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quarta-feira, 26 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26619: Historiografia da presença portuguesa em África (472): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908; 1909 e 1910 (28) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Não se encontra resposta para a publicação de louvores e relatórios de operações que decorreram na margem direita do Geba e em Bissau nos primeiros meses de 1908 em Boletins tão posteriores. Constituem, aliás, a única nota em que se desvelam operações militares, de nós já conhecidas. Voltaremos à modorra do costume, excecionam-se acontecimentos como o aniversário do rei D. Manuel II, a morte de Eduardo VII, para a qual houve luto nacional e a proclamação do 5 de outubro, aqui se reproduzem as imagens.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908, 1909 e 1910 (28)


Mário Beja Santos

O ano de 1908 é uma lufada de ar fresco, ficamos com uma grande dívida de gratidão ao governador Oliveira Muzanty, até agora o Boletim Official é um mero arrastar de menções administrativas, e subitamente ficamos a saber que há tensões, gente insubmissa, operações militares, enviam-se telegramas para Lisboa a anunciar acontecimentos, de um modo geral bem-sucedidos. É o caso do telegrama enviado no Boletim Official n.º 46, de 21 de novembro de 1908, fala de um castigo dado aos Balantas, culpados de roubos, em 17 de novembro, pela madrugada, a tropa atacou de surpresa Cunhi Cumba, incendiaram-na, bem como a Chumbel, os rebeldes tiveram 37 mortos, entre eles o chefe da tabanca, apresaram-se armas, no dia seguinte prosseguiram-se as operações, queimaram-se Blassi, Assagre e Nhafo, os rebeldes tiveram 73 mortos, eram baluartes Balantas, foi montado posto militar em Cunhi Cumba. Felicita-se o comandante da campanha, tem-se agora posse efetiva da margem norte do Geba.

No Boletim Official n.º 48, de 5 de dezembro, publica-se telegrama expedito para o ministro da Marinha, os Balantas restituíram uma lancha, gente em Goli como não restituiu armamento destruiu-se a povoação, fizeram-se prisioneiros e apanhou-se gado; os auxiliares atacaram Malafo apoiados pela canhoneira Lurio, os Balantas retiraram-se para o mato depois de grande resistência, Malafo e Goli ficaram ocupados por forças auxiliares. Quem dirigiu estas operações fora o capitão de artilharia Viriato Gomes da Fonseca.

Ainda no mesmo Boletim vêm publicados vários telegramas, dois assinados pelo governador em que se fala de uma coluna que tomara Ganturé, no Cuor, iniciando perseguição, noutro telegrama refere-se uma batida em toda a região do Cuor, o inimigo tivera enormes perdas materiais e de vidas, o rei D. Manuel agradece, os telegramas que se sucedem têm a ver com as citações do ministro e o secretário-geral, na ausência do governador escreve em portaria que em consequência das operações é por este Governo, declarado livre para a navegação e aberto ao comércio o porto de Bambadinca, ficando porém ainda proibido o atracar à margem direita do Geba em toda a região do Cuor, com exceção do porto de Sambel Nhantá. Ora a portaria datada de abril de 1908, matéria anterior à data da publicação do Boletim Official.

Estamos agora a 26 de dezembro, Boletim Official n.º 51, mais telegramas enviados ao ministro, comunica-se que os régulos de Sama, Irondim e Gussará vieram pedir perdão, pagaram multa e imposto de palhota, toda a região do Cuor está completamente batida e ocupada; noutro telegrama fala-se de combates que duraram mais de três horas em que se tomou Intim e Bandim.

Temos finalmente o suplemento n.º 4 ao Boletim Official n.º 12, com data de 20 de março de 1909, o governador da coluna, o capitão Ilídio Nazaré publica o relatório, por determinação do governador, a data é de 28 de abril de 1908. Batera-se o régulo Infali Soncó, havia agora que louvar os oficiais e as praças que tinham feito parte da coluna de combate. Há textos de louvor bastante interessantes, aqui se registam:
“Companhia de Marinha comandada pelo 1.º tenente Luís Bernardo da Silveira Estrela, pela tenacidade e disciplina que sempre mostrou durante esta fase da campanha e mais particularmente o segundo e terceiro pelotões ambos sob a direção do subchefe do Estado-maior D. José Serpa Pimental, o primeiro comandando pelo 2.º tenente José Francisco Monteiro porque, tendo sido mandado procurar dois soldados que se dizia terem ficado à retaguarda, o fez com a máxima energia e prontidão, logo a seguir ao combate de Ganturé, apesar da excessiva fadiga em que se encontravam as tropas; o segundo sob o comando do 2.º tenente Frederico da Silva Pinheiro Chagas, pela maneira como prestou socorro à escolta do comboio e se porto no ataque de flanco que recebeu por parte do inimigo.”;
“3.ª secção da Companhia de Infantaria 13 sob o comando do capitão comandante da mesma Companhia, Jorge Prestello de Pestana Veloso Camacho, pela maneira como sustentou o fogo e pôs em debandada o inimigo no ataque que este fez à fonte de Ganturé na tarde de 6 de abril e para o que muito contribuiu a presença de espírito, sangue-frio e coragem do mesmo capitão”;
“Bateria de Artilharia sob o comando do capitão Viriato Gomes da Fonseca, pela rapidez como sempre embarcou e desembarcou o gado e material, e fez as marchas apesar das dificuldades do terreno, e ainda pela rapidez como sempre meteu em combate; e em especial a 1.ª peça dirigida pelo tenente da mesma bateria, Nunes da Ponte, que, pela justeza e precisão do tiro, muito contribuiu para pôr o inimigo em fuga no ataque à fonte de Ganturé”;
“Companhia de Atiradores sob o comando do capitão José Carlos Botelho Moniz e corpo de auxiliares sob o comando do capitão José Xavier Teixeira de Barros e tenente José Proença Fortes, pela maneira como se houveram na tomada de Madina no dia 8, o que em especial lhe havia incumbido”.


É uma série bastante grande, o capitão Ilídio Nazaré também lavra louvor à sua ação, fica-se com a impressão que não há oficial nem sargento que não mereçam distinção, aparecem também louvados dois primeiros cabos da Companhia de Equipagens, dois primeiros cabos e um soldado da Companhia de Subsistência.

Vão também louvores para a forma como se houve a coluna comandada por Ilídio Nazaré perante as operações na ilha de Bissau, sustentando uma série de rudes combates contra um inimigo aguerrido derrotando-o sempre com o melhor êxito e infligindo-lhe baixas e perdas materiais.

Fica o mistério da publicação tão tardia destes louvores das campanhas do Cuor e de Bissau, que decorreram nos primeiros meses de 1908.

Anúncio da proclamação da República
Anúncio da morte do rei Eduardo VII do Reino Unido, maio de 1910
Celebração do aniversário do rei D. Manuel II, novembro de 1909
Abril de 1908, o rei agradece a notícia sobre a campanha no Cuor
"Pescadora Papel" retirada do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, 1971
Mercado de Bissau, 1910
(continua)
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Notas do editor:

Post anterior de 19 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26598: Historiografia da presença portuguesa em África (470): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 20 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26601: Historiografia da presença portuguesa em África (471): Bissau ao tempo de Leopoldina Ferreira ("Nha Bijagó") (1871-1959) (António Estácio, 1947-2022)

quarta-feira, 19 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26598: Historiografia da presença portuguesa em África (470): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Saímos da pasmaceira da nomeação de terras em concessão, aforadas ou em enfiteuse, com nomeações e boletins sobre o estado de saúde, o governador Oliveira Muzanty parece não tolerar insubmissões e de 1907 para 1908 ajustou contas com Infali Soncó, no Cuor, brandiu armas na circunscrição de Geba, afrontou o régulo rebelde do Xime, mandou uma expedição a Varela e pôs em sobressalto toda a ilha de Bissau; farto do videirinho Graça Falcão, determinou o seu despacho para S. Tomé e Príncipe; é cuidadoso no levantamento da moral das suas tropas; louva todos e mais algum. Isto naquele ano extraordinariamente difícil em que a monarquia parece oscilar depois do regicídio de 1 de fevereiro. Estamos num ano que ainda não acabou e que promete mais acontecimentos.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1908 (27)


Mário Beja Santos

Se os anos mais recentes se revelam marcadamente taciturnos, espelho de uma burocracia entediante e de estranhíssimas omissões sobre o que realmente se passa na Guiné, o Boletim Official de 1908 revela-se totalmente diferente, há razões de sobra, Oliveira Muzanty é um governador que aposta em expedições, procurará resolver o corte à navegação no Geba, perpetrado pelo régulo do Cuor, e com alianças espúrias, e uma nova situação de indisciplina na ilha de Bissau. E chegam-nos referências elucidativas na página oficial dos resultados obtidos.

Logo no Boletim n.º 7, de 2 de fevereiro, portarias com um conjunto de louvores: “Tendo sido dissolvida em 31 do mês findo a coluna de operações no rio Geba e em vista dos relatórios apresentados; hei por conveniente louvar por todas as forças que fizeram parte da referida coluna pela muita subordinação, coragem e sangue-frio de que deram provas no combate de Campampe em 1 de dezembro do ano findo e bem assim nas marchas de 29 de novembro a 2 de dezembro e em especial pela maneira como dirigiram as suas forças e serviços, por vezes com risco do própria vida".
E enumeram-se os oficiais, tenentes da Armada, e tenentes do Exército; e, mais adiante:
“Tendo sido dissolvida em 31 do mês findo a coluna de operações no rio Geba e em vista dos relatórios apresentados; hei por conveniente louvar a guarnição da lancha canhoneira Cacheu pela muita coragem e sangue-frio que deu provas nos combates travados entre aquele navio e o gentio insubmisso do Cuor em especial pela maneira como cumpriram os seus serviços, por vezes com o risco da própria vida.”
E enumera-se os oficiais e as praças.

No Boletim Official n.º 10, de 14 de março, o Governador manda publicar a seguinte portaria: “Considerando o estado de rebelião em que se encontra a região de Varela e a forma como se portou o gentio, com o Residente de Cacheu, na ocasião em que esta autoridade procedia à receção do imposto nas povoações próximas, vindo junto ao acampamento em que se achava, dirigir-lhe os maiores insultos: “Hei por bem organizar um destacamento misto do comando do capitão de Infantaria José Carlos Botelho Moniz, sendo apoiado pela canhoneira D. Luís, do comando do capitão-tenente Alberto António da Silveira Moreno, para castigar o gentio em revolta.”
E enumera-se o efetivo em oficiais, sargentos e praças, incluindo uma companhia de atiradores indígenas, corpo de auxiliares indígenas, serviços de saúde e administrativo.

No Boletim n.º 19, de 16 de maio, uma nova informação de Oliveira Muzanty, desta feita sobre os acontecimentos da ilha de Bissau:
“Considerando que durante os sucessivos combates, em que foi derrotado o gentio de Intim, Bandim e Cuntumbo, se reconheceu a manifesta rebelião de todos os regulados da ilha; considerando mais que a aproximação da época das chuvas inibe a coluna de prosseguir com as alterações em terra, hei por conveniente determinar o seguinte:
1 – É mantido para todos os efeitos o estado de guerra em toda a ilha de Bissau, continuando suspensas as garantias dos seus habitantes;
2 – A suspensão de garantias será proclamada por bandos, em todas as residências em que se acha dividida a província;
3 – Fica proibido todo o género de comunicação da ilha de Bissau, com exceção da Praça, ficando os contraventores sujeitos às consequências da perseguição dos navios de guerra, sendo as embarcações contraventoras consideradas como presas e os seus tripulantes deportados para outras colónias;
4 – Em todas as residências fica proibida a administração do gentio de Bissau, como trabalhadores, quer do Estado, quer de particulares, à exceção dos que tiverem permissão especial do Governo da Província.”


Vale a pena vir um pouco atrás e voltar à campanha do Cuor. No Boletim Official n.º 8, de 10 de julho, o governador que comandou a campanha mandará publicar um conjunto impressionante de louvores, atendamos ao início desta ordem especial de serviço:
“Tendo sido batido e repelido o régulo Infali Soncó, e ocupada a região do Cuor, há muito em rebelião, operações estas levadas ao fim com um bom êxito e honra para a nossa bandeira, que o soldado português tanto ama e respeita, o que mais uma vez veio aumentar o nunca desmentido lustre das armas portuguesas; e que tiveram consequência o livre trânsito da navegação no rio Geba, que se achava fechado desde outubro do ano findo, e durante as quais a coluna suportou não só o embate do inimigo, como também as fadigas de campanha sempre com energia, boa vontade e disciplina, Sua Excelência o Governador manda louvar os oficiais e praças que fizeram parte da coluna de combate, durante as operações no rio Geba…”

E já cá faltava mais uma travessura dos ex-alferes Graça Falcão. No Boletim Official n.º 27, de 11 de julho, o governador não está para os ajustes:
“Tendo chegado ao meu conhecimento que o negociante Jaime Augusto da Graça Falcão, residente em Bissau, reincide na prática de actos para os quais já fora punido, tendo-lhe sido interditado habitar nas circunscrições de Cacheu e Farim;
Tendo sido mandado levantar auto desta reincidência pela competente autoridade da acima citada circunscrição, e averiguando-se, por ele, que o referido Graça Falcão tem feito aleivosas e injuriosas referências ao pessoal da coluna de operações, bem como as vários funcionários, com a agravante de os provocar constante e persistentemente a discussões irritantes e perturbadoras da pública tranquilidade, quer nas ruas quer nos estabelecimentos mais frequentados por estrangeiros e indígenas, prejudicando assim o bom conceito da nação e o brio nacional, perante aqueles, e o nosso prestígio perante estes últimos;
Considerando que lhe não serviu de corretivo o castigo já sofrido;
Considerando que, nessa portaria, não lhe foi aplicado todo o rigor que a lei impõe aos delinquentes dessa sua espécie, em atenção a ter sido oficial do Exército e condecorado, mas deixando de merecer qualquer ato de benevolência por parte dos poderes públicos;
Em virtude dos recentes conflitos, por ele provocados; e
Com o fim de evitar a continuação de factos que podem trazer consequências graves e pôr em risco não só o sossego como a segurança pública:
Hei por conveniente determinar que o mesmo siga, no primeiro transporte, para a província de S. Tomé e Príncipe.”


Temos de agradecer ao governador Oliveira Muzanty ter vindo animar a vida do Boletim Official, tão pardacenta nos últimos tempos.

Notícia do regicídio no Boletim Oficial de 8 de fevereiro
Telegrama alusivo à campanha do Cuor e fuga do régulo Infali Soncó
Estátua de Oliveira Muzanty, Governador da Guiné entre 1906 e 1909, de autoria do escultor António Duarte, erguida em 1950 na cidade de Bafatá, permaneceu intacta após a independência, embora tombada no chão.
Nota de 10 mil réis do BNU, 1909, pagável na sua agência em Bolama
Moeda de 2 tostões de prata com a efígie de D. Manuel II, 1909

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 12 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26577: Historiografia da presença portuguesa em África (469): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26577: Historiografia da presença portuguesa em África (469): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Longe vaI o tempo em que o Boletim Oficial permitia tomar o pulso a uma Guiné que começava a dispôr de uma vida orgânica colonial, um mapeamento administrativo, uma débil ocupação, o despertar de atrativos comerciais, isto apesar de uma imensidade de conflitos interétnicos e outros relacionados com os impostos e a perda de influência das chefaturas locais. Folhear agora este Boletim Oficial é procurar uma agulha no palheiro, e o contraste é por vezes brutal quando se ouvem as descrições que nesse exato momento perpassam pela Guiné, como conta Armando Tavares da Silva do seu acervo monumental A Presença Portuguesa na Guiné, que aqui se publica separadamente. O governador Muzanty, como veremos nas descrições de Armando Tavares da Silva, conseguirá meios para desembaraçar a navegação do Geba, que estava sujeita à hostilidade do régulo do Cuor e penetra a fundo na ilha de Bissau, esta será uma vitória temporária, entretanto o aventureiro Abdul Injai já está ao serviço das tropas portuguesas, rouba que se farta, é exilado para S. Tomé, voltará para mais altos voos, ao lado do capitão Teixeira Pinto, terá depois a sua queda.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, até 1907 (26)

Mário Beja Santos

Creio que o leitor que acompanha esta tentativa de sequência cronológica de encontrar no Boletim Official da Guiné elementos válidos para melhor conhecer a realidade socioeconómica e cultural da época já se apercebeu de que as autoridades reduziram a atividade do Boletim a um documento praticamente inócuo; numa tentativa de procurar os dados da realidade da história política, militar e socioeconómica e cultural voltamos ao convívio do acervo monumental organizado por Armando Tavares da Silva em "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", edição Caminhos Romanos, 2016, é o modo que julgo mais facilitado para se procurar iluminar uma época.

Os anos passam, a rotina administrativa mantém-se impassível, assim chegamos a 1905 e no Boletim Official n.º 9 de 25 de fevereiro encontramos os elementos de corografia da Guiné exigidos pelo Conselho Inspetor de Instrução Pública para inserir no compêndio Corografia de Portugal. Abrira-se um concurso, quem concorria devia preencher com as seguintes bases aprovadas pelo dito Conselho Inspetor. Em termos de geografia física: situação geográfica, limites e superfície, rios, canais, ilhas, etc.; clima, regime das chuvas, fenómenos atmosféricos frequentes e produções naturais; em termos de geografia económica: a importância do comércio nacional e estrangeiro, os principais artigos de importação e exportação, agricultura e indústrias subsidiárias, meios de desenvolvimento e indústrias indígenas; em termos de geografia política: população, esboço etnográfico, organização política das diversas raças, suas aptidões e organização política e administrativa da província. O Conselho Inspetor exigia para este concurso noções de cultura tropicais, uma resenha das principais produções naturais da província: plantas alimentares, industriais, essências florestais mais comuns e espécies exóticas. É visível neste programa didático o juntar o útil ao agradável: davam-se informações de caráter geral e também orientadoras a possível investidores e comerciantes.

No Boletim Official n.º 52, de 23 de dezembro desse ano, a Secretaria Geral do Governo emite o seguinte determinação: “Tendo chegado ao conhecimento de Sua Ex.ª o Governador Interino que algumas casas comerciais vendem ao público substâncias medicinais sem que para isso tenham competência, e sendo certo que tal facto, além de representar uma desleal concorrência aos estabelecimentos que a lei protege, pode acarretar perigosas e desastrosas consequências para a salubridade pública, encarrega-me o mesmo Exm.º Sr. de chamar à atenção dos senhores administradores do concelho e comandantes militares para tão importante assunto, e de lhes dizer que procedam como é de lei contra os infratores, na certeza de que lhes atribuirá a responsabilidade de qualquer desaire que possa dar-se no futuro, quando se prove a sua negligência no cumprimento desta determinação.”

Estamos agora em 1907, no Boletim n.º 14, de 6 de abril, o governador João Augusto d’Oliveira Muzanty, farto das traquibérnias do ex-alferes Graça Falcão (de quem ainda se muito falará) publica a seguinte portaria:
“Tomando na maior consideração que me expôs o Residente de Cacheu, o que se confirma pelo auto levantado e pelo conhecimento pessoal dos péssimos precedentes do negociante Jaime Augusto da Graça Falcão;
Considerando a permanência deste negociante nas circunscrições de Cacheu e Farim constitui um desacato permanente à autoridade, que nestas circunscrições mais do que em quaisquer outras precisam de maior prestígio, visto o caráter pouco submisso de grande parte dos indígenas que as povoam, e não estar ainda concluída a sua ocupação militar;
E, como julgo a permanência deste negociante nas referidas circunscrições como podendo comprometer a segurança e ordem pública, com a propaganda que tem feito contrária às determinações de autoridade, propaganda que não desiste de fazer apesar de todos os concelhos e outros meios de brandura empregados:
Hei por conveniente determinar que seja intimado a sair da circunscrição de Cacheu no prazo de 30 dias a contar da data de intimação, ficando-lhe interdita esta circunscrição, bem como a de Farim, até que o seu procedimento futuro e as boas informações dos Residentes nas outras circunscrições, indiquem o permitir-se-lhe a livre circulação em toda a colónia.”


No Boletim Official n.º 24, de 15 de junho, somos informados de que se iniciou o reinado da Gillette. Informa-se o pedido de registo que fora feito em 4 de setembro de 1906 efetuado em 13 de março do ano seguinte, a favor da sociedade anónima americana Gillette Safety Razor Company. A marca é destinada a navalhas de barba, folhas de navalha de barba, cutelaria e instrumentos cortantes.

E despedimo-nos com uma daquelas raríssimas notícias em que se dá conta que há profundas tensões na Guiné, vem no Boletim Official n.º 36, de 7 de setembro, assina o governador Muzanty:
“Tendo o Residente de Cacheu terminado o serviço de cobrança de imposto na sua circunscrição com o aumento de receita tão considerável que demonstra um trabalho insano e uma dedicação digna do maior elogio:
Considerando que parte da região se encontrava insubmissa, o que obrigou o Residente a arriscar a sua vida sempre que a percorreu no desempenho dos serviços que lhe estavam confiados:
Considerando ainda, que se houve com um critério tal, que, apesar de se ter feito acompanhar de um limitado número de auxiliares, evitou sempre os conflitos que pudessem pôr em cheque este Governo: hei por conveniente louvar o Residente de Cacheu, tenente do quadro da Índia, Rodrigo Anastácio Teixeira de Lemos, pelo valor, dedicação, zelo e lealdade com que se houve no desempenho das funções do lugar que exerce.”

Governador da Guiné Alfredo Cardoso de Soveral Martins (1903-1904)
Queimada da tabanca de Intim, na guerra de 1908. Imagem da Coleção Jill Rosemary Dias, com a devida vénia
A fazer esteiras, imagem retirada da Casa Comum/Fundação Mário Soares, com a devida vénia
Bissau em 1910

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26557: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 5 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26557: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Não posso esconder que é quase num completo desfastio que ando a folhear estes Boletins Officiais de fim de século, os trâmites administrativos parecem dominar tudo, quem lê número após número pode ficar na ilusão de que a província está pacificada e gradualmente ocupada pela administração portuguesa. Até em 1900 se dá a notícia de que vai haver o primeiro recenseamento da população. Procurando tirar a prova dos nove, procurei ler ao pormenor que Armando Tavares da Silva escreve no seu trabalho gigante intitulado A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926 quanto à governação de Herculano da Cunha, percorre a província de um lado para o outro, informa o ministro que é saudado em todos os pontos entusiasticamente, foge às expedições militares, tem pouquíssimos efetivos e em geral gente desordeira. Se é verdade que em determinados períodos o Boletim Oficial constitui um documento esclarecedor no caso presente é um puro encobrimento das tensões e dificuldades sem número em que vivia a Guiné.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1900 e 1901 (25)


Mário Beja Santos

Tenho dado a saber ao leitor que os últimos anos da década 1890 e o início do novo século registam com estranhíssima parcimónia os acontecimentos políticos que a Guiné teve. Os Boletins Officiais estão enxameados da legislação do Governo Central, tratados internacionais, e quanto ao que se passa no burgo são as costumadas nomeações e exonerações, chegadas e partidas, publicação do orçamento da província, relatos sanitários das principais povoações, etc. Vou aqui registar o que me parece mais curioso de 1900 e do início de 1901 e contrapor com a listagem de eventos que Armando Tavares da Silva elenca no seu importante acervo documental intitulado "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", 2016.

No Boletim n.º 10, de 10 de março de 1900, o boletim recolhe uma portaria do Governador Álvaro Herculano da Cunha que reza o seguinte:
“Tendo-me o régulo de Antula em abril do ano findo tido para se levar a efeito a ocupação do seu território, o que eu lhe havia prometido; e
Tendo, quando agora me veio cumprimentar, por ocasião da minha visita a Bissau, renovado o seu pedido e solicitado o cumprimento da minha promessa;
Atendendo às vantagens de ordem económica, política e administrativa, e do prestígio que, para o nosso domínio, advém da referida ocupação: hei por conveniente determinar que se ocupe o referido território, estabelecendo-se ali um posto militar de força oportunamente determinada.”


Em Lisboa, era aprovado o regulamento disciplinar das forças militares ultramarinas que veio publicado no Boletim Official n.º 31, de 4 de agosto desse ano. Não deixa de ser curioso o que ali se escreve e como tais preceitos chegaram aos nossos tempos de oficiais, sargentos e praças naquelas décadas de 1960 e 1970: a disciplina consiste na estrita e pontual observância das leis e regulamentos militares; para que a disciplina constitua a base em que judiciosamente deve firmar-se a instituição armada, observar-se-ão rigorosamente as seguintes regras fundamentais – obediências pronta e passiva, ficando o superior responsável pelas ordens que der; em ato de serviço a obediência é sempre devia ao mais graduado e na concorrência de militares com a mesma graduação ao mais antigo; todo o militar deve sofrer com resignação as fadigas e privações, conservando-se intrépido dos perigos, generoso na vitória e ciente na adversidade; todo o militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da religião, da virtude e da honra, amar a pátria, ser fiel ao Rei, guardar e fazer guardar a constituição política da monarquia, etc. etc.

Estamos agora em 1901 e o Boletim n.º 13, de 30 de março, publica um conjunto de portarias que nos levam a saber que houve uma operação em Jufunco. O 1.º tenente da Armada, Bernardo de Melo e Castro Moreira, comandante da canhoneira Cacongo, prestou relevantes serviços aos Governo, coadjuvando-o com inexcedível zelo na expedição contra o gentio rebelde de Jufunco, bombardeando eficazmente as povoações dos revoltosos, facilitando assim o desembarque dos Grumetes e concorrendo, portanto, para a vitória obtida; o 2.º tenente da Armada, Artur Ernesto da Silva Pimenta de Miranda, comandante da lancha-canhoneira Flecha, prestou relevantes serviços ao Governo, bombardeando eficazmente as povoações do revoltosos; são louvados os oficiais e praças da canhoneira Cacongo e lancha-canhoneira Flecha pela dedicação e boa vontade com que concorreram para o bom êxito da expedição contra o gentio rebelde de Jufunco. Os louvores não ficaram por aqui, foram extensivos ao comandante militar de Bissau, ao comandante militar de Cacheu e até ao diretor da alfândega em Bolama.

Fica-se com a noção de que lidos desgarradamente estes pontos aqui e acolá ao longo destes anos a Guiné parece trilhar na serenidade, foram minimizados os conflitos, pacificado o Forreá, crescem os postos militares, enfim, a ocupação do território vai de vento em pompa. Hora as coisas não se passam exatamente assim como conta Armando Tavares da Silva a partir da página 431. Herculano da Cunha não tem meios para se envolver em qualquer operação militar, viaja muito pelo território. A ilha de Bissau mantém conflitos interétnicos, rivalidades entre os régulos. O Governador fugiu sempre à resolução dos problemas da província que pudessem envolver as operações militares, escreve para Lisboa que procura exercer um magistério de influência para evitar guerras, sobretudo nos regulados da margem direita do Geba. Quando visita o Forreá, recebe queixas dos régulos; no regresso de Geba viaja até ao Xime, cujo régulo foi por ele repreendido asperamente por ter batido a uma sua mulher com um chicote e que agora vinha reclamar que fugira, tinha o desplante de pedir ao Governado que atuasse.

E assim chegamos à questão de Jufunco de que registei os louvores. Tudo começara quando se admitiu a possibilidade de impor à população o pagamento de tributos, a resposta foi o descontentamento. Herculano da Cunha queixa-se sempre que não tem tropas em qualidade e quantidade, a indisciplina é geral, as forças da província são compostas de deportados, há poucos oficiais, quando se pretende punir Jufunco, a estratégia foi bombardear as povoações e só depois intimidá-las, nada de combates em campo aberto.

As queixas contra o estado em que se encontrava a administração da província eram muitas. A população de Bolama enviou ao rei uma petição na qual pediam que Bolama fosse novamente administrada por uma câmara municipal. Os Bolamenses consideravam que estavam votados ao abandono. Eram inúmeras as carências em tudo o que era público: arruamentos, pavimentação, muros, iluminação, cemitério, prisões.

Vindo de Lisboa, Herculano da Cunha continua as suas visitas e cumprimentos de régulos. Os governantes em Lisboa devem-se ter fartado desta inoperância, Herculano da Cunha será exonerado em maio de 1900. Na véspera de deixar a Guiné envia para Lisboa um oficio em que, devido aos ataques dos Balantas de Nhacra aos Brames, pedi autorização para bombardear o território dos Balantas, isto na véspera de partir.

É nos meses finais desta governação que se inicia uma nova fase dos trabalhos de demarcação da fronteira com os territórios vizinhos de administração francesa. Tudo correu mal logo no início, isto em 1888, os delegados franceses pretendiam que se fizesse uma alteração à Convenção de 1886, substituindo o Cabo Roxo pela Ponta Varela, de onde partiria a linha de fronteira, os delegados portugueses rejeitaram a proposta. Em 1899, há novos trabalhos de demarcação, do lado português estão Oliveira Muzanty e Telles de Vasconcelos, começam pela fronteira sul, nova rutura nas negociações, os franceses queriam entrar em territórios no Forreá, só em finais de 1902 os trabalhos de demarcação serão retomados, mas o mais importante, a fronteira entre o Casamansa e o rio Cacheu será objeto de uma nova missão, em janeiro de 1904.

Como o leitor pode constatar entre a linguagem cinzenta da burocracia e o que se passava na província política, militar e económica, a distância era um abismo.

Nomeação do Governador em 1900, Judice Biker
Em 1897, o novo Governador chama-se Álvaro Herculano da Cunha
Oficinas da Sociedade Comercial Ultramarina, imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares
Serração do Sonagui, imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares
A Casa Gouveia em Bissau, 1920

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 26 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26530: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1897 e 1898 (24) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26530: Historiografia da presença portuguesa em África (468): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1897 e 1898 (24) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
O Dr. Marques Perdigão, em nome da Junta de Saúde, faz o relatório alusivo a 1896, não esconde o quadro de ineficiências e faltas, deixa os seus apelos para haver mais médicos e enfermeiros, volta a apelar ao Governo da Província para ainda se continuar a estudar a flora da Guiné; o novo Governador é Álvaro Herculano da Cunha, pede pensões para dois heróis de guerra, um deles, em combates no Oio, foi mortalmente atingido e tudo fez para entregar a bandeira portuguesa, de que ele era portador e zelador; o régulo de Intim anuncia o seu preito e homenagem ao rei de Portugal, é mesmo batizado em Bolama, chama-se Tabanca Soares, promete obediência de todos os régulos da ilha de Bissau, o que não vai acontecer, suceder-se-ão as rebeliões que só conhecerão acalmia na campanha de Teixeira Pinto em 1915.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1897 e 1898 (24)

Mário Beja Santos

Fez-se a referência no texto anterior ao relatório do serviço de saúde da Guiné Portuguesa referente a 1896, é assinado por António Maria Marques Perdigão. À semelhança de outros relatores, o médico descreve o contexto histórico, a geografia, o quadro das condições hígiossanitárias nas principais povoações e não deixa de observar os problemas postos à classe médica, farmacêutica e de enfermagem, como escreve:
“Durante a minha gerência só houve três médicos do quadro em toda a província que são os que ainda hoje existem. É urgentíssima a necessidade de médicos para o serviço da província. Em Bolama devem estar, para comporem a Junta de Saúde, três médicos: o subchefe, um facultativo de 1.ª classe e um de 2.ª ou 3.ª, pronto sempre para seguir para qualquer ponto que demande socorros urgentes; em Bissau, um de 1.ª classe; e em cada uma das povoações acima indicadas (Geba, Farim, Cacheu e Buba) um de 2.ª ou 3.ª. Há falta também de pessoal farmacêutico. Se os três farmacêuticos que devem pertencer à Guiné estivessem sempre, o mal estava remediado, porque em Bolama são indispensáveis dois e em Bissau um. Ora, durante a minha gerência, nunca houve três farmacêuticos na província. É assim impossível dar-se cumprimento ao serviço, atendendo a que na Guiné não há farmácias particulares e, por isso, as do Estado têm que vender ao público. Os farmacêuticos em Bolama têm em seu cargo, além de toda a escrituração que é grande e complexa, o satisfazerem de todas as requisições na farmácia, o aviamento de todos os medicamentos para o hospital, remédios a indigentes, e venda ao público. Pois, repetidas vezes, tem estado um só farmacêutico com todos estes encargos, como agora sucede por motivo de doença de um deles.
É impossível cumprir-se convenientemente o serviço só com um farmacêutico, porque além do receituado do hospital tem a farmácia de Bolama de satisfazer todas as requisições para a farmácia de Bissau e para as sete ambulâncias da província.”


E continua a insistir para que se mande para a Guiné dois facultativos e um farmacêutico. Lembra que não há socorros médicos em Geba, Farim, Cacheu e Buba e mais pontos ocupados da Guiné. Recorda ao pessoal de enfermagem: em Bolama enfermeiro-mor, um enfermeiro de 2.ª classe e dois ajudantes; em Bissau, um enfermeiro de 2.ª classe e um ajudante; em cada uma das duas ambulâncias e delegações um enfermeiro de 2.ª classe. As irmãs hospitaleiras têm a seu cargo alguns serviços de enfermagem e tece-lhes louvor.

Lembra o mau estado em que se encontra a enfermaria militar e civil de Bissau e a respetiva farmácia: é um verdadeiro pardieiro, a enfermaria é uma casa velha sem condições de salubridade e higiene, soalho sujo, parecendo não ter sido lavado há muitos meses. E o seu relatório não deixa de acabar de modo surpreendente:
“A Junta de Saúde da Guiné torna bem patente o seu interesse pelas ciências naturais e em especial pela ciência que professa, propõe que desde já se proceda à exploração botânica da Guiné. A verba que para esse fim é destinada no orçamento da província é diminutíssima, e é por isso que a Junta de Saúde vem solicita toda a proteção. O estudo da flora da Guiné é em grande parte desconhecida, sendo certo poucas regiões haverá onde ela seja mais abundante, mais variada e mais útil sob o ponto de vista médico.”
Tudo isto é matéria constante do Boletim Oficial n.º 18 de 1897.

Estamos agora em 1898 e vejam-se algumas notícias curiosas publicadas no nº9, de 26 de fevereiro: “Tendo sido morto na última guerra do Oio o chefe Mandiga de nome Quecuta Mané, pela sua valentia, coragem e inexcedível dedicação pela bandeira portuguesa, e atendendo aos bons e irrelevantes serviços que prestou nas últimas guerras de Geba e Bissau, aonde se distinguiu sempre dos seus companheiros: hei por conveniente, com o intuito de galardoar tais serviços à nação, conceder a começar desta data uma pensão anual de 36$000 a Mané, filho do referido Quecuta Mané, ficando esta minha resolução pendente da aprovação do Governo de Sua Majestade.” E, mais adiante: “Tendo sido morto, em diligência o Mandiga de nome Lamini Injai, chefe de uma das tabancas do presídio de Farim, na ocasião em que foram atacados pela gente do Oio, defendendo enquanto pôde a bandeira nacional que lhe tinha sido confiada, entregando-a a um soldado que chamou depois de se sentir mortalmente ferido, o que demonstra muita dedicação e patriotismo: hei por conveniente, no intuito de galardoar os serviços que prestou à nação estabelecer a começar da presente data, uma pensão anual de 36$000 ao filho do referido Lamini Injai, de nome Jaime Falcão, ficando esta minha resolução dependente da aprovação do Governo de Sua Majestade.”

E terminamos com o auto de preito e homenagem prestada ao Governo português, pelo régulo de Intim, Tabanca Soares e seus grandes, vem publicado no Boletim n.º 21, de 27 de maio de 1899. O auto indica a data de 13 de maio, decorre no Palácio do Governo, estão presentes o Governador e altas individualidades e escreve-se o seguinte:
“Pelo régulo de Intim foi dito que vinha cumprimentar Sua Excelência o Governador, que nunca régulo algum da ilha de Bissau tinha vindo a Bolama com este fim, por a isso se oporem as suas leis, mas que, reconhecendo ele plenamente a soberania de Portugal, sobre o seu país, vinha espontaneamente dar preito e homenagem a Sua Majestade.
Para provar a sinceridade das suas declarações, pedia que o Governo colocasse um destacamento militar no seu território, o qual seria garantia segura da completa submissão dos povos de Intim mais que lhe estão subordinados. Disse que nenhum régulo da ilha de Bissau tinha mais poder do que ele. Punha à disposição do Governo português toda a sua influência para que a ordem na ilha de Bissau nunca fosse alterada.”

Respondeu o Governador que aceitava este preito de homenagem, que imediatamente ia dar conhecimento ao Governo da metrópole, e que o Governo português estava pronto a proteger todos aqueles que mostrassem submissos às suas ordens e que nada mais queria senão paz e trabalho, porque eram as únicas garantias do progresso do desenvolvimento da Guiné. Na sequência deste auto de preito e homenagem segue-se o auto da ocupação do território de Intim, na circunstância foi batizada em Bolama o rei de Intim, Tabanca Soares, com o nome de Carlos. Dava-se como confirmado que os povos da ilha de Bissau (Intim, Antula, Bandim, Biombo e Safim) têm se esmerado em demonstrar respeito e amizade pelo Governo. No ato de se assinar o auto de ocupação, o negociante Otto Schacht, como o mais antigo estrangeiro na Guiné, levantou um viva à bandeira portuguesa e a Sua Majestade, foi correspondido pelo Governador e todas as pessoas presentes, deram-se vivas aos chefes de Estado a Alemanha, Inglaterra, França, Itália e Bélgica.

Dezembro de 1897, vai chegar novo Governador, 1.º Tenente da Armada Real, Álvaro Herculano da Cunha
Morreu Pedro Ignacio de Gouveia, duas vezes Governador da Guiné
Provavelmente atividade tipográfica na Imprensa Nacional da Guiné. Imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares
Estaleiros da Casa Gouveia no Ilhéu do Rei. Imagem restaurada e que consta da Casa Comum/Fundação Mário Soares

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 19 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26510: Historiografia da presença portuguesa em África (467): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26510: Historiografia da presença portuguesa em África (467): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Os Boletins Officiais de 1896 e 1897 são muito monocórdicos para meu gosto, isto quando, afinal, quando toma posse em janeiro de 1896, Pedro Ignacio de Gouveia, pela 2.ª vez governador, diz abertamente que vai confrontar com um mar de dificuldades, os conflitos do Forreá parecem eternizar-se; o relatório sobre as condições higiénicas e de saúde pública alusivas a 1896 fazem-nos pressentir que a capital é quase uma enxovia, os materiais importados quer para os hospitais ou para as instalações militares estavam totalmente desinseridos do espaço e do clima, interrompera-se a macadamização das ruas, a ilha tinha pontos saudáveis mas a escolha do lugar da capital era totalmente desacertada, enfim, o responsável da Junta de Saúde vai dizendo verdades com punhos. Notícia curiosa é a da experiência em curso para ver se a Guiné aderiria a um novo sistema de comunicação, a dos pombos-correios.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23)


Em termos informativos, o Boletim Official referente a 1896 e 1897 é quase uma maçadoria, muitos relatórios de saúde pública, transcrição de regulamentos de Lisboa, chegadas e partidas, nomeações, louvores e punições e, como veremos, há muito mais mundo que a descrição de patentes, comércio internacional, taxas alfandegárias ou artigos didáticos como aquele que nos explica a borracha.

Temos novo Governador, regressa Pedro Ignacio de Gouveia, dirá coisas a propósito, vem registado no Boletim Official n.º 4, de 25 de janeiro: “Reconheço as dificuldades sempre crescentes e renováveis para manter no estado pacífico as tribos irrequietas de diversas origens tão disseminadas por esta província. Para o natural desenvolvimento da província carecemos mantê-la num estado de pacificação tão completo quanto o comércio e a agricultura possam desafogadamente expandir-se.”

Anteriormente, o Secretário-Geral do Governo discursará assim: “É certo que com a ocupação do Forreá, devido à iniciativa e bom senso do antecessor de V.ª Ex.ª, o capitão-tenente da Armada, Eduardo João da Costa Oliveira, muito há a esperar que melhorem consideravelmente as circunstâncias do tesouro público.”

Temos também que saber ler notícias curtas, como aquela que diz que Sua Majestade, a quem foi presente o relatório do Governador da Guiné acerca do aprisionamento do régulo Damá, e do seu principal chefe de guerra Moló-Lajó, que há muito hostilizavam os povos do Forreá, se comprazia e louvava o 2.º tenente da Armada, José de Oliveira Júnior – o que quer dizer, por outras palavras, que a questão do Forreá era uma tormenta permanente.

Passando agora para o Boletim Official n.º 20, de 16 de maio, veja-se o que escreve o Governador:
“Encontra-se a vila de Bissau, entre muralhas, nas condições de não comportar mais edificações, com uma população já bastante acumulada, razões de ordem pública não aconselham a ampliar a área, é certo que para alguns naturais já foi consentido a seu pedido estabelecer edifícios para habitações fora dos muros.
O comércio, porém, necessita de estabelecer armazéns à beira-mar, para fácil tráfego de embarque e desembarque de mercadorias permutadas com o indígena.
A situação geográfica do ilhéu do rei, fronteira a Bissau, permite que os negociantes, tendo a sua habitação na vila, edifiquem vastos armazéns neste ilhéu, hoje apenas ocupado, quase, que pelo Lazareto.
Bissau e o ilhéu do Rei é a chave do comércio entre os povos de Geba, Corubal, Balantas e Biafadas e pode desenvolver-se extraordinariamente quando o comércio encontre facilmente onde armazenar as mercadorias, o que presentemente não tem, e que o indígena ali traz para permutação.”

E o Governador Pedro Ignacio de Gouveia faz certas determinações sobre o aforamento do ilhéu do Rei.

É também altura de sabermos um pouco mais sobre o estado da saúde e os Boletins Officiais n.º 16 e 17, respetivamente de 17 e 24 de abril, dão-nos sumariamente conta. Para o autor Bolama é a população mais saudável em toda a província, porém são desgraçadas as condições higiénicas na capital. “Situada em terrenos baixo e argiloso, que absorve e retém durante as chuvas grande quantidade de água sem escoante possível, com uma praia totalmente lodosa, uma atmosfera excessivamente húmida, uma temperatura ordinariamente elevada, com habitações péssimas, água ordinária, com falta de recursos necessários para manter a regular limpeza das ruas.”

E acrescenta:
“Tenho notado desde que vim para o Ultramar que nunca foram as condições higiénicas de situação que presidiram à escolha do local para as diferentes povoações. Naturalmente mesquinhos e insignificantes interesses foram atendidos de preferência aos higiénicos para a escolha do local onde assenta a povoação de Bolama, quando bem perto tínhamos pontos mais saudáveis, em muito melhores condições de altitude, com praia arenosa, água regular, etc.; e o que se dá com Bolama dá-se em maior escala com todas as povoações que conheço na província, sobretudo Bissau, o empório comercial da Guiné e Geba. Em Bolama não há uma única habitação que se possa dizer razoável. Se há três casas que pela sua aparência grandeza e material empregado são as melhores da capital, estão, contudo, bem longe de satisfazer, relativamente à higiene o que era absolutamente necessário.”

E vai esmiuçando o material empregado na maior parte das construções, a má escolha dos pavilhões importados para serem edifícios públicos, piores ainda os pavilhões destinados ao alojamento dos oficiais, refere a falta de ventilação e, sobretudo, a falta de higiene. A água é ordinária. “A única suportável é a denominada do Intachá, nascendo a 2 km da povoação. À simples vista, parece pura por ser límpida, mas com certeza tem em suspensão muitos microrganismos e outras substâncias orgânicas, porque demorando envasilhada durante algum tempo, começa a fazer sentir-se o seu mau cheiro.”
Não esquece a irregular limpeza das ruas, largos, pátios e quintais e o facto de no princípio das chuvas tudo se torna num mar de lodo. “Macadamizadas as ruas com uma convexidade acentuada completada a obra iniciada pelo vogal da Junta de Saúde, dr. António Maria da Cunha, quando diretor interino das obras públicas, que mandou abrir largas valetas nas ruas para escoante das águas, ter-se-ia conseguido muito em benefício de Bolama. Mas apesar de se terem já corrido alguns meses depois de que as valetas foram abertas, e de terem vindo tubos para serem colocados nos pontos necessários, ainda elas não foram convenientemente empedradas e cimentadas como é indispensável, a não ser nas duas frentes da Casa Comercial Gouveia e à custa do seu proprietário.”
E vai por aí fora: o sistema de remoção das fezes, a situação do cemitério, o estado do hospital, é uma descrição minuciosa que nos provoca consternação.

Isto que acabámos de escrever tem a ver com o relatório de abril de 1897. Voltando a 1896, e à laia de despedida desse ano, regista-se a publicação de uma portaria do Boletim Official n.º 37, de 12 de setembro, em que se nomeia o capitão do quadro de comissões Luís da Costa Pereira para proceder à montagem dos pombais militares em Bolama e Bissau, seguindo no treino as instruções do continente de Portugal, e experimentando se os pontos indígenas podias ser empregados nos serviços de pombos-correios.

Publicidade publicada num número do Boletim Official da Guiné Portuguesa, 1923
(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 12 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 18 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, pág. 806)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Quando der por concluído a leitura destes Boletins até ao final do século regressarei à leitura da importante obra de Armando Tavares da Silva intitulada A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926, Caminhos Romanos, 2016, iremos acompanhar o que de facto se passou neste período em que os Boletins Officiais parecem condenados a um discreto silêncio das profundas tensões interétnicas, só ali e acolá é que se fala em autos de submissão e vassalagem, meros proformas em que os grupos étnicos procuravam um compasso de espera para voltar à rebelião. Por isso, aqui se recupera um documento de 1894, os régulos da Península de Bissau a pedirem para serem perdoados e o Governador a apresentar uma lista gordinha de obrigações de cumprimento a breve trecho. E de novo se aproveita um relatório do chefe da Junta de Saúde César Gomes Barbosa, ele é exigente e não tem pejo em dizer as verdades, sabe perfeitamente que nem sempre é atendido, aliás vive-se um período na Guiné que é muito incómodo em Lisboa, o dinheiro escasseia e nas prioridades estão as expedições militares, sobretudo em Moçambique.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22)


Mário Beja Santos

Que o leitor não se surpreenda, não pretendo ficcionar que os eventos que merecem ser destacados são praticamente inexistentes entre 1894 e 1895. Recorda o leitor aquele ato de submissão prestado pelos Grumetes e Papéis de Intim, Bandim, Antula e Safim, vieram ao Palácio do Governo em Bissau assinar o ato de submissão, trouxeram os homens grandes das suas tribos, declarando a sua resolução que o Governo de Sua Majestade lançasse no esquecimento as ofensas que havia recebido porque quanto a eles iam procurar por meio de boas ações de conquistar a confiança do Governo. Bem interessante é a resposta do governador, estava pronto em nome de Sua Majestade em conceder-lhes o perdão, mas para isso era necessário que todos eles se sujeitassem às condições que lhes ia impor. E elenca um rol de condições, como se sintetiza: entregar dentro de 30 dias todos os soldados desertores que estiverem na ilha de Bissau, sob pena de trazerem em sua substituição seis vacas por cada um que faltar ou que não indiquem o local onde possam ser encontrados; trazerem para a praça todas as armas aperfeiçoadas que tiverem em seu poder; não procurar intervir, sobre pretexto algum nos terrenos compreendidos na área de um polígono de perímetro afastado 350 m da praça de Bissau; conservar livres os caminhos através da ilha, garantindo a vida dos que por eles transitarem, protegendo e facilitando as relações comerciais; prestar serviços de trabalhos na praça, para que os chefes ou régulos das tribos perdoadas distribuirão o pessoal das povoações, cada um deles tem direito à ração durante os dias que trabalharem; para tornarem a habitar Bandim, Intim e terrenos próximos, cujas povoações foram destruídas pelas novas forças e para se não continuar o bombardeamento de Antula, obrigam-se a satisfazer anualmente como tributação de submissão o imposto de cabeça de 160 réis por cada indivíduos, pago em quatro prestações trimestrais de 40 réis; nomear-se-á para cada uma das três tribos um homem que informará o Governo do que entre eles se passa, sendo-lhe garantida a vida e bom acolhimento na povoação que tiver de visitar, etc. etc. (matéria constante do Boletim Official n.º 32, datado de 11 de agosto de 1894).

Já aqui se falou dos pertinentes relatórios elaborados pelo chefe do serviço de saúde, César Gomes Barbosa. No Boletim Official n.º 34, de 24 de agosto de 1895, temos agora o relatório do serviço de saúde referente a 1893. Logo Gomes Barbosa assinala a falta de pessoal médico. Como não apareciam facultativos de 1.ª classe, tinham sido convidados facultativos de 2.ª classe das escolas do reino em serviço no Ultramar, garantindo-se-lhes que seriam promovidos a 1.ª classe. Apareceram facultativos do quadro de saúde de Cabo Verde. Estes facultativos vão ter sérios problemas de acolhimentos, a par de vir a encontrar o clima insalubre, na Guiné havia uma completa falta de casas com condições higiénicas para eles. Explica a falta de facultativos porque os médicos que servem na Guiné não têm uma recompensa pelos serviços a que se expõem.

Em janeiro de 1893, a enfermaria de Bissau sofreu um grande incêndio, o médico pediu providências ao Governador, veio de canhoneira até Bissau para escolher um edifício particular com boas condições, na ocasião de vir até Bissau trouxeram oito camas e roupas para se suprir tudo o que havia sido queimado. Lá se encontrou uma casa destinada a servir para o hospital. E explica a organização que imprimiram ao espaço; chegaram quatro irmãs hospitaleiras em fevereiro desse ano, distinguia-se a superiora Maria Patrocínio de São José, profundamente bondosa. Refere os serviços prestados pelas profissionais de saúde, dá conta das roupas, utensílios e camas.

Alude à topologia das doenças, o paludismo, as úlceras, as doenças de pele, o sarampo, a varíola, etc. Temos agora o quadro da higiene, volta a enfatizar a necessidade de se aperfeiçoar a limpeza das ruas e controlar a acumulação de imundícies, as fontes continuavam a não ser policiadas, a polícia municipal era pouco exigente, isso podia-se ver, por exemplo, no estado do cemitério. E informava a quem de direito que continuava tudo no mesmo estado, nenhuma obra era digna de referência, à semelhança de relatórios anteriores. Volta a enfatizar o grave problema da vacinação. Esta é a sumula dos acontecimentos que ele nos deixa, embora seja muito detalhado a falar a medicina legal, ramo que continuava a ser muito defeituoso no Ultramar, pela falta de um local apropriado para exames cadavéricos e autópsias. Não esqueceu a sanidade marítima, orgulha-se de se ter conseguido alcançar a montagem do lazareto, funcionava o serviço de desinfeção.

Haverá relatórios posteriores, são peças de grande significado como registo do quadro de saúde pública da Guiné no fim do século XIX. Ele está nitidamente obcecado pela vacinação, dá sugestões, embora descrente que venham ser postas em prática:
“Entendo que não deve ser permitido ao gentio vir habitar as localidades ocupadas pelas nossas autoridades sem ser vacinado. Para isso, a Junta de Saúde fará regulamento especial em que se estabelecerá a vacinação para os que de novo entrem depois de se conseguir a vacinação geral dos que já residem ao tempo nos povoados. Procedimento igual é usado em S. Tomé, com os serviçais e numa das colónias francesas com os colonos que para elas são mandados. Ora o gentio que abandona temporária ou definitivamente a sua morança para vir habitar nas nossas povoações pode nesta ser considerado como as levas de colonos de S. Tomé (serviçais) e exigisse-lhes como condições sine qua non o serem vacinados. É um alvitre merecer a aprovação que parece que dará bons resultados, evitando os frequentes casos isolados de varíola que se dão entre os indígenas que recolhem as nossas praças, ameaçando assim a saúde pública, alarmando os habitantes e por várias vezes como em 1887, criando graves transtornos ao comércio e à navegação.”

Estes relatórios dos serviços de saúde ir-se-ão repetindo, mais tarde o Governador irá louvá-lo pelo seu lavor em escrita tão documentada. E vamos agora mudar de ano.


Agência em Bolama do BNU, depois Hotel do Turismo, agora uma ruína completa
Monumento em Bolama, imagem retirada de RTP Arquivos, setembro de 1961

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 5 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26462: Historiografia da presença portuguesa em África (463): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (21) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26471: Notas de leitura (1770): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Vellez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
Finda aqui a digressão pelo livro de Armando Tavares da Silva, "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016, foi a nossa bengala como contraponto à rotina burocrática do Boletim Official da Guiné Portuguesa. Com efeito, o Boletim Official, talvez tirando o período da governação do tenente-coronel Vellez Caroço, é meticuloso quanto à publicação dos diplomas emanados pelo Governo em Lisboa, elenca nomeações, movimento marítimo, aforamentos e concessões de terrenos, etc., etc., mas sonega-nos informações da vida quotidiana, conflitos interétnicos; é evidente que nos vamos apercebendo da gradual presença portuguesa dentro da colónia e como se está a alterar o movimento import-export, vão saíndo empresas estrangeiras, a CUF tem um papel dominante e, já mais atrás, a Sociedade Comercial Ultramarina. Sinto falta a partir de agora de uma obra que me permita o contraponto ao Boletim Oficial, usarei como recurso a História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936, de René Pélissier, mas sinto que há um vácuo entre 1928 e 1933, isto a despeito do golpe revolucionário republicano que eclodiu na Guiné entre maio e abril de 1931. A ver vamos como se poderá tapar esta lacuna.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Velez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13)

Mário Beja Santos

Chega à Guiné em junho de 1921, a colónia tinha estado durante um ano entregue ao secretário-geral Sebastião Barbosa, tinham-se praticado muitas irregularidades. Vellez Caroço tinha apostado em sanear a vida pública da província, faz-se acompanhar do seu sobrinho, que irá exercer as funções de seu chefe de gabinete. Prontamente inicia as visitas pelo território, reconhece que era necessário dissolver a Comissão Municipal de Bissau, o ministro também lhe propõe o restabelecimento do Conselho de Governo. Este oficial de Infantaria conheceu seguramente inúmeros desagradáveis conflitos, é firme e enérgico, anuncia publicamente que não se afastaria uma linha de cumprimento dos seus deveres, indica uma série de ligações que considera prioritárias; Brames a Cacheu, Farim e Bafatá; Mansoa a Bafatá, S. João a Buba, entre outras. É aprovada a criação da circunscrição de Cacine. Já em rota de colisão com Sebastião Barbosa, anula disposições por este tomadas, mas punha-se um problema concreto relativamente à concessão de terrenos, o governador temia as especulações.

Os problemas não se ficaram por aqui: o ex-governador Carlos Pereira havia requerido a concessão por aforamento de 25 mil hectares de terreno na Costa de Baixo, os indígenas protestaram contra esta concessão, nasce processo, o ministro não vê condições para anular a decisão, o governador não desanima, sempre que suspeita de indícios de corrupção manda fazer sindicâncias, não faltou uma sindicância ao coronel Quinhones de Matos Cabral, é suspenso Sebastião Barbosa, vai decorrendo a moralização da vida pública, o governador tem amigos e inimigos, a intriga chega a Lisboa, o ministro resiste e congratula-se com a ação governativa.

Em agosto de 1922, Vellez Caroço elabora o seu primeiro relatório, exprime a sua preocupação com o saneamento da província, já que altos funcionários eram acusados de faltas que iam desde o abuso de autoridade até aos crimes de peculato. Lembra o ministro que há uma tentativa surda de afastamento da colónia da esfera da influência portuguesa. A campanha de difamação contra o governador chega ao Parlamento e à imprensa de Lisboa. Nesse mesmo primeiro relatório, sempre pondo o seu lugar à disposição do Governo, Vellez Caroço fala num período de estabilidade, lembra que era preciso fazer um regulamento do trabalho indígena que estabelecesse um mínimo de trabalho para cada indivíduo. Não poupando a verdade dos factos, o governador afirma que a província se encontrava enxameada de empregados recrutados em Cabo Verde, com pouquíssimas habilitações.

Outros escolhos pendiam sobre a Guiné, a situação financeira, a questão das cambiais e o imposto de palhota. O ministro decidira que fosse adotado na colónia o estabelecimento de uma sobretaxa a que ficariam sujeitas as mercadorias exportadas; tal valor seria devolvido se dentro dos dez dias subsequentes o exportador entregasse na agência do BNU todo o valor, em moeda estrangeira, da sua exportação ou reexportação. Cresceu o descontentamento, o comércio da Guiné sentia-se altamente prejudicado com as disposições deste decreto, dizendo que havia uma escandalosa proteção à CUF. Logo no início de 1923 se verificou que o BNU não tinha numerário suficiente para permitir as transações. O problema vai-se agudizando, em agosto de 1924 Vellez Caroço torna a pedir providências, mantinham-se as dificuldades em fazer transferências para Lisboa, a agência do BNU não tinha recebido ordens de acesso para as fazer. Na ausência de moeda, o governador foi obrigado a procurar meios de aumento das disponibilidades, aumentou a taxa de imposto de palhota, mas foi manifestamente insuficiente. Novas cartas ao Governo, Vellez Caroço pede a demissão e foi-lhe dada, o governador regressa amargurado, em Lisboa sucedem-se os governos, Vellez Caroço acaba por ser nomeado de novo governador, quando chega, ele que se referia aos seus primeiros anos da Guiné como de paz, chega e encontra tumultos para resolver. Tudo começa na região de Nhacra, é decretado estado de sítio, o governador avança para o local dos incidentes com cem homens e peças de artilharia, a população apresenta-se, mas é mantido o estado de sítio, as operações só acabam dias depois.

Em 1925, nova operação em Canhabaque, bem-sucedidas, pelo menos temporariamente.

Esta ação de fomento do governador é notória, são melhoradas as estradas, é inaugurada uma linha telegráfica Farim – Kolda – Dacar. São tomadas medidas de fomento educativo, é criada uma escola noturna de ensino primário, retificam-se fronteiras e reconstroem-se antigos marcos que se achavam danificados. Graça Falcão continuava a ser uma figura controversa; demitido o Exército, mantivera-se ativo na vida da província, propusera-se como candidato a deputado pela Guiné, não tem sucesso mas consegue uma carreira na administração local, conhece castigos, transferências, inquéritos, sai sempre ilibado. Tavares da Silva dá nota da crise fiduciária em 1925, não há possibilidade de manter o equilíbrio orçamental e o delegado do BNU em Bolama recebera ordens da sede para não continuar a fazer transferências para a conta da colónia no Ministério, por falta de cobertura de Lisboa porque tal medida significativa a paralisação dos fornecimentos e dos pagamentos da colónia.

A tensão vai crescendo entre Bolama e Lisboa, o BNU fez a proposta segundo a qual o comércio exportador obrigava-se ao depósito na colónia de 50% do valor da exportação, mas não chegava o dinheiro para pagar os vencimentos aos funcionários. Em Lisboa sucediam-se alterações ministeriais umas atrás das outras. Vellez Caroço novamente pede a demissão, as dificuldades financeiras com que se deparava a província foram aproveitadas pelos adversários de Vellez Caroço, lançaram-lhe novos ataques. Em Lisboa, o jornal O Século também o destrata, refere-se que tinha mandado abrir sem plano nem critério estradas pessimamente construídas e por indígenas que ainda não tinham sido renumerados, a CUF apostava na saída do governador. Ele vem a Lisboa, dirige ao ministro uma exposição relatando todo o problema das transferências, para obviar as reclamações do comércio, o governador propõe que o Governo da metrópole ceda 50% das cambiais provenientes da exportação e reexportação da Guiné; publica-se uma portaria em que o Governo dispensa chamar a si as cambiais correspondentes aos produtos reexportados, satisfazia-se assim a Casa Gouveia.

Tudo isto ocorre nas vésperas do 28 de maio, o comércio de Bolama pede insistentemente ao Governo o regresso imediato do “honesto de Vellez Caroço”, segue o pedido da Câmara Municipal de Bolama, em 23 de junho Vellez Caroço reassume o Governo e elabora um diploma de acordo com o que tinha sido estabelecido com o Governo Central, procura-se uma solução para a questão das transferências. A associação comercial de Bissau manifesta-se em oposição ao governador, este discute a situação com o comércio exportador, os comerciantes de Bolama e Bissau estão divididos. Continua a faltar numerário na circulação da Guiné. Tudo acabará com a verdadeira exoneração de Vellez Caroço em dezembro de 1926.

O trabalho de Tavares da Silva termina com a referência de que Vellez Caroço regressado a Lisboa envolve-se nas sublevações militares de fevereiro de 1927, vindo a ser preso e deportado para a Angola. Resta o epílogo. Vale a pena reter alguns parágrafos.

“As dificuldades financeiras da Guiné e a falta de cambiais continuariam ainda por vários anos a afetar o comércio, sendo o de menor dimensão o mais prejudicado. Igualmente as atividades de fomento, que tiveram um assinalável incremento durante a governação de Vellez Caroço, iriam ser afetadas, assim como os serviços de administração local. Porém, a partir de meados dos anos 30 as contas da colónia passaram a apresentar saldos positivos, aliviando as dívidas ao exterior.
A Casa Gouveia, onde a CUF tinha uma participação, ia adquirindo uma posição cada vez mais dominante no comércio local, quase monopolizando a atividade exportadora e comercial da província. Desde a pacificação da ilha de Bissau com a campanha de Teixeira Pinto, em 1915, que a província vivera sem que operações militares de envergadura ocorressem, excetuando a campanha de Canhabaque de Vellez Caroço. Novas operações só vêm a ter lugar em 1933 na região dos Felupes, prolongando-se pelo ano seguinte; e, em 1935-l936 ocorre uma outra campanha nos Bijagós, também na ilha de Canhabaque. Era, porém, a última grande operação militar na Guiné. A partir desta, e terminada a Segunda Guerra Mundial, a Guiné viverá um período de paz que lhe vai possibilitar notável desenvolvimento, sobretudo sob o Governo de Sarmento Rodrigues.”


Armando Tavares da Silva
Bilhete-postal de 1900
Bilhete-postal de 1900
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Notas do editor:

Vd. post de 31 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26445: Notas de leitura (1768): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26455: Notas de leitura (1769): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (4) (Mário Beja Santos)