulo do Corubal e Demba Jae, que mais tarde foram nomeados régulos da região e onde se estabeleceram quadno libertos dos seus opressores.

Foi, pois, durante essas lutas, que o comércio em Buba ficou completamente aniquilado. Os regulados foram divididos posteriormente em chefados, não só para maior facilidade da execução das ordens da residência como também para haver vantagem para o Estado na dispensa do pagamento do imposto de palhota aos chefes das povoações, pois, anteriormente era relativamente grande o número de dispensas e hoje ficou assente que só se dispensaria aos chefes nomeados, que são 16 no regulado de Bolola, 3 em Cumbijã, 3 em Contabane e 3 no Corubal, enquanto que anteriormente excediam a 200 as palhotas dispensadas.”


O documento ainda aborda a nomeação dos régulos e o seu poderio, os direitos civis, a religião, as crenças e superstições.

Assina o Residente de Buba, José António de Castro Fernandes.

Confesso que estes quesitos e a natureza das respostas dos residentes permitem alargar a visão destes funcionários coloniais, orientando-nos para os usos e costumes dos espaços das residências, a natureza da atividade económica, as suas observações clivadas de preconceitos como a de dizer que os indígenas são indolentes, e até a explicação que o residente de Buba dá para a guerra do Forreá, diga-se de passagem, apresentando dados legitimados pela documentação existente. Veremos em breve o que ainda em maio desse ano nos veio informar o Residente de Bissorã, Viriato Ramos da Silva, tenente de Infantaria.

Telegrama publicado a 30 de maio, 1911, houvera eleições, os republicanos estão em estado de graça
Duas imagens retiradas do livro de Travassos Valdez África Ocidental Notícias e Considerações, 1864
Dançarino Mancanha, 1910
Chefe religioso, 1910.
Imagens retiradas do site Coleccionar com História, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 26 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26619: Historiografia da presença portuguesa em África (472): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908; 1909 e 1910 (28) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26619: Historiografia da presença portuguesa em África (472): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908; 1909 e 1910 (28) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Não se encontra resposta para a publicação de louvores e relatórios de operações que decorreram na margem direita do Geba e em Bissau nos primeiros meses de 1908 em Boletins tão posteriores. Constituem, aliás, a única nota em que se desvelam operações militares, de nós já conhecidas. Voltaremos à modorra do costume, excecionam-se acontecimentos como o aniversário do rei D. Manuel II, a morte de Eduardo VII, para a qual houve luto nacional e a proclamação do 5 de outubro, aqui se reproduzem as imagens.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908, 1909 e 1910 (28)


Mário Beja Santos

O ano de 1908 é uma lufada de ar fresco, ficamos com uma grande dívida de gratidão ao governador Oliveira Muzanty, até agora o Boletim Official é um mero arrastar de menções administrativas, e subitamente ficamos a saber que há tensões, gente insubmissa, operações militares, enviam-se telegramas para Lisboa a anunciar acontecimentos, de um modo geral bem-sucedidos. É o caso do telegrama enviado no Boletim Official n.º 46, de 21 de novembro de 1908, fala de um castigo dado aos Balantas, culpados de roubos, em 17 de novembro, pela madrugada, a tropa atacou de surpresa Cunhi Cumba, incendiaram-na, bem como a Chumbel, os rebeldes tiveram 37 mortos, entre eles o chefe da tabanca, apresaram-se armas, no dia seguinte prosseguiram-se as operações, queimaram-se Blassi, Assagre e Nhafo, os rebeldes tiveram 73 mortos, eram baluartes Balantas, foi montado posto militar em Cunhi Cumba. Felicita-se o comandante da campanha, tem-se agora posse efetiva da margem norte do Geba.

No Boletim Official n.º 48, de 5 de dezembro, publica-se telegrama expedito para o ministro da Marinha, os Balantas restituíram uma lancha, gente em Goli como não restituiu armamento destruiu-se a povoação, fizeram-se prisioneiros e apanhou-se gado; os auxiliares atacaram Malafo apoiados pela canhoneira Lurio, os Balantas retiraram-se para o mato depois de grande resistência, Malafo e Goli ficaram ocupados por forças auxiliares. Quem dirigiu estas operações fora o capitão de artilharia Viriato Gomes da Fonseca.

Ainda no mesmo Boletim vêm publicados vários telegramas, dois assinados pelo governador em que se fala de uma coluna que tomara Ganturé, no Cuor, iniciando perseguição, noutro telegrama refere-se uma batida em toda a região do Cuor, o inimigo tivera enormes perdas materiais e de vidas, o rei D. Manuel agradece, os telegramas que se sucedem têm a ver com as citações do ministro e o secretário-geral, na ausência do governador escreve em portaria que em consequência das operações é por este Governo, declarado livre para a navegação e aberto ao comércio o porto de Bambadinca, ficando porém ainda proibido o atracar à margem direita do Geba em toda a região do Cuor, com exceção do porto de Sambel Nhantá. Ora a portaria datada de abril de 1908, matéria anterior à data da publicação do Boletim Official.

Estamos agora a 26 de dezembro, Boletim Official n.º 51, mais telegramas enviados ao ministro, comunica-se que os régulos de Sama, Irondim e Gussará vieram pedir perdão, pagaram multa e imposto de palhota, toda a região do Cuor está completamente batida e ocupada; noutro telegrama fala-se de combates que duraram mais de três horas em que se tomou Intim e Bandim.

Temos finalmente o suplemento n.º 4 ao Boletim Official n.º 12, com data de 20 de março de 1909, o governador da coluna, o capitão Ilídio Nazaré publica o relatório, por determinação do governador, a data é de 28 de abril de 1908. Batera-se o régulo Infali Soncó, havia agora que louvar os oficiais e as praças que tinham feito parte da coluna de combate. Há textos de louvor bastante interessantes, aqui se registam:
“Companhia de Marinha comandada pelo 1.º tenente Luís Bernardo da Silveira Estrela, pela tenacidade e disciplina que sempre mostrou durante esta fase da campanha e mais particularmente o segundo e terceiro pelotões ambos sob a direção do subchefe do Estado-maior D. José Serpa Pimental, o primeiro comandando pelo 2.º tenente José Francisco Monteiro porque, tendo sido mandado procurar dois soldados que se dizia terem ficado à retaguarda, o fez com a máxima energia e prontidão, logo a seguir ao combate de Ganturé, apesar da excessiva fadiga em que se encontravam as tropas; o segundo sob o comando do 2.º tenente Frederico da Silva Pinheiro Chagas, pela maneira como prestou socorro à escolta do comboio e se porto no ataque de flanco que recebeu por parte do inimigo.”;
“3.ª secção da Companhia de Infantaria 13 sob o comando do capitão comandante da mesma Companhia, Jorge Prestello de Pestana Veloso Camacho, pela maneira como sustentou o fogo e pôs em debandada o inimigo no ataque que este fez à fonte de Ganturé na tarde de 6 de abril e para o que muito contribuiu a presença de espírito, sangue-frio e coragem do mesmo capitão”;
“Bateria de Artilharia sob o comando do capitão Viriato Gomes da Fonseca, pela rapidez como sempre embarcou e desembarcou o gado e material, e fez as marchas apesar das dificuldades do terreno, e ainda pela rapidez como sempre meteu em combate; e em especial a 1.ª peça dirigida pelo tenente da mesma bateria, Nunes da Ponte, que, pela justeza e precisão do tiro, muito contribuiu para pôr o inimigo em fuga no ataque à fonte de Ganturé”;
“Companhia de Atiradores sob o comando do capitão José Carlos Botelho Moniz e corpo de auxiliares sob o comando do capitão José Xavier Teixeira de Barros e tenente José Proença Fortes, pela maneira como se houveram na tomada de Madina no dia 8, o que em especial lhe havia incumbido”.


É uma série bastante grande, o capitão Ilídio Nazaré também lavra louvor à sua ação, fica-se com a impressão que não há oficial nem sargento que não mereçam distinção, aparecem também louvados dois primeiros cabos da Companhia de Equipagens, dois primeiros cabos e um soldado da Companhia de Subsistência.

Vão também louvores para a forma como se houve a coluna comandada por Ilídio Nazaré perante as operações na ilha de Bissau, sustentando uma série de rudes combates contra um inimigo aguerrido derrotando-o sempre com o melhor êxito e infligindo-lhe baixas e perdas materiais.

Fica o mistério da publicação tão tardia destes louvores das campanhas do Cuor e de Bissau, que decorreram nos primeiros meses de 1908.

Anúncio da proclamação da República
Anúncio da morte do rei Eduardo VII do Reino Unido, maio de 1910
Celebração do aniversário do rei D. Manuel II, novembro de 1909
Abril de 1908, o rei agradece a notícia sobre a campanha no Cuor
"Pescadora Papel" retirada do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, 1971
Mercado de Bissau, 1910
(continua)
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Notas do editor:

Post anterior de 19 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26598: Historiografia da presença portuguesa em África (470): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 20 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26601: Historiografia da presença portuguesa em África (471): Bissau ao tempo de Leopoldina Ferreira ("Nha Bijagó") (1871-1959) (António Estácio, 1947-2022)

quarta-feira, 19 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26598: Historiografia da presença portuguesa em África (470): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Saímos da pasmaceira da nomeação de terras em concessão, aforadas ou em enfiteuse, com nomeações e boletins sobre o estado de saúde, o governador Oliveira Muzanty parece não tolerar insubmissões e de 1907 para 1908 ajustou contas com Infali Soncó, no Cuor, brandiu armas na circunscrição de Geba, afrontou o régulo rebelde do Xime, mandou uma expedição a Varela e pôs em sobressalto toda a ilha de Bissau; farto do videirinho Graça Falcão, determinou o seu despacho para S. Tomé e Príncipe; é cuidadoso no levantamento da moral das suas tropas; louva todos e mais algum. Isto naquele ano extraordinariamente difícil em que a monarquia parece oscilar depois do regicídio de 1 de fevereiro. Estamos num ano que ainda não acabou e que promete mais acontecimentos.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27)


Mário Beja Santos

Se os anos mais recentes se revelam marcadamente taciturnos, espelho de uma burocracia entediante e de estranhíssimas omissões sobre o que realmente se passa na Guiné, o Boletim Official de 1908 revela-se totalmente diferente, há razões de sobra, Oliveira Muzanty é um governador que aposta em expedições, procurará resolver o corte à navegação no Geba, perpetrado pelo régulo do Cuor, e com alianças espúrias, e uma nova situação de indisciplina na ilha de Bissau. E chegam-nos referências elucidativas na página oficial dos resultados obtidos.

Logo no Boletim n.º 7, de 2 de fevereiro, portarias com um conjunto de louvores: “Tendo sido dissolvida em 31 do mês findo a coluna de operações no rio Geba e em vista dos relatórios apresentados; hei por conveniente louvar por todas as forças que fizeram parte da referida coluna pela muita subordinação, coragem e sangue-frio de que deram provas no combate de Campampe em 1 de dezembro do ano findo e bem assim nas marchas de 29 de novembro a 2 de dezembro e em especial pela maneira como dirigiram as suas forças e serviços, por vezes com risco do própria vida".
E enumeram-se os oficiais, tenentes da Armada, e tenentes do Exército; e, mais adiante:
“Tendo sido dissolvida em 31 do mês findo a coluna de operações no rio Geba e em vista dos relatórios apresentados; hei por conveniente louvar a guarnição da lancha canhoneira Cacheu pela muita coragem e sangue-frio que deu provas nos combates travados entre aquele navio e o gentio insubmisso do Cuor em especial pela maneira como cumpriram os seus serviços, por vezes com o risco da própria vida.”
E enumera-se os oficiais e as praças.

No Boletim Official n.º 10, de 14 de março, o Governador manda publicar a seguinte portaria: “Considerando o estado de rebelião em que se encontra a região de Varela e a forma como se portou o gentio, com o Residente de Cacheu, na ocasião em que esta autoridade procedia à receção do imposto nas povoações próximas, vindo junto ao acampamento em que se achava, dirigir-lhe os maiores insultos: “Hei por bem organizar um destacamento misto do comando do capitão de Infantaria José Carlos Botelho Moniz, sendo apoiado pela canhoneira D. Luís, do comando do capitão-tenente Alberto António da Silveira Moreno, para castigar o gentio em revolta.”
E enumera-se o efetivo em oficiais, sargentos e praças, incluindo uma companhia de atiradores indígenas, corpo de auxiliares indígenas, serviços de saúde e administrativo.

No Boletim n.º 19, de 16 de maio, uma nova informação de Oliveira Muzanty, desta feita sobre os acontecimentos da ilha de Bissau:
“Considerando que durante os sucessivos combates, em que foi derrotado o gentio de Intim, Bandim e Cuntumbo, se reconheceu a manifesta rebelião de todos os regulados da ilha; considerando mais que a aproximação da época das chuvas inibe a coluna de prosseguir com as alterações em terra, hei por conveniente determinar o seguinte:
1 – É mantido para todos os efeitos o estado de guerra em toda a ilha de Bissau, continuando suspensas as garantias dos seus habitantes;
2 – A suspensão de garantias será proclamada por bandos, em todas as residências em que se acha dividida a província;
3 – Fica proibido todo o género de comunicação da ilha de Bissau, com exceção da Praça, ficando os contraventores sujeitos às consequências da perseguição dos navios de guerra, sendo as embarcações contraventoras consideradas como presas e os seus tripulantes deportados para outras colónias;
4 – Em todas as residências fica proibida a administração do gentio de Bissau, como trabalhadores, quer do Estado, quer de particulares, à exceção dos que tiverem permissão especial do Governo da Província.”


Vale a pena vir um pouco atrás e voltar à campanha do Cuor. No Boletim Official n.º 8, de 10 de julho, o governador que comandou a campanha mandará publicar um conjunto impressionante de louvores, atendamos ao início desta ordem especial de serviço:
“Tendo sido batido e repelido o régulo Infali Soncó, e ocupada a região do Cuor, há muito em rebelião, operações estas levadas ao fim com um bom êxito e honra para a nossa bandeira, que o soldado português tanto ama e respeita, o que mais uma vez veio aumentar o nunca desmentido lustre das armas portuguesas; e que tiveram consequência o livre trânsito da navegação no rio Geba, que se achava fechado desde outubro do ano findo, e durante as quais a coluna suportou não só o embate do inimigo, como também as fadigas de campanha sempre com energia, boa vontade e disciplina, Sua Excelência o Governador manda louvar os oficiais e praças que fizeram parte da coluna de combate, durante as operações no rio Geba…”

E já cá faltava mais uma travessura dos ex-alferes Graça Falcão. No Boletim Official n.º 27, de 11 de julho, o governador não está para os ajustes:
“Tendo chegado ao meu conhecimento que o negociante Jaime Augusto da Graça Falcão, residente em Bissau, reincide na prática de actos para os quais já fora punido, tendo-lhe sido interditado habitar nas circunscrições de Cacheu e Farim;
Tendo sido mandado levantar auto desta reincidência pela competente autoridade da acima citada circunscrição, e averiguando-se, por ele, que o referido Graça Falcão tem feito aleivosas e injuriosas referências ao pessoal da coluna de operações, bem como as vários funcionários, com a agravante de os provocar constante e persistentemente a discussões irritantes e perturbadoras da pública tranquilidade, quer nas ruas quer nos estabelecimentos mais frequentados por estrangeiros e indígenas, prejudicando assim o bom conceito da nação e o brio nacional, perante aqueles, e o nosso prestígio perante estes últimos;
Considerando que lhe não serviu de corretivo o castigo já sofrido;
Considerando que, nessa portaria, não lhe foi aplicado todo o rigor que a lei impõe aos delinquentes dessa sua espécie, em atenção a ter sido oficial do Exército e condecorado, mas deixando de merecer qualquer ato de benevolência por parte dos poderes públicos;
Em virtude dos recentes conflitos, por ele provocados; e
Com o fim de evitar a continuação de factos que podem trazer consequências graves e pôr em risco não só o sossego como a segurança pública:
Hei por conveniente determinar que o mesmo siga, no primeiro transporte, para a província de S. Tomé e Príncipe.”


Temos de agradecer ao governador Oliveira Muzanty ter vindo animar a vida do Boletim Official, tão pardacenta nos últimos tempos.

Notícia do regicídio no Boletim Oficial de 8 de fevereiro
Telegrama alusivo à campanha do Cuor e fuga do régulo Infali Soncó
Estátua de Oliveira Muzanty, Governador da Guiné entre 1906 e 1909, de autoria do escultor António Duarte, erguida em 1950 na cidade de Bafatá, permaneceu intacta após a independência, embora tombada no chão.
Nota de 10 mil réis do BNU, 1909, pagável na sua agência em Bolama
Moeda de 2 tostões de prata com a efígie de D. Manuel II, 1909

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 12 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26577: Historiografia da presença portuguesa em África (469): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26577: Historiografia da presença portuguesa em África (469): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Longe vaI o tempo em que o Boletim Oficial permitia tomar o pulso a uma Guiné que começava a dispôr de uma vida orgânica colonial, um mapeamento administrativo, uma débil ocupação, o despertar de atrativos comerciais, isto apesar de uma imensidade de conflitos interétnicos e outros relacionados com os impostos e a perda de influência das chefaturas locais. Folhear agora este Boletim Oficial é procurar uma agulha no palheiro, e o contraste é por vezes brutal quando se ouvem as descrições que nesse exato momento perpassam pela Guiné, como conta Armando Tavares da Silva do seu acervo monumental A Presença Portuguesa na Guiné, que aqui se publica separadamente. O governador Muzanty, como veremos nas descrições de Armando Tavares da Silva, conseguirá meios para desembaraçar a navegação do Geba, que estava sujeita à hostilidade do régulo do Cuor e penetra a fundo na ilha de Bissau, esta será uma vitória temporária, entretanto o aventureiro Abdul Injai já está ao serviço das tropas portuguesas, rouba que se farta, é exilado para S. Tomé, voltará para mais altos voos, ao lado do capitão Teixeira Pinto, terá depois a sua queda.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26)

Mário Beja Santos

Creio que o leitor que acompanha esta tentativa de sequência cronológica de encontrar no Boletim Official da Guiné elementos válidos para melhor conhecer a realidade socioeconómica e cultural da época já se apercebeu de que as autoridades reduziram a atividade do Boletim a um documento praticamente inócuo; numa tentativa de procurar os dados da realidade da história política, militar e socioeconómica e cultural voltamos ao convívio do acervo monumental organizado por Armando Tavares da Silva em "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", edição Caminhos Romanos, 2016, é o modo que julgo mais facilitado para se procurar iluminar uma época.

Os anos passam, a rotina administrativa mantém-se impassível, assim chegamos a 1905 e no Boletim Official n.º 9 de 25 de fevereiro encontramos os elementos de corografia da Guiné exigidos pelo Conselho Inspetor de Instrução Pública para inserir no compêndio Corografia de Portugal. Abrira-se um concurso, quem concorria devia preencher com as seguintes bases aprovadas pelo dito Conselho Inspetor. Em termos de geografia física: situação geográfica, limites e superfície, rios, canais, ilhas, etc.; clima, regime das chuvas, fenómenos atmosféricos frequentes e produções naturais; em termos de geografia económica: a importância do comércio nacional e estrangeiro, os principais artigos de importação e exportação, agricultura e indústrias subsidiárias, meios de desenvolvimento e indústrias indígenas; em termos de geografia política: população, esboço etnográfico, organização política das diversas raças, suas aptidões e organização política e administrativa da província. O Conselho Inspetor exigia para este concurso noções de cultura tropicais, uma resenha das principais produções naturais da província: plantas alimentares, industriais, essências florestais mais comuns e espécies exóticas. É visível neste programa didático o juntar o útil ao agradável: davam-se informações de caráter geral e também orientadoras a possível investidores e comerciantes.

No Boletim Official n.º 52, de 23 de dezembro desse ano, a Secretaria Geral do Governo emite o seguinte determinação: “Tendo chegado ao conhecimento de Sua Ex.ª o Governador Interino que algumas casas comerciais vendem ao público substâncias medicinais sem que para isso tenham competência, e sendo certo que tal facto, além de representar uma desleal concorrência aos estabelecimentos que a lei protege, pode acarretar perigosas e desastrosas consequências para a salubridade pública, encarrega-me o mesmo Exm.º Sr. de chamar à atenção dos senhores administradores do concelho e comandantes militares para tão importante assunto, e de lhes dizer que procedam como é de lei contra os infratores, na certeza de que lhes atribuirá a responsabilidade de qualquer desaire que possa dar-se no futuro, quando se prove a sua negligência no cumprimento desta determinação.”

Estamos agora em 1907, no Boletim n.º 14, de 6 de abril, o governador João Augusto d’Oliveira Muzanty, farto das traquibérnias do ex-alferes Graça Falcão (de quem ainda se muito falará) publica a seguinte portaria:
“Tomando na maior consideração que me expôs o Residente de Cacheu, o que se confirma pelo auto levantado e pelo conhecimento pessoal dos péssimos precedentes do negociante Jaime Augusto da Graça Falcão;
Considerando a permanência deste negociante nas circunscrições de Cacheu e Farim constitui um desacato permanente à autoridade, que nestas circunscrições mais do que em quaisquer outras precisam de maior prestígio, visto o caráter pouco submisso de grande parte dos indígenas que as povoam, e não estar ainda concluída a sua ocupação militar;
E, como julgo a permanência deste negociante nas referidas circunscrições como podendo comprometer a segurança e ordem pública, com a propaganda que tem feito contrária às determinações de autoridade, propaganda que não desiste de fazer apesar de todos os concelhos e outros meios de brandura empregados:
Hei por conveniente determinar que seja intimado a sair da circunscrição de Cacheu no prazo de 30 dias a contar da data de intimação, ficando-lhe interdita esta circunscrição, bem como a de Farim, até que o seu procedimento futuro e as boas informações dos Residentes nas outras circunscrições, indiquem o permitir-se-lhe a livre circulação em toda a colónia.”


No Boletim Official n.º 24, de 15 de junho, somos informados de que se iniciou o reinado da Gillette. Informa-se o pedido de registo que fora feito em 4 de setembro de 1906 efetuado em 13 de março do ano seguinte, a favor da sociedade anónima americana Gillette Safety Razor Company. A marca é destinada a navalhas de barba, folhas de navalha de barba, cutelaria e instrumentos cortantes.

E despedimo-nos com uma daquelas raríssimas notícias em que se dá conta que há profundas tensões na Guiné, vem no Boletim Official n.º 36, de 7 de setembro, assina o governador Muzanty:
“Tendo o Residente de Cacheu terminado o serviço de cobrança de imposto na sua circunscrição com o aumento de receita tão considerável que demonstra um trabalho insano e uma dedicação digna do maior elogio:
Considerando que parte da região se encontrava insubmissa, o que obrigou o Residente a arriscar a sua vida sempre que a percorreu no desempenho dos serviços que lhe estavam confiados:
Considerando ainda, que se houve com um critério tal, que, apesar de se ter feito acompanhar de um limitado número de auxiliares, evitou sempre os conflitos que pudessem pôr em cheque este Governo: hei por conveniente louvar o Residente de Cacheu, tenente do quadro da Índia, Rodrigo Anastácio Teixeira de Lemos, pelo valor, dedicação, zelo e lealdade com que se houve no desempenho das funções do lugar que exerce.”

Governador da Guiné Alfredo Cardoso de Soveral Martins (1903-1904)
Queimada da tabanca de Intim, na guerra de 1908. Imagem da Coleção Jill Rosemary Dias, com a devida vénia
A fazer esteiras, imagem retirada da Casa Comum/Fundação Mário Soares, com a devida vénia
Bissau em 1910

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26557: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25) (Mário Beja Santos)